Manual Escolar e mudanças curriculares em Portugal: percepção dos docentes de Geografia

Textbooks and curricular reform in Portugal: Geography teachers’ perceptions

Maria Helena Esteves

Professora doutora na Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

me@campus.ul.pt - https://orcid.org/0000-0003-0091-5692

 

Recebido em 04 de outubro de 2020

Aprovado em 14 de dezembro de 2020

Publicado em 30 de março de 2021

 

RESUMO

O artigo tem como objetivo analisar de que forma o Manual Escolar, como recurso material central do processo educativo, se tem adaptado às alterações curriculares introduzidas em Portugal com a publicação de nova legislação relacionada com as aprendizagens escolares e a formação integral dos/as alunos/as ao terminar a escolaridade obrigatória. Procurou-se conhecer a visão dos professores e professoras sobre a forma como as alterações curriculares foram (ou não) acompanhadas por uma reformulação dos manuais escolares no sentido de responder aos novos desafios colocados a docentes e discentes. A recolha de dados sobre a perceção dos/das docentes foi realizada mediante a utilização de inquéritos por questionário. Os resultados preliminares apontam para a existência de algum desfasamento entre as novas indicações curriculares e os manuais escolares que suportam o trabalho de docentes e discentes. Com efeito, a nova legislação relacionada com as aprendizagens escolares e a formação integral dos discentes não inclui uma nova visão e uso do manual escolar no sentido de responder às novas exigências do sistema educativo nacional. Apresentam-se algumas recomendações com base nas necessidades detetadas pelos/as docentes.

Palavras-chave:. Manual Escolar; Ensino da Geografia; Docentes.

 

ABSTRACT

This paper aims at researching how the use of Textbooks, as a central resource in education, has changed considering the curricular changes introduced in Portugal, with the publication of new legislation related to school learning and the integral training of students as they finish compulsory education. The research seeks to understand schoolteachers’ views related to the curriculum changes and how they were followed by a new use of textbooks both by teachers and students. Data collection was done using questionnaires. The preliminary results point to the existence of a gap between the new curricular guidelines and the textbooks that support the work of teachers and students. In fact, the new legislation related to school learning and the integral training of students does not include a new concept and use of textbooks to respond to the new requirements of the national education system. Some recommendations and reflections are presented based on the needs detected by the teachers.

Keywords: Textbook; Geography teaching; Teachers.

Introdução

O estudo que se apresenta tem como objetivo analisar de que forma o Manual Escolar, como recurso material central do processo educativo, se tem adaptado às alterações curriculares introduzidas em Portugal com a publicação do Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade obrigatória (DGE, 2017), para o qual todas as disciplinas deverão contribuir, e das Aprendizagens Essenciais (DGE, 2018) das disciplinas lecionadas no ensino básico e secundário. O manual escolar é um instrumento de trabalho fundamental para professores/as e alunos/as e deve acompanhar a evolução da escola no que diz respeito às aprendizagens que esta procura desenvolver.

A legislação portuguesa apresenta uma série de regras inerentes à produção de manuais escolares que orientam diversos aspectos a respeitar na sua elaboração. De acordo com a Lei 47/2006, de 28 de Agosto, o manual escolar é definido como “um recurso didático-pedagógico relevante, ainda que não exclusivo, do processo de ensino e aprendizagem” (Lei 47/2006, p.6213). Mais ainda, é identificado como um recurso de apoio ao trabalho autónomo do aluno que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento das competências e das aprendizagens definidas no currículo nacional para o ensino básico e para o ensino secundário. Para que este objetivo seja concretizado, os manuais escolares devem incluir toda a informação correspondente aos conteúdos nucleares dos programas em vigor, bem como propostas de atividades didáticas e de avaliação das aprendizagens. Por fim, é feita uma referência ao fato de os manuais escolares poderem incluir orientações de trabalho para os/as docentes.

As reformas curriculares são habitualmente acompanhadas por uma reformulação dos manuais escolares no sentido de se adequarem às novas exigências disciplinares previstas. No entanto, ocorrências recentes como a publicação das novas orientações referidas, não foram acompanhados de uma reformulação dos manuais escolares. Isto significa que cabe aos professores criar as experiências de aprendizagem em sala de aula que possibilitem a aquisição de novas competências transversais como são as definidas no Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade obrigatória (DGE, 2017).

Importava assim compreender como está a ser utilizado o manual escolar nas salas de aula. Procurou-se conhecer a visão dos professores e professoras sobre a forma como os manuais escolares permitiram acompanhar (ou não) os novos desafios colocados a docentes e discentes. Sendo assim, este artigo expõe de seguida algumas reflexões sobre a importância dos manuais escolares na organização das atividades escolares de professores/as e alunos/as. Num momento posterior apresenta-se a investigação que abrangeu docentes de Geografia de diferentes níveis de escolaridade – as perceções dos/as docentes são o ponto de partida para recomendações importantes no sentido de tornar os manuais escolares recursos pedagógicos mais adequados aos desafios colocados a professores/as e alunos/as num momento de reorganização curricular.

O manual escolar como artefacto da educação

A investigação sobre a importância dos manuais escolares na organização das actividades de sala de aula revela que estes são recursos fundamentais para docentes e discentes. Num estudo recente, o Observatório dos Recursos Educativos (CARVALHO, 2018) concluiu que os manuais escolares (considerando a sistematização que fazem dos programas disciplinares e por reunirem um conjunto de actividades) são o recurso educativo por excelência mobilizado pelos/as docentes portugueses. Mais ainda, o mesmo estudo revelou que cerca de 97% dos/as professores/as utiliza sempre, quase sempre ou regularmente os manuais escolares na construção das suas aulas (apenas 1% nunca os utiliza) e que 92% baseia neles as actividades de planificação de todas ou da maioria das unidades didácticas. A complementar estes dados cerca de 95% dos/as professores/as referiram levar sempre (ou quase sempre) o manual escolar para as suas aulas (apenas cerca de 1% indicaram nunca o fazer).

Esta função central do manual escolar no processo educativo é reconhecida por investigadores como ZABALZA (1992) que identifica as razões para esta centralidade: o seu papel de mediador entre o currículo prescrito e o currículo programado e planificado e a sua função de legitimação cultural. A sua centralidade é tão importante que para quem, os/as professores/as, quando planificam não trabalham diretamente com os programas, mas sim com os manuais que funcionam como guias de estruturação das suas aulas, confirmando estudos posteriores realizados junto de docentes portugueses.

A investigação realizada sobre a importância dos manuais escolares revela dados interessantes sobre a forma como são apropriados pelos/as professores/as (e pelos/as alunos/as). Segundo GÉRARD e ROEGIERS (1998), os manuais escolares cumprem funções diferentes para docentes e discentes. Para docentes, os manuais escolares apresentam-se como instrumentos pedagógicos que incluem as seguintes dimensões:

- Informação, na medida em que apresentam ao/à docente uma abordagem mais eficaz do processo de ensino e aprendizagem e renovação pedagógica,

- Difusão do conhecimento científico.

-Formação contínua, ao apresentar novas estratégias de ensino e actividades que possibilitam reorganizar e desenvolver as experiências pedagógicas dos/as professores/as.

 -Apoio à instrução, pois apresentam actividades a usar na preparação de aulas, assim como sugestões de avaliação formativa e de estratégias de remediação.

Para os autores GÉRARD e ROEGIERS (1998), as funções atribuídas ao manual escolar, do ponto de vista dos alunos, prendem-se com algumas dimensões que se apresenta:

- Aquisição de conhecimentos e competências, desenvolvimento de métodos de estudo e aplicação das aprendizagens.

- Mobilização e integração das aprendizagens (avaliação formativa e auto-avaliação dos/as alunos/as, utilização de competências que tenham sido adquiridas nas várias disciplinas).

- Conhecimento científico relevante (o manual deve incluir informação rigorosa que permita uma fácil utilização pelo/a aluno/a, em termos de conteúdos científicos, apresentados sobre a forma de textos, informação gráfica, sugestões de pesquisa, entre outros, promovendo o desenvolvimento de competências).

- Educação social e cultural dos discentes (o manual deverá promover o autoconhecimento e a integração social).

LAMBERT (1999) na sua investigação sobre o uso de manuais escolares na sala de aula identificou mais algumas funções associadas ao uso deste recurso educativo:

- Uma função de controle da turma – muitas vezes o uso do manual escolar marca momentos de controle do comportamento dos discentes.

- Uma função de mediação entre o saber científico e a didática- o manual aparece como orientador do ensino e da aprendizagem.

- Uma função de recurso escolar - muitos professores e professoras consideram o manual escolar como mais um recurso a explorar em sala de aula (e não o recurso central).

Estas considerações são reafirmadas por estudos posteriores como é o caso de GRAVES (2000) que evidencia a utilidade dos manuais escolares na sua relação com a prática pedagógica:

- Organizam os conteúdos científicos mais importantes a serem aprendidos, uma vez que os autores dos manuais já realizaram uma selecção acerca do que deve ser aprendido e qual a sequência das aprendizagens.

- Facilitam a organização das aprendizagens na medida em que informam os/as alunos/as sobre a organização do programa – sabem o que é esperado deles em termos das aprendizagens e actividades a realizar.

- Fornecem um conjunto de informação a ser utilizada pelo/a professor/a (e explorada pelos discentes) em termos de actividades, leituras, imagens, etc.

- Permitem fazer a avaliação das aprendizagens (grande parte dos manuais inclui instrumentos de avaliação).

- Podem incluir materiais de apoio ao docente a utilizar nas suas aulas (guião do professor, fichas de trabalho, cd/pendrive com informações adicionais).

- Garantem aos professores e professoras a consistência dos programas leccionados nos diferentes níveis de escolaridade (os manuais seguem a mesma sequência de aprendizagens definida pelos programas das disciplinas).

Mais recentemente, a investigação sobre os manuais escolares tem incluído questões relacionadas com a utilização que os/as professores/as fazem dos mesmos. SILVA JUNIOR e RÉGNIER (2008) identificam um conjunto de funções gerais e específicas associadas ao uso dos manuais escolares:

 

Quadro 1 - Funções do Manual escolar relativas ao Professor

FUNÇÃO GERAL

FUNÇÃO ESPECÍFICA

Ferramenta de utilização didáctica/profissional

Define as actividades a realizar pelo/a professor/a em cada aula, possibilita a avaliação de aprendizagens; sugere actividades de ensino e aprendizagem; organiza a gestão das actividades escolares e facilita a preparação das aulas; fornece a teoria relevante sobre a disciplina;

Formação complementar

Estrutura o currículo real; é uma obra de referência e reflexão pedagógica; transmite o conhecimento e possibilita o desenvolvimento de competências; apresenta informações científicas relevantes; constitui um material de estudo; define uma pedagogia específica da disciplina; funciona como instrumento de autoformação; estabelece o currículo a ser seguido pelo/a professor/a.

Formação profissional

Complemento de formação científico e pedagógico; instrumento de formação dos/as docentes; formação científica ligada à disciplina; ferramenta importante de formação inicial e contínua;

Fonte: Adaptado de SILVA JUNIOR e RÉGNIER, 2008

 

Algumas das funções enunciadas confirmam as pesquisas anteriores no que diz respeito à importância que os manuais escolares têm na organização das actividades de sala de aula. Acresce a ideia do manual escolar como instrumento formativo para o/a professor/a no que diz respeito à sua formação contínua – apresentação de novos conteúdos e práticas pedagógicas a explorar em sala de aula.

Os manuais escolares não estão isentos de insuficiências. Neste sentido é útil ter presente aquelas que a investigação indica serem as mais frequentes. Segundo BASTURKMEN (2010) as insuficiências mais relevantes prendem-se com os seguintes aspetos:

- Inadequação dos conteúdos aos/às estudantes – uma vez que os manuais escolares são elaborados para .a estudante médio/a, o nem sempre está de acordo com as necessidades e interesses de grupos específicos de discentes.

- Problemas relacionados com a terminologia científica específica da disciplina.

- A sequência das unidades curriculares pode não ser a mais adequada considerando os níveis de ensino a que se destinam.

- As atividades propostas podem ser pouco interessantes.

Face a estas questões, existem recomendações importantes sobre o uso do manual escolar que todos os/as docentes devem conhecer: é um recurso importante, mas não deve ser o único recurso utilizado. É muito importante que o/a professor/a utilize o manual escolar como um organizador do ensino e da aprendizagem, mas tenha a possibilidade de alterar, complementar, eliminar ou acrescentar informação àquela contida no manual escolar.

O manual escolar é assim um artefacto importante na educação, um recurso didático relevante para docentes e discentes. Importou, por isso, conhecer a visão dos/as professores/as de Geografia sobre a forma como utilizam os manuais escolares nas suas aulas. As percepções dos/as professores/as são extremamente importantes para saber como se adaptam às reformas curriculares e como ultrapassam as insuficiências dos manuais escolares na construção das suas práticas escolares. Nos próximos capítulos apresenta-se a investigação realizada, resultados e reflexões sobre estes.

Percepções dos/as professores/as sobre os manuais escolares

Amostra e metodologia de investigação

A investigação realizada junto de professores e professoras de Geografia teve por base uma amostra de 70 docentes que tiveram a oportunidade de responder a um conjunto de questões sobre a forma como avaliam e utilizam o manual escolar nas suas aulas. A amostra, apesar de relativamente pequena em total de respostas, permitiu uma abrangência em termos de distribuição geográfica que se salienta e apresenta na figura 1:

 

Figura 1 – Distribuição geográfica dos/as docentes de Geografia

Fonte: Google Earth e questionário dos/as docentes

 

Do mesmo modo, responderam ao questionário docentes de todos os níveis de escolaridade em que a Geografia é ensinada no ensino básico e secundário, como a figura 2 apresenta:

 

Figura 2 – Ano de escolaridade leccionado pelos/as docentes de Geografia

 

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

Em termos de metodologia de investigação foram realizados os seguintes procedimentos: distribuição dos questionários aos professores e professoras, e recolha dos mesmos; tratamento estatístico da informação: os dados de natureza qualitativa foram organizados no sentido de compreender de uma forma global as situações, as experiências e os significados das acções e das percepções dos sujeitos através das suas descrições (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Os dados de natureza quantitativa foram trabalhados estatisticamente no sentido de representar as variáveis em estudo.

Resultados da investigação

Neste capítulo apresentam-se alguns resultados obtidos na investigação relativamente aos dados fornecidos pelos/as docentes participantes no estudo. Foram selecionadas algumas das questões mais directamente relacionadas com o tópico em análise – avaliação do manual escolar, caracterização do seu uso em sala de aula e adaptação às mudanças curriculares em Portugal anteriormente referidas.

No que diz respeito à avaliação que os/as professores/as fazem do seu manual escolar os primeiros dados foram algo surpreendentes: a avaliação do manual escolar, utilizando uma escala de 1 a 5 pontos (sendo que 1 seria a pontuação mais baixa e 5 a pontuação mais elevada), revelou uma média ponderada dos manuais escolares 3, 48 pontos (que se detalha na figura 3):

 

Figura 3 – Avaliação dos manuais escolares utilizados pelos/as professores/as de Geografia

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

A opção pela média ponderada (e não a média aritmética) decorre do facto de ser importante contabilizar o peso dos diferentes anos de escolaridade no cálculo desta medida de tendência central (os/as docentes do 7º ano têm um peso importante na amostra). De qualquer modo, é possível concluir que um valor de 3,48 para a classificação dos manuais em análise coloca o valor médio no suficiente. Importa também salientar que cerca de 20% dos/as professores/as trabalha com manuais escolares que considera Mau ou Medíocre o que trará certamente problemas na sua utilização em sala de aula.

Para conhecer mais detalhadamente a opinião dos/as docentes, a mesma análise foi feita para cada ano de escolaridade. A avaliação do manual escolar por ano de escolaridade revela alguns dados interessantes, como se ilustra na figura 4:

 

Figura 4 – Avaliação do Manual escolar (Média ponderada) por ano de escolaridade

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

Conclui-se que nos anos inicias de cada ciclo de escolaridade (7º e 10º) existe uma maior exigência com o manual escolar – mas à medida que o ano de escolaridade muda a avaliação do manual escolar melhora. De salientar que o ano de escolaridade, onde a média da avaliação do manual escolar é mais baixa, é exatamente o ano em que os alunos iniciam o estudo da Geografia como disciplina autónoma no sistema educativo português.

A utilização do manual escolar na sala de aula foi analisada segundo a frequência da mesma e considerando as actividades realizadas. No que diz respeito à frequência com que o manual é utilizado em sala de aula, obtiveram-se os seguintes resultados:

 

Figura 5 – Utilização do manual escolar pelos/as professores/as de Geografia (Frequência)

Fonte: Questionário docentes

 

A maioria dos/as professores/as referiu utilizar o manual escolar apenas em algumas aulas, o que reforça a ideia de que utilizam outros recursos educativos na construção das suas aulas. Para compreender melhor em que anos de escolaridade existe uma maior dependência do Manual escolar, na construção das aulas, analisou-se a questão por ano de escolaridade. Os/as professores/as que utilizam o manual escolar em todas as aulas (cerca de 25% dos/as respondentes) fazem-no nos seguintes anos de escolaridade:

 

Figura 6 – Docentes que utilizam o manual escolar em todas as aulas por ano de escolaridade

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

Os/as professores/as do Ensino Básico (anos iniciais de Geografia) que utilizam o manual escolar em todas as aulas, têm um maior peso no conjunto dos respondentes. E importa salientar que do conjunto de docentes que referem usar o manual escolar em todas as aulas, 43% eram do 7º ano de escolaridade. À medida que o ano de escolaridade aumenta a percentagem de docentes que utiliza o Manual escolar em todas as aulas vai diminuindo.

Para complementar a questão do uso do manual escolar era importante conhecer a forma como este uso se materializa. Logo, os/as professores/as foram questionados/as sobre as diferentes atividades que realizam com o manual escolar. Os dados recolhidos são apresentados na figura 7:

 

Figura 7- Utilização do manual escolar pelos/as professores/as de Geografia (Atividades)

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

O manual escolar é principalmente utilizado para a realização de exercícios e exploração de conteúdos (leitura de textos, análise de imagens, etc). Logo, é um documento central no ensino da disciplina concentrando a função de fonte de informação e instrumento de trabalho (do/a professor/a). Numa segunda fase, o manual é referido como um recurso a ser explorado pelos/as alunos/as (agora numa perspetiva mais centrada nas atividades dos/as discentes).

No que diz respeito à adaptação às mudanças curriculares em Portugal, relacionadas com a publicação de novos documentos orientadores da política educativa e da sua articulação com as disciplinas escolares, os/asdocentes de Geografia apresentaram a sua opinião. Em relação à existência nos manuais de atividades articuladas com o Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória (DGE, 2017) obtiveram-se os seguintes resultados:

 

Figura 8 – Articulação do manual com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade obrigatória (competências transversais e articulação disciplinar)

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

Como se pode observar cerca de 65% dos/as respondentes refere que as atividades do manual escolar não permitem fazer articulação com outras aprendizagens que não as de Geografia. No entanto, cerca de 35% referiu que essa articulação é possível. Logo, era importante conhecer um pouco melhor o contexto destas respostas.

Verifica-se que, dos/as professores/as que referiram que o manual escolar permite trabalhar competências definidas para o Perfil dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória, cerca de 50% lecionam no 7º e 8º ano de escolaridade e 67% utiliza o manual apenas em algumas aulas. A avaliação do manual é também superior à média geral (3,79). Podemos inferir que a melhor qualidade do manual escolar (reconhecida pela avaliação dos/as professores/as) poderá ter um peso importante na sua utilização não apenas para o ensino da Geografia, mas para o desenvolvimento de competências transversais.

 

Figura 9 – Funções mais importantes do manual escolar

Fonte: Questionário dos/as docentes

 

Os/as professores/as consideram que a função mais importante associada ao manual escolar é constituir um documento de estudo para os/as alunos/as. Na sequência desta função aparece a ideia de que o manual escolar é também um documento de trabalho a ser mobilizado em sala de aula. Apenas uma percentagem menor de respondentes (cerca de 25%) reconhece no manual escolar a função de repositório dos conteúdos científicos a ensinar. Esta última percentagem foi talvez a mais surpreendente na medida em que contraria alguma da investigação científica realizada e apresentada nos capítulos anteriores. Logo, foi importante conhecer a avaliação que os/as professores/as que menos reconhecem esta função aos manuais escolares deram aos manuais que utilizam na sala de aula – 3,19 de média ponderada, um valor inferior à média geral. Uma avaliação menos positiva dos manuais poderá ajudar a explicar estas respostas.

Discussão dos resultados

A respostas dadas pelos/as professores/as de Geografia trazem alguns elementos de reflexão que importa discutir. Com efeito, quando comparamos as percepções dos professores sobre o uso do manual escolar e sua importância na construção das atividades de sala de aula com o próprio conceito de manual escolar (Lei 47/2006, de 28 de Agosto) encontram-se pontos de convergência e divergência. O quadro seguinte sintetiza algumas ideias principais:

 

Quadro 2 – Perceções dos professores e professoras de Geografia sobre o manual escolar no quadro da legislação nacional

CONCEITO DE MANUAL ESCOLAR (LEGISLAÇÃO)

PERCEÇÕES DOS/AS PROFESSORES/AS DE GEOGRAFIA

Recurso didático-pedagógico relevante, ainda que não exclusivo, do processo de ensino e aprendizagem.

O Manual escolar é utilizado:

- Em algumas aulas – 59%

- Em todas as aulas – 25%

(…) de apoio ao trabalho autónomo dos discentes.

Documento de estudo dos/as alunos/as: 61%

Exercícios: 80%

TPC: 31%

(…) visa contribuir para o desenvolvimento das competências e das aprendizagens definidas no currículo nacional (…).

Classificação (1- mau a 5 - excelente):

Média ponderada – 3,48

Fonte: Lei 47/2006, de 28 de Agosto e questionário dos/as docentes.

 

No que diz respeito à conceção legal relativa ao que deve ser um Manual escolar verifica-se que, para a maioria dos/as professores/as, este é considerado um recurso pedagógico relevante, mas não exclusivo: 59% dos/as docentes utilizam o manual escolar em algumas aulas, o que significa que nas outras exploram outros recursos educativos. De notar, que uma minoria pouco significativa referiu quase nunca utilizar o manual escolar em sala de aula.

Relativamente ao facto de o manual escolar ser entendido como um recurso de apoio ao trabalho autónomo do aluno, esta função é reconhecida pelos/as de Geografia: 61% dos/as respondentes considera que uma das dimensões mais importantes de um manual escolar é ser um documento de estudo dos alunos, 80% refere utilizar o manual escolar em sala de aula para a realização de exercícios e cerca de 30% utiliza as atividades do manual escolar como TPC (trabalho para casa), isto é, atividades a serem realizadas fora da escola.

A última consideração prende-se com a ideia de que o manual escolar é um recurso que permite desenvolver competências e aprendizagens – a avaliação dos manuais escolares revelou alguma insatisfação com os mesmos, principalmente nos primeiros anos de escolaridade. No entanto, é claramente um recurso importante para os/as professores/as como instrumento de trabalho.

Esta insatisfação suscitou a necessidade de questionar os/as professores/as sobre o que era necessário melhorar nos manuais escolares. De modo geral foram identificados dois grupos de problemas:

- A des(atualização) dos Manuais escolares: o período de vigência dos manuais escolares em Portugal é considerado um problema para os/as professores/as: este período é atualmente de 6 anos o que leva a que os manuais incluam dados desatualizados e problemáticas que já estão ultrapassadas; outro problema referido é o facto de não acompanharem as novas diretrizes do Ministério da Educação (nomeadamente as recentes alterações curriculares);

- Falta de exercidos e atividades: apesar de reconhecerem que o manual escolar é um instrumento de trabalho dos/as alunos/as, os/as professores/as consideram que esta dimensão é insuficiente nos seus manuais no sentido de proporcionar e promover o trabalho autónomo por parte dos/as discentes; logo, um aspecto a melhorar prende-se com a introdução nos manuais escolares de mais atividades, leituras e pesquisas a fazer fora da aula.

No próximo capítulo sistematizam-se algumas das principais conclusões da investigação e apresentam-se algumas recomendações que emergem das insuficiências detetadas. Os manuais são um importante artefacto no processo educativo, um instrumento de trabalho relevante para professores/as e alunos/as. Devem por isso, ser instrumentos de trabalho eficazes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem.

Conclusões e recomendações

A investigação sobre o uso dos manuais escolares no processo educativo indica que estes são fundamentais na organização do trabalho de professores/as. Para além da sua função de apoio à estruturação das atividades em sala de aula, pontual ou sistematicamente, o manual escolar é entendido como um documento de trabalho fundamental para docentes e discentes.

 No entanto, ao analisar de que forma o manual escolar se adaptou às alterações curriculares introduzidas em Portugal, com a publicação de nova legislação relacionada com as aprendizagens escolares e a formação integral dos/as alunos/as ao terminar a escolaridade obrigatória, foi possível identificar alguns problemas. No que diz respeito às funções do manual na organização das atividades escolares, a investigação realizada encontrou pontos de contacto e outros discordandes relativamente às reflexões apresentadas por ZABALZA (1992), LAMBERT (1999), GRAVES (2000) e SILVA JUNIOR E RÉGNIER (2008).

Para ZABALZA (1992) a importância do manual escolar centra-se no seu papel de mediador entre o currículo prescrito e o currículo implementado em sala de aula. Para os/as professores/as portugueses/as, apesar desta centralidade, o manual escolar é um recurso pedagógico que apresenta insuficiências. Por esta razão, um numero significativo de docentes referiu utilizar o manual escolar apenas em algumas aulas. Entre as várias insuficiências apresentadas, foram referidas a necessidade de atualização em termos de conteúdos científicos, atividades e promoção do trabalho autónomo do aluno. Em Portugal, o facto de o tempo de vigência dos manuais escolares ser de 6 anos, foi apontado como um problema pelos/as professores/as de Geografia.

Os/as professores/as de Geografia reconhecem a importância do manual escolar na sua relação com a prática pedagógica, indo de encontro às investigações de LAMBERT (1999) e GRAVES(2000).  Quando usado em sala de aula o manual escolar é, ao mesmo tempo fonte de informação e instrumento de trabalho. O manual escolar é assim utilizado como recurso educativo (não exclusivo), pois inclui um conjunto materiais de apoio que o/a docente pode utilizar nas suas aulas.

Para SILVA JUNIOR e GARNIER (2008), no que diz respeito às funções do manual escolar, a investigação realizada encontrou pontos concordantes e discordantes. Por um lado, e no que diz respeito à função do manual escolar como ferramenta de utilização didática, os/as professores/as portugueses reconheceram a sua importância na construção e organização das aulas (não exclusivo, é certo). Por outro lado, a sua função como ferramenta formativa (e informativa) é questionada pelos/as docentes. Este facto é muito evidente na avaliação que fazem dos manuais com que trabalham. Cerca de 20% dos/as professores/as questionados trabalha com manuais escolares que consideraMau ouMedíocre. Esta classificação revela uma desarticulação entre aquilo que o manual oferece e as necessidades dos docentes, indicando um claro desajuste entre os mesmos e as novas exigências curriculares.

Os/as professores/as que lecionam os anos de escolaridade iniciais de Geografia são os/as mais descontentes com os manuais escolares face à sua desatualização, falta de atividades diversificadas e tarefas a serem realizadas pelos alunos autonomamente. Este facto coloca certamente uma carga adicional de trabalho aos/às professores/as no sentido de trazerem para a sala de aula temas mais atuais a serem trabalhados na Geografia escolar.

Convém referir que uma das limitações do estudo tem a ver com o facto de ter tido a colaboração de um número pequeno de docentes (70) apesar da distribuição geográfica que foi possível alcançar. A investigação realizada foi possível recolher informação acerca da percepção dos/as professores/as de praticamente todo o país.  Este aspecto foi sem dúvida importante e permitiu compreender que as preocupações são gerais.

As modificações a serem introduzidas nos manuais escolares, no sentido de irem de encontro às novas exigências curriculares, foram apresentadas pelos/as professores/as – destacam-se as apresentadas pelos/as docentes que lecionam o ano inicial de Geografia no Ensino Básico em Portugal (aqueles que também pior classificaram os manuais escolares com que trabalham). De entre as várias questões suscitadas, salientam-se: reformulação dos conteúdos abordados, falta de exercícios de aplicação de conhecimentos e falta de sugestões de atividades.

Os/as professores/as participantes no estudo sugerem que o manual escolar deve ser menos um repositório do conhecimento científico relevante e mais um documento de trabalho que inclua informação rigorosa a ser mobilizada pelo/a professor/a, que seja de fácil utilização por parte dos/as alunos/as, que inclua textos, informação estatística, gráfica e cartográfica, assim como sugestões de pesquisa, promovendo deste modo o desenvolvimento de competências transversais.

Pode-se concluir que qualquer alteração curricular deve ser acompanhada dos recursos educativos adequados para que a sua implementação possa ser bem sucedida. O que a investigação realizada demonstrou é que, ao não articular o manual escolar com as novas exigências curriculares, a sua relevância como recurso educativo pode ser questionada. Sem esta articulação, o manual escolar torna-se um instrumento de trabalho pouco eficaz no processo de ensino e aprendizagem.

Referências

BASTURKMEN, Helen. Developing Courses in English for Specific Purposes. New York: Paglave Macmillan, 2010

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto. Porto Editora, 1994

CARVALHO, Adalberto. O tempo despendido e os recursos utilizados pelos professores na preparação das atividades de ensino. ORE: Observatório dos Recursos Educativos, 2018

DGE. Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória. Direção Geral da Educação: Editorial do Ministério da Educação e Ciência, 2017

DGE. Aprendizagens Essenciais da Geografia. Direção Geral da Educação: Ministério da Educação e Ciência, 2018

GÉRARD, François; ROEGIERS, Xavier. Conceber e avaliar manuais escolares. Porto: Porto Editora, 1998

GRAVES, Kathleen. Designing Language Courses. A Guide for Teachers. Boston. Heinle Cengage Learning, 2000

LEI 47/2006 de 29 de Agosto – Define o regime de avaliação, certificação e adopção dos manuais escolares do ensino básico e do ensino secundário. Disponível em: https://dre.pt/application/conteudo/540784. Acesso em: 4 jan.2020

SILVA JUNIOR, Clovis; RÉGNIER, Jean-Claude. Livros didácticos e suas funções para o professor de Matemática no Brasil e na França. In Matemática formal e Matemática não formal 20 anos depois: sala de aula e outros contextos, SIPEMAT: Simpósio Internacional de Pesquisa, 2008 Disponível em:  https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00382645/document,  Acesso em: 11 jan.2020

LAMBERT, David. Exploring the use of textbooks in Key Stage 3 geography classrooms: a small-scale study. The Curriculum Journal, Vol 10 No 1, 1999. 85-105

ZABALZA, Miguel. Planificação e desenvolvimento curricular na escola. Rio Tinto: Edições Asa, 1992