Mediação da atividade pedagógica na apropriação
e na objetivação dos conteúdos escolares

Mediation of pedagogical activity in the appropriation and objectivation of school contents

 

 

 

Elayna Maria Santos Sousa

Universidade Federal do Piauí, Piauí, Brasil

elaynasousa937@gmail.com - http://orcid.org/0000-0002-7658-460X

 

Eliana Sousa Alencar Marques

Universidade Federal do Piauí, Piauí, Brasil

esalencar123@ufpi.edu.br - https://orcid.org/0000-0002-4990-4487

 

Recebido em 13 de outubro de 2020

Aprovado em 17 de dezembro de 2021

Publicado em 31 de agosto de 2022

 

 

RESUMO

Com base no entendimento de que a atividade pedagógica desenvolvida na escola é mediação indispensável para formação de novas funções psicológicas superiores dos estudantes, este artigo analisa significações produzidas por professores acerca do potencial da atividade pedagógica como mediação no processo de apropriação e objetivação dos conteúdos escolares no Ensino Médio. Ancorada na Psicologia Histórico-Cultural e na Pedagogia Histórico-Crítica, é resultado de pesquisa-formação realizada em estudos de mestrado, envolvendo professores e alunos de uma escola filantrópica da cidade de Teresina-PI, que participam de projeto de extensão universitária. Os instrumentos utilizados na produção das informações que serviram como corpus empírico foram sessões de estudo e reflexão crítica, com base em textos previamente selecionados e entrevista reflexiva. Como procedimento de análise, adota a análise textual discursiva. As significações produzidas pelo participante da pesquisa revelam que a atividade pedagógica ganha outra qualidade quando favorece aos estudantes (singularidades) apropriação dos conteúdos científicos mediada pela dimensão afetivo-cognitiva, ou seja, pelo que sentem e pensam a respeito da sua realidade, objetivando novos modos de ser e de existir, sobretudo quando conseguem realizar inferências analógicas entre conhecimento científico e vida cotidiana. A apropriação e a objetivação dos conteúdos científicos na escola medeiam o desenvolvimento dos estudantes à medida que os levam à produção de novos questionamentos que se traduzem em novas relações com a realidade social e histórica.

Palavras-chave: Atividade pedagógica. Apropriação e objetivação. Conteúdos científicos.

 

ABSTRACT

Based on the understanding that the pedagogical activity developed at school is an indispensable mediation for the formation of new higher psychological functions of students, this article analyzes meanings produced by teachers about the potential of pedagogical activity as mediation in the process of appropriation and objectification of school contents in High school. Anchored in Historical-Cultural Psychology and Historical-Critical Pedagogy, it is the result of research-training carried out in master's

studies, involving teachers and students from a philanthropic school in the city of Teresina-PI, who participate in a university extension project. The instruments used in the production of information that served as an empirical corpus were study sessions and critical reflection, based on previously selected texts and reflective interviews. As an analysis procedure, it adopts discursive textual analysis. The meanings produced by the research participant reveal that the pedagogical activity gains another quality when it favors students (singularities) appropriation of scientific content mediated by the affective-cognitive dimension, that is, by what they feel and think about their reality, aiming at new ways of being and existing, especially when they manage to make analogical inferences between scientific knowledge and everyday life. The appropriation and objectification of scientific content at school mediate students' development as they lead them to the production of new questions that translate into new relationships with social and historical reality.

Keywords: Pedagogical activity. Appropriation and objectification. Scientific content.

 

Introdução

A educação é o processo social e humano no qual seres humanos transmitem, de modo sistemático ou assistemático, conhecimentos históricos necessários para a continuidade do ser social. Mesmo reconhecendo que tal processo acontece em diferentes espaços, no presente artigo, tratamos da educação escolar, concebida como atividade formal que atente ao objetivo específico de organizar e executar ações educativas que têm por finalidade formar intencionalmente o humano, ou melhor, favorecer a apropriação das objetivações historicamente produzidas pela humanidade, que, na sua forma mais desenvolvida, ganha materialidade na escola por meio dos conteúdos científicos. Portanto, a atividade desenvolvida na escola, aqui compreendida como atividade pedagógica, garante a formação daquilo que Saviani (2015) entende como segunda natureza dos seres humanos. De acordo com este teórico, a especificidade da educação escolar é exatamente a de garantir que nos tornemos humanos, o que significa desenvolver capacidades eminentemente humanas. E quais são essas capacidades? Como acontece esse processo?

De acordo com Leontiev (1978), educar o homem implica ir além do que os processos maturacionais e orgânicos possibilitam ao humano, isto é, significa formar

no indivíduo qualidades que a natureza não lhes dá imediatamente ao nascer, qualidades que não são herdadas ou transferidas de pais para filhos. Leontiev compreende a aprendizagem e o desenvolvimento humano como processos histórico-sociais que tornam o homem produto e produtor das circunstâncias da realidade. Na relação com a realidade, o homem apropria-se dos objetos da sua cultura, buscando, em atividade, superar os condicionamentos biológicos.

Ao apropriar-se das objetivações culturais, o homem transforma seus órgãos em devires, transcendendo às limitações biológicas do seu corpo humano. Vigotski (1996), ao tratar sobre o processo de desenvolvimento humano, explica que, à medida que se complexificam as relações sociais, mais se exige dos seres humanos, tornando mais complexo o processo educativo. É nesse sentido que compreendemos que a educação escolar exerce papel insubstituível na sociedade humana, porque é por meio dessa atividade, sobretudo pela mediação dos conhecimentos mais desenvolvidos do ponto de vista histórico, que os estudantes terão as possibilidades de desenvolver qualidades essenciais à sua humanidade: as funções psicológicas superiores.

Isso acontece na medida em que os estudantes vivenciam situações sociais na escola que viabilizam ações de apropriação-objetivação dos conteúdos escolares. Essas situações sociais são produto da atividade de ensino do professor no que se refere à organização das ações em sala de aula e da atividade de estudo dos educandos. Mesmo reconhecendo que a escola não é o único espaço de formação da consciência do indivíduo, nesta pesquisa, o foco é a escola, por a compreendermos como instituição social que tem essa função no âmbito da sociedade, tendo em vista que todas as práticas nela desenvolvidas precisam ser dirigidas para esse objetivo.

Partindo do pressuposto de que a educação que forma o humano tem como cerne o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, fomentadas nas situações sociais organizadas pela atividade de ensino dos professores, voltadas para o desenvolvimento da atividade de estudo dos educandos, realizamos pesquisa em nível de Mestrado, cujo objeto de investigação é o processo de apropriação-objetivação dos conteúdos escolares desenvolvido pelos estudantes do Ensino Médio,

por compreendermos que a análise desse fenômeno enriquece reflexões acerca da atividade do ensinar e do aprender na escola contemporânea.

Diante desses entendimentos, partimos da seguinte questão problema: como se constitui o processo de apropriação-objetivação dos conteúdos escolares pelos estudantes do Ensino Médio? Nossa pesquisa teve como objetivo geral analisar o processo de apropriação-objetivação dos conteúdos escolares no Ensino Médio.

Neste artigo, apresentamos um recorte dos resultados da referida investigação, que envolveu professores e alunos de uma escola filantrópica da cidade de Teresina-PI que participam de projeto de extensão universitária. Este texto organiza-se em três seções. Na primeira, discutimos acerca da atividade pedagógica como condição necessária para a organização de ações que promovem a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes na escola. Na segunda seção, destacamos as informações sobre o percurso metodológico desenvolvido na investigação e sobre o recorte que tratamos. Na terceira seção, apresentamos um dos eixos de análise de dados sistematizados por meio da análise textual discursiva. Finalizamos este artigo apontando algumas sínteses alcançadas com a realização da pesquisa de Mestrado.

A atividade pedagógica como especificidade da educação escolar

A educação se desenvolve em espaços informais e formais. Nos espaços informais, são produzidas práticas para apropriação de conteúdos, como valores, cidadania, ética e regras gerais de convívio em sociedade, sendo geralmente fomentadas por organizações não governamentais (ONGs), associações comunitárias e entidades diversas. Quanto à atividade formal, a educação se realiza na escola por meio da atividade pedagógica movida pela finalidade de garantir o desenvolvimento integral do estudante, o que significa possibilitar seu desenvolvimento nos aspectos cognitivo, social, afetivo, motor, estético, ético e político.

A transmissão do saber historicamente produzido pela humanidade, na sua forma mais desenvolvida, isto é, os conceitos científicos, é mediação necessária para que, na escola, os estudantes avancem no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Nesse sentido, em se tratando de atividade pedagógica, como se dá o processo de mediação?         

            Para Vigotski (1998), o desenvolvimento intelectual humano está associado ao uso de instrumentos que medeiam a relação do homem com o meio. O teórico denomina essa relação de atividade simbólica, que é exterior e provoca mudanças internas no sujeito, na qual ele se utiliza de dispositivos artificiais para chegar a um determinado fim; uma atividade não linear, mas mediada.

O teórico ressalta que existem instrumentos técnicos e simbólicos que medeiam a relação homem e meio. Contudo, enquanto o instrumento técnico é orientado para provocar mudanças no objeto, o instrumento psicológico provoca mudança no comportamento humano, como a formação de novas qualidades no campo da consciência. Mais precisamente, para Vigotski:

 

Os instrumentos psicológicos são criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios, assim como a técnica se destina ao domínio dos processos da natureza [...]. Como exemplo de instrumentos psicológicos e de seus complexos sistemas podem servir a linguagem, as diferentes formas de numeração e cálculo, os dispositivos mnemotécnicos, o simbolismo algébrico, as obras de arte, a escrita, os diagramas, os mapas, os desenhos, todo tipo de signos convencionais, etc. (1998, p. 93-94).

 

Para além do uso e da produção de instrumentos e signos, a atividade do homem é mediada por várias atividades que constituem seu psiquismo, como as relações com a família, com a escola e com os grupos sociais. Nesses complexos sociais, o sujeito se apropria de diferentes formas de linguagem que passam a fazer parte dos seus sistemas de comunicação, como os conceitos cotidianos e os científicos (BERNARDES, 2012).

O processo de apropriação e objetivação dos conceitos atende à necessidade de conservação do ser humano. Contudo, é preciso atentar para o papel da educação

escolar frente às educações vivenciadas pelos estudantes em outros espaços da sociedade. Trazemos novamente a ideia de Saviani (2015), de que a natureza e a especificidade da educação escolar dizem respeito à transmissão do saber acumulado

historicamente, para garantir aos estudantes o acesso a conteúdos dos quais não se apropriariam nos demais espaços sociais. A escola, assim, trabalha os conceitos científicos que possibilitam ao estudante a formação de novas qualidades, como o pensamento teórico, por exemplo. E isso tem relação com a produção e o uso de mediações específicas para que a formação dessas qualidades aconteça. Portanto:

 

Embora o sujeito possa se apropriar dos mais diferentes elementos da cultura humana de modo não intencional, não abrangente e não sistemática, de acordo com suas próprias necessidades e interesses, é no processo de educação escolar que se dá a apropriação de conhecimentos, aliados à questão da intencionalidade social. (MOURA et al., 2016, p. 102).

 

A educação escolar tem como especificidade a atividade pedagógica, sendo entendida como um sistema de atividades movidas por objetivos que possuem função mediadora entre o sujeito (estudante) e o objeto da aprendizagem (conteúdos escolares). Isso porque, segundo Bernardes (2012), os tipos de mediação que constituem a atividade pedagógica criam as condições para que os estudantes desenvolvam funções psíquicas superiores, pois são constituídas por ações pensadas e organizadas para que o principal objetivo se concretize: a aprendizagem do estudante.

Segundo Moura et al. (2016), se entendemos a escola como espaço que possibilita ao estudante a apropriação de conhecimentos específicos, precisamos também estar cientes de que a atividade de ensino do professor é fundamental para que o aluno entre em atividade de estudo. Isso é possível, segundo os autores, quando o professor, ao organizar o ensino, cria condições para que o estudante desenvolva motivos de atividade, em especial, os motivos de “[...] estudar e aprender teoricamente sobre a realidade” (MOURA et al., 2016, p. 103).

Bernardes (2012) entende que a organização do ensino é uma necessidade pedagógica do professor, cuja principal função é promover a inserção do jovem em

atividade de estudo, e, por esse motivo, precisa ser sistematizada corretamente, isto é, considerando os aspectos cognitivos e sociais do estudante. A organização do ensino constitui-se, assim, como mediação social necessária para apropriação dos conteúdos na escola.

A qualidade da atividade pedagógica se encontra, portanto, na unidade ensino e aprendizagem fomentada pela ação intencional e sistematizada do profissional docente. A atividade pedagógica se efetiva quando precede o desenvolvimento, levando o estudante a obter saltos qualitativos no seu percurso formativo, dado que as situações de aprendizagem promovidas pela atividade de ensino do professor constituem-se como condições objetivas e subjetivas que possibilitam ao estudante apropriação e objetivação dos conteúdos escolares.

Metodologia de investigação

A pesquisa, da qual este artigo é um excerto, situa-se dentro de um projeto de extensão universitária viabilizado pela parceria entre a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e uma escola de Educação Básica de natureza filantrópica, situada na cidade de Teresina - PI. Há aproximadamente doze meses, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana, por meio de seus membros, desenvolve, em parceria com o coletivo de profissionais da referida escola, ações que constituem um projeto de pesquisa-formação.

A metodologia pesquisa-formação tem atributos semelhantes aos de outras metodologias de pesquisa com caráter de intervenção, como pesquisa-ação, pesquisa-colaborativa, pesquisa-participante, pesquisa-coletiva. Segundo Longarezi e Silva (2014), esse tipo de pesquisa se caracteriza por valorizar a escola como lócus de desenvolvimento dos professores, nos quais, em momentos de coletividade, os professores podem refletir acerca das suas necessidades produzidas cotidianamente, sobre seus motivos de escolha das ações em sala de aula, e, sobretudo, sobre os determinantes histórico-sociais da profissão e do trabalho docente.

O projeto em tela é denominado “Universidade e Escola: um diálogo necessário na constituição do professor pesquisador”, tendo como objetivo geral: “Desenvolver ações formativas colaborativas na escola de educação básica que favoreçam o desenvolvimento pessoal e profissional de professores que atuam na escola, a constituição da identidade de discentes do curso de Pedagogia e o desenvolvimento de pesquisa-formação de pós-graduandos em educação”.

Iniciado em agosto de 2018, o projeto acontece por meio de duas ações articuladas. A pesquisa-formação coletiva, que acontece uma vez ao mês, aos sábados, envolvendo todos os docentes em ações colaborativas que visam a superação das necessidades formativas identificadas por eles. E, as ações dos subprojetos de pesquisa-formação, que acontecem durante a semana, em horários definidos pelos docentes e a equipe de pesquisadores, que normalmente são os discentes de pós-graduação da UFPI.

Participam desse projeto de pesquisa-formação: 52 profissionais da escola (profissionais da gestão e docentes); discentes da UFPI, dentre os quais estão graduandos do curso de Pedagogia, pós-graduandos em Educação em nível de mestrado ou de doutorado; e professores-pesquisadores que atuam como formadores na atividade de formação continuada dos docentes. Por meio do projeto, buscamos colaborar com a formação contínua de 43 docentes da escola que atuam nas classes de Ensino Fundamental e Ensino Médio, mediante as seguintes ações formativas: sessões de estudo, oficina pedagógica e pesquisa-formação, articuladas às bases teórico-metodológicas da Psicologia Histórico Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica.  

De modo geral, todas as ações que acontecem, seja na formação coletiva, seja nos subgrupos de pesquisa-formação, são voltadas para a superação das necessidades formativas indicadas pelos docentes. No caso em tela, relataremos as atividades desenvolvidas em um subgrupo de pesquisa-formação que envolveram um professor de Geografia e sua turma do 1º ano do Ensino Médio. Este será o recorte apresentado neste artigo.

Após ter seu cadastro aprovado no comitê de ética da Universidade Federal do Piauí, iniciamos as atividades desta pesquisa-formação tendo com um de seus objetivos específicos analisar as significações produzidas pelos professores sobre a mediação da atividade pedagógica no processo de apropriação e objetivação dos conteúdos pelos estudantes. Para isso, demos prosseguimento às seguintes ações formativas: 1) Sessão de estudo e reflexão crítica com base em textos previamente selecionados com a finalidade de criar as condições para levar o professor a refletir criticamente acerca do fenômeno apropriação e objetivação dos conteúdos escolares; 2) Entrevista reflexiva, realizada com a finalidade de criar as condições para que o professor revelasse sua compreensão acerca da atividade pedagógica que realiza e de como suas ações medeiam a apropriação e a objetivação pelos alunos dos conteúdos escolares.

O procedimento de análise de dados adotado foi a Análise Textual Discursiva (MORAES, 2003), caracterizada pelo movimento de unitarização (destaque de trechos que expressam significações acerca do objeto investigado); categorização (agrupamento das unidades de análise seguindo critérios de semelhança e complementaridade); e produção de metatexto (resultado das análises e interpretação dos resultados). De acordo com esse procedimento de análise, os resultados são organizados e apresentados em eixos discursivos. Em função da limitação de um relato dessa natureza, neste artigo, apresentamos as análises do eixo de discussão intitulado “Compromisso social e pedagógico com a aprendizagem dos estudantes”. Nesse eixo discursivo, reunimos significações que evidenciam como o professor Geo vivencia a atividade pedagógica mediada pelo compromisso social e pedagógico que produz na relação com os estudantes, condição fundamental que garante salto qualitativo ao processo ensino e aprendizagem na escola, consequentemente, ao processo de apropriação e objetivação dos conteúdos escolares pelos estudantes.

 

Compromisso social e pedagógico com a aprendizagem dos estudantes

A fim de revelar as significações de Geo acerca da mediação da atividade pedagógica no processo de apropriação e objetivação dos conteúdos escolares pelos estudantes, reunimos, nesta subseção, trechos que expressam que o professor – a partir dos objetivos elaborados por ele para que os alunos se apropriem e objetivem os conteúdos escolares – é movido pelo compromisso social e pedagógico que produz em relação à aprendizagem dos estudantes com os quais se relaciona na vida cotidiana.

Convidado a refletir sobre os desafios da sua profissão, Geo explicita que o desafio do professor na atualidade é conseguir que todos os alunos aprendam, pois entende que “[...] cada um tem uma dinâmica diferente... E principalmente quando tratamos de uma instituição filantrópica” (Entrevista com o professor realizada em 20/12/2019). Esta significação demonstra que se trata de um professor que consegue enxergar sua sala de aula numa perspectiva de totalidade, como revela no trecho a seguir:

Por que esse aluno está dormindo? O que aconteceu? Ele trabalha? Ele ajuda o pai e a mãe? Então, nós temos que olhar o todo. Às vezes, a gente vê que o aluno que está dormindo, a gente não sabe. O aluno que tira nota baixa, a gente não sabe. Por quê? O aluno só estuda? Quando se trata de uma instituição filantrópica, nós temos que ter um olhar bem mais criterioso, porque são alunos que têm problemas, como ansiedade, depressão, alunos que tomam medicação. Então, a gente tem que ter o cuidado de estar averiguando, falando com eles, porque qualquer palavra pode ser, realmente... Como diz a expressão dos que sofrem com depressão: um gatilho [...]. Muitos você não vai conseguir alcançar, por diversos fatores, desde a questão de não ter a base, até a questão familiar. A gente tenta buscar que esse aluno tenha mais empolgação, que busque se apropriar dos conteúdos, que tenha interesse pela aula. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

 

O professor consegue enxergar seus alunos, sua sala de aula para além das aparências. Esse fato, para quem vive mergulhado na cotidianidade, não é tarefa fácil. Geo entende que a condição de pobreza que marca a vida de seus alunos é um determinante objetivo que produz impactos que podem comprometer o envolvimento dos estudantes com o processo pedagógico. Ele compreende que não pode desenvolver a atividade pedagógica desconsiderando um elemento determinante para o andamento da sua disciplina, que é estar numa escola filantrópica e que os alunos têm uma condição financeira e social que os torna extremamente vulneráveis. O professor evidencia que busca compreender as mediações que vão determinar quem são esses jovens e como eles vão se comportar no desenvolvimento das atividades.

Apesar da particularidade da turma, o professor demonstra compreender a importância da sua atividade, significando que o processo apropriação-objetivação dos conteúdos escolares é o que garante que seu trabalho está sendo realizado com a qualidade necessária:

 

Nós temos que ter essa garantia, né? É claro que nós fazemos de tudo para que os alunos possam se apropriar dos conteúdos a partir do pensar, quando você está pensando em algo que faça sentido pra eles... Então... É importante que eles tenham essa compreensão e que nós, professores, também tenhamos essa compreensão [...] A partir do planejamento, a gente vai podendo é... Fazer com que esses conteúdos, essa apropriação seja para eles [...] que faça um sentido na vida deles. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

Em vários momentos, o professor significa que o aluno se apropria de determinado conteúdo, quando este (o conteúdo) tem algum sentido para ele (aluno) e isso se efetiva quando o professor, como par mais desenvolvido, objetiva situações de aprendizagem que favorecem a apropriação. Aquilo que dá sentido ao estudante é a significação que o docente está produzindo sobre apropriação. Para ele, a apropriação realmente se efetiva quando os alunos conseguem encontrar um sentido para aquele conteúdo.

Sobre isso, Duarte (2008) adverte que o processo de apropriação possui três características. A primeira é a que corresponde a uma atividade de reprodução. De acordo com o autor, esse traço da apropriação revela que o homem somente se apropria quando está em atividade, utilizando e compartilhando com seus pares instrumentos e ideias já existentes na sua cultura. A segunda característica da apropriação é de que se trata da “[...] mediação entre o processo histórico de formação do gênero humano e o processo de formação de cada indivíduo como ser humano” (DUARTE, 2008, p. 31). Consiste, pois, num processo que liga o ser singular ao plano da universalidade (objetivações acumuladas pelo gênero humano). A terceira característica revela que o processo de apropriação é, por natureza, um processo educativo, porque se efetiva pela relação entre os homens mediante a produção de significados e sentidos.

Pelo fato de a apropriação se tratar também de um processo educativo, o estudante se apropria espontaneamente da sua cultura em diferentes espaços sociais: família, mídia, associações de bairro, igreja, etc. Desse modo, o estudante aprende mediado por inúmeros complexos sociais e de diferentes formas. Entretanto, como destaca Duarte (2008, p. 33), “[...] o caráter mediatizado do processo de apropriação da cultura assume características específicas na educação escolar, diferenciando-a qualitativamente das apropriações que ocorrem na vida cotidiana”.

Ao significar que a apropriação dos conteúdos escolares acontece quando os estudantes produzem sentido em relação ao que estão estudando, o professor está entendendo que não se consegue aprender algo descolado da vida real, da cotidianidade que determina o ser e o estar no mundo. Os conteúdos organizados na escola por meio de disciplinas e áreas de conhecimento somente adquirem forma na atividade pedagógica, isto é, na atividade intencional do professor, quando este consegue relacionar os conteúdos à realidade histórica e social dos seus alunos.

Isso se faz pela mediação da atividade pedagógica, a qual, segundo Bernardes (2012), constitui-se como fundamental para o processo de formação do humano. Compreendendo que a apropriação dos conteúdos na escola difere-se qualitativamente do processo de apropriação nos demais espaços sociais, pelo fato de a escola ter como especificidade a atividade pedagógica, o professor Geo elenca algumas ações que, para ele, possibilitam aos estudantes apropriação dos conteúdos que os levam a objetivarem novas relações na escola e na sociedade: “O planejamento tem que estar em dia [...]. As aulas têm que ser mais dinâmicas... Sala de aula invertida... Buscar novas metodologias, metodologias ativas” (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

Ele entende que essas estratégias são importantes para que os alunos possam se apropriar dos conteúdos, entendendo que o planejamento não pode ser algo engessado, tem que visar o movimento existente na sala de aula. Ele demonstra que busca desenvolver uma prática que considera as contingências da sala de aula. Para isso, busca criar estratégias de ensino e aprendizagem que visem à dinamicidade, porque compreende que envolver jovens e despertar neles o interesse pelos conteúdos são aspectos essenciais para garantia do bom ensino. Segundo o professor:

Boa parte dos alunos consegue compreender que aquilo ali é importante... Boa parte deles... Os outros, não... Ainda... Não consideram que sejam tão importantes. Então, o que que faz para que possam entender aqueles conteúdos são importantes? Colocar o dia a dia. Eles se interessam mais quando se coloca o dia a dia. Como é a forma que eles se colocam no espaço? Por que o preço do petróleo aumentou? Vocês sabem o porquê? Então... Aconteceu isso lá no Oriente Médio e essa refinaria veio pra cá... Olha a ligação... Aconteceu lá no Oriente Médio e veio refletir aqui no Brasil... Essas questões de blocos econômicos, geopolítica... Tudo isso aí a gente tenta buscar para eles fazerem as relações. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

 

As significações que o professor produz sobre estratégias de ensino e aprendizagem dizem respeito àquilo que vai favorecer a relação do aluno com o conteúdo. Os conceitos da Geografia evidenciados pelo professor são abstrações, sínteses que expressam os fenômenos da realidade, mas que, segundo Belieri e Sforni (2018), adquirem relevância na unidade com a realidade concreta dos estudantes.

É por isso que se envolver “[...] ativamente com o conhecimento exige que a ação a ser realizada tenha sentido pessoal para o sujeito, portanto, há que se ter em vista a relação afetivo/cognitiva do estudante com o objeto de ensino” (BELIERI; SFORNI, 2018, p. 394-395). É exatamente isso que faz Geo com sua intervenção junto aos alunos nas situações de ensino. O docente estimula os alunos a pensarem sobre os conteúdos ensinados a partir de realidade na qual estão inseridos, como objetos da vida cotidiana.

Nessa direção, ele contribui para que seus alunos se aproximem dos conteúdos da Geografia, e esses passam a vê-los como parte constitutiva de seu mundo, como expressão da realidade. Compreendemos que essa atividade pedagógica medeia o surgimento de novas relações do aluno com a realidade, portanto, é atividade pedagógica que ultrapassa a dimensão da formação cognitiva e se expande para formar o humano.

O conceito formação humana difere-se do conceito formação humanista – formação moral e ética de preparação do indivíduo para exercer seu papel na sociedade (STONA, 2016) –  e do conceito formação humanística – formação da sensibilidade estética, por meio do contato com a arte, como música, teatro e literatura (BRASIL ESCOLA, 2020). Tem, portanto, implicações pedagógicas específicas na escola e assume a função mais importante no processo educativo: ações elaboradas que contribuem para que o homem se torne humano.

 

Tais ações, no contexto escolar, referem-se às ações do educador que organiza o ensino com a finalidade de promover a humanização dos indivíduos por meio do produto do ensino, consequentemente, pode ser entendido como a apropriação do conhecimento científico por meio de ações dos estudantes que lhes possibilitem fazer uso de tais conceitos nas diversas relações com a realidade objetiva, tanto na sua manifestação externa – nas relações interpsíquicas – quanto na sua manifestação interna – nas relações intrapsíquicas. De acordo com a psicologia histórico-cultural, a apropriação do conhecimento promove mudanças qualitativas no psiquismo de quem aprende por possibilitar que o estudante estabeleça novas relações com o mundo objetivo [...] (BERNARDES, 2012, p. 79).

 

É inegável que na vida cotidiana os estudantes observam os acontecimentos do mundo por meio das notícias dos jornais, na internet, na comunicação com outros indivíduos que compartilham os mesmos espaços sociais, apropriando-se de modo assistemático desses fatos. Entretanto, é pela mediação da atividade pedagógica que os estudantes são levados a relacionar os fatos apropriados na cotidianidade aos conteúdos escolares, sendo possibilitados a compreender as causas dos fenômenos e sua relação com outros acontecimentos e os outros conteúdos.

Por esse motivo, o professor Geo defende que o ponto de partida para a apropriação dos conteúdos pelos alunos é o fortalecimento da relação entre o conteúdo a ser ensinado e a vida real do estudante. De acordo com o professor, é preciso dar significado ao que o aluno aprende:

 

[...] trazer para a realidade deles. Eles têm uma realidade, então, a gente busca adaptar esses conteúdos para a realidade deles... A gente busca mostrar as questões... Tudo o que seja referente ao homem, espaço... Tudo aquilo ali a gente busca mostrar pra eles a importância desses conteúdos, a importância que eles têm dentro da vida da pessoa. Não é somente o conteúdo por conteúdo... Tem algo que fundamenta... Tem algo que ele vai precisar mais cedo ou mais tarde daqueles conhecimentos... Então... Uma hora ou outra ele vai precisar desses conhecimentos. A gente busca mostrar para eles dessa forma, que ele vai sentir necessidade desses conteúdos na vida deles. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

 

 

A geografia é de suma importância na vida do ser humano. Eu digo pra eles: olha, vocês... Professor, por que é importante estudar Geografia? (eles perguntam no primeiro dia de aula). Eu vou lhes dizer agora... O simples fato de você chegar até aqui, você utilizou a geografia. O fato de você buscar a localização, encontrar um amigo... Isso é geografia... Você estar localizado nesse espaço, se encontrar nesse espaço, e a partir daí localizar a pessoa, seus amigos... Quando você vai pra casa ou você vai pro shopping e tem que dizer aonde fica... Então... A Geografia é de suma importância para sua vida. Não tem como viver sem a geografia. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

 

Pela significação acerca do ensino de Geografia, o docente concebe a realidade dos alunos como fundamento que faz com que produzam necessidades para apropriarem-se dos conteúdos. O professor, como agente intelectual que desenvolve estratégias de ensino e aprendizagem, precisa considerar as mediações do real que constituem e determinam a vida dos estudantes. Contudo, pesquisas como as de Straforini (2018, p. 177) indicam que a Geografia escolar tem se reduzido a apropriações do presente, simplificando o estudo da realidade, a “[...] apresentação

de ‘atualidades’, quase que transformando a disciplina em uma ‘geografia jornalística’, ou ainda em um espaço-tempo escolar de ‘contextualizações’ para outras disciplinas”.

Por mais que a abordagem dos conteúdos tenha como ponto de partida a realidade na qual os alunos estão envolvidos, ela não pode ser reduzida a essa etapa, pelo fato de não se constituir como objetivo da educação escolar. O ensino das disciplinas do currículo escolar consiste, pois, em criar as condições para que o aluno desenvolva pensamento teórico.

E, em se tratando do ensino de Geografia, Straforini (2004, p. 56) explica que seus conceitos precisam garantir aos estudantes o desenvolvimento da sua criticidade mediante “[...] a evidenciação das contradições da sociedade a partir do espaço, para que no seu entendimento e esclarecimento possa surgir um inconformismo com o presente e, a partir daí, uma outra possibilidade para a condição da existência humana”. Portanto,

[...] o ensino das ciências, das artes e da filosofia na educação escolar, sem qualquer hierarquização entre essas três grandes áreas de objetivação do gênero humano, deve ter como objetivo a transformação da concepção de mundo dos alunos e professores, em direção à difusão de uma visão de mundo materialista, histórica e dialética. Para uma concepção de mundo

materialista, a prática social objetiva é o contexto a partir do qual as ideias são produzidas e têm sua significação. Mas não basta ser materialista, é preciso considerar tanto a prática social objetiva como as ideias nela existentes, em seu movimento histórico, que gera alternativas, possibilidades perante as quais os seres humanos fazem escolhas, num constante movimento entre o que existiu, o que existe e o que pode vir a existir. (DUARTE, 2016, p. 63-64).

 

A escola, como instituição social, precisa garantir mediação específica que tem por finalidade a produção do novo: um indivíduo educado, o qual, por meio da apropriação dos conteúdos, objetiva novas relações sociais ao inferir, questionar e problematizar sua realidade. Geo compreende isso e afirma que os alunos produzem novas relações sociais mediante a apropriação dos conteúdos quando conseguem criar conceitos, quando “[...] conseguem entender a importância daquele conteúdo e o espaço em que estão localizados. Ali eles dão novo sentido à vida deles, criando novos conceitos, novas formas de ver o mundo”. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

            O professor compreende que os alunos precisam criar para mentalizar os conceitos em sala de aula, entendendo que, para se apropriar de um conteúdo, é necessário que o indivíduo desenvolva operações mentais para que a aprendizagem se efetive, um processo não natural, mas possibilitado pela atividade pedagógica.

Geo tem clareza de que a apropriação dos conteúdos da Geografia permite que o estudante objetive novas relações, pois somente uma nova apropriação determina

a produção de novas funções psicológicas superiores. Ao criarmos conceitos, produzimos novas funções psicológicas, porque o conceito vai mediar nossa relação com o mundo. O processo de apropriação e objetivação corresponde à geração de algo novo e à necessidade contínua de desenvolvimento.

Vigotski (2009) esclarece que existem dois tipos de conceitos, tendo eles função específica nos contextos sociais: os conceitos espontâneos e os conceitos científicos. No contexto escolar, os conceitos científicos superam os conceitos cotidianos de forma gradativa, de acordo com o desenvolvimento das funções psicológicas da criança, do jovem. Isso porque, segundo o autor, existe um nível de arbitrariedade criado pelas condições de ensino que enfraquece os conceitos espontâneos pela sua incapacidade de abstração. Na escola, as abstrações são objeto da ação pedagógica desde a pré-escola.

Apesar de entendermos que há superioridade dos conceitos científicos sobre os conceitos espontâneos na educação escolar, o teórico esclarece que não existe dicotomia entre esses conceitos, mas, sim, um processo único de formação de conceitos e da consciência realizado sob diferentes condições, e, por isso, a formação do indivíduo reflete a luta que a escola e a vida cotidiana travam continuamente. Assim, “[...] a força e a fraqueza dos conceitos espontâneos e científicos são inteiramente diversas: naquilo em que os conceitos científicos são fortes os espontâneos são fracos, e vice-versa [...]” (VIGOTSKI, 2009, p. 263).

Pelo fato de o estudante não estar descolado da sua realidade, ele se apropria dos conceitos espontâneos cotidianamente, sendo mediado, ao mesmo tempo, pelos conceitos científicos na escola. Vigotski (2009), por meio dos seus estudos, verificou que, apesar de naturezas distintas, conceitos espontâneos e conceitos científicos estão sempre em relação na educação escolar, na qual o segundo supera o primeiro por internalização, incorporando-se à individualidade do estudante e passando a mediar suas futuras aprendizagens.

Ainda de acordo com Vigotski (2010), os conceitos científicos estarão sempre acima dos conceitos espontâneos pelo fato de a apropriação dos primeiros envolver operações mentais que caracterizam a expansão da consciência do indivíduo. Para que o aluno se aproprie dos conceitos científicos, o professor organiza os conteúdos e objetiva sua aula oferecendo aos estudantes possibilidades de aprendizagem. Na aula, os alunos precisam desenvolver funções, como atenção dirigida e memória voluntária, para compreenderem as vias nas quais o professor aborda o conteúdo.

Portanto, a apropriação dos conteúdos escolares propicia novas objetivações, porque as condições são favoráveis para que os alunos criem funções psíquicas e façam uso dos conceitos já adquiridos para internalizar novos. Constitui-se em necessidade histórica e social do homem, pois, para que ele viva e interaja no meio social, precisa da educação escolar como mediadora entre os conceitos espontâneos e os científicos, para que possa compreender as relações dinâmico-causais que envolvem sua vivência.

O professor se certifica de que os alunos compreendem que os conteúdos são necessários para suas vidas pelo nível e pela forma das perguntas. De acordo com Geo, “Não é nem a prova. As dúvidas que eles têm mostram que eles se interessaram pelo conteúdo e que, a partir daquilo ali, eles foram buscar e estão com dúvidas. A dúvida, nesse caso, é a dúvida boa”. (Entrevista com o professor realizada em 10/12/2019).

A significação presente nesse discurso, acerca do processo de avaliação da aprendizagem, é diferente daquelas dos manuais. Como o professor se certifica de que os estudantes se apropriaram dos conteúdos? Quando eles objetivam por meio das perguntas. O nível das perguntas, para o profissional, define se o aluno está aprendendo ou não.

A objetivação dos conteúdos, não se reduzindo à produção de objetos, refere-se também à produção da linguagem, do conhecimento e das relações humanas, consistindo na criação de novos significados e sentidos para atender a finalidades sociais. A objetivação realizada pelo indivíduo, como assevera Duarte (2008, p. 25), não se realiza de forma arbitrária, descolada do processo de apropriação, tendo em

vista que “[...] o homem precisa conhecer a natureza do objeto para poder adequá-lo às suas finalidades. Assim, para que o objeto possa ser transformado e inserido na ‘lógica’ da atividade humana, é preciso que o homem se aproprie de sua ‘lógica’ natural”.

Na significação do professor, o nível das perguntas determina a medida do que o aluno está aprendendo. As perguntas demonstram que o estudante está produzindo algo novo e que demonstra interesse pelas atividades fomentadas em sala de aula. São as perguntas, consideradas pelo professor como “dúvidas boas”, que refletem a ligação que o estudante está desenvolvendo entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos, sendo, assim, objetivações das apropriações dos conteúdos escolares.

Isso quer dizer que a apropriação de determinado conteúdo somente é possível quando o estudante transforma o objeto da aprendizagem (conteúdo) em instrumento a ser utilizado na sua vida, desenvolvendo associações com os fatos ocorridos no seu dia a dia, encontrando utilidade nos conteúdos. O professor se certifica de que o estudante se apropria do conteúdo quando este se constitui, pois, em objetivação, ao adquirir traços singulares do estudante e ao se tornar produto da sua atividade.

Considerações finais

As análises dos resultados discutidos na pesquisa permitiram compreender que o professor Geo relaciona a apropriação àquilo que dá sentido ao estudante e, para isso, desenvolve ações que fomentam a mediação entre conhecimento científico e vida cotidiana. Esse elo oportunizado pela atividade docente favorece aos alunos a ampliação da sua capacidade de entender o mundo, desenvolvendo neles novos conceitos que passam a mediar suas apropriações futuras. Por esse modo, Geo entende que uma situação concreta que demonstra que os alunos realmente objetivaram o conteúdo é quando conseguem produzir perguntas. A objetivação das perguntas, para o professor, revela o nível de apropriação dos conteúdos de Geografia dos estudantes.

As significações do professor acerca do ensino de Geografia, de como elabora estratégias de ensino e aprendizagem orientadas pelo objetivo de relacionar os conteúdos escolares (abstrações) ao dia a dia dos estudantes (fatos concretos), e por se preocupar com o elemento particular que medeia o processo escolar dos seus alunos (vulnerabilidade social), evidenciam que ele tem desenvolvido sua profissão com compromisso social e pedagógico, o que denota sua ética como subsidiária das práticas em sala de aula.

A contradição existe na atividade pedagógica pelo fato de que o velho (conteúdos escolares), quando apropriado pelos estudantes (atividade de estudo), transforma-se em novo instrumento (conhecimento objetivado e possuindo traços do estudante), adquirindo feições do velho, embora com nova qualidade. Dessa forma, o profissional demonstra, mediante suas significações, que os estudantes não são os mesmos ao acessar a cultura acumulada mediante a atividade pedagógica: eles produzem questionamentos que se traduzem em novas relações com sua realidade social e histórica. E os estudantes, como significam a escola, o Ensino Médio, as atividades que vivenciam no espaço escolar? Como estão objetivando os conteúdos dos quais se apropriam na escola? Que novas relações conseguem estabelecer pela mediação de novas apropriações científicas?

Questões como essas sugerem que novas pesquisas no campo de apropriação e objetivação dos conteúdos escolares precisam ser realizadas, podendo apontar caminhos que levem ao encontro de metodologias de ensino mais potentes para a aprendizagem de estudantes historicamente mais desenvolvidos.

 

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