As pesquisas em Educação Hospitalar: um panorama do conhecimento na BDTD
The research in Education during Hospital Care: a panorama of the knowledge in BDTD
Roger Trindade Pereira
Universidade Federal do Tocantins, Tocantins, Brasil
rogertp@uft.edu.br - http://orcid.org/0000-0001-6493-2702
Carmem Lucia Artioli Rolim
Universidade Federal do Tocantins, Tocantins, Brasil
carmem.rolim@uft.edu.br - http://orcid.org/0000-0003-4045-7964
Recebido em 01 de outubro de 2020
Aprovado em 22 de dezembro de 2020
Publicado em 31 de agosto de 2022
RESUMO
Uma das formas de contribuir no preenchimento das lacunas do atendimento educacional hospitalar e domiciliar consiste em revisar os pressupostos investigativos que sustentam o seu campo de pesquisa. Na intenção de aprofundar esse debate, este estudo teve como objetivo apresentar um panorama do conhecimento acerca dos aspectos circunstanciais, institucionais e temático-metodológicos presentes no campo de pesquisa sobre Educação Hospitalar no país. A metodologia contemplou o levantamento bibliográfico de teses e dissertações indexadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, no período de 2008 a 2019. O corpus bibliográfico foi composto de 108 pesquisas analisadas conforme os pressupostos temático-dedutivos da análise de conteúdo. Os resultados circunstanciais indicaram o predomínio de dissertações em relação às teses, com maior incidência nas regiões Sudeste e Sul. Em relação à natureza institucional, as pesquisas concentraram-se nas Instituições públicas e em Programas de Pós-Graduação em Educação. As temáticas expressaram interesse pela formação de professores, ludoterapia, mediação pedagógica por meio de tecnologias da informação e comunicação e experiências e significados da hospitalização infantil. As metodologias privilegiaram investigações exploratórias de abordagem qualitativa, como os estudos de campo e estudos de caso. As análises assinalaram subsídios temático-metodológicos pertinentes para o desenvolvimento de teorias e métodos de pesquisa cada vez mais integrados e específicos ao contexto educacional hospitalar e domiciliar.
Palavras-chave: Pedagogia hospitalar; Classe hospitalar; Atendimento educacional domiciliar.
ABSTRACT
One of the ways to contribute with filling the educational service gaps during hospital and home care is reviewing the investigative assumptions that support this research field. Intending to extend this debate, the aim of this research was to present a panorama of the knowledge concerning the circumstantial, institutional, and thematic-methodological aspects in the research field on education during hospital care in Brazil. The methodology included a survey in documents available in the Brazilian Digital Library of Thesis and Dissertations, between 2008 and 2019. In total, 108 researches were evaluated according to the thematic-deductive assumptions of content analysis. The circumstantial results indicated the predominance of dissertations in relation to the theses, with greater incidence in the Southeast and South regions. In relation to the institutional nature, the major of researches were from public institutions and post-graduation programs in education. The themes expressed interest in teacher training, play therapy, pedagogical mediation through information and communication technologies, experiences, and meanings of children's hospitalization. The methodologies favored exploratory investigations with a qualitative approach, such as field studies and case studies. The analyzes indicated adequate thematic-methodological subsidies for the development of theories and research methods that are increasingly integrated and specific to the education during hospital and home care.
Keywords: Hospital pedagogy; Hospital classroom; Pedagogical home care.
Introdução
Este estudo apresenta uma análise acerca das pesquisas científicas voltadas ao atendimento educacional hospitalar e domiciliar de crianças e adolescentes impossibilitados de frequentar a escola regular por motivo de tratamento de saúde. Esse panorama histórico da pesquisa em Educação Especial, mais especificamente em Educação Hospitalar, protagonizada pelos Programas de Pós-Graduação em diversas áreas do conhecimento, foi amplamente analisado na literatura durante as últimas duas décadas no país.
O escopo desses estudos produziram análises sobre o cenário mais amplo sobre o perfil da publicação científica brasileira na temática da escolarização em hospitais (BARROS; VIEIRA; GUEUDEVILLE, 2011; TINÓS et al., 2018), da evolução e principais abordagens pedagógicas sobre a escolarização hospitalar (SALDANHA; SIMÕES, 2013) e descrição das tendências temáticas contempladas nos estudos publicados em periódicos (XAVIER et al., 2013), bem como analisaram a trajetória científica e os marcos legais (FONSECA; ARAÚJO; LADEIRA, 2018), as práticas pedagógicas desenvolvidas em contextos hospitalares na produção acadêmica (ZAIAS; PAULA, 2010), a divulgação dos anais dos Encontros Nacionais e as edições dos Informativos Semestrais sobre Atendimento Escolar Hospitalar (FONSECA, 2015).
No campo de pesquisa na área da Educação Hospitalar, em âmbito nacional, tais estudos desvelaram, por um lado, as principais tendências temáticas, metodológicas e os resultados enquanto indicativos à evolução da produção acadêmica; e, por outro, as lacunas destinadas à superação de dificuldades inerentes ao processo de expansão e qualificação da pesquisa e da legislação específica sobre a inclusão escolar de crianças e adolescentes hospitalizados. Com base nessas premissas, considera-se que promover o levantamento do conhecimento sobre essa temática possibilita entender, no contexto histórico e atual, como estão sendo discutidos os processos inclusivos nos hospitais e domicílios por meio de diversas perspectivas e análises que se constituem em espaço de fortalecimento e consolidação dessa modalidade de ensino.
Inserido nesse contexto, configura-se como indispensável conhecer as principais características circunstanciais e institucionais onde prosperam os processos investigativos e a difusão do conhecimento. Além disso, a revisão de literatura demonstrada nas pesquisas corrobora a pluralidade pedagógica e os procedimentos metodológicos de um processo alternativo de educação multi/inter/transdisciplinar (MATOS; MUGIATTI, 2014). Nesse sentido, delineiam-se duas questões para aprofundar a investigação: Quais são as principais características circunstanciais e institucionais que envolvem a pós-graduação stricto sensu no âmbito da pesquisa em Educação Hospitalar no país? Quais são as tendências temáticas e metodológicas mais recorrentes empregadas nas teses e dissertações neste campo de pesquisa?
Dessa forma, tais questionamentos são postos como pontos de partida para sistematizar uma análise situacional da pesquisa em Educação Hospitalar no âmbito da pós-graduação no país. O esforço de desvelar as principais características da Educação Hospitalar não implica abordá-la somente em função de suas relações pedagógicas e epistemológicas de produção do conhecimento, mas de considerá-la também como parte de uma ampla realidade que exerce determinações sociais no campo de pesquisa.
Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo apresentar um panorama do conhecimento acerca dos aspectos circunstanciais, institucionais e temático-metodológicos presentes no campo de pesquisa sobre Educação Hospitalar no país. Espera-se, com o presente estudo, apresentar um balanço do conhecimento das últimas duas décadas relacionado ao movimento de consolidação enquanto campo de pesquisa e de construção do conhecimento na inclusão escolar de alunos hospitalizados e domiciliados impossibilitados de frequentar a escola regular por motivo de saúde.
Metodologia
O estudo analisou as teses e dissertações indexadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no período de 2008 a 2019, com a finalidade de proporcionar um panorama da produção do conhecimento no campo de estudo sobre Educação Hospitalar. Metodologicamente, quanto aos seus objetivos, caracteriza-se como uma investigação descritiva. Em vista disso, apoiou-se na abordagem qualitativa enquanto processo de coleta e análise de dados, configurando-se como pesquisa do tipo bibliográfica.
A decisão metodológica de utilizar como referência o catálogo de teses e dissertações situa-se na pertinência de desvelar o conhecimento acumulado em determinado contexto histórico, possibilitando o mapeamento e a sistematização de tendências observáveis no campo de pesquisa e no conjunto de sua produção. Além disso, a opção reside na condição que as Universidades e os Programas de Pós-Graduação stricto sensu comportam o lócus principal da pesquisa no Brasil, bem como por se tratar de período (2008-2019) da produção acadêmica ainda não analisado em âmbito nacional.
O levantamento bibliográfico foi realizado durante os meses de junho a julho de 2020 na BDTD por meio dos seguintes descritores: “classe hospitalar”, “pedagogia hospitalar”, “educação hospitalar”, “atendimento pedagógico hospitalar”, “escolarização hospitalar”, “brinquedoteca hospitalar” e “atendimento pedagógico domiciliar”. As pesquisas selecionadas para compor o corpus bibliográfico foram analisadas conforme os pressupostos temático-dedutivos da análise de conteúdo (BARDIN, 2016; FRANCO, 2018).
O processo de sistematização destinado à análise das pesquisas foi organizado por meio de três categorias principais do campo de pesquisa: i) circunstancial (quantitativo de teses/dissertações; ano de defesa e região geográfica); ii) institucional (modalidade administrativa, identificação das Universidades, Programas de Pós-Graduação e orientadores (as)); e iii) temático-metodológico (enfoque temático e tendências metodológicas).
Como referencial teórico utilizou-se os pressupostos da metodologia científica classificados por Gil (2002, 2010) e Severino (2016) para o desenvolvimento do exame referente às principais tendências metodológicas contempladas nas teses e dissertações. Durante o processo de análise das pesquisas, na medida em que os dados emergiam da leitura, foram organizados por meio de categorias e sistematizados de acordo com os pressupostos da estatística descritiva de variável qualitativa e quantitativa, de modo a compor representatividade ao panorama da amostra.
Os resultados deste estudo foram discutidos por meio de três seções. Inicialmente a partir da caracterização do contexto circunstancial e institucional da produção de teses e dissertações em programas de pós-graduação; posteriormente, identificando as tendências temáticas da Educação Hospitalar e o seu comportamento metodológico enquanto campo de pesquisa.
Educação Hospitalar no contexto circunstancial da pesquisa
A dimensão circunstancial envolveu aspectos referentes aos contextos de modalidade, tempo e espaço onde prosperam as pesquisas. Nesse sentido, a partir do levantamento realizado na BDTD, foi possível arrolar o total de 108 pesquisas produzidas em Programas de Pós-Graduação, no período de 2008 a 2019 (inclusive).
Dessa amostra, conforme a Figura 1, verificou-se o predomínio das dissertações em relação às teses, sendo defendidas 90 (83%) dissertações e 198 (17%) teses. Essa elevada concentração de dissertações em relação às teses refere-se à oferta majoritária de vagas em cursos de mestrado em comparação aos programas oferecidos na modalidade doutorado (BRASIL, 2019a).
Figura 1 – Percentual de Teses e Dissertações na BDTD em Educação Hospitalar (2008-2019)
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
O indicativo sobre a proporção entre as pesquisas na área da Educação Hospitalar apresentou o quantitativo de aproximadamente 5 dissertações para cada tese. Além disso, desse percentual total de 83% de dissertações, somente 9 (10%) foram oriundas de Programas Profissionais de Pós-Graduação. Em relação ao doutorado profissional, não foi identificada nenhuma defesa, visto sua recente institucionalização no país (BRASIL, 2017).
No recorte temporal delimitado, de acordo com a Figura 2, verificou-se que a produção acadêmica de teses se manteve baixa e estável no período em análise. Entretanto, observou-se que a produção acadêmica de dissertações apresentou significativa oscilação no parâmetro anual de defesa. Da análise das teses e dissertações, a partir do ano de 2016, pôde-se verificar a tendência de retração no cenário nacional.
Figura 2 – Distribuição anual da produção de teses e dissertações em Educação Hospitalar
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Ilustrando ainda essa distinção, mas tomando como parâmetro a análise quadrienal de três períodos (2008-2019), conforme a Figura 3, percebeu-se que a produção acadêmica na temática da Educação Hospitalar manteve-se praticamente estável, sem apresentar crescente evolução quantitativa. Contudo, a partir de uma visão geral da evolução na produção acadêmica, credita-se essa mesma estabilidade no quantitativo como representação da relevância da inclusão escolar, bem como da sua consolidação enquanto campo de pesquisa no âmbito da pós-graduação stricto sensu no país.
Figura 3 – Distribuição quadrienal da produção de teses e dissertações em Educação Hospitalar
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
No tocante à distribuição geográfica de defesa das teses e dissertações, observou-se que as cinco regiões estão representadas na produção acadêmica, envolvendo a participação de 17 estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará e Tocantins) e o Distrito Federal.
A partir da análise da Figura 4, verificou-se que as maiores incidências ocorreram na região Sudeste, com 42 (39%) pesquisas defendidas, seguida da região Sul, com 26 (24%), e da região Nordeste, com 23 (21%) pesquisas. As regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram baixa incidência, respectivamente, com 14 (13%) e 3 (3%) pesquisas defendidas.
Além disso, a região Sudeste apresentou 11 teses defendidas, sendo a responsável por 58% da produção nacional, bem como contemplou 12 Instituições de Ensino Superior (IES), a maior concentração dentre as demais regiões. Em relação aos estados, há um destaque para São Paulo, com 29 (27%) pesquisas, Rio Grande do Sul e a Bahia, ambos com 11 pesquisas (10%), totalizando 51 (47%) pesquisas da amostra arrolada na BDTD.
Figura 4 – Distribuição geográfica da produção de teses e dissertações em Educação Hospitalar
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Essa distribuição geográfica das pesquisas, com ênfase nas regiões Sudeste e Sul, justificou-se devido à concentração de Universidades e Programas de Pós-Graduação nas Áreas de Educação e Saúde nessas regiões (BRASIL, 2019a, 2019b, 2019c). Somente na oferta de Pós-Graduação em Educação no Brasil, respectivamente, as regiões Sudeste (73) e Sul (47) apresentaram números que indicaram aproximadamente 65% do total de oferta (BRASIL, 2019a). No caso da região Norte, mesmo apresentando o maior crescimento de oferta entre as regiões na última década, ainda dispõe de somente 14 Programas de Pós-Graduação em Educação, ou seja, menos de 8% da oferta no país (BRASIL, 2019a).
Educação Hospitalar no contexto institucional da pesquisa
A dimensão institucional ou organizacional contemplou os aspectos referentes aos contextos onde se desenvolveram as pesquisas. A despeito da modalidade administrativa das IES diretamente envolvidas na produção acadêmica das teses e dissertações, de acordo com a Figura 5, observou-se a significativa concentração nas instituições públicas, com 93 (86%) pesquisas defendidas, sendo 71 no âmbito federal e 22 no estadual. As IES de natureza privada apresentaram somente 15 (14%) pesquisas.
Figura 5 – Modalidade administrativa da produção acadêmica em Educação Hospitalar
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Esse resultado evidenciou o protagonismo das instituições públicas no processo de formação de pesquisadores e no desenvolvimento de pesquisas voltadas à problemática da inclusão escolar de alunos hospitalizados ou domiciliados no país. Com relação ao quantitativo de IES produtoras de teses e dissertações na temática da Educação Hospitalar, registrou-se a participação de 37 instituições que desenvolveram pesquisas no tema. Neste caso, a partir da Tabela 1, pôde-se demonstrar as 10 IES com maior produção acadêmica, representando aproximadamente 57% do total de pesquisas defendidas no período.
Tabela 1 – Relação das 10 IES com maior produção acadêmica em Educação Hospitalar na BDTD
Instituição de Ensino Superior |
Pesquisas |
% |
Universidade de São Paulo |
13 |
12,04% |
Universidade Federal da Bahia |
10 |
9,26% |
Universidade de Brasília |
6 |
5,56% |
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
5 |
4,63% |
Pontifícia Universidade Católica do Paraná |
5 |
4,63% |
Universidade Federal de Santa Catarina |
5 |
4,63% |
Universidade Federal de São Carlos |
5 |
4,63% |
Universidade Federal do Espírito Santo |
5 |
4,63% |
Universidade Estadual de Campinas |
4 |
3,70% |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
4 |
3,70% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
|
No levantamento dos Programas de Pós-Graduação (PPG) stricto sensu responsáveis pela produção das teses e dissertações em Educação Hospitalar, constatou-se a ocorrência de 59 programas vinculados às 37 IES produtoras das 108 pesquisas indexadas na BDTD que constituem no objeto de análise deste estudo. Nesse cenário, percebeu-se que essa diversidade de Programas de Pós-Graduação representa essencialmente a Educação Hospitalar enquanto área interdisciplinar de pesquisa, ou seja, objeto de interesse de outras áreas do conhecimento. A Tabela 2 apresenta os principais Programas de Pós-Graduação nos quais as teses e dissertações catalogadas foram defendidas.
Programa de Pós-Graduação – PPG |
Pesquisas |
% |
Educação |
67 |
62,04% |
Enfermagem |
4 |
3,70% |
Educação Física |
4 |
3,70% |
Psicologia |
4 |
3,70% |
Enfermagem em Saúde Pública |
3 |
2,78% |
Educação Profissional em Saúde |
3 |
2,78% |
Outros |
23 |
21,30% |
Total |
108 |
100% |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020). |
Em relação à produção acadêmica, ressaltou-se a concentração de teses e dissertações na temática da Educação Hospitalar dispostas em Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Nesse contexto, foram encontrados na BDTD 25 PPGE que contemplaram as cinco regiões do país. Além disso, algumas universidades apresentaram cenário de diversidade de PPG envolvidos na temática da Educação Hospitalar, haja vista que a USP contemplou 9 PPG, enquanto UFBA, UnB, PUC-SP, UFSC e UFSCar apresentaram cada uma 2 PPG.
No conjunto das pesquisadoras(es) atuantes na modalidade Educação Hospitalar, conforme consulta na BDTD, foram registrados 81 docentes que orientaram pelo menos uma pesquisa no tema. Esse quantitativo de docentes em relação à produção acadêmica em análise é mais um indicativo de que a Educação Hospitalar se configura no cenário brasileiro como área interdisciplinar de pesquisa aberta a outras tendências e áreas do conhecimento. Acompanhando esse contexto interdisciplinar, verificou-se a presença de docentes inseridos nos PPG das áreas de Enfermagem, Educação Física, Psicologia, Música, Arte, Gestão e Tecnologias, entre outras.
Figura 6 – Relação de pesquisadoras(es) da área de Educação Hospitalar na BDTD
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Na Figura 6, o campo de pesquisa em Educação Hospitalar apresentou ser predominantemente desenvolvido por pesquisadoras, sendo 97 (90%) autoras e 63 (78%) orientadoras, tendo em vista que o quantitativo de pesquisadores foi significativamente menor, apresentando somente 18 (22%) orientadores e 11 (10%) autores. Nesse contexto, verificou-se um campo de pesquisa com público predominantemente feminino.
Entre as principais orientadoras atuantes no campo da Educação Hospitalar, a pesquisadora Alessandra Santana Soares e Barros, do PPGE-UFBA, apresentou o maior quantitativo de pesquisas, sendo 2 teses e 6 dissertações. Na sequência, a pesquisadora Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi, do PPGE-UFRN, orientou 4 pesquisas, sendo 1 tese e 3 dissertações; o pesquisador Hiran Pinel, do PPGE-UFES, orientou 4 dissertações; por fim, as pesquisadoras Elizete Lúcia Moreira Matos, do PPGE-PUC/PR, e Terezinha Maria Cardoso, no PPGE-UFSC, ambas com 3 dissertações.
Destacou-se ainda que, dentre os 81 docentes presentes neste corpus bibliográfico, 38 (47%) orientaram somente uma pesquisa. Nesse contexto, embora dos dados correspondam somente às pesquisas indexadas na BDTD, pôde-se identificar o campo de pesquisa em Educação Hospitalar por meio de dois movimentos.
O primeiro se mantém de forma centralizada e protagonista nas regiões Sul e Sudeste, onde se iniciou de modo consistente a implantação de classes hospitalares e o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema nas universidades. Em vista disso, esse primeiro movimento Sul-Sudeste decorre ainda da maior participação de PPG das áreas de saúde em relação às demais regiões do país e, conforme demonstrado na Tabela 1, concentrando o maior quantitativo de IES envolvidas no campo de estudo.
O segundo movimento ocorre por meio de ações investigativas isoladas e dispersas em praticamente todas as demais regiões do país. Nesse contexto, em relação à Figura 4, verificou-se que as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte representaram somente 37% da produção acadêmica indexada na BDTD. Em relação à dispersão geográfica e às ações isoladas, com exceção da Bahia e do Distrito Federal, que juntos apresentaram 16%, os demais estados (SE, AL, PB, RN, PE, GO, MT, PA e TO) indicaram 21% da produção em análise na BDTD.
Educação Hospitalar no contexto temático da pesquisa
A categorização temática de um levantamento bibliográfico constitui processo complexo pelo fato de que, por vezes, no conjunto da análise, objetos e objetivos de pesquisa não se apresentam explicitamente disjuntos e acabam passíveis de subjetividade do conteúdo, ou seja, enquadrando-se em mais de uma interpretação dos dados. Dessa forma, diante desse aspecto tênue que envolve tal organização, por meio da técnica de análise de conteúdo, cada tese e dissertação foi ordenada para somente um objeto temático de análise.
Desse modo, conforme a Figura 7, apresenta-se a distribuição de frequência dos principais contextos de investigação no campo da Educação Hospitalar, devidamente discriminadas conforme seu o objeto de investigação.
Figura 7 – Panorama investigativo da pesquisa em Educação Hospitalar na BDTD
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Essa produção destacou, sobretudo, a predominância de investigações relacionadas à Classe Hospitalar, com 61 (57%) pesquisas, sendo 9 teses e 52 dissertações. Nessa categoria foram incluídas as pesquisas que ocorreram exclusivamente no ambiente formal de Classe Hospitalar e investigaram objetos pedagógicos relacionados à escolarização. Essas pesquisas tiveram como principais enfoques temáticos a formação de professores para atuar na Classe Hospitalar e a elaboração de estratégias didáticas e/ou propostas metodológicas de ensino de conteúdos, visando superar dificuldades encontradas por professores e alunos no contexto da hospitalização.
Na categoria Ala/Setor Hospitalar ocorreram 22 (20%) pesquisas, sendo 5 teses e 17 dissertações. Essas pesquisas integraram investigações direcionadas somente aos procedimentos pedagógicos desenvolvidos com o alunado nas Alas e Setores hospitalares, na maioria dos casos, devido à ausência formal de Classe Hospitalar e Brinquedoteca Hospitalar nas instalações hospitalares, ou seja, de modo multisetorial e parcial, alternando a rotina de atendimento educacional com o tratamento de saúde no hospital. Essa categoria temática apresentou pesquisas voltadas à mediação pedagógica por meio das tecnologias da informação e comunicação (TICs) e da ludoterapia como estratégias de ressignificar e humanizar as vivências e as aprendizagens durante os longos períodos de tratamento e reabilitação da saúde nos hospitais.
As pesquisas inseridas na categoria Brinquedoteca Hospitalar apresentaram 3 teses e 11 dissertações, totalizando 14 (13%) trabalhos no tema. Essas pesquisas buscaram valorizar o reconhecimento do lazer no contexto hospitalar por meio de brinquedotecas. Em vista disso, contemplaram investigações voltadas para compreender a percepção de profissionais da saúde em relação às atividades como as brincadeiras, os brinquedos e os jogos como estratégias de enfrentamento dos efeitos biopsicossociais negativos decorrentes da hospitalização. Além disso, a Brinquedoteca Hospitalar foi objeto de intervenção lúdica com as crianças na busca pelo reconhecimento de seu papel social na realidade infantil diante de circunstâncias adversas de saúde.
Na categoria das pesquisas relacionadas com investigações conjuntas na Classe Hospitalar e na Brinquedoteca Hospitalar, foram identificadas 8 (7%) dissertações. No geral, essas pesquisas buscaram revisar os marcos históricos e legais dessa modalidade de educação e suas interfaces com o trabalho pedagógico, considerando aspectos como as experiências de ser criança no hospital e as possíveis funções do pedagogo e da equipe multiprofissional no atendimento educacional hospitalar. Na categoria Atendimento Pedagógico Domiciliar, foram reunidas 1 tese e 2 dissertações, totalizando 3 (3%) pesquisas com enfoque nos aspectos educacionais do alunado domiciliado. Essa produção destacou a utilização de jogos didáticos como estratégia pedagógica de ensino e de promoção da autoestima e redução do estresse. Nessas investigações, verificou-se o interesse em entender a percepção dos profissionais envolvidos sobre as particularidades do atendimento domiciliar do alunado.
Esse levantamento proporcionou identificar que 77% das pesquisas se destinaram a investigar questões relacionadas ao atendimento educacional e terapêutico desenvolvido em Classes Hospitalares e Setores hospitalares reservados ao tratamento de saúde das crianças. Por outro lado, o Atendimento Pedagógico Domiciliar apresentou o menor interesse investigativo, mesmo usufruindo das mesmas prerrogativas legais enquanto modalidade de ensino na Educação Básica (BRASIL, 2002).
A respeito do conjunto das temáticas mais recorrentes nas teses e dissertações, conforme a Figura 8, pôde-se constatar a interconexão que as investigações na Educação Hospitalar apresentaram a partir de quatro linhas de interesse:
Figura 8 – Principais tendências temáticas da pesquisa em Educação Hospitalar
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Com referência à Educação Hospitalar, identificou-se nas pesquisas a tendência de complementariedade temática em razão das bases teóricas relacionadas ao desenvolvimento humano, saúde e educação envolvidas no atendimento educacional hospitalar e domiciliar. Dessa forma, de acordo com a Figura 8, salienta-se que essas tendências temáticas não se opõem no campo de pesquisa, ao contrário, complementam-se interdisciplinarmente; visto que a realidade integrada entre práticas terapêuticas e pedagógicas interage dinamicamente, surgindo assim condições teórico-metodológicas de pesquisa por meio de abordagens multitemáticas.
Obviamente, outras temáticas constituíram objeto de investigação, todavia, o quantitativo de teses e dissertações relacionado à formação de professores, à ludoterapia, à mediação pedagógica por meio de TICs e aos significados, sentidos e experiências da hospitalização infantil integraram os temas centrais nas formulações investigativas.
A centralidade nesses aspectos pedagógicos pode ser justificada por vários fatores no cenário educacional hospitalar, entretanto, em especial, pela insuficiente oferta de formação inicial e continuada para atuar no contexto hospitalar, condição que demanda tais proposições investigativas. Por outro lado, os problemas investigativos buscaram estabelecer relações entre o momento singular da hospitalização e o atendimento educacional por meio de definições e descrições analíticas rigorosas, mas sem desconsiderar implicitamente as questões relacionadas à subjetividade de um campo de pesquisa que comporta profissionais de diferentes áreas do conhecimento.
Na própria área da Educação Hospitalar, mesmo com preocupações pedagógicas singulares do contexto hospitalar e domiciliar, observou-se que os caminhos metodológicos desenvolvidos para os contextos da escola regular acabam tornando-se também referência para as investigações no atendimento educacional hospitalar. Desse modo, no geral, as pesquisas voltadas ao contexto da Educação Hospitalar acabaram seguindo com similaridade as tendências metodológicas utilizadas nas abordagens qualitativas da pesquisa em educação (ANDRÉ, 2010; LÜDKE; ANDRÉ, 2015). Entretanto, não se trata necessariamente sobre o que ensinar e como pesquisar, mas, sobretudo, com quais recursos pedagógicos e condições de saúde o alunado poderá aprender quando hospitalizado ou domiciliado.
Educação Hospitalar no contexto metodológico da pesquisa
Severino (2016, p. 124) afirma que “[...] a ciência se constitui aplicando técnicas, seguindo um método e apoiando-se em fundamentos epistemológicos”. Nessa perspectiva, no que concerne à dimensão metodológica, optou-se por classificar as pesquisas segundo as especificidades dos objetivos, as abordagens dos problemas, os métodos empregados, os procedimentos de coleta e as técnicas de análise e interpretação dos dados (GIL, 2002, 2010; SEVERINO, 2016).
Em relação à inferência de análise desse delineamento metodológico das teses e dissertações, primordialmente, optou-se por seguir a classificação das premissas apresentadas a partir do ponto de vista conceitual proposto nas próprias pesquisas, posteriormente, nos casos que não foram explicitados os procedimentos metodológicos, seguiu-se o exame do conteúdo a partir das referências indicadas nesta investigação.
Desse modo, conforme o Quadro 01, foi possível identificar os principais caminhos investigativos delimitados nas teses e dissertações, a fim de desenvolver o panorama metodológico sobre a pesquisa em Educação Hospitalar no país.
Quadro 01 – Panorama metodológico da Educação Hospitalar em teses e dissertações na BDTD |
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Dimensão metodológica |
Delineamento metodológico das pesquisas (quantidade/porcentagem) |
Pesquisa segundo os objetivos gerais |
Exploratória (54/50%); Descritiva (33/30,5%); Exploratória-descritiva (15/14%); Explicativa (6/5%). |
Pesquisa segundo a abordagem do problema |
Qualitativa (98/91%); Qualitativa-quantitativa (9/8%); Quantitativa (1/1%). |
Pesquisa segundo os métodos empregados |
Estudo de campo (36/33%); Estudo de caso (26/24%); Pesquisa-ação (11/10%); Bibliográfica (9/8%); Fenomenológica (8/7%); Participante (6/6%); Etnográfica (6/6%); Quase-experimental (4/4%); Ensaio clínico (1/1%); Estudo de coorte (1/1%). |
Instrumento e/ou técnica de coleta de dados |
Entrevista semiestruturada (79/73%); Observação direta/participante (47/44%); Questionário (26/24%); Diário de campo (24/23%); Fotografia e filmagem (11/10%); Grupo focal (4/3%); Teste de escala (3/3%). |
Técnica de análise e interpretação de dados |
Análise de conteúdo (38/35%); Análise do discurso (9/8%); Software estatístico (6/5,5%); Análise clínica (6/5,5%); História oral (5/5%); Não identificado (44/41%). |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020). |
No conjunto das pesquisas analisadas, tendo em vista as diversas problematizações que orientaram as teses e dissertações, segundo os seus objetivos gerais, conforme as características e peculiaridades dos objetos de estudo, a grande maioria das pesquisas apresentaram propósitos exploratórios (50%) e descritivos (30,5%), ou ainda sua combinação exploratória-descritiva (14%), alcançando 95% da amostra.
Segundo Gil (2010), as pesquisas exploratórias possuem planejamento flexível e consideram aspectos variados do objeto investigado, de modo a torná-lo mais explícito, enquanto as investigações descritivas buscam levantar as características do objeto e suas relações com possíveis variáveis. Entretanto, as pesquisas de natureza explicativa (5%) apresentaram reduzido interesse, provavelmente pela maior complexidade e incipiente tradição dos métodos experimentais no campo educacional e social (GIL, 2010).
No tocante à abordagem do problema, verificou-se a predominância de pesquisas qualitativas (91%), seguindo a tendência das últimas décadas no campo educacional do país (ANDRÉ, 2001). Neste caso, em especial, insere-se o contexto hospitalar destinado à oferta de atividades educacionais cujas características desses ambientes decorrem por múltiplos significados e variáveis, inseridos ainda numa realidade particular de relações humanas onde os sentidos, atitudes, crenças e sentimentos sobre a hospitalização não se revelam ou se permitem serem facilmente quantificados (MINAYO, 2013).
Por outro lado, mesmo que ainda de modo incipiente, observou-se a presença da utilização de abordagens mistas (8%) (quanti-qualitativa/quali-quantitativa), particularmente por meio da combinação e/ou triangulação de entrevistas e questionários com testes de escala enquanto instrumentos analíticos do comportamento humano. Em relação à abordagem quantitativa (1%), com somente uma tese no período em análise, constatou-se a baixa representatividade na utilização de dados quantificáveis na pesquisa em Educação Hospitalar no país.
Diante desse cenário, nas últimas décadas, de acordo com André (2001, p. 54), as pesquisas em educação de abordagem qualitativa englobaram “[...] um conjunto heterogêneo de perspectivas, de métodos, de técnicas e de análises, compreendendo estudos desde o tipo etnográfico, pesquisa-ação até análises de discurso e de narrativas, estudos de memória, histórias de vida e história oral”. Nesse contexto, no que concerne aos métodos empregados, as pesquisas em Educação Hospitalar seguiram as tendências metodológicas relacionadas às investigações do cotidiano escolar.
Em vista disso, entre os principais métodos indicados enquanto pesquisa qualitativa, destacaram-se o estudo de caso (24%), a pesquisa-ação (10%), a participante (6%) e a etnográfica (6%), evidenciando o interesse de intervir nas ações cotidianas do atendimento educacional hospitalar. Da mesma maneira, a maioria das pesquisas optaram por definir seus métodos enquanto estudo de campo (33%). Contudo, ainda nesses casos, o método de pesquisa não pode ser delimitado exclusivamente aos procedimentos de coleta de dados, visto que “[...] os fatos, os dados não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do pesquisador. Nem este os enfrenta desarmado de todos os seus princípios e pressuposições” (LÜDKE; ANDRÉ, 2015, p. 05).
Conforme Gil (2002, p. 53), os estudos de campo procuram o aprofundamento das questões destinadas a um “[...] único grupo ou comunidade em termo de estrutura social, ou seja, ressaltando a interação entre seus componentes”, portanto, privilegiando o planejamento flexível por meio de técnicas de observação direta e entrevistas, a fim captar explicações e interpretação do grupo investigado. Neste sentido, em relação aos aspectos metodológicos do estudo de campo, foi verificado nestas pesquisas ênfase nos procedimentos de coleta de dados para posteriormente reproduzir com rigor as características pedagógicas do contexto investigado.
Além disso, em relação aos métodos emergentes no campo educacional, foram identificadas pesquisas do tipo quase-experimental (4%), ensaio clínico (1%) e o estudo de coorte (1%). Esses métodos apresentaram como principal característica a conjugação de abordagens qualitativas e quantitativas por meio de instrumentos clínicos próprios e adaptados às condições da infância e hospitalização do alunado.
Assim, cabe ressaltar que os instrumentos de coleta apresentam suas próprias especificidades de captar a realidade. Essa aproximação científica ao objeto de estudo é indissociável do suporte de técnicas e instrumentos metodológicos de pesquisa. Portanto, os procedimentos de coleta de dados apresentaram diversidade e combinação de instrumentos para captar realidades singulares, como os ambientes hospitalares e domiciliares.
Destacou-se, nesse sentido, a opção pelas entrevistas semiestruturadas (73%) como instrumento de coleta mais utilizado nas pesquisas. Esse cenário revelou a importância destinada às entrevistas enquanto técnica de apreensão de opiniões, percepções e conhecimentos sobre diversos atores sociais que constituem o ambiente educacional hospitalar e domiciliar.
Por outro lado, mesmo sendo o instrumento de produção de dados mais utilizado nas pesquisas, verificou-se a pouca utilização de grupos focais (3%) quando comparado com as entrevistas individuais. Os grupos focais possuem ampla utilização nas pesquisas qualitativas, especialmente quando combinadas com outras estratégias e técnicas de coleta de dados (MINAYO, 2010), bem como nas pesquisas de avaliação de programas e estratégias de saúde (TRAD, 2009).
Na sequência, seguindo a tendência de interação social para a coleta de informações, verificou-se significativa ocorrência de procedimentos como a observação direta/participante (44%), o questionário (24%) e o diário de campo (23%). No caso da observação, visto sua significativa utilização nas pesquisas, decorre da possibilidade de interpretar o fenômeno educacional hospitalar e domiciliar diretamente no ambiente natural, sem a necessidade de intermediários para a obtenção dos dados.
A aplicação de outros instrumentos emergentes como a fotografia e filmagem (10%) e os testes de escala (3%) representaram possíveis desdobramentos metodológicos no tocante à produção de dados, buscando melhor sistematização e profundidade com as informações da realidade investigada.
Outra característica importante em relação à produção de dados foi que a maior parte das pesquisas (73%) sinalizaram utilizar mais de uma técnica/instrumento de coleta de dados em suas investigações. Considerando essa tendência de complementariedade, constatou-se ainda que 25% das pesquisas combinaram mais de dois instrumentos de coleta. Em ambos os casos, no geral, pela utilização conjunta de questionários, entrevistas semiestruturadas e observações. Em sua maioria, as entrevistas foram gravadas somente em áudio para posterior transcrição, e as observações, registradas em diários de campo.
Em vista disso, trata-se de instrumentos de coleta que possuem como principais características a possibilidade de padronização de questões, acessibilidade e flexibilidade na aplicação, baixo custo e facilidade na conversão digital dos dados. Com efeito, a escolha e a adequação dos instrumentos e/ou técnicas de coleta de dados estão diretamente relacionadas às características do objeto de estudo e as possibilidades de aplicabilidade e efetividade.
Entretanto, conforme Severino (2016, p. 135), a ciência “[...] não se reduz a um mero levantamento e exposição de fatos ou a uma coleção de dados”. Por isso, quanto ao tratamento e à análise dos dados, identificou-se que em 41% das pesquisas não foram explicitados os procedimentos de análise ou não foi possível identificá-los. Por outro lado, segundo André (2010), em relação à análise e interpretação de dados, não existem proposições simples na busca pelo rigor na condução de uma investigação:
O processo de análise de dados qualitativos é extremamente complexo, envolvendo procedimentos e decisões que não se limitam a um conjunto de regras a serem seguidas. O que existem são algumas indicações e sugestões muito calcadas na própria experiência do pesquisador e que servem como possíveis caminhos na determinação dos procedimentos de análise. (ANDRÉ, 2010, p. 49)
Nesse caso, o posicionamento qualitativo de tratamento de dados mais utilizado foi a análise de conteúdo (35%), em especial, pelas pesquisas na área da educação. A opção pela análise de conteúdo residiu na predominância de métodos e instrumentos de coleta de dados que não possuem relação de quantidade diretamente associada com a pesquisa educacional. A utilização de entrevistas e questionários, com questões abertas que precisam ser descritas e analisadas, demandam procedimentos de sistematização capazes de interpretação da significação do conteúdo manifesto ou latente do texto. Dessa forma, a inferência no conteúdo, por exemplo, possibilita interpretar o texto correlacionando-o com o próprio contexto institucional ou circunstancial da pesquisa.
Nesse mesmo caminho metodológico, observou-se ainda uma pequena tendência à análise do discurso (8%). Da mesma forma, mesmo com a relevância das entrevistas temáticas nas pesquisas, pouco se utilizou da história oral (5%). Os softwares estatísticos (5,5%) acompanharam a tendência do campo educacional com pouca adesão enquanto ferramenta de análise de dados. As análises clínicas (5,5%) foram utilizadas para avaliar possíveis efeitos biopsicossociais decorrentes da hospitalização infantil, em especial, desenvolvidas por programas de pós-graduação da área de saúde que se valeram do ato de brincar como principal vetor de análise dos dados. No conjunto das pesquisas, diferentemente dos instrumentos de coleta de dados, não se observou combinações de técnicas de análise dos dados.
Dessa forma, na pesquisa em Educação Hospitalar, privilegiou-se o processo de compreender os contextos, atitudes, experiências e conhecimentos particulares de cada situação educativa, inclusiva e terapêutica; portanto, eximindo-se de generalizações diante de realidades essencialmente interdisciplinares, multiprofissionais e detentoras de diversas funções sociais. Assim, trata-se do reconhecimento que os delineamentos metodológicos não se sobrepõem aos limites e possibilidades da realidade investigada nos contextos hospitalares e domiciliares.
Considerações Finais
A partir de um balanço geral desse panorama, pode-se concluir que algumas questões trazidas à tona pela produção inventariada denotam e circunscrevem as tendências temático-metodológicas moldadas na experiência prática de quem investiga ou ensina na Educação Hospitalar nos diversos contextos. No conjunto das pesquisas, mesmo sob diferentes abordagens temáticas e enfoques metodológicos, diversas análises convergem à constatação da necessidade de continuidade e aprofundamento do conhecimento atualmente disponível nessa modalidade de ensino.
Em linhas gerais, no âmbito dos aspectos circunstanciais da pesquisa, observa-se o predomínio significativo das defesas de dissertações em relação às teses, sendo que essa produção acadêmica se manteve praticamente estável nas últimas duas décadas. Essas pesquisas estão concentradas nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste do país. No tocante aos aspectos institucionais, as pesquisas são majoritariamente realizadas nas Instituições de Ensino Superior públicas (federais e estaduais), nos Programas de Pós-Graduação em Educação e desenvolvidas pelo público feminino (autoras/orientadoras).
Do ponto de vista temático, a análise do panorama desenvolvido nas pesquisas apresenta uma vasta diversidade de problemas investigativos que podem ser sistematizados, conforme a Figura 8, em quatro enfoques principais de interesse na Educação Hospitalar.
Em relação à formação de professores para atuar na Classe Hospitalar, as pesquisas buscam comportar problemas de realidades específicas do contexto investigado, observando suas relações entre a teoria e a prática, em especial, relacionadas ao ensino de disciplinas na escolarização. No tocante às pesquisas relacionadas às experiências, sentidos e significados protagonizados pelas crianças hospitalizadas, a partir de suas próprias narrativas, no geral, realizadas nas Alas/leitos hospitalares, atribui-se a possibilidade de (re) significar a realidade para melhor compreender e conviver com as alterações ocasionadas pela doença.
Na mesma direção dos processos de humanização à criança enferma, destacam-se os resultados positivos da ludoterapia e da escuta sensível enquanto atendimento pedagógico capaz de amenizar as rupturas com o cotidiano infantil. Nesse movimento temático, as possibilidades de mediação pedagógica por meio da inclusão de tecnologias móveis apresentam soluções dinâmicas e atraentes para o processo de ensino e aprendizagem que transpõem as restrições de mobilidade física do ambiente hospitalar e domiciliar.
As temáticas voltadas às legislações e políticas nacionais de oferta do atendimento educacional hospitalar e domiciliar indicam resultados incipientes no campo de estudo, sendo apenas contempladas nas pesquisas discussões de natureza introdutória e transversal.
Na análise dos aspectos metodológicos, observa-se a presença de um padrão predominante no desenvolvimento das pesquisas. Em termos de abordagem metodológica há um consenso pela abordagem qualitativa, refletindo a prática apropriada de métodos interpretativos e analíticos das ciências sociais e humanas. As pesquisas de abordagem quantitativa e mista apresentam discreta participação no campo de investigação com o surgimento dos primeiros desenhos de estudo com mixagem de técnicas estatísticas de coleta e análise de dados.
A predominante opção pela abordagem qualitativa reside na necessidade de uma metodologia pautada no diálogo e na observação das características e vozes dos sujeitos e contextos pesquisados. Além disso, outro aspecto que influencia na opção pelo emprego da abordagem qualitativa refere-se à preferência por instrumentos, técnicas de produção e coleta de dados utilizados, tais como: a entrevista semiestruturada, a observação participante e o registro em diário de campo. Esses instrumentos privilegiaram o contato direto com o objeto de estudo e a elaboração rigorosa de dados descritivos do fenômeno investigado.
Associados a esses instrumentos e técnicas, destacam-se as metodologias de pesquisa participativas voltadas à transformação social, particularmente com aportes metodológicos do estudo de caso, pesquisa de campo e pesquisa-ação. Essas opções de investigação demonstram preferência pelas técnicas de pesquisa de campo voltadas para intervenção no ambiente.
Nota-se que os aspectos metodológicos empregados nas pesquisas são coerentes à complexidade pedagógica do contexto hospitalar, especialmente pelo foco nos saberes pedagógicos que se encontram subjacentes às interações entre os profissionais da educação e da saúde. Esses estudos inseridos no cotidiano hospitalar são fundamentais para se compreender como as atividades pedagógicas desempenham suas funções sociais na escolarização, humanização e recuperação terapêutica.
Portanto, diante de metodologias de investigação participativas e colaborativas a partir de situações cotidianas – usualmente as classes hospitalares ou setores/alas ambulatoriais –, diversas pesquisas buscam examinar as interações pedagógicas pela mixagem de técnicas de coleta de dados, por exemplo, a entrevista combinada com a observação e o diário de campo como recurso para produzir evidências sobre os processos e resultados pedagógicos. Por isso o significativo emprego da técnica de análise de conteúdo como forma de sistematização de dados, mesmo diante do predomínio da abordagem qualitativa.
Cabe destacar que essas opções metodológicas refletem as problemáticas geradas no campo de pesquisa. Além disso, mesmo havendo homogeneidade nos delineamentos metodológicos, sabe-se que as pesquisas não coletaram os mesmos dados ou analisaram a mesma explicação em relação ao referencial teórico. Em vista disso, essas pesquisas oferecem subsídios metodológicos pertinentes à necessidade de se desenvolver teorias e métodos de pesquisa cada vez mais integrados e específicos ao contexto educacional hospitalar e domiciliar.
Da perspectiva da Educação Hospitalar enquanto campo de pesquisa, percebe-se a premissa de que é possível intervir por meio da pesquisa para elucidar teorias e práticas relacionadas ao processo de inclusão escolar no ambiente hospitalar e domiciliar. Essa análise sobre os aspectos institucionais e circunstanciais da pesquisa em relação às tendências temático-metodológicas das produções científicas em Educação Hospitalar colabora para o desenvolvimento do olhar crítico sobre as produções acadêmicas e as discussões pertinentes à consolidação desta modalidade de educação inclusiva ainda emergente no país.
Referências
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