O Processo de Alfabetização e as Práticas Pedagógicas

The Literacy Process and the Pedagogical Practices.

 

Maria Emiliana Lima Penteado

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, São Paulo, Brasil

emipenteado@gmail.com - http://orcid.org/0000-0002-3953-1525

 

Ana Lucia Madsen Gomboeff

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil

analu.madsen@gmail.com - http://orcid.org/0000-0001-6147-7003

 

Recebido em 10 de novembro de 2020

Aprovado em 05 de setembro de 2022

Publicado em 04 de novembro de 2022

 

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar e analisar as práticas pedagógicas de duas docentes acerca do processo de alfabetização de crianças do 1º e 2º Ano do ensino fundamental. Essas duas professoras redigiram dois registros nos quais narraram suas práticas pedagógicas de alfabetização. Esses registros foram tomados como material de análise. O procedimento denominado Núcleo de Significação (NS), proposto por Aguiar e Ozella (2013), orientou a análise dos dados. A base teórica ancora-se no método Materialista Histórico e Dialético, preconizado por Friedrich Engels (1820-1878) e Karl Marx (1818-1883), que fundamenta a Psicologia Sócio-Histórica, pautada nos estudos de Lev Vigotski (1896-1934). Fundamenta-se, ainda, nos estudos de Volochinov (1995), Freitas (2002) e Faraco (2009) que estudaram diferentes vertentes dentro do campo da linguagem. Os resultados indicam a importância da formação continuada docente, do trabalho coletivo e do acompanhamento pela coordenação pedagógica da prática pedagógica das professoras alfabetizadoras.

 

Palavras-chave: Processo de alfabetização; Prática pedagógica; Psicologia Sócio-histórica.

 

ABSTRACT

The objective of this article is to present and analyze the pedagogical practices of two teachers about the literacy process of children in the 1st and 2nd year of elementary school. These two teachers wrote two records in which they narrated their pedagogical practices of literacy. These records were taken as material for analysis. The procedure called Meaning Core (NS), proposed by Aguiar and Ozella (2013), guided the data analysis. The theoretical basis is anchored in the Historical and Dialectical Materialist method, advocated by Friedrich Engels (1820-1878) and Karl Marx (1818-1883), which underlies Socio-Historical Psychology, based on the studies of Lev Vigotski (1896-1934) . It is also based on studies by Volochinov (1995), Freitas (2002) and Faraco (2009) who studied different aspects within the field of language. The results indicate the importance of continuing teacher education, collective work and monitoring by the pedagogical coordination of the teaching practice of literacy teachers.

 

Keywords: Literacy process; Pedagogical practice; Socio-historical Psychology.

 

Introdução

Sonha-se com uma escola ideal, que favoreça a todos, sem distinção, um processo de alfabetização que ajude no combate às injustiças sociais, que rejeite a conformidade, a obediência cega, a não-criticidade e o silêncio e que esteja voltado a uma ação cultural, social e política emancipatória. Sabemos que a escola dos sonhos ainda está distante da escola que temos, mesmo que, contraditoriamente, em documentos oficiais a escola ideal seja descrita e assegurada, como na Constituição Federal de 1988, em seus Artigos 205 e 206 (BRASIL, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005 (BRASIL, 2014) e, mais recentemente, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) - o que podemos considerar um avanço. 

Apesar das contradições que se apresentam, mesmo que, muitas vezes, ainda incipientes, podemos apontar mudanças significativas na prática docente. Percebe-se que, paulatinamente, as práticas pedagógicas de alfabetização ancoradas na memorização de sílabas e nas formas cumulativas e simplificadas de ler e escrever desprovidas de significado e afastadas da realidade têm sido substituídas por propostas baseadas na alfabetização e no letramento – o que significa trabalhar concomitantemente com a apropriação/aquisição da língua escrita e com o uso social dela. Em outras palavras, o processo de alfabetização pautado unicamente na simples sistematização do “B + A = BA”, ou seja, apenas na aquisição de um código baseado na relação entre fonemas e grafemas tem dado espaço para práticas pedagógicas que envolvem “tanto o domínio do sistema alfabético/ortográfico quanto a compreensão e o uso efetivo e autônomo da língua escrita em práticas sociais diversificadas” (VAL, 2006 p. 19).

Pautando-se no entendimento do ensino da leitura e da escrita não apenas como uma habilidade motora, mas como “habilidade cultural complexa” (VIGOTSKI, 2007, p. 132), duas professoras, uma do 1º Ano e a outra do 2º Ano do ensino fundamental que atuam em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RMESP), redigiram dois registros nos quais narraram suas práticas pedagógicas de alfabetização. Esses registros foram tomados como material de análise neste artigo. O procedimento denominado Núcleo de Significação (NS), proposto por Aguiar e Ozella (2013), orientou a análise desses registros.

O objetivo deste texto é apresentar e analisar as práticas pedagógicas de duas docentes acerca do processo de alfabetização de crianças do 1º e 2º Ano do ensino fundamental.

A base teórica que orientou este estudo está pautada no método Materialista Histórico e Dialético, preconizado por Friedrich Engels (1820-1878) e Karl Marx (1818-1883), que, por sua vez, fundamenta a Psicologia Sócio-Histórica, ancorada nos estudos de Lev Vigotski (1896-1934). Fundamenta-se, ainda, nos estudos de Volochinov (1995), Freitas (2002) e Faraco (2009) no que tange a área da linguagem.

Inicialmente, explicita-se os pressupostos teórico-metodológicos que orientam este trabalho. Em seguida, tendo como ponto de partida os estudos de Vigotski (2004, 2007, 2009) e as contribuições de alguns autores contemporâneos como Volochinov (1995), Freitas (2002) e Faraco (2009) que tratam da linguagem, discorre-se sobre a concepção de alfabetização na qual se assenta este artigo Em continuidade, apresenta-se fragmentos dos registros das professoras alfabetizadoras, junto à análise interpretativa desses registros de práticas. Nas considerações finais, evidencia-se a importância da formação continuada docente, do trabalho coletivo na escola e do acompanhamento pela coordenação pedagógica da prática pedagógica das professoras alfabetizadoras.

 

Pressupostos teórico-metodológicos

Os pressupostos teóricos e metodológicos do método Materialista Histórico e Dialético e da Psicologia Sócio-Histórica orientam a análise das práticas pedagógicas de alfabetização das duas professoras neste artigo. À luz desse referencial, busca-se compreender o movimento complexo do ser humano, analisando as diferentes mediações que o constituem e, desse modo, explicar a dinâmica da realidade especificamente humana.

Para apresentar explicações críticas, considerando a análise da realidade concreta, utiliza-se categorias, isto é, construtos teóricos que carregam a materialidade do fenômeno em seu processo de desenvolvimento, buscando aprendê-lo em seu movimento, na sua história, indo além do aparente e do comportamento fossilizado (VIGOTSKI, 2007).

Neste artigo, utiliza-se, como base para analisar as práticas pedagógicas de alfabetização, as categorias: sentidos e significados e pensamento e linguagem. Essas categorias são próprias da Psicologia Sócio-Histórica. Ressalta-se que as categorias não podem ser compreendidas isoladamente, pois se constituem mutuamente. Isso significa que cada categoria contém as outras em sua totalidade. Contudo, pode-se destacar algumas delas, como feito neste texto.

Segundo Vigotski (2009), os significados podem ser explicados como produções históricas, sociais e culturais mais estáveis, por isso, possíveis de ser “dicionarizadas”. No entanto, essa estabilidade não significa que sejam estáticos. Pelo contrário, os significados se transformam na história e permitem a comunicação e a socialização das experiências produzidas pelos seres humanos. Como afirma Aguiar (2006, p.14), os “significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades”.

O significado configura o ponto de partida para compreensão do ser humano, sendo necessário adentrar nas zonas de sentidos, para apreendê-lo na sua totalidade, para além da sua aparência. Assim, o sentido, ao contrário do significado, configura-se de forma particular, menos estável, mais dinâmico, complexo e com maior fluidez. Mesmo sendo diferentes entre si, sentido e significado são inseparáveis, pois constituem um par dialético, uma unidade de contrários. Explicando melhor, sentido e significado são dois elementos que constituem uma unidade, conservando suas especificidades e diferenças.

Ao analisar as práticas pedagógicas das duas professoras alfabetizadoras, busca-se identificar os significados que elas atribuem ao próprio fazer pedagógico. Adentra-se no campo dos sentidos quando se evidencia o que as docentes pensam sobre suas práticas de alfabetização, como se sentem ao desenvolvê-las e como agem ao realizá-las. Ao analisar os relatos das docentes, toma-se as categorias pensamento e linguagem para explicar o movimento de apropriação das práticas pedagógicas realizado pelas professoras e objetivado em suas escritas.

Assim como sentido e significado, pensamento e linguagem, como unidade de contrários, constituem-se mutuamente e são inseparáveis.  Porém, isso não significa que o pensamento é, na sua totalidade, expresso na linguagem, aparentando um processo mecânico, de relação causal. Ao contrário, o que ocorre é uma relação processual dinâmica, modificável e movente. O pensamento pode ou não se concretizar por meio da fala, da linguagem (VIGOTSKI, 2009, p. 409).

A linguagem, como um produto social e histórico constitui-se um instrumento fundamental no processo de constituição do ser humano. Vigotski (2009) estudou a linguagem como uma função psíquica superior, definindo-a primeiramente como sendo social, ou seja, o resultado da relação entre os indivíduos com o mundo social e físico que o cerca, para, somente depois, ser interiorizada, como resultado da ação do próprio indivíduo, transformando-se, assim, em um instrumento regulador do comportamento essencialmente humano.

O ser humano, por meio da linguagem, pode transmitir suas representações, de uma geração a outra, podendo também refletir sobre o mundo que cria e, ao criá-lo, pode estruturar seu pensamento. A palavra é parte integradora do processo de constituição humana e pode expressar o pensamento, ou seja, o pensamento alcança sua realização na palavra. Isso posto, neste artigo, considera-se a palavra como unidade fundamental de análise das significações das professoras.

 

Concepção de Alfabetização

Para compreender o que e como a escrita representa o sujeito precisa interagir prolongadamente com esse objeto simbólico, em diversos contextos que lhe atribuam diferentes significados, já que “o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto” (VOLOCHINOV, 1995, p. 92). Essa interação deve ocorrer com a mediação de um informante mais experiente que mostre ao sujeito as diferentes funções e usos que a escrita pode assumir nos contextos, suscitando-lhe, assim, inúmeros questionamentos acerca desse objeto social.

Desse modo, o processo de alfabetização não deve ocorrer por meio de palavras e sentenças soltas, visto que dessa forma “não tem autor, não pertencem a nada” (FREITAS, 2002, p. 136). Essa abordagem não garante ao sujeito a capacidade de se fazer entender e entender o outro. A autora explica, com base na perspectiva bakhtiniana de linguagem, que a sentença e a palavra só ganham status de situação concreta de comunicação discursiva, se inseridas num enunciado completo. Portanto, desconsiderar a “natureza social e dialógica do enunciado seria apagar a profunda ligação existente entre a linguagem e a vida. Os enunciados não existem isolados: cada enunciado pressupõe seus antecedentes e outros que o sucederão” (p.138). Desse modo, defende-se que a alfabetização ocorra por meio do trabalho com textos que, de acordo com os postulados bakhtinianos, por sua vez, se organizam dentro de gêneros discursivos, ou seja, tipos relativamente estáveis de enunciados que organizam nosso discurso (FARACO, 2009) e que estão presentes na vida em sociedade.

É preciso conceber a alfabetização sob o âmbito de diferentes facetas. Soares (2018, p. 346) pondera que “a faceta linguística, à qual se reserva a denominação de alfabetização, é componente necessário, mas não suficiente, do processo de aprendizagem inicial da língua escrita”. Simultaneamente ao trabalho com a faceta linguística, esclarece a autora, precisa ocorrer o trabalho com as facetas acerca do letramento, ou seja, a faceta interativa e a sociocultural. A primeira abarca “o desenvolvimento de habilidades de compreensão, interpretação, produção de textos, de ampliação de vocabulário, de enriquecimento de estruturas linguísticas, de conhecimentos sobre convenções a que materiais impressos obedecem” e a última envolve o “conhecimento de fatores que condicionam usos, funções e valores atribuídos à escrita em diferentes eventos de letramento” (p.351).

Para Vigotski (2007), os signos, como instrumentos psicológicos especiais ou instrumentos da consciência, servem como dispositivo de influência do sujeito sobre si mesmo e sobre os outros.  Foi por meio da mediação dos signos e, consequentemente, da linguagem, que o ser humano foi capaz de significar sua relação com o mundo. Dessa forma, a linguagem escrita, para o autor, é inicialmente um símbolo de segunda ordem – atrelado à linguagem oral – que “prenuncia um ponto crítico em todo desenvolvimento cultural da criança” (p. 120). Diante disso, a escrita deve ser ensinada não como uma habilidade apenas motora e sim, como uma atividade criadora e transformadora do mundo.

Faraco (2009, p. 49) corrobora explicando que para Medvedey, bem como para todo Círculo de Bakhtin, “os signos são intrinsecamente sociais, isto é, são criados e interpretados no interior dos complexos e variados processos que caracterizam o intercâmbio social”. Esclarece que os signos, no caso a linguagem, não podem ser concebidos como resultado psicológico de um indivíduo isolado, nem tampouco como um sistema formal abstrato. Ou seja, a alfabetização não pode ocorrer apenas pela memorização dos sinais escritos, que assim concebidos tornam-se um sistema formal abstrato, sob pena de não fazer sentido para quem aprende.

 

Análise e Interpretação dos Dados: Núcleos e Significação (NS)

 

Por meio do procedimento metodológico denominado NS pode-se “superar o imediato, que, por se distanciar da dialética, não alcança a realidade como unidade de fenômenos contraditórios” (AGUIAR; SOARES; MACHADO, 2015, p. 59). Para isso, levantou-se os pré-indicadores, sistematizou-se os indicadores e os NS, seguindo a proposta de Aguiar e Ozella (2013).

O levantamento dos pré-indicadores ocorreu por meio de várias leituras do material selecionado para análise e identificação das palavras com significado, ou seja, “trechos de fala compostos por palavras articuladas que compõem um significado” (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 309) que revelavam indícios da forma de pensar, sentir e agir das professoras alfabetizadoras, conforme indicado no quadro a seguir:

Pré-indicadores do relato de prática  da Professora S

Pré-indicadores do relato de prática  da Professora C

O objetivo desse curso era de oferecer formação em serviço sobre educação inclusiva, a partir de situações desafiadoras indicadas pelos participantes e apoiar profissionais da rede de ensino na elaboração de materiais pedagógicos acessíveis, em consonância com a L.D.B. A metodologia seria conceitual e prática, com encontros presenciais e encontros virtuais, com trabalhos à distância e com construção coletiva de conhecimentos.

 

levei para minha sala de aula tudo o que aprendia no curso.

 

Fizemos a Roleta dentro do curso. Cada escola criou o seu material. Nós criamos a Roleta.

 

Ambos [os alunos] eram acompanhados diariamente por uma estagiária do CEFAI, a H., e desde o início do ano, ela sentava-se entre eles, na frente da minha mesa, onde juntas, planejávamos e avaliávamos as atividades dessas crianças. Era uma pessoa bastante comprometida com seu trabalho e me auxiliou muito, durante todo o ano.

 

Eu e a professora K., sentamo-nos juntas, elencamos algumas palavras dentro do contexto da história [quando o lobo tem fome], fizemos as cartelas, e levamos para a sala de aula.

 

Registrava tudo e enviava para o Instituto, fazendo sempre um trabalho junto com minha coordenadora e com a professora de Sala de Apoio

 

Na ocasião, tinha uma turma de 2º ano, com 31 crianças, na qual 29 eram alfabéticos, porém a maior parte desses, lendo com dificuldade, e dois alunos encontravam-se ainda em processo de alfabetização. Um deles, o D. [nome do aluno], apresentava-se com um quadro de convulsões, que ocorriam, inclusive dentro da sala de aula. Tinha dificuldade em reter informações. Na hipótese de escrita silábica, encontrava-se, ainda como silábico com valor sonoro. O outro aluno era o P. [nome do aluno], não se comunicava oralmente e apresentava Transtorno do Espectro Autista.

 

Esses dois alunos [da educação especial] realizavam atividades junto com as outras crianças, em grupos

 

As cartelas foram distribuídas para as crianças que estavam em duplas. Cada criança pôde girar a roleta e dizer qual a sílaba/letra que ela havia parado.

 

Pensamos, então, em um material que fosse acessível tanto a eles [os dois alunos da educação especial] como para os demais que ainda se encontravam como leitores iniciantes. Assim, surgiu com grande expectativa de nossa parte, a ‘Roleta Silábica.

 

metodologia [da formação] seria conceitual e prática.

 

Diariamente tínhamos na sala o momento da leitura que todos apreciavam muito.  Mas, no dia em que surgiu a história: "Quando o lobo tem fome”, de Álvaro Faleiros, Cristine Naumann Villenin e Kris Di Giacomo, foi um momento singular. As crianças adoraram, pediram para eu ler novamente, riram e pensaram na mudança daquele lobo que queria tanto e planejava, de várias maneiras, comer um coelhinho "branco e macio” tendo um final surpreendente...

 

Todos interessadíssimos, inclusive P [aluno com autismo]! Cada criança, em sua vez, girava a roleta e dizia a sílaba. Os demais, atentos, procuravam em suas cartelas e tinham que realizar a leitura das palavras incompletas para verificar se a sílaba lhe serviria ou não.

 

Quando foi a vez de P. [aluno com autismo], ele foi todo feliz, girou a roleta que registrou uma letra que ele conseguiu pronunciar para os colegas. Foi um momento emocionante e inesquecível, já que a criança não falava!! A Roleta Silábica cumpria com o seu objetivo: atender a todos.

 

Minha turma de 1º ano se encontra em processo de alfabetização e tem progredido muito. Eu e as outras professoras do 1º ano temos trabalhado com o Alfabeto Musical, dentre outras atividades. Lemos juntas os relatórios encaminhados pelas professoras da EMEI e percebemos que as crianças adoram música e que nem todos conheciam as letras do alfabeto.

 

Propus um quebra cabeça com a música Borboletinha para montar em grupos. As crianças foram agrupadas de acordo com suas hipóteses de escrita. Agrupei crianças com hipóteses de escrita próximas. Por exemplo, as crianças pré-silábicas ficaram com algumas crianças silábicas e as crianças silábicas sentaram-se com as crianças silábicas alfabéticas. Até o momento não há criança alfabética na sala.

 

Para os grupos das crianças pré-silábicas, entreguei um saquinho plástico com a letra da música recortada em versos e pedi que montassem a música. Os dois grupos das crianças silábicas alfabéticas receberam parte da música recortada em palavras.

 

Apresentei, então, a música Borboletinha escrita em papel craft com letra bastão. A turma já conhecia a música.

 

Trouxe algumas palavras da música escritas com letra bastão em folhas de sulfite (BORBOLETINHA, COZINHA, CHOCOLATE, MADRINHA) e propus que as crianças adivinhassem o que estava escrito. As crianças foram agrupadas novamente por hipóteses de escrita próximas.

 

Cantamos juntos algumas vezes enquanto eu indicava com a mão cada palavra da música.

 

iniciei o processo de escrita das palavras da música que as crianças mais conheciam. Novamente em grupo, as crianças, com letras móveis, tinham que escrever três palavras da música escolhidas por elas.

 

As crianças interagiram o tempo todo umas com as outras para realizar essa atividade e me perguntaram se faríamos de novo essa brincadeira com a música.

 

Com esse trabalho [alfabeto musical], percebi que as crianças demonstraram maior interesse pelas letras e escrita de palavras.

 

 

 

 

 

 

 

Negritou-se as partes dos pré-indicadores com maior relevância para o objetivo deste estudo e, em seguida, desenvolveu-se a etapa de sistematização dos indicadores na qual articulou-se os pré-indicadores, tomando como critério os aspectos de “similaridade”, “complementaridade” e/ou contraposição (AGUIAR; OZELLA, 2006, 2013), como materializa o quadro a seguir:

 

Indicadores do relato de prática da Professora S

Indicadores do relato de prática da Professora C

Indicador 1 - Formação:

 

O objetivo desse curso era de oferecer formação em serviço sobre educação inclusiva, a partir de situações desafiadoras indicadas pelos participantes e apoiar profissionais da rede de ensino na elaboração de materiais pedagógicos acessíveis, em consonância com a L.D.B. A metodologia seria conceitual e prática, com encontros presenciais e encontros virtuais, com trabalhos à distância e com construção coletiva de conhecimentos.

 

levei para minha sala de aula tudo o que aprendia no curso.

 

Fizemos a Roleta dentro do curso. Cada escola criou o seu material. Nós criamos a Roleta.

 

Pensamos, então, em um material que fosse acessível tanto a eles [os dois alunos da educação especial] como para os demais que ainda se encontravam como leitores iniciantes. Assim, surgiu com grande expectativa de nossa parte, a ‘Roleta Silábica.

 

metodologia [da formação] seria conceitual e prática.

 

Indicador 2 – Educação especial:

 

Ambos [os alunos] eram acompanhados diariamente por uma estagiária do CEFAI, a H., e desde o início do ano, ela sentava-se entre eles, na frente da minha mesa, onde juntas, planejávamos e avaliávamos as atividades dessas crianças. Era uma pessoa bastante comprometida com seu trabalho e me auxiliou muito, durante todo o ano.

 

Na ocasião, tinha uma turma de 2º ano, com 31 crianças, na qual 29 eram alfabéticos, porém a maior parte desses, lendo com dificuldade, e dois alunos encontravam-se ainda em processo de alfabetização. Um deles, o D. [nome do aluno], apresentava-se com um quadro de convulsões, que ocorriam, inclusive dentro da sala de aula. Tinha dificuldade em reter informações. Na hipótese de escrita silábica, encontrava-se, ainda como silábico com valor sonoro. O outro aluno era o P. [nome do aluno], não se comunicava oralmente e apresentava Transtorno do Espectro Autista.

 

Esses dois alunos [da educação especial] realizavam atividades junto com as outras crianças, em grupos.

 

Indicador 3 - Trabalho coletivo:

 

Eu e a professora K., sentamo-nos juntas, elencamos algumas palavras dentro do contexto da história [quando o lobo tem fome], fizemos as cartelas, e levamos para a sala de aula.

 

Registrava tudo e enviava para o Instituto, fazendo sempre um trabalho junto com minha coordenadora e com a professora de Sala de Apoio

 

Indicador 4 - Prática pedagógica:

 

As cartelas foram distribuídas para as crianças que estavam em duplas. Cada criança pôde girar a roleta e dizer qual a sílaba/letra que ela havia parado.

 

Diariamente tínhamos na sala o momento da leitura que todos apreciavam muito.  Mas, no dia em que surgiu a história: "Quando o lobo tem fome”, de Álvaro Faleiros, Cristine Naumann Villenin e Kris Di Giacomo, foi um momento singular. As crianças adoraram, pediram para eu ler novamente, riram e pensaram na mudança daquele lobo que queria tanto e planejava, de várias maneiras, comer um coelhinho "branco e macio” tendo um final surpreendente...

 

Indicador 5 – Reação dos alunos:

 

Todos interessadíssimos, inclusive P [aluno com autismo]! Cada criança, em sua vez, girava a roleta e dizia a sílaba. Os demais, atentos, procuravam em suas cartelas e tinham que realizar a leitura das palavras incompletas para verificar se a sílaba lhe serviria ou não.

 

Quando foi a vez de P. [aluno com autismo], ele foi todo feliz, girou a roleta que registrou uma letra que ele conseguiu pronunciar para os colegas. Foi um momento emocionante e inesquecível, já que a criança não falava!! A Roleta Silábica cumpria com o seu objetivo: atender a todos.

 

Indicador 1 – Prática pedagógica:

 

Minha turma de 1º ano se encontra em processo de alfabetização e tem progredido muito.

 

Propus um quebra cabeça com a música Borboletinha para montar em grupos. As crianças foram agrupadas de acordo com suas hipóteses de escrita. Agrupei crianças com hipóteses de escrita próximas. Por exemplo, as crianças pré-silábicas ficaram com algumas crianças silábicas e as crianças silábicas sentaram-se com as crianças silábicas alfabéticas. Até o momento não há criança alfabética na sala.

 

Para os grupos das crianças pré-silábicas, entreguei um saquinho plástico com a letra da música recortada em versos e pedi que montassem a música. Os dois grupos das crianças silábicas alfabéticas receberam parte da música recortada em palavras.

 

Apresentei, então, a música Borboletinha escrita em papel craft com letra bastão. A turma já conhecia a música.

 

Trouxe algumas palavras da música escritas com letra bastão em folhas de sulfite (BORBOLETINHA, COZINHA, CHOCOLATE, MADRINHA) e propus que as crianças adivinhassem o que estava escrito. As crianças foram agrupadas novamente por hipóteses de escrita próximas.

 

Cantamos juntos algumas vezes enquanto eu indicava com a mão cada palavra da música.

 

iniciei o processo de escrita das palavras da música que as crianças mais conheciam. Novamente em grupo, as crianças, com letras móveis, tinham que escrever três palavras da música escolhidas por elas.

 

As crianças interagiram o tempo todo umas com as outras para realizar essa atividade e me perguntaram se faríamos de novo essa brincadeira com a música.

 

Com esse trabalho [alfabeto musical], percebi que as crianças demonstraram maior interesse pelas letras e escrita de palavras.

 

 

Indicador 2 - Trabalho coletivo:

 

Eu e as outras professoras do 1º ano temos trabalhado com o Alfabeto Musical, dentre outras atividades. Lemos juntas os relatórios encaminhados pelas professoras da EMEI e percebemos que as crianças adoram música e que nem todos conheciam as letras do alfabeto.

 

 

Na etapa seguinte, empreendeu-se a sistematização dos NS. Para tal, realizou-se nova articulação entre os indicadores, seguindo os mesmos critérios da etapa anterior e tomando como base o objetivo do estudo.  Com isso construíu-se três NS, que serão apresentados depois do quadro a seguir que indica quais pré-indicadores foram utilizados em cada NS, Parte do título dos três NS leva pré-indicadores que sintetizam conteúdos relevantes dos NS.

 

Pré-indicadores que compõem o NS1

Pré-indicadores que compõem o NS2

Pré-indicadores que compõem o NS3

Indicador 1 - Formação:

 

O objetivo desse curso era de oferecer formação em serviço sobre educação inclusiva, a partir de situações desafiadoras indicadas pelos participantes e apoiar profissionais da rede de ensino na elaboração de materiais pedagógicos acessíveis, em consonância com a L.D.B. A metodologia seria conceitual e prática, com encontros presenciais e encontros virtuais, com trabalhos à distância e com construção coletiva de conhecimentos.

 

levei para minha sala de aula tudo o que aprendia no curso.

 

Fizemos a Roleta dentro do curso. Cada escola criou o seu material. Nós criamos a Roleta.

 

Pensamos, então, em um material que fosse acessível tanto a eles [os dois alunos da educação especial] como para os demais que ainda se encontravam como leitores iniciantes. Assim, surgiu com grande expectativa de nossa parte, a ‘Roleta Silábica.

 

metodologia [da formação] seria conceitual e prática.

 

Indicador 3 - Trabalho coletivo:

 

Eu e a professora K., sentamo-nos juntas, elencamos algumas palavras dentro do contexto da história [quando o lobo tem fome], fizemos as cartelas, e levamos para a sala de aula.

 

Registrava tudo e enviava para o Instituto, fazendo sempre um trabalho junto com minha coordenadora e com a professora de Sala de Apoio

 

Indicador 2 - Trabalho coletivo:

 

Eu e as outras professoras do 1º ano temos trabalhado com o Alfabeto Musical, dentre outras atividades. Lemos juntas os relatórios encaminhados pelas professoras da EMEI e percebemos que as crianças adoram música e que nem todos conheciam as letras do alfabeto.

 

 

 

 

Indicador 2 – Educação especial:

 

Ambos [os alunos] eram acompanhados diariamente por uma estagiária do CEFAI, a H., e desde o início do ano, ela sentava-se entre eles, na frente da minha mesa, onde juntas, planejávamos e avaliávamos as atividades dessas crianças. Era uma pessoa bastante comprometida com seu trabalho e me auxiliou muito, durante todo o ano.

 

Na ocasião, tinha uma turma de 2º ano, com 31 crianças, na qual 29 eram alfabéticos, porém a maior parte desses, lendo com dificuldade, e dois alunos encontravam-se ainda em processo de alfabetização. Um deles, o D. [nome do aluno], apresentava-se com um quadro de convulsões, que ocorriam, inclusive dentro da sala de aula. Tinha dificuldade em reter informações. Na hipótese de escrita silábica, encontrava-se, ainda como silábico com valor sonoro. O outro aluno era o P. [nome do aluno], não se comunicava oralmente e apresentava Transtorno do Espectro Autista.

 

Esses dois alunos [da educação especial] realizavam atividades junto com as outras crianças, em grupos.

 

Indicador 4 - Prática pedagógica:

 

As cartelas foram distribuídas para as crianças que estavam em duplas. Cada criança pôde girar a roleta e dizer qual a sílaba/letra que ela havia parado.

 

Diariamente tínhamos na sala o momento da leitura que todos apreciavam muito.  Mas, no dia em que surgiu a história: "Quando o lobo tem fome”, de Álvaro Faleiros, Cristine Naumann Villenin e Kris Di Giacomo, foi um momento singular. As crianças adoraram, pediram para eu ler novamente, riram e pensaram na mudança daquele lobo que queria tanto e planejava, de várias maneiras, comer um coelhinho "branco e macio” tendo um final surpreendente...

 

Indicador 1 – Prática pedagógica:

 

Minha turma de 1º ano se encontra em processo de alfabetização e tem progredido muito.

 

Propus um quebra cabeça com a música Borboletinha para montar em grupos. As crianças foram agrupadas de acordo com suas hipóteses de escrita. Agrupei crianças com hipóteses de escrita próximas. Por exemplo, as crianças pré-silábicas ficaram com algumas crianças silábicas e as crianças silábicas sentaram-se com as crianças silábicas alfabéticas. Até o momento não há criança alfabética na sala.

 

Para os grupos das crianças pré-silábicas, entreguei um saquinho plástico com a letra da música recortada em versos e pedi que montassem a música. Os dois grupos das crianças silábicas alfabéticas receberam parte da música recortada em palavras.

 

Apresentei, então, a música Borboletinha escrita em papel craft com letra bastão. A turma já conhecia a música.

 

Trouxe algumas palavras da música escritas com letra bastão em folhas de sulfite (BORBOLETINHA, COZINHA, CHOCOLATE, MADRINHA) e propus que as crianças adivinhassem o que estava escrito. As crianças foram agrupadas novamente por hipóteses de escrita próximas.

 

Cantamos juntos algumas vezes enquanto eu indicava com a mão cada palavra da música.

 

iniciei o processo de escrita das palavras da música que as crianças mais conheciam. Novamente em grupo, as crianças, com letras móveis, tinham que escrever três palavras da música escolhidas por elas.

 

As crianças interagiram o tempo todo umas com as outras para realizar essa atividade e me perguntaram se faríamos de novo essa brincadeira com a música.

 

Com esse trabalho [alfabeto musical], percebi que as crianças demonstraram maior interesse pelas letras e escrita de palavras.

Indicador 5 – Reação dos alunos:

 

Todos interessadíssimos, inclusive P [aluno com autismo]! Cada criança, em sua vez, girava a roleta e dizia a sílaba. Os demais, atentos, procuravam em suas cartelas e tinham que realizar a leitura das palavras incompletas para verificar se a sílaba lhe serviria ou não.

 

Quando foi a vez de P. [aluno com autismo], ele foi todo feliz, girou a roleta que registrou uma letra que ele conseguiu pronunciar para os colegas. Foi um momento emocionante e inesquecível, já que a criança não falava!! A Roleta Silábica cumpria com o seu objetivo: atender a todos.

 

Núcleo 1 – Mediações Constitutivas das Práticas Pedagógicas de Alfabetização das Professoras: “Levei para minha sala de aula tudo o que aprendia no curso”

O objetivo central deste núcleo é colocar em evidência as mediações que constituem as práticas pedagógicas de alfabetização das professoras. Em outras palavras, busca-se lançar luz sobre as situações que afetaram a forma como as práticas pedagógicas de alfabetização aconteceram.

O fragmento apresentado a seguir evidencia a concepção na qual a formação oferecida pela RMESP que a professora S participou ancora-se:

 

O objetivo desse curso era de oferecer formação em serviço sobre educação inclusiva, a partir de situações desafiadoras indicadas pelos participantes e apoiar profissionais da rede de ensino na elaboração de materiais pedagógicos acessíveis, em consonância com a L.D.B. A metodologia seria conceitual e prática, com encontros presenciais e encontros virtuais, com trabalhos à distância e com construção coletiva de conhecimentos. (Profª S, grifos do autor)

O relato de prática da docente revela que a formação desenvolvida com as professoras partiu dos desafios apontados por elas, objetivou subsidiá-las na produção de materiais pedagógicos e apostou na construção coletiva de conhecimentos.

Durante muito tempo, a formação tem concebido o trabalho docente de forma invariável e tem ocorrido dentro de uma “perspectiva transmissiva de conhecimento” (PASSO; ANDRÉ, 2016, p. 12), sendo “marcada pelo academismo” (CACHAPUZ, 2003, p. 451). Nesse contexto no qual se considera o trabalho do professor como algo uniforme, basta que o formador lhe transmita os conhecimentos que julga necessário e que o docente assimile e replique o que aprendeu na formação - o que reforça o estereótipo do professor “tarefeiro”. 

Na contramão desse tipo de formação, tem-se a realidade da escola que é mutável e tem sido cada vez mais afetada pelas mudanças sociais, políticas, econômicas, culturais e tecnológicas que se passam no mundo. Diante disso, explicam as autoras, compreendeu-se que a formação transmissiva é inadequada para essa realidade instável.  

Tornou-se relevante, então, pensar em formações que contribuam para o desenvolvimento profissional docente alçar níveis menos idealistas, concebendo-o como um movimento evolutivo e contínuo, considerando o panorama sócio-histórico em que o professor e a escola em que atua estão inseridos. Nessa direção, a formação precisa subsidiar os docentes a reconstruir constantemente suas práticas a partir dos desafios que enfrentam diariamente, a produzir seus próprios materiais pedagógicos e a construir conhecimento coletivamente, já que isoladamente é muito difícil responder as determinações de um cenário tão complexo e em constante transformação como o educacional. 

OMITIDO (2017) explica, a partir dos resultados de sua pesquisa de doutorado acerca da dimensão subjetiva da docência, que “o trabalho coletivo se revela como necessário à docência, negando a tendência ao individualismo, característica da atividade docente que se dá isolada em sala de aula” (p.208-209) e que é reforçada no imaginário coletivo, desconsiderando as mediações históricas que constituíram a educação brasileira, pois “a estrutura física da maioria das escolas ainda segue os padrões históricos, com salas de aulas isoladas e, muitas vezes, com grades nas portas, para “protegê-la” da violência”(p.206). E continua “somado a isso, a estrutura curricular também foi pensada em grades”. A autora nos chama atenção para aspectos constitutivos da docência, pois “essa composição escolar fragmentada foi produzida social, cultural e historicamente, e se faz presente na docência” (p. 206).

O relato da professora S “levei para minha sala de aula tudo o que aprendia no curso”, sugere que ela significou válida a formação, já que suas experiências foram valorizadas e seus desafios profissionais discutidos coletivamente entre os pares – o que aponta desenvolvimento profissional contextualizado e produção conjunta de conhecimento corroborando com a ideia do trabalho coletivo e negando o individualismo (OMITIDO, 2017), conforme indica a fala da docente: “Fizemos a Roleta dentro do curso. Cada escola criou o seu material. Nós criamos a Roleta”. Constata-se a partir da fala da professora, um papel ativo dos participantes na formação proposta com a possibilidade de criarem um material didático baseado na realidade de cada escola, fundamental para fortalecimento da identidade do grupo.

O trabalho coletivo apresentou-se como uma mediação relevante que constituiu a prática pedagógica das docentes, como sugere os pré-indicadores a seguir:

Ambos [os alunos] eram acompanhados diariamente por uma estagiária do CEFAI, a H., e desde o início do ano, ela sentava-se entre eles, na frente da minha mesa, onde juntas, planejávamos e avaliávamos as atividades dessas crianças. Era uma pessoa bastante comprometida com seu trabalho e me auxiliou muito, durante todo o ano. (Profª S, grifos do autor)

Eu e a professora K., sentamo-nos juntas, elencamos algumas palavras dentro do contexto da história [quando o lobo tem fome], fizemos as cartelas, e levamos para a sala de aula. (Profª S, grifos do autor)

Minha turma de 1º ano se encontra em processo de alfabetização e tem progredido muito. Eu e as outras professoras do 1º ano temos trabalhado com o Alfabeto Musical, dentre outras atividades. Lemos juntas os relatórios encaminhados pelas professoras da EMEI e percebemos que as crianças adoram música e que nem todos conheciam as letras do alfabeto. (Profª C, grifos do autor)

Ferreira e Flores (2012, p. 232), com base nas proposições de Retallick (1999), defendem que “a aprendizagem dos professores no local de trabalho constitui um componente essencial do seu desenvolvimento profissional” e, certamente, essa aprendizagem não ocorre ancorada no individualismo, conforme explicitado na pesquisa de OMITIDO (2017, p. 200) quando cita  que as professoras participantes da sua pesquisa expressaram “um sentimento de confiança nas relações horizontais, entre pares, indicando possibilidade de trabalho coletivo e negando a condição de serem vistos como profissionais isolados em suas salas de aula.” O professor aprende e aperfeiçoa sua prática, muitas vezes, por meio da sugestão dos outros ou da parceria estabelecida com outros profissionais frente ao desafio de melhorar a qualidade do ensino, como indicou a professora S ao revelar que planejava e avaliava as atividades com a estagiária e com a docente K e também a professora C que trabalhava com as outras professoras dos 1ºs anos, planejando coletivamente a partir dos relatórios encaminhados pelas docentes da Educação Infantil.

Na maioria das vezes, as reformas educativas são gestadas nos órgãos centrais que, por sua vez, entendem, equivocadamente, que seu papel é ensinar os professores para que possam inovar, ao invés de ouvi-los e construir a mudança com eles, consoante com o que defende Imbernón (2009), de se pensar e realizar um processo formativo em que o professorado está implicado e, desse modo, é possível criar uma formação docente “sob medida” para cada realidade. Ferreira e Flores (2012, p. 232) mencionam Day (2004) para afirmar que “as escolas são capazes de melhorar de forma endógena se as condições forem adequadas” - o que “não desvaloriza a intervenção externa, salientando antes o modo como ela é realizada: a criação de redes entre escolas baseada na investigação”.

Para que haja condições de cada escola melhorar sua prática educativa, explicam os referidos autores, é preciso que haja instalações, recursos adequados e condições favoráveis, priorizando o relacionamento respeitoso, a valorização das pessoas, bem como espaço propício para o diálogo, o debate, a partilha de valores e objetivos, a negociação de sentidos para a ação, o compartilhamento de experiências, a observação das práticas que ocorrem na sala de aula com o intuito de melhorá-las continuamente, o planejamento e a avaliação conjunta - o que converge para uma concepção comunitária do trabalho.  É importante frisar que todos esses aspectos fazem parte de um processo contínuo de formação em que todos os educadores, de algum modo, estejam envolvidos em busca de objetivos comuns, expressos em seu projeto político pedagógico (PPP), compreendendo que esse documento representa o movimento contraditório da escola (FUSARI, 2015) para viabilizar o trabalho coletivo.

Essa dimensão comunitária do trabalho faz parte do papel do coordenador pedagógico (CP), que além de ser o principal responsável pela formação docente e pelo acompanhamento das aprendizagens, é o articulador do coletivo da escola (PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2015), constituindo-se como importante mediação da prática docente, como ilustra o relato da professora S: “Registrava tudo e enviava para o Instituto, fazendo sempre um trabalho junto com minha coordenadora e com a professora de Sala de Apoio”, que sugere o acompanhamento da CP no processo de desenvolvimento das profissionais. Entretanto, para que esse trabalho se efetive, o próprio CP necessita compreender bem sua função e, ainda, é preciso “que o diretor e seus assistentes entendam que o papel do CP na equipe gestora deve se voltar para o âmbito das práticas formativas dentro da escola, bem como reconheçam a importância da formação continuada e a apoiem” (OMITIDO, 2019, p.13) - o que requer que a equipe gestora trabalhe de modo coeso, “respeitando as especificidades das funções de cada um e compartilhando responsabilidades e reflexões” (OMITIDO, 2017, p. 15). Dessa maneira, é possível criar na escola espaços efetivos de gestão participativa, o que reverbera no trabalho coletivo dos profissionais da comunidade educativa, tornando-o significativo ao ser vivenciado nos tempos e espaços da escola.

Núcleo 2 – A Prática Alfabetizadora das Docentes: “As crianças foram agrupadas de acordo com suas hipóteses de escrita. Agrupei crianças com hipóteses de escrita próximas”

O objetivo deste NS é apresentar e analisar as práticas pedagógicas de alfabetização das professoras.   

Antes do início da análise interpretativa, julgou-se importante apresentar o contexto da sala de aula no qual atuava a professora S, como aponta o trecho a seguir:

Na ocasião, tinha uma turma de 2º ano, com 31 crianças, na qual 29 eram alfabéticos, porém a maior parte desses, lendo com dificuldade, e dois alunos encontravam-se ainda em processo de alfabetização. Um deles, o D. [nome do aluno], apresentava-se com um quadro de convulsões, que ocorriam, inclusive dentro da sala de aula. Tinha dificuldade em reter informações. Na hipótese de escrita silábica, encontrava-se, ainda como silábico com valor sonoro. O outro aluno era o P. [nome do aluno], não se comunicava oralmente e apresentava Transtorno do Espectro Autista. (Profª S, grifos do autor)

O relato de prática da docente revela que mesmo os estudantes estando na hipótese alfabética (FERREIRA; TEBEROSKY, 1999), isto é, reconhecendo as letras e as decodificando, a maior parte deles liam com dificuldade.

Os métodos, tradicionais de alfabetização, na maioria das vezes, partem do ensino das letras e dos fonemas ou sílabas. Nesse contexto, os alunos devem aprender a fazer ligações para juntar essas unidades em palavras, frases e posteriormente, textos (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999). As autoras explicam que essa proposta de alfabetização traz implicações para o processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que esse processo acaba sendo experimentado de forma mecânica. Nesse contexto, o ato de ler reduz-se à decodificação do escrito – o que pode acarretar dificuldade no processo de leitura e de interpretação textual. Não há evidências para afirmar que os alunos da professora S passaram por essa experiência durante seu processo de alfabetização. No entanto, sabe-se que, atualmente, os métodos tradicionais de alfabetização ainda encontram espaço na sala de aula de muitos professores.

Outro aspecto que chama atenção é que a professora S afirma ter na sala crianças com deficiência e transtorno global do desenvolvimento - o que demanda que tenham acesso a recursos diferenciados e que seja realizada adaptação nas atividades não como um plano paralelo ao currículo escolar aplicado a todos os alunos. Outro ponto imprescindível é tentar promover a inclusão dessas crianças na turma. É preciso oportunizar situações em sala de aula nas quais os estudantes possam relacionar-se com elas e ajudá-las, como sugere o relato da professora S que utiliza o trabalho em grupo para isso: “Esses dois alunos [da educação especial] realizavam atividades junto com as outras crianças, em grupos”, e parece reconhecer a igualdade de direitos e a escola como espaço de aprendizagem para todos (PRIETO, 2006).

Segundo Veiga (2006), o trabalho em grupo é uma técnica didática rica e apropriada para uma pedagogia preocupada com formação de cidadãos autônomos e democráticos. Nesse contexto, são valorizadas técnicas empregadas pelo docente, de forma consciente e intencional, que oportunizam interação entre professor-aluno e aluno-aluno, ressaltando o papel ativo do estudante no processo de ensino-aprendizagem. Em consonância com essa visão de educação, Vigotski (2007) apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente (PRESTES, 2010) para explicar um movimento de desenvolvimento humano prospectivo e com a participação de um par mais experiente, na relação estabelecida em uma determinada situação social, no caso específico da escola, propiciada pelo docente.

O relato de prática a seguir reforça a proposição de que a professora S acredita na interação dos alunos, assim como no papel ativo deles como recurso valioso de aprendizagem e desenvolvimento: “As cartelas foram distribuídas para as crianças que estavam em duplas. Cada criança pôde girar a roleta e dizer qual a sílaba/letra que ela havia parado”. Os dois últimos relatos sugerem que a professora S significa seus alunos como seres humanos diversos, ativos, potentes e capazes de interagir uns com os outros. Nessa direção, parece haver um trabalho voltado para autonomia dos estudantes e para a “diversidade como condição humana favorecedora da aprendizagem” (PRIETO, 2006, p. 40).

Considerando ainda o trabalho em grupo na sala de aula, o trecho a seguir escrito pela professora C traz mais elementos sobre isso:

Propus um quebra cabeça com a música Borboletinha para montar em grupos. As crianças foram agrupadas de acordo com suas hipóteses de escrita. Agrupei crianças com hipóteses de escrita próximas. Por exemplo, as crianças pré-silábicas ficaram com algumas crianças silábicas e as crianças silábicas sentaram-se com as crianças silábicas alfabéticas. Até o momento não há criança alfabética na sala. (Profª C, grifos do autor)

A docente utiliza cantigas populares como instrumento didático para alfabetizar. Ao adotar essa prática pedagógica na alfabetização, revela a intenção de trabalhar a aquisição da escrita por parte da criança, ultrapassando práticas tradicionais ancoradas na memorização e no treino motor, e, ao mesmo tempo, abordar o letramento que, para Kleiman (1995), centra-se nos aspectos sócio-históricos das produções de leitura e escrita que mediam as interações sociais. O trabalho com cantigas populares propicia a exploração do lúdico, da linguagem poética que produz prazer (PONDÉ, 1990) – o que favorece a aprendizagem significativa,  bem como, aproxima a criança de um gênero discursivo que faz parte da cultura da nossa sociedade e abre portas para a participação delas em práticas sociais de leitura e escrita (KLEIMAN, 1995) que precisam ser aprendidas, já que, de acordo com Geraldi, Fichtner, Benites (2006, p. 53), “os objetos de uma cultura não são primariamente resultados, mas meios que têm funções nas atividades” humanas.  A aproximação dos alunos com os gêneros discursivos, conforme Bakhtin apud Faraco (2009), favorece que as crianças aprendam várias habilidades linguísticas ligadas ao domínio da língua. Dessa forma, trabalha-se as facetas linguística, interativa e sociocultural simultaneamente (SOARES, 2018).

Percebe-se, ainda, que a professora organiza seus alunos em grupos de acordo com as hipóteses de escrita que possuem, ou seja, os agrupamentos são feitos de acordo com os conhecimentos já construídos pelas crianças em seu processo de aquisição do sistema de escrita e o que pode vir a ser construído - o que pressupõe um diagnóstico inicial. Nessa direção, o relato sugere que a docente faz uso dos dados que produz nesse diagnóstico inicial para montar os grupos de trabalho conforme hipóteses de escritas próximas. A professora leva em consideração a heterogeneidade de saberes existentes na classe e parece reconhecer que essa heterogeneidade impulsiona a construção e reconstrução do conhecimento, à medida que não se contenta apenas com aquilo que o aluno já sabe fazer, mas presta atenção no que ele tem potencial de realizar com o suporte de alguém mais experiente (VIGOTSKI, 2007).

O fragmento a seguir indica o modo como a docente C propôs a atividade e seus conhecimentos didático-pedagógicos:

Para os grupos das crianças pré-silábicas, entreguei um saquinho plástico com a letra da música recortada em versos e pedi que montassem a música. Os dois grupos das crianças silábicas alfabéticas receberam parte da música recortada em palavras (Profª C, grifos do autor)

A professora demonstra conhecimento quanto à organização do material de trabalho, considerando os diferentes agrupamentos e as adequações necessárias e lança luz sobre a propositura de situações de aprendizagens adequadas aos diferentes conhecimentos das crianças. Nota-se que, para os grupos das crianças em hipótese de escrita pré-silábica, ela propõe a montagem da música por meio de versos. Já para as crianças em hipótese silábicas alfabéticas, a atividade é realizada com palavras. Há proposição de situações de aprendizagens nas quais as crianças são desafiadas a resolver problemas tendo seus saberes considerados e respeitados.

Outro conhecimento didático-pedagógico da docente C é revelado nesse trecho do seu relato de prática: “Apresentei, então, a música Borboletinha escrita em papel craft com letra bastão. A turma já conhecia a música”. Para alguns autores (LEAL; ALBUQUERQUE; LEITE, 2005 E ALMEIDA; PUCCI, 2002) a sonoridade das cantigas populares possibilita que as crianças a memorizem, facilitando, posteriormente, o desenvolvimento de um trabalho voltado para a simulação da leitura, assim como para o estabelecimento da relação entre os sinais da escrita e a fala, assim como a escrita do texto memorizado.

Ao propor a montagem do quebra cabeça com versos ou palavras da cantiga, as crianças são convidadas a ler mesmo sem saber fazê-lo de forma convencional, de acordo com o trecho a seguir:

Trouxe algumas palavras da música escritas com letra bastão em folhas de sulfite (BORBOLETINHA, COZINHA, CHOCOLATE, MADRINHA) e propus que as crianças adivinhassem o que estava escrito. As crianças foram agrupadas novamente por hipóteses de escrita próximas. (Profª C, grifos do autor)

Barros (1999, p. 2) afirma que quando a criança não domina o sistema de escrita, “e precisa descobrir o que está escrito, sua tendência é buscar adivinhar o que não consegue decifrar, recorrendo ao contexto no qual os escritores estão inseridos, bem como às letras iniciais, finais ou intermediárias das palavras”. A autora explica que quando o professor organiza situações com o intuito de fazer com que o aluno entre em contato com a complexidade própria da língua escrita, mesmo quando ainda não sabe ler convencionalmente, a criança vai enfrentar esse desafio, baseando-se nos indicadores do texto e do contexto e em seus conhecimentos prévios sobre as letras, tentando buscar pistas nas letras iniciais, finais ou intermediárias. Diante disso, é imprescindível que o professor proponha essa atividade dentro de um contexto comunicativo. No caso da professora, as crianças sabiam que as palavras que deveriam adivinhar pertenciam à música da borboletinha. Outro ponto importante é que a professora C favorece o intercâmbio entre as crianças, já que as organiza em grupos de acordo com suas hipóteses de escrita.

Ao indicar com a mão cada palavra da cantiga quando cantava junto com as crianças, conforme explicita o relato da professora C: “Cantamos juntos algumas vezes enquanto eu indicava com a mão cada palavra da música”, ela oportuniza que os alunos percebam a relação entre os sinais da escrita e a fala. Em outras palavras, indicando com a mão cada palavra da cantiga quando cantava, a professora contribui para que as crianças possam perceber que “a escrita fonética representa objetos como todas escritas anteriores, mas encontramos nela uma relação com o processo de falar” (GERALDI, FICHTNER, BENTES, 2006, p. 60). Os autores explicam que os sinais da escrita fonética negam qualquer relação de semelhança com o que está sendo representado, uma vez que tornam visível aquilo que é falado e isso precisa ser apreendido pelas crianças.

A escrita é um objeto cultural e social construído pela humanidade ao longo da história diante da necessidade de comunicação, interação e intercâmbio social entre os homens. Dessa forma, segundo More (1998), é portadora de significação e, logo, sua apreensão depende do aspecto semântico da compreensão. Para se alfabetizar, o aluno precisa entender a questão simbólica da língua e, assim, compreender que a escrita é a representação da fala. Essa construção simbólica, explica a autora, não ocorre apenas pela interação com o objeto social, ela depende também da interação com o outro através da linguagem, já que nosso comportamento é mediado e depende do significado que atribuímos à situação. Assim, ao indicar com a mão cada palavra da cantiga quando cantava junto com as crianças, a professora C organiza uma situação didática que provoca as crianças a significarem que o que é apontado é o que está sendo dito.

A professora C convida as crianças a escrever a partir do trabalho com as cantigas populares que ela chama de música: “iniciei o processo de escrita das palavras da música que as crianças mais conheciam. Novamente em grupo, as crianças, com letras móveis, tinham que escrever três palavras da música escolhidas por elas”.

 Smolka (2003) defende que a leitura e a escrita sejam trabalhadas como práticas discursivas e dialógicas, nas quais a criança escrevendo, lendo, com e para o outro, apropria-se das convenções sociais da escrita, concebendo-a com prática dialógica, ou seja, uma prática que serve para dizer o que se pensa e o que se deseja por meio da escrita. Nota-se essa preocupação nas práticas de alfabetização propostas pela professora C quando os alunos são convidados a ler, mesmo sem saber fazê-lo de forma convencional, e quando é proposto que as crianças escrevam, mesmo sem estarem alfabetizadas.

O relato de prática da professora C: “As crianças interagiram o tempo todo umas com as outras para realizar essa atividade e me perguntaram se faríamos de novo essa brincadeira com a música” sugere a importância que ela atribui ao fato de dar vez e voz aos alunos nos agrupamentos e nas situações coletivas.

Dentro do contexto do curso feito pela professora S com outra professora e a CP, foi criada a Roleta Silábica – material didático que contemplou a necessidade de todos os alunos da classe, apesar das diferenças, como exposto no trecho abaixo:

Pensamos, então, em um material que fosse acessível tanto a eles [os dois alunos da educação especial] como para os demais que ainda se encontravam como leitores iniciantes. Assim, surgiu com grande expectativa de nossa parte, a ‘Roleta Silábica (Profª S, grifos do autor).

Sabe-se que, muitas vezes, o livro didático “tem assumido a primazia entre os recursos didáticos utilizados na grande maioria das salas de aula do Ensino Básico” e que “grande parte dos professores brasileiros o transformaram no principal ou, até mesmo, o único instrumento a auxiliar o trabalho nas salas de aula” (SILVA, 2012, p. 806). Desse modo, o docente pouco é incentivado a produzir recursos para sua aula e a refletir sobre sua prática – o que é preocupante, independente da qualidade do livro didático, já que o professor abre mão dessa postura reflexiva e ativa, tão importante, segundo Pimenta (2012, p. 51), “no exercício da docência para a valorização da profissão docente, dos saberes dos professores, do trabalho coletivo destes e das escolas enquanto espaço de formação contínua”. Ao produzir a Roleta Silábica, nota-se que houve trabalho em equipe, que envolveu tanto os profissionais que atuavam na escola na qual foi criado o material, como também profissionais de outras escolas, já que durante o curso houve intercâmbio de ideias. Assim, evitou-se “o individualismo da reflexão e a ausência de critérios externos potenciadores de uma reflexão crítica” (PIMENTA, 2012, p. 51) e, ainda, como explica a autora, a ênfase excessiva ou exclusiva na prática, visto que a “metodologia [da formação] seria conceitual e prática” (Profª S).

 Outro ponto que merece destaque quanto à prática de ensino de alfabetização das docentes diz respeito ao fomento da leitura, conforme indicam os pré-indicadores a seguir.

Diariamente tínhamos na sala o momento da leitura que todos apreciavam muito.  Mas, no dia em que surgiu a história: "Quando o lobo tem fome”, de Álvaro Faleiros, Cristine Naumann Villenin e Kris Di Giacomo, foi um momento singular. As crianças adoraram, pediram para eu ler novamente, riram e pensaram na mudança daquele lobo que queria tanto e planejava, de várias maneiras, comer um coelhinho "branco e macio” tendo um final surpreendente... (Profª S, grifos do autor).

A professora afirma que diariamente havia um momento reservado para leitura – o que é muito importante, visto que, de acordo com Cândido (1995), a literatura responde a “uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza” (s/p.). Cosson (2011, p. 17) corrobora, afirmando que a “experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro, como também vivenciar essa experiência” – o que, provavelmente, fez com que os alunos da professora pensassem na mudança do lobo.

Núcleo 3 – Resultados das Práticas de Alfabetização das Docentes: “Registrou uma letra que ele [aluno com autismo] conseguiu pronunciar para os colegas. Foi um momento emocionante e inesquecível, já que a criança não falava!!”

O objetivo deste NS é explicitar e analisar os resultados das práticas pedagógicas das professoras no processo de alfabetização das crianças.

O relato da professora C: “Com esse trabalho [alfabeto musical], percebi que as crianças demonstraram maior interesse pelas letras e escrita de palavras” sugere que a ação pedagógica que vem sendo desenvolvida em torno das cantigas populares tem propiciado experiências significativas de linguagem entre as crianças. Ao conceber o aluno como um ser sócio-histórico que aprende a partir da interação com o outro, a professora o coloca no centro do processo de ensino-aprendizagem como sujeito de suas próprias ações. Dessa forma, nem o método de alfabetização e nem as habilidades tomadas como pré-requisito para a alfabetização têm mais importância e a alfabetização deixa de demandar somente a decodificação, mas exige interpretação, já que é concebida como um processo ativo de construção por parte da criança (CASTEDO E TORRES, 2011).

Nota-se que a docente embasa sua prática pedagógica em um âmbito teórico, superando o senso comum ancorado na ideia de que alfabetizar é algo simples, visto que a alfabetização durante muito tempo foi concebida como uma tarefa mecânica acompanhada de uma cartilha e de um método (MORATTI, 2006). Seu relato sugere que ela tenha assumido, em sua ação pedagógica, elementos teóricos da concepção construtivista na qual o que predomina é o sujeito como aprendiz.

Os pré-indicadores a seguir trazem mais elementos importantes:

Todos interessadíssimos, inclusive P [aluno com autismo]! Cada criança, em sua vez, girava a roleta e dizia a sílaba. Os demais, atentos, procuravam em suas cartelas e tinham que realizar a leitura das palavras incompletas para verificar se a sílaba lhe serviria ou não. (Profª S, grifos do autor)

Quando foi a vez de P. [aluno com autismo], ele foi todo feliz, girou a roleta que registrou uma letra que ele conseguiu pronunciar para os colegas. Foi um momento emocionante e inesquecível, já que a criança não falava!! A Roleta Silábica cumpria com o seu objetivo: atender a todos. (Profª S, grifos do autor)

Os relatos da professora indicam que a proposta da Roleta Silábica proporcionou uma experiência prazerosa, dinâmica e interativa para os alunos, exigindo deles atenção, concentração e maior envolvimento no processo ensino e aprendizagem. Mesmo revelando em sua ação pedagógica indícios dos métodos tradicionais de alfabetização que priorizam as famílias silábicas, a docente foge das atividades mecânicas cansativas e sem sentido para as crianças. Conseguiu que os alunos participassem integralmente do jogo, tornando a experiência tão cheia de significado a ponto de uma criança que não falava, falar!

 

Considerações Finais

Este artigo apresentou e analisou duas práticas pedagógicas de duas professoras acerca do processo de alfabetização de crianças do 1º e do 2º Ano do ensino fundamental. Trata-se de práticas que priorizam a interação, o intercâmbio, o papel ativo da criança no processo de ensino-aprendizagem, a exploração do lúdico, bem como respeitam e valorizam as diferenças, próprias dos seres humanos.

Quanto aos aspectos ligados à aquisição do sistema de escrita, as docentes procuram superar as práticas tradicionais ancoradas na memorização e no treino motor. Trabalham a alfabetização e o letramento ao mesmo tempo, explorando gêneros discursivos e as práticas sociais de leitura e escrita de modo significativo para elas e para as crianças.  Demonstram acreditar no potencial de todos os estudantes, lançam mão de diferentes estratégias em sala de aula para que o ensino possa se adaptar às diversas necessidades dos estudantes e expõem as crianças a toda complexidade própria da língua escrita como objeto cultural e social.

Este texto evidenciou que as mediações que constituem a forma de ser, agir e pensar dessas professoras relacionam-se às formações que puderam vivenciar, ao trabalho coletivo e ao acompanhamento da coordenação pedagógica, que, provavelmente, atuou como par experiente. Ressalta-se que é imprescindível que os docentes possam participar como protagonistas de formações concebidas como movimento evolutivo e contínuo, articuladas ao panorama sócio-histórico no qual estão inseridos e que os ajudem a reconstruir constantemente suas práticas a partir da reflexão crítica sobre elas, assim como a construir conhecimento coletivamente. É fundamental que a escola prime pelo trabalho coletivo, tão necessário à docência frente à complexidade da realidade escolar, e que a coordenação pedagógica acompanhe o trabalho dos professores.

Por último, este artigo, buscou evidenciar que os professores precisam ser concebidos como produtores de conhecimento e não meros consumidores do conhecimento produzido por outrem e que é necessário investir no trabalho coletivo no âmbito escolar para que as inovações possam aparecer no chão da escola, espaço profícuo de emancipação.

 

Referências

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AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de; OZELLA, Sérgio. Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S217666812013000100015&script=sci_abstract&tlng=pt.   Acesso em: 11 dez de 2021. 

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