Estudos sobre Pedagogia Universitária e Didática do/no Ensino Superior: itinerários de uma experiência em tempos de pandemia
Studies on University Pedagogy and Didactic of/in Higher Education: itineraries of an experience in times of pandemic
Estudios sobre Pedagogía Universitaria y Didáctica de la/en la Educación Superior: itinerarios de una experiencia en tiempos de pandemia
José Leonardo Rolim de Lima Severo
Professor Doutor na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.
leonardorolimsevero@gmail.com - http://orcid.org/0000-0001-5071-128X
Rayssa Maria Anselmo de Brito
Doutoranda na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.
rayssamtbrito@gmail.com - http://orcid.org/0000-0001-9389-6421
Gabriela da Nóbrega Carreiro
Doutoranda na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.
gncarreiro@gmail.com - http://orcid.org/0000-0001-5559-9901
Recebido em 04 de outubro de 2020
Aprovado em 11 de janeiro de 2021
Publicado em 04 de setembro de 2021
RESUMO
Conferir à Didática um lugar de centralidade no contexto da formação docente para o Ensino Superior constitui-se em uma demanda atual e urgente. Pensar esta demanda em meio a cenários de interrupção e (re)estruturação das atividades presenciais de ensino, em função da pandemia da Covid-19, a torna ainda mais desafiadora. Por essa razão, o presente trabalho busca compreender e discutir a experiência de ensino remoto da disciplina “Pedagogia Universitária e Didática do/no Ensino Superior”, a qual se configurou em um laboratório para experimentações coletivas que, atravessadas pelas especificidades do contexto pandêmico, puseram em articulação o estudo dos temas programáticos e modos alternativos de ensinar e aprender remotamente. Ou seja, permitiram, ao docente e às/aos discentes, aproximarem-se criticamente do ensino remoto, na medida em que se exercitaram diálogos teóricos e experiências de mediação tecnológica que sinalizaram a importância da Didática como espaço para pensar as finalidades, mediações e condicionantes do ensino, especialmente nesse contexto. Assim, consiste num Relato de Experiência, pautando-se por dados coletados junto aos/às discentes por meio de um questionário virtual e em registros vivenciais das/o autoras/or. Consideramos que a transição para o ensino remoto nos auxilia a recuperar as práticas desenvolvidas na sala de aula presencial e confrontá-las com a necessidade de configurar novos modos de estruturação didático-curricular que propiciem condições para o desenvolvimento da aprendizagem pelo engajamento, construção e compartilhamento de saberes em redes colaborativas com o suporte de tecnologias educativas.
Palavras-chave: Didática; Pedagogia Universitária; Ensino Superior.
ABSTRACT
Giving Didactics a central place in the context of teacher education for Higher Education is a current and urgent demand. Thinking about this demand amid scenarios of (re) structuring and interrupting face-to-face activities makes it even more challenging. For this reason, this paper seeks to comprehend the remote teaching experience of the subject “University Pedagogy and Didactics of / in Higher Education”, which constituted a laboratory for collective experiments that, crossed by the specificities of the pandemic context, brought together the study of programmatic themes and alternative ways of teaching and learning remotely. In other words, it allowed teachers and students to critically approach remote education, as theoretical dialogues and technological mediation experiences were exercised that signaled the importance of Didactics as a space to think about the purposes, mediations and conditions of the teaching, especially in this context. Thus, the methodological character of this paper consists of an Experience Report, based on data collected from the students through a virtual questionnaire and experiential records of the authors'. From this point of view, the transition to remote teaching helps us to recover the practices developed in the classroom and confront them with the need to configure new modes of didactic-curricular structuring that provide conditions for the development of learning through engagement, construction and sharing of knowledge in collaborative networks with the support of educational technologies.
Keywords: Didactic; Universitary Pedagogy; Higher Education.
RESUMEN
Dar un lugar de centralidad a la Didáctica en un contexto de formación docente para la Educación Superior es una demanda actual y urgente. Pensar en esta demanda con la (re)estructuración e interrupción de las actividades de enseñanza, debido a la pandemia del Covid-19, se torna más desafiante. Por ello, el presente trabajo busca comprender la experiencia de enseñanza remota de la disciplina “Pedagogía y Didáctica de la Universidad de Educación Superior”, la cual se constituyó en un laboratorio de experimentación colectiva que, cubriendo las especificidades del contexto pandémico, articuló el estudio de temas programáticos y formas alternativas de aprendizaje y enseñanza remota. O sea, permitirán, al docente y a los alumnos, un enfoque crítico de la enseñanza remota, a medida que fueron emergiendo diálogos teóricos y experiencias de mediación tecnológica, que resaltaran la importancia de la Didáctico como espacio de reflexiones sobre propósitos, mediaciones y condiciones del enseñanza, especialmente en este contexto. Así, el carácter metodológico de este texto consiste en un Informe de Experiencia, basado en datos recopilados de los estudiantes a través de un cuestionario virtual y los registros de las experiencias de los autores. Creemos que la transición a la enseñanza remota nos ayuda a rescatar las prácticas que se dan en el aula y a enfrentar las necesidades de configurar nuevas formas de estructuración didáctico-curricular que aporten las condiciones para el desarrollo del aprendizaje a través de la educación, la construcción y compartir conocimientos en redes colaborativas con el soporte de las tecnologías educativas.
Palabras-clave: Didactica; Pedagogía Universitaria; Enseñanza Superior.
Introdução
Surpreendidos/as por uma pandemia provocada pela proliferação do vírus Covid-19, todos os países, incluindo o Brasil, enfrentam a necessidade de promover uma reorganização social, de modo a instituir, por meio de decretos nacionais e estaduais, períodos consecutivos de distanciamento social, isolamento e lockdown. Nesse cenário, observamos que tal crise sanitária apresenta reflexos nas diversas esferas de organização da vida em sociedade, de modo que “se torna difícil apontar espaços e relações sociais que não sofreram alguma mudança com a pandemia” (PALUDO, 2020, p. 45).
Em nosso contexto acadêmico fomos retirados/as abruptamente dos cotidianos vividos e necessitamos participar de redes de elaboração coletiva dessa experiência para que a pressa em sair do isolamento não nos fizesse esquecer os motivos pelos quais tivemos de nos isolar[1].
Nessa direção, constatamos que as instituições educativas, incluindo as que se dedicam ao Ensino Superior, podem e devem ser um elo importante na construção dessas redes e, para isso, precisam exercitar uma reflexão sobre possibilidades de intervenção educativa que colaborem com objetivos de formação humana nesse contexto e sobre as condições que tornam possível esse modo de atuação.
De modo geral, as Instituições de Ensino Superior (IES), nos níveis de graduação e de pós-graduação se mobilizaram para planejar e executar agendas de ensino remoto confrontadas por uma realidade desafiadora de ausência de experiências formativas dos/as docentes com o uso de tecnologias apropriadas para tal fim, de condições desiguais de acesso a suportes tecnológicos pelos(as) próprios(as) estudantes(as) (PALUDO, 2020), bem como de impactos psicossociais e econômicos provocados pelo reordenamento da vida social.
Este texto sistematiza a experiência desenvolvida no âmbito da disciplina “Pedagogia Universitária e Didática do/no Ensino Superior”, ofertada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, no primeiro semestre de 2020. Sob o propósito da sistematização, mobilizamos dados coletados junto aos/às discentes por meio de um questionário virtual no diálogo com registros vivenciais das/o autoras/or, no intuito de compreender as possibilidades de formação pedagógica do(a) professor(a) do Ensino Superior, ao nível de pós-graduação, em um contexto de isolamento social, ressaltando os potenciais da Pedagogia Universitária e da Didática como eixos estruturantes da crítica propositiva sobre o aprender e o ensinar. O questionário virtual foi aplicado com o objetivo de levantar informações sobre os/as estudantes da disciplina, compreensões sobre Didática e formação docente, e posicionamentos avaliativos acerca do percurso de aprendizagem em meio às circunstâncias do ensino remoto.
Para tanto, tomamos como base a premissa de que o relato de experiência
está compreendido como um trabalho de linguagem, uma construção que não objetiva propor a última palavra, mas que tem caráter de síntese provisória, aberta à análise e à permanente produção de saberes novos e transversais. Configura-se como narrativa que, simultaneamente, circunscreve experiência, lugar de fala e seu tempo histórico, tudo isso articulado a um robusto arcabouço teórico, legitimador da experiência enquanto fenômeno científico (DALTRO; FARIA, 2019, p. 235).
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A referida disciplina configurou-se em um laboratório para experimentações coletivas que, atravessadas pelas especificidades do contexto pandêmico, puseram em articulação o estudo dos temas programáticos e modos alternativos de ensinar e aprender constantemente objetos de problematização didática. Ou seja, permitiu, ao docente e às/os discentes, se aproximarem criticamente do ensino remoto, na medida em que se exercitaram diálogos teóricos e experiências de mediação tecnológica que sinalizaram a importância da Didática como espaço para pensar as finalidades, mediações e condicionantes do ensino, especialmente nesse contexto.
Por esta razão, objetivando circunscrever a experiência aqui refletida, estruturamos o presente texto em quatro distintas seções, sendo elas: 1 - A contextualização da experiência, em que são apresentadas as intencionalidades formativas e dimensão contextual em que a experiência se situa; 2- Pressupostos da experiência: Didática e formação pedagógica de professores/s para o Ensino Superior, seção dedicada ao arcabouço teórico que pautou a disciplina e que também configurou o quadro conceitual da sistematização da experiência; 3- Sujeitos da experiência e suas motivações, em que refletimos sobre as especificidades dos sujeitos que integraram a experiência relatada e como se deu sua vinculação na mesma; e, por fim, 4- Percursos das experiências, na qual analisamos os aprendizados e reflexões construídas nesse processo formativo.
A contextualização da experiência
Na Universidade Federal da Paraíba, a interrupção das aulas presenciais se deu em meados do mês de março, surpreendendo alunos/as e professores/as e, consequentemente, provocando a readequação das rotinas formativas com a adoção de práticas classificadas como ensino remoto emergencial, uma alternativa que, desde logo, visou distinguir-se do modelo de Educação à Distância (EaD), uma modalidade que possui perspectivas pedagógicas específicas com métodos de organização didático-curricular própria[2].
No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, a adesão ao ensino remoto obteve certo consenso, em função de uma aposta emergencial de docentes e discentes, para darem prosseguimento a disciplinas em curso e viabilizarem a integralização curricular de estudantes que pretendiam qualificar ou defender seus trabalhos de pesquisa.
Além disso, a decisão conjunta apoiou-se na percepção de que o nível de autonomia esperado que um/a estudante de pós-graduação manifeste, permite, em um primeiro momento, o envolvimento e participação em situações de aprendizagem em ambientes virtuais que exigem uma maior maturidade para autorregulação. Mesmo assim, tal percepção não é suficiente para garantir ou justificar a adoção do ensino remoto sem a necessária preocupação com as condições de acesso às tecnologias e circunstâncias psicossociais que envolvem os/as estudantes e suas famílias.
A disciplina contabilizou uma carga horária de 60 horas. A interrupção das aulas presenciais ocorreu quando a disciplina alcançava seu terceiro encontro. Os demais doze encontros foram promovidos de forma síncrona online, por meio de diferentes plataformas de salas virtuais de videoconferência.
Na busca por pavimentar um percurso formativo que garantisse condições de apropriação, produção e socialização de conhecimentos pertinentes ao escopo da disciplina, foram organizadas diferentes estratégias que, de forma síncrona e assíncrona, produzissem um cenário propício às interações em rede, à construção de vínculos, à análise crítica do contexto e ao engajamento acadêmico como expressão de uma concepção de aprendizagem comprometida com o desenvolvimento de capacidades cognitivas e socioafetivas enriquecidas pela colaboratividade.
Para tanto, operamos com a concepção de Didática Multidimensional por reconhecermos que a mediação didática se estrutura por “[...] perspectivas de análise que ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, organizacionais, culturais, nos quais os sujeitos estão em relação com o saber a ser (re)aprendido” (FRANCO; PIMENTA, 2016, p. 550). Levando em conta as possibilidades e contradições do ensino remoto, caberá a Didática compreender, dispor e mobilizar espaços de (auto)(trans)formação dos/as estudantes para ampliar a qualidade do processo de ensino e do que se considera necessário ao “momento pedagógico do(a) aluno(a)” (FRANCO, 2015, p. 171).
Nessa mesma lógica, trazemos neste artigo a compreensão da Pedagogia Universitária como um “[...] campo científico específico de saberes que precisam ser mobilizados para que a educação superior alcance a sua dimensão política, social e cognitiva [...]” (CUNHA, 2019, p. 128). Logo, mais do que nunca é preciso situar indagações no campo da Pedagogia Universitária sobre como as alternativas produzidas para manter o funcionamento das Instituições de Ensino Superior (IES) viabilizam o alcance das suas finalidades formativas com perspectiva de qualidade pedagógica e equidade social.
Uma vez apresentado o contexto no qual se situa o presente relato, adentramos, pois, no exercício reflexivo sobre os pressupostos que fundamentam nossa experiência na relação entre os campos da Didática e da Formação Docente.
Pressupostos da experiência: Didática e formação pedagógica de professores/s para o Ensino Superior
A disciplina foi estruturada de maneira a possibilitar, aos/às estudantes, o desenvolvimento de capacidades de compreensão e ação docente diante de dinâmicas que configuram os processos didáticos no Ensino Superior a partir de reflexões sobre aspectos institucionais, políticos, relacionais e metodológicos que incidem nas práticas de ensino e aprendizagem. Desse propósito deriva a concepção de Didática que pautou a construção e a reflexão da dinâmica formativa ao longo das aulas.
Percorremos um caminho de interlocuções com diferentes autores/as e perspectivas teóricas de modo a compreendermos a Didática como campo de conhecimento e disciplina pedagógica que se volta para o ensino como prática social, logo histórica e política, e, fenômeno humano, portanto, interrelacional e multirreferenciado. Nessa lógica, a abordagem da Didática acerca do ensino se dá em torno dos aspectos que determinam suas finalidades, contextos, sujeitos, cenários e formas de mediação. Tal modo de abordar o ensino revela uma ruptura quanto ao sentido normativo e prescritivo da Didática herdado de tendências epistemológicas que restringem a Pedagogia, como área na qual se situa a Didática, ao lugar das técnicas instrucionais.
Compreender o ensino como prática social e fenômeno humano pressupõe assumir sua complexidade como objeto de conhecimentos, bem como do modo pelo qual é efetivado por meio da ação intencional de educadores/as. Na medida em que ensinar compreende um pensar e um fazer envolvidos no desvelamento crítico das finalidades educativas e na tomada de decisões que criam, reflexivamente, as situações práticas do/a educador/a são assumidas como uma práxis transformadora da sociedade que se realiza pela possibilidade de intervir no desenvolvimento humano, de modo a produzir e potencializar capacidades individuais e coletivas de construção de saberes. Como objetivo do ensino, a aprendizagem consiste, portanto, em uma atividade de apropriação e compreensão do mundo pelos/as sujeitos, instrumentalizada por diferentes saberes que se (re)criam nas relações estabelecidas com seus contextos de inserção social. (FRANCO; PIMENTA, 2016).
Cabe à Didática, nesse sentido, fundamentar pedagogicamente a ação do/a educador/a para produzir, intencional e estruturadamente, com base em uma racionalidade crítica e dialógica (FREIRE, 1996), situações de aprendizagem referenciadas em uma rede de saberes de diferentes matrizes epistemológicas (científicos, artísticos, tecnológicos, culturais, etc.), estimulando o desenvolvimento do pensamento reflexivo e autônomo, do engajamento ético e da ação colaborativa. Como afirmam Franco e Pimenta, as mediações da Didática no processo dialético de concepção e organização do trabalho pedagógico dispõem “[...] aos docentes perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, organizacionais, culturais, nos quais os sujeitos estão em relação com o saber a ser (re)aprendido” (2016, p. 550).
Essa Didática Multidimensional (FRANCO; PIMENTA, 2016) é desafiada a se fazer presente também na formação e prática docente no Ensino Superior, âmbito no qual ainda persistem muitas resistências aos saberes pedagógicos, dada a representação equivocada de que a condição formativa do/a professor/a se respaldaria no domínio de conteúdos específicos da área em que atua ou, tão somente, na experiência de tempo de atuação no magistério. Tal representação segue sendo legitimada por discursos institucionais que naturalizam práticas pouco engajadas com a aprendizagem significativa dos/as estudantes, dificultando processos didático-curriculares que busquem atender aos desafios da formação no Ensino Superior em um cenário complexo de transformações sociais que exigem a produção de sentido crítico e inovador para o ensinar e o aprender.
Articulada a uma perspectiva de Pedagogia Universitária (MASETTO; GAESA, 2018), a Didática do/no Ensino Superior se configura em um aporte fundamental na construção dos percursos de formação e identidade do/a docente que atua nesse nível, problematizando seus modos de pensar, fazer e interagir com os saberes, os/as estudantes e seus contextos. Desse modo, contribui decisivamente na configuração de uma profissionalidade resultante do investimento permanente na autocrítica, na sistematização da própria experiência pela ótica do pedagógico e na reflexão sobre os movimentos de ser/estar professor/a em circunstâncias dinâmicas de um trabalho que se modificam continuamente ao longo do tempo (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014). Logo, a Didática assume contornos de um repertório de saberes que não apenas instrumentalizam decisões metodológicas, mas estruturam uma racionalidade práxica (CARR, 2002) que confere intencionalidade à ação educativa, com vistas a aperfeiçoá-la.
Os Programas de Pós-Graduação (PPG) são o espaço em que se formam professores/as para o Ensino Superior, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996). Entretanto, lacunas na legislação e ausência de diretrizes específicas para formulação de currículos que incorporem a problemática do ensino na organização dos PPGs, explicam o fato de que os cursos de mestrado e doutorado não possuam componentes específicos voltados à formação pedagógica do/a professor/a do Ensino Superior. Não encontrando respaldo em normativas legais, essa formação normalmente fica a cargo de práticas institucionais episódicas, quando existem.
O/a professor/a do Ensino Superior normalmente constrói sua identidade em um ethos acadêmico de desvalorização da sua condição formadora e, em consequência, dos saberes da Pedagogia e da Didática. Esse ethos reforça a crença de que o papel dos PPGs seria, exclusivamente, promover a especialização em campos de pesquisa científica. Mesmo sinalizando a importância da qualidade pedagógica da ação do/a professor/a, as IES também o reforçam quando priorizam critérios de ingresso e ascensão na carreira que posicionam as competências investigativas em níveis superiores àquelas vinculadas propriamente ao campo do ensino. Com isso, a cultura profissional do magistério no Ensino Superior vai se organizando em torno de significados e práticas que minimizam ou mesmo rechaçam o papel da Didática e não proporcionam o ensinar com pesquisa.
A ausência da Didática como saber estruturante da formação e do trabalho docente implica na descaracterização do estatuto do magistério e dificulta a construção de um entendimento em que a docência seja encarada como profissão em contraponto à cultura do improviso, da vocação ou da reprodução de modelos, traços fortemente presentes na atuação dos/as professores/as do Ensino Superior.
Os Programas de Pós-Graduação em Educação não fogem à regra. Apesar de se organizarem em torno de temas do campo pedagógico, a formação para a docência em nível superior não ocupa espaço específico na configuração dos projetos curriculares de cursos de mestrado e doutorado em Educação, como assinalam Soares e Cunha (2010), problemática acentuada pela invisibilidade ou silenciamento de pesquisas situadas no campo da Didática.
Insurgindo em um contra-movimento a tal tendência, a experiência - objeto de reflexão neste texto - conferiu espaço para, na formação de mestres/as e doutores/as em Educação e de alunos/as especiais de diferentes áreas, a problematização e a aquisição de referenciais didáticos necessários ao desenvolvimento da ação docente, compreendendo a necessidade de integração do ensino com a pesquisa e da pesquisa no/para o ensino (ALMEIDA; PIMENTA, 2014), de modo a subverter a lógica de mercado e de consumo com a qual estão comprometidas as políticas globais de Educação Superior. São expressões autênticas, dessa lógica, práticas que reduzem o aprender ao domínio de informações pela simples transmissão que desobriga o/a estudante de pensar e criar redes de saberes e de confrontar-se criticamente com a realidade.
Na aposta por transpor para ambientes virtuais de aprendizagem um percurso formativo que foi desenhado para acontecer presencialmente, esses pressupostos sobre Didática, prática docente e aprendizagem no Ensino Superior auxiliaram a organização de um itinerário formativo que aproveitasse e potencializasse os recursos do ensino remoto, minimizando suas limitações.
A transição para o ensino remoto nos colocou em contato com exigências de organização didática desses itinerários a fim de estimular a autonomia e a colaboratividade como dimensões fundantes da aprendizagem. Para tanto, encaramos as atividades síncronas como momentos dialógicos de partilha e sistematização de referências que se orientaram por um programa de leituras prévias e atividades estudos com o apoio de grupos de trabalho cooperativo que, semanalmente, levaram os/as estudantes a se engajarem em temas de interesse e desempenharem tarefas que eram apresentadas à turma.
Tratou-se de um itinerário didático que exigiu modos de planejar, desenvolver e avaliar os processos de ensino-aprendizagem que, embora induzidos por uma contingência que pegou a todos/as de surpresa, já integram a agenda de proposições da Didática do/no Ensino Superior em função de que “[...] os enfoques didáticos clássicos, centrados na aula e na atuação do professor, vêm cedendo espaço a modos de ensino centrados em atividades a serem exercidas pelos estudantes de maneira autônoma” (ALMEIDA; PIMENTA, 2014, p. 14). Desse ponto de vista, a transição para o ensino remoto nos auxilia a recuperar as práticas desenvolvidas na sala de aula presencial e confrontá-las com a necessidade de configurar novos modos de estruturação curricular que propiciem condições para o desenvolvimento da aprendizagem pelo engajamento, construção e compartilhamento de saberes em redes colaborativas com o suporte de tecnologias educativas.
O investimento coletivo do professor e dos/as estudantes na experiência teve como fator decisivo a compreensão crítica do contexto da pandemia e das desigualdades estruturais que deixou expostas. O isolamento social restringiu muitos/as de nós a nossas casas e, mais ainda, nos levou a visualizar os abismos que, historicamente, nos isolam uns dos outros, em função de marcadores da diferença e lugares de existência atravessados por distintas (im)possibilidades de vida, bem como nos desagregam da esfera pública (quando naturalizamos a desigualdade e nos seduzimos pela lógica do mercado). Por essa razão, pensar uma “nova normalidade” requer desnaturalizar o que já é normal e que, por isso, parece oculto ou inofensivo, mas que é, na verdade, causa das mazelas sociais e humanas que nos afligem, bem como construir um amplo consenso sobre a necessidade do fortalecimento de um Estado republicano e de uma sociedade de direitos pautada em valores democráticos, atenta aos grupos que mais precisam da sua mediação via políticas sociais. Requer, ainda, pactuar um modo outro de relação com o território, com a comunidade e a natureza, inaugurando um vínculo sustentável que não existe para a maior parte das pessoas com o ambiente que as cercam. (SANTOS, 2020)
Como espaço de formação de mestres/as e doutores/as, professores/as do Ensino Superior, um Programa de Pós-Graduação não pode se furtar da tarefa de colaborar com a formação de “intelectuais públicos” (SANTOS, 2020) que mediem reflexões nos diferentes espaços sociais e, em nosso caso, educacionais, para construção de uma sabedoria coletiva que fomente a mudança de concepções e atitudes sociais, premissa da transformação da própria sociedade.
Sujeitos da experiência e suas motivações
Abordar a experiência de estudos sobre Pedagogia Universitária por meio do ensino remoto emergencial requer trazer à tona os(as) sujeitos e suas motivações. Para registro da avaliação da experiência na disciplina, foi aplicado um questionário virtual junto à turma que serviu de base para as reflexões que serão desdobradas a seguir, tendo como objetivo compreender a experiência de ensino remoto da disciplina.
Constituído por 34 participantes, dos quais 24 se autodeclaram de gênero feminino e 10 de gênero masculino, com idades entre 23 e 53 anos, a turma era composta por alunos/as regularmente matriculados/as no PPGE - dos quais 10 eram alunos/as do mestrado, 08 alunos/as do doutorado - e 16 alunos/as especiais, ou seja, que não possuíam vínculo regular junto ao Programa.
Quanto à formação inicial, a turma representa um mosaico de diferentes cursos, condição comum a disciplinas de Didática do/no Ensino Superior, uma vez que tendem a ser procuradas por pessoas de diversas áreas em busca de formação pedagógica.
Gráfico 1 - Formação Inicial dos Sujeitos da Pesquisa
Fonte: Arquivo elaborado pelos autores, 2020.
Conforme evidenciado no gráfico acima, embora seja perceptível uma predominância de pedagogas e pedagogos na turma, observamos que 18 alunos/as advêm de áreas diversas situadas nos campos das Ciências Humanas Sociais e Ciências Exatas. Ressaltamos, também, que há casos de alunos/as com mais de uma graduação, o que justifica uma quantidade superior ao número de 34 sujeitos.
Entre os/as estudantes, 25 possuem curso de pós-graduação lato sensu distribuído nas seguintes áreas: Educação (12); Psicopedagogia (6); Logística (1); Ciências Humanas (1); Ciências Naturais (1); Direitos Humanos (1); Direito (1); Economia (1); e Engenharia (1).
Com relação ao mestrado, observamos que 27 alunos/as estavam matriculados ou haviam concluído mestrado em: Artes Visuais (01); Ciência da Computação (01); Educação (18); Educação em Direitos Humanos (01); Engenharia de Produção (01); História (01); Jornalismo (02) e Ciências Contábeis (01). Mesmo com a predominância de alunos/as com formação nas ciências humanas, é importante valorizar a busca e interesse de pessoas com formação em outros campos por compreender questões relacionadas à Didática e a Pedagogia do Ensino Superior, enquanto campo formativo necessário para a profissionalização de docentes para o Ensino Superior.
Ainda no tocante à formação, cabe ressaltar que 07 alunos/as eram doutorandos/as em educação, 01 doutoranda em Ciência da Informação e 01 já havia concluído o curso, sendo também doutor em educação.
Com relação às ocupações profissionais dos/as estudantes da disciplina, há uma predominância do exercício do magistério, ao qual se dedica um grupo de 17 pessoas[3] (sendo que 04 ressaltam ser especificamente da Educação Básica), 09 se declaram servidores públicos que atuam em funções técnico-administrativas, 02 jornalistas e, ademais, uma advogada, uma artista, uma assessora pedagógica, uma que se declara profissional autônoma, uma coordenadora pedagógica, uma gestora de relacionamento comercial, um músico, um contador e uma pessoa desempregada com formação em Pedagogia. Isso evidencia a multiplicidade de profissionais e compreensões sobre o campo pedagógico e didático, tendo em comum a busca por aprendizagens oportunizadas pelo componente optativo (não-obrigatório) de Pedagogia Universitária e Didática do/no Ensino Superior.
Ao indagarmos acerca das expectativas iniciais que mobilizaram cada um/uma a matricular-se na disciplina em questão, obtivemos um total de justificativas que foram agrupadas em categorias compostas por códigos quantificados a partir da frequência apresentada nas respostas. As respostas permearam as seguintes concepções de motivação para a busca da disciplina: Conhecimentos sobre a Didática do/no Ensino Superior (47%); Conhecimentos sobre o ensino-aprendizagem (22,8%); Crescimento profissional aliado a novas experiências (22,8%); Suporte teórico para pesquisas (5,1%) e, Não tinha expectativas (2,9%).
Com essas informações, podemos compreender que as expectativas, em sua maioria, estão implicadas na temática central da disciplina, reiterando a compreensão da Didática enquanto campo da Pedagogia que investiga os fundamentos, as condições e os modos de realizar a educação mediante o ensino, possibilitando novos olhares para a prática docente no âmbito do Ensino Superior (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 67). Os/as discentes assinalam uma compreensão da importância da Didática quando informam que suas motivações consistiam em:
Compreender os aspectos teóricos e metodológicos da Didática e Pedagogia Universitária; Preparação para futura atuação profissional como docente (E.10)
Me aprofundar e aprimorar a cerca da didática, enfatizando seu desdobramento no ensino superior. (E.23)
Compreender a didática no ensino superior e as questões que envolvem o trabalho do professor. (E.25)
Conhecer mais sobre os estudos que envolvem a Didática e a Pedagogia Universitária. (E.05)
O interesse nos estudos da Didática, levando em conta que a maioria dos alunos/as matriculados/as na disciplina em questão tem como área de formação e atuação o campo pedagógico, evidencia uma busca formativa em torno de conhecimentos teóricos e práticos sobre processos de ensino-aprendizagem fundamentados na relação indissociável dos saberes pedagógicos e saberes didáticos como bases do fazer docente no contexto do Ensino Superior (D’ÁVILA; FERREIRA, 2019). Trata-se de uma compreensão importante uma vez que revela que, mesmo para licenciados/as, a formação em Didática durante a pós-graduação stricto sensu é uma demanda significativa na constituição da profissionalidade do/a professor/a do Ensino Superior.
De modo também significativo, podemos verificar que o interesse em torno das questões pedagógicas, especialmente dos “Conhecimentos sobre o ensino-aprendizagem” 14% fomentaram expectativas e interesses na disciplina, revelando a compreensão prévia acerca da Didática do/no Ensino Superior como campo de estudos e prática sobre o ensinar e aprender.
Concordamos com D’ávila e Ferreira (2019, p. 49) que os saberes didáticos implicados nos saberes pedagógicos constituem os elementos estruturantes da prática formativa de professores/as, arquitetando o “alicerce sobre o qual construímos nossa competência profissional – nosso profissionalismo”. Essa concepção dos saberes apresentada pelas autoras reforça nosso entendimento sobre a recorrência das expectativas iniciais estarem pautadas na busca por “Conhecimento sobre a Didática do/no Ensino Superior” (47%) e “Conhecimento sobre o ensino-aprendizagem (14%)” enquanto saberes próprios da docência que possibilitam uma prática refletida, consciente e, portanto, uma práxis pedagógica.
Percursos das experiências
Nesta seção, refletiremos sobre as atividades, os desafios e os resultados alcançados por meio da experiência na disciplina em questão, iniciando por compreender quais as estratégias adotadas pelos/as estudantes pós-graduandos/as ao longo das aulas, como forma de minimizar as contingências desafiadoras do ensino remoto emergencial, bem como se adequando às demandas oriundas da reorganização da vida na pandemia.
Quadro 1 - Estratégias adotadas para criar um ambiente de aprendizagem favorável ao ensino remoto
Categoria |
Subcategoria |
Porcentagem de Recorrência |
Organização Estrutural |
- |
47,06% |
Organização Mental/Cognitiva |
- |
26,47% |
Dificuldades na Organização |
Concentração Divisão do Espaço com as Famílias Sobrecarga de funções |
5,88% 11, 76% 5,88% |
Nenhuma Estratégia |
- |
2,94% |
Fonte: Elaboração dos autores.
Dentre as estratégias adotadas, observamos que 20 (47,06%) dos/as estudantes mencionaram a preparação de um ambiente de estudos estruturalmente confortável, incluindo um planejamento de horários para realização das leituras e atividades propostas pela disciplina. A rotina, como um elemento significativo para a organização da aprendizagem, especialmente no contexto do ensino remoto, foi enfatizada por 05 (26, 47%) dos/as estudantes.
Todavia, percebemos que a organização desses ambientes de aprendizagens, a partir dos arranjos e ajustes na rotina cotidiana de cada um/uma, nem sempre eram suficientes, visto que problemas com a conexão, associados às demandas de família e filhos/as, acarretaram dificuldades e desafios de acúmulo de funções e, consequentemente, de concentração para o bom andamento da aprendizagem. A categoria Dificuldades de organização, enfatizada por 23,52% dos/as estudantes, apontam situações que perpassam o cotidiano de mães estudantes, conforme aponta o relato abaixo:
No começo, meu esposo ficava com minhas filhas. Mas agora como estou sozinha com elas, só consigo assistir as aulas gravadas e no horário da madrugada que é melhor pra ter minha atenção focada. (E-12)
Destacamos a fala da Estudante 12 por compreendermos que esta aponta aspectos significativos que perpassam a realidade de mães universitárias que incluem em suas rotinas demandas do cuidado estrutural, financeiro e afetivo das crianças, associadas ás demandas de estudos. As estudantes-mães dessa turma, as quais, nesse novo cenário de diluição das fronteiras de tempo/espaço entre atividades acadêmicas, profissionais e domésticas, viram suas demandas familiares ampliadas e intensificadas, necessitando de uma rede maior de apoio, nem sempre possível. Nessa perspectiva, ressaltamos que o apoio familiar foi também mencionado pelos/as estudantes.
Por fim, ressaltamos, ainda, a fala do Estudante 22, quando afirma que buscou se “desligar das notícias negativas e em excesso”, uma vez que muitas eram as informações sobre a pandemia e o contexto político no país, recebidas de diferentes fontes e meios de comunicação, provocando dificuldade de concentração, como também lhes conferiam danos à saúde mental, a exemplo do aumento da ansiedade.
A reflexão sobre as ações realizadas pelos/as estudantes em prol de potencializar suas aprendizagens nesse contexto de isolamento social e ensino remoto, fez-se recorrente nas aulas virtuais, de modo que estes/as eram motivados/as a refletirem sobre tais estratégias, inclusive, percebendo como cada um/uma contribuíam para melhorias em meio às especificidades do contexto da vida na pandemia.
Nessa ótica, e uma vez considerando que a maior parte da turma se constituía por docentes em diferentes níveis de ensino, ressaltamos a importância este exercício autoformativo:
Em se tratando do estudante que será um futuro professor, sua formação deve possibilitar-lhe ativar a consciência dos alunos sobre seus processos motivacionais, cognitivos e metacognitivos. Essas competências traçam o perfil do profissional reflexivo, atualmente exigido, cuja atuação é inteligente e flexível. (CUNHA; BORUCHOVITCH, 2012, p. 252).
Ainda no campo das dificuldades vivenciadas no formato de ensino remoto, vemos que os seguintes fatores negativos mais ressaltados foram: a sobrecarga de atividades cotidianas (citado por 27 estudantes), dificuldade de concentração (18 estudantes); e, atrelada a este, a dificuldade de manter uma rotina de estudos e disciplina intelectual (sinalizados por 17 estudantes). Essas dificuldades encontram-se mutuamente implicadas, uma vez que a mudança em função do isolamento alterou as rotinas familiares, levando os/as estudantes a acumularem as demandas de trabalho em circunstâncias psicossociais de ansiedade, solidão, medo e cansaço.
Dessa forma, a sobrecarga de funções, as dificuldades de organização de rotinas e ambientes de aprendizagem, que sempre foram questões importantes no cotidiano de quem se dedica à pesquisa em educação e/ou ao ensino, acentuam-se ainda mais, exigindo uma análise atenta no contexto de pandemia e ensino remoto e, por partes das instituições, uma pedagogia do acolhimento e de solidariedade. O ofício do/da estudante, conforme aponta Coloun (2017), implicado na compreensão das regras, dinâmicas e códigos institucionais, ao ser deslocado para o contexto pandêmico, exige desses/as discentes uma maior atenção, organização e engajamento nas suas demandas de aprendizagem e participação na vida acadêmica.
A partir da noção de engajamento, compreendido enquanto processo que possibilita envolvimento dos/as estudantes com as atividades acadêmicas, levando em conta os aspectos “afetivos, cognitivos e comportamentais” (VITORIA et al, 2018, p. 263), podemos afirmar que as diversas atividades desenvolvidas remotamente provocaram uma maior interação da turma desde planejamento das aulas, com pesquisas em grupo, leituras, diálogos no whatsapp, vídeoconferências com autoras e autores que se faziam presentes no textos e conversas on-line[4], possibilitando diálogos interinstitucionais sobre as temáticas estudadas. Para dinamizar as aulas, foi usada a estratégia didática dos grupos operativos, a qual consiste na composição de equipes que, por livre adesão motivada por interesse na temática ou tarefa, engajam-se na produção de artefatos de aprendizagem que são apresentados à turma, conforme programação das aulas. Os grupos operativos foram organizados para desdobrar as seguintes tarefas: pesquisa com estudantes do ensino superior (SEVERO Et al, 2020), cartas pedagógicas, sequências didáticas, desenvolvimento de audiovisual e avaliação da experiência formativa com o ensino remoto na disciplina em questão.
Conforme apresenta o quadro abaixo, o engajamento docente-discente foi fundante para o bom desenvolvimento da disciplina, mediante um processo de ensino-aprendizagem dialógico, no qual os/as discentes puderam, colaborativamente, produzir com o professor o contexto e os objetos do ensino, refletindo e construindo conhecimentos sobre a Didática do/no ensino superior, ao tempo que se constituíam sujeitos desse conhecimento.
Quadro 2 - Elementos que favoreceram o andamento da disciplina no contexto de Pandemia e isolamento social (Amostra de 34 respostas)
Categorias |
Porcentagem de Recorrência |
Disponibilidade do professor para orientar |
89,5% |
Participação das professoras e professores convidados |
81,6% |
Dinâmica de organização das transmissões das aulas |
65,8% |
Escolha de textos curtos com bons referenciais teóricos |
63,2% |
Atividades dirigidas e grupos tutoriais |
47,4% |
Organização do tempo de durabilidade da aula |
47,4% |
Fonte: Elaboração dos autores.
Conforme aponta o Quadro 2, a disponibilidade do professor nas orientações e diálogos com os/as estudantes representou um elemento valorativo para a aprendizagem significativa na disciplina. Reforçando a noção da ensinagem enquanto envolvimento mútuo num processo dialógico e compartilhado de trabalhar os conhecimentos, a disciplina possibilitou uma experiência de troca e coletividade na compreensão das dificuldades de adaptação a uma disciplina remota na pós-graduação em Educação (ANASTASIOU, 2017).
A representação da disciplina por parte dos/as estudantes também foi algo que nos chamou a atenção, uma vez que, na análise das respostas do questionário, pudemos verificar a mobilização de conceitos pedagógicos que ultrapassaram os textos trabalhados e dialogados nas aulas, fazendo-se presentes no modo de apreender a experiência na disciplina como espaço de ação e reflexão sobre a ação, como espaço de práxis.
No meio das dificuldades da Pandemia, a disciplina foi incrível e as metodologias utilizadas pelo Professor nos enriquece e empolga, gerando um grande engajamento coletivo. (E 03)
Uma disciplina que leva a muitas reflexões sobre as posturas, atitudes, métodos e cotidiano de um professor de ensino superior, bem como a respeito da aprendizagem dos alunos de forma significativa. (E 08)
Diferentes conceitos presentes nas aulas e nos textos de base para as leituras programadas - como didática, ensinagem, engajamento, pedagogia universitária, metodologias ativas, identidade docente - apresentaram-se de modo recorrente nas respostas dos/as alunos/as ao apontarem as impressões mais significativas sobre a disciplina. A recorrência desses conceitos pedagógicos reforça o engajamento docente na escolha, elaboração, planejamento e desenvolvimento do processo de aprendizagem contemplando - conforme fundamenta Masetto (2010, p. 21) - os “quatro objetivos educacionais: desenvolvimento cognitivo, afetivo-emocional, de habilidades e de atitudes”, materializados nas respostas das/os discentes:
O processo de Ensinagem, como sendo uma ação em parceria, professor x aluno, que resulta na ação de ensinar e aprender. Ensinagem, faz parte de um projeto coletivo e como desafio de uma de prática docente inovadora e comprometida. (E-10)
Reaprendi o conceito de didática por meio da teoria e da prática, o diferentes saberes e a importância do papel docente e discente no ato de ensinar e aprender. (E-6)
O maior aprendizado da disciplina para mim, foi o referente a necessidade de autoconhecimento como professor, assim como a necessidade de conhecer seus alunos, tendo em vista os diferentes cenários e perspectivas que a profissão docente carece para ser bem exercida e cumprir sua finalidade humana, social e ética. (E-7)
Por fim ressaltamos, ainda, o exercício crítico-reflexivo realizado pelos/as estudantes, de modo que, embora 11 estudantes afirmem não terem nada a sugerir como aspecto a ser melhorado, os demais apontaram possíveis melhoramentos à oferta desse componente curricular, os quais dividimos em aspectos teóricos e metodológicos.
No tocante aos aspectos teóricos, observamos a sugestão de dois estudantes sobre uma discussão a respeito da inclusão da Pessoa com Deficiência no Ensino Superior, seus desafios e especificidades no que tange a uma didática mais inclusiva. Outra fala em relação à questão teórica constitui-se num pedido de uma maior profundidade na discussão da Pedagogia desde seu histórico até seus conceitos fundamentais, tal como justifica o estudante 20:
Como são alunos de diferentes áreas de conhecimento, sugiro uma aula sobre termos e um pouco da história da pedagogia, pois quem não tem muito prática docente sentirá dificuldades sobre os temas abordados nas aulas. (E-20)
Nesse registro, ressaltamos a busca de estudantes vindos/as de outras áreas do conhecimento, evidenciando o interesse em ampliar os horizontes dos estudos da Didática e da Pedagogia do Ensino Superior também em seus espaços de atuação.
No campo metodológico, as sugestões vão desde grupos dirigidos (o que foi realizado em alguns momentos da disciplina); mais instrumentos práticos, considerando uma expectativa de construir modelos a serem referenciados em suas práticas, a exemplo de E-26 que pediu por uma “oficina de instrumentos de avaliação”; bem como incluir aulas remotas nas ofertas futuras, uma vez que este formato de aula possibilitou o encontro da turma com pesquisadores importantes da área[5].
Acrescentamos, ainda, uma sugestão de que a disciplina seja componente obrigatório no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, conforme ressalta o estudante:
Que esse componente curricular seja de caráter obrigatório para a linha de Processos de Ensino e Aprendizagem, de modo que todas e todos possam ampliar e aprofundar na temática tendo como foco a Didática enquanto área de estudo. (E-3)
Ressaltamos na fala de E-3, a necessidade de trazer esta disciplina enquanto componente obrigatório, uma vez que, no formato atual, a mesma se apresenta como sendo uma disciplina optativa e que, por esta razão, acaba não fazendo parte do processo formativo de futuros/as mestres/as e doutores/as, docentes do Ensino Superior. Acreditamos que é possível e importante a articulação entre essa disciplina e a prática de Estágio de Docência, componente já obrigatório na matriz curricular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.
Considerações finais
Em concordância com a crítica suscitada pelo E-3, no que tange o lugar da disciplina na linha de pesquisa em Processos de Ensino-Aprendizagem, ampliamos esta perspectiva potencializando sua importância no contexto formativo de todos/as os/as estudantes que atravessam suas trajetórias em um PPG em Educação. Uma vez que a atividade docente deve ser estruturada com base em saberes pedagógicos e didáticos, faz-se necessário a todos/as aqueles que desejam exercer o magistério no Ensino Superior a compreensão dos aspectos que a constituem a relação educativa e seus modos de mediação.
Faz-se salutar, também, investir em mais reflexões e experiências sobre o lugar da Didática na formação de mestres/as e doutores/as em educação, que, ao construírem suas próprias aprendizagens, vão também construindo representações do que vem a ser professor/a do/no Ensino Superior, quais os desafios e reflexões neste campo de atuação.
Através da experiência exitosa aqui apresentada e refletida, retomamos o objetivo do presente relato, de modo que compreendemos a disciplina “Pedagogia Universitária e Didática do/no Ensino Superior”, como sendo fecunda de possibilidades reflexivas no tocante a formação do/a docente do Ensino Superior. Ressaltamos a necessidade do engajamento e compromisso do docente e dos/as discentes em dinâmicas de ensino remoto, a fim de que, uma vez se reconhecendo como sujeitos importantes desse processo, possam refletir sobre os papéis exercidos nessas experiências, enfrentando os desafios a ela postos. Assim, é possível reconhecer, por meio de um diálogo colaborativo entre docentes e discentes, as possibilidades reais de aprendizagem em meio ao cenário pandêmico com o qual nos defrontamos de um modo geral.
Referências
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Notas
[1] No contexto Paraibano, assim como em outros estados brasileiros, vivenciamos um processo de emissão e publicação de diferentes decretos a nível estadual e municipal que visaram regular desde o isolamento total, com medidas fortemente restritivas, até a flexibilização dessas medidas, com base em estudos epidemiológicos de transmissão e casos de óbitos
[2] Ressaltamos o fato de que, em se tratando especificamente do perfil dessa turma, todos/as possuíam acesso à internet, ainda que 55,3% afirmasse ter algumas dificuldades de conexão em alguns momentos. Com consentimento coletivo, o ensino remoto foi adotado sem representar maiores prejuízos ao desenvolvimento das aulas.
[3] Nesse grupo, encontramos também professores do Ensino Superior que não se auto-definiram explicitamente no momento de preenchimento do questionário, o que já nos aponta para uma construção identitária a ser fortalecida.
[4] Cabe ressaltar que os encontros desta disciplina contaram também com a participação dos professores de renome neste campo de estudos, entre eles Maria Isabel da Cunha, Maria Amélia Franco, Selma Garrido Pimenta e José Carlos Libâneo, de modo que era possível ler textos e dialogar com seus autores, o que fortaleceu para que os debates nesta disciplina ocorressem de modo atual e consubstanciado.
[5] Foram elas/ele: José Carlos Libâneo, Selma Garrido Pimenta, Maria Isabel de Almeida, Maria Amélia Franco, Renata da Costa Lima e Elisa Gonsalves Possebon.