O ensino de língua portuguesa na educação profissional de nível médio. Um estudo de caso baseado na perspectiva do gestor escolar

 

Portuguese language teaching in Professional High School. A case study based on the perspective of the school manager

 

La enseñanza de la lengua portuguesa en la formación media técnico profesional. Un estudio de caso basado en la perspectiva del gestor de la escuela

 

Wenilson Salasar de Santana

Instituto Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil

wenilson.santana@ifma.edu.br

 

Kellen Jacobsen Follador

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

kellenjf@usp.br

 

Recebido em 11 de setembro de 2020

Aprovado em 19 de julho de 2023

Publicado em 31 de agosto de 2023

 

RESUMO

O artigo teve como objetivo realizar um levantamento das percepções dos gestores de uma escola pública da rede federal de educação, no município de Barra do Corda, Estado do Maranhão, sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa na educação profissional de nível médio. Afirma-se a relevância de tais percepções para que se possa atingir a qualidade pretendida no ensino e, sob esse entendimento, examinar o potencial norteador dessas percepções para fins pedagógicos. Para tanto, foram revisados referenciais sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa e sobre o papel pedagógico do gestor escolar. Procedeu-se com o procedimento de estudo de caso por meio de pesquisa documental e de um questionário aplicado aos departamentos de gestão da escola. Os resultados apontam que o modo como os gestores avaliam a qualidade do ensino de língua portuguesa resulta em um perfil de gestão orientativo e formativo, que se traduz em suporte ao trabalho do professor.

 

Palavras-chave: Ensino médio profissionalizante; Língua portuguesa; Gestão escolar

 

ABSTRACT

This paper aiming to conduct a survey of the perceptions of the public school managers in the federal education in the country of Barra do Corda, State of Maranhão, concerning the quality of Portuguese language teaching in professional high school. The relevance of such perceptions is affirmed in order to achieve the desired quality in teaching and examine the potential guiding of these perceptions for pedagogical purposes. Therefore, references on the quality of Portuguese language teaching and on the pedagogical role of the school manager were reviewed. We proceeded with the case study procedure through documentary research and a survey was applied to the school's management departments. The results reveal that the way managers assess the quality of Portuguese language teaching results in a targeted and formative management profile, which has repercussions in support of the teacher's work.

 

Keywords: Professional High School; Portuguese language; Management School

 

RESUMEN

 

El artículo tuvo como objetivo hacer una encuesta de las percepciones de los gestores de una escuela pública de la red federal de educación, en el municipio de Barra do Corda, Estado de Maranhão, sobre la calidad de la enseñanza del portugués en la formación media técnico profesional. Se afirma la relevancia de tales percepciones para que se pueda alcanzar la calidad deseada en la enseñanza y, bajo este entendimiento, examinar el potencial orientador de estas percepciones con fines pedagógicos. El procedimiento de estudio de caso se llevó a cabo a través de una investigación documental y un cuestionario aplicado a los departamentos de gestión de la escuela. Los resultados indican que la forma en que los gestores evalúan la calidad de la enseñanza de la lengua portuguesa resulta en un perfil de gestión orientativo y formativo, lo que se traduce en apoyo al trabajo del profesor.

 

Palabras llave: Enseñanza media técnico profesional; Lengua portuguesa; Gestión de la escuela.

 

 

 

 

Introdução

 

Em termos de qualidade, pode-se dizer que, nas primeiras décadas do século XXI, o ensino de língua portuguesa no Brasil, em especial na educação profissional de nível médio, avançou muito, fato que o aproxima cada vez mais do ideal de democratização, acesso e qualidade formativa nesta modalidade de educação.

Produto de variadas pesquisas em educação e linguística, o ensino de língua portuguesa passou, nesse período, por importantes modificações e avanços significativos, tanto nas suas concepções ideológicas quanto na estruturação técnica e, consequentemente, nas articulações pedagógicas institucionais por todo o país, considerando-se que, no modelo pedagógico tradicional, significa a inculcação de um conjunto quase interminável de prescrições sintáticas consideradas corretas, a imposição de pronúncias artificiais que não correspondem a nenhuma variedade linguística real, a cobrança de conhecimento de uma nomenclatura falha e incoerente, junto com definições contraditórias e incompletas (BAGNO, 2001).

Nos nossos dias, importa refletirmos sobre a qualidade das práticas de ensino de língua portuguesa na educação profissional de nível médio, o que nos permite, em acordo com Antunes (2003), o reconhecimento, no contexto de nossa realidade, da persistência de um comportamento pedagógico mantenedor, por parte de muitos professores, do que a pesquisadora chama de “visão reducionista” do estudo da palavra e da frase, às quais, sendo ensinadas nos moldes tradicionais citados por Bagno (2001), descontextualizam os usos sociais da língua, embora também seja admitida a existência de instituições escolares que já se tenham desenvolvido, devido, entre outras razões, às atitudes pedagógicas de seus gestores, no sentido de motivar, mobilizar e fundamentar uma reorientação dessas práticas de ensino.

Machado (2014) afirma que a ação docente é um dos eixos responsáveis pela implementação e êxito da gestão escolar democrática e participativa. Nesse sentido, temos, na Constituição Federal de 1988 e nos artigos 14 e 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [LBDEN] ou Lei 9.394/96, a consolidação da gestão democrática em escolas públicas, considerando-se que os sistemas de ensino devem estruturar sua gestão em atenção a princípios democráticos, como a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e das comunidades escolar e local em conselhos escolares e/ou equivalentes (BRASIL, 1996).

Dourado (2003) entende a gestão escolar democrática como processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de aprendizado do jogo democrático. Consequentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas (BANKERSEN; STOCKMANNS, 2013). A LDBEN esclarece que os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996).

Assim, considera-se que um estudo sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa na perspectiva do gestor escolar se justifica porque, atualmente, o grande debate já não é sobre a universalização do acesso, mas, sobre a busca pela qualidade, o que se revela, em termos de gestão democrática, como um compromisso de todos os partícipes de uma comunidade escolar. A opção pelo estudo, em uma instituição pública da rede federal de ensino médio, fundamenta-se na necessidade de refletirmos sobre nossos modos de ação e suas consequências na esfera pedagógica de nossas práticas com o ensino de língua portuguesa, dado que a escola (RIOLFI et al., 2014), como qualquer outra instituição social, reflete as condições gerais de vida da comunidade em que está inserida, sendo evidente também, que fatores inerentes à própria escola condicionam a qualidade e a relevância do ensino ali desenvolvido (ANTUNES, 2003).

O papel pedagógico do gestor escolar ganhou grande destaque nos mais diversos ambientes educacionais do país, especialmente, nos casos em que sua atuação considera a busca democrática pela qualidade no ensino como produto do trabalho coletivo, característica reconhecível na instituição que o legitima (LÜCK, 2009). Coadunamo-nos, por isso, a Gadotti (1988), ao considerarmos a ideia de que uma escola pública democrática supõe a democratização de sua gestão, do acesso e uma nova qualidade de ensino. Na mesma perspectiva, Bordignon (2005) afirma que na escola cidadã, além da autonomia, da participação e das formas de escolha de conselheiros e dirigentes, a prática do cotidiano da sala de aula precisa estar ancorada em princípios coerentes com a finalidade da educação emancipadora.

No que se refere às relações entre a competência pedagógica de gestão escolar e o ensino, consideramos de grande relevância a percepção qualitativa dos gestores de uma instituição pública da rede federal de educação sobre o ensino de língua portuguesa, tendo-se vista a carência de publicações sobre o tema. Entendemos que, ao contribuir com a ação docente, seja no direcionamento legal em relação ao que se pretende - posto que os objetivos formativos estejam explicitados em documentos oficiais, seja por meio de orientações ou recomendações sobre os meios e modos de se fazer - dada a cultura do ambiente formativo em serviço, o gestor escolar legitima-se como um agente democrático, fomentando relações de interdisciplinaridade, contextualização, dialogicidade, problematização, trabalho, pesquisa como princípio educativo, extensão como forma de diálogo com a sociedade, internacionalização, emancipação e práxis.

O objetivo deste estudo foi, portanto, descrever as percepções dos gestores de uma escola pública da rede federal de educação sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa na educação profissional de nível médio, examinando-se o potencial norteador desses dados para fins pedagógicos, por parte dos professores.

Contudo, acreditamos que uma postura de interpretação qualitativa, pela escola, de práticas pedagógicas, a partir de níveis e/ou de critérios de gestão escolar, orientativos quanto o que se pretende atingir na sala de aula, é um caminho para que atuação democrática de um gestor escolar auxilie mais claramente a realização do ensino. A perspectiva do gestor escolar é, assim, um auxílio pedagógico necessário ao docente, um referencial para escolhas teórico-metodológicas, uma colaboração importante e direta com fins na qualidade a ser atingida na formação dos alunos.

Material e Métodos

           

Este trabalho é o resultado de uma investigação de natureza aplicada, com abordagem qualitativa, cujos objetivos são descritivos e os procedimentos foram a pesquisa documental e o estudo de caso.

A questão determinante (SARMENTO, 2011) nessa opção de estudo e no posicionamento teórico adotado é: qual o potencial norteador da percepção do gestor escolar sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa para fins pedagógicos, por parte dos professores?

A pesquisa foi desenvolvida em uma instituição pública da rede federal de ensino, localizada no município de Barra do Corda, Estado do Maranhão, e teve sua execução pautada em 03 (três) etapas: 1. Revisão bibliográfica; 2. Pesquisa documental; 3. Estudo de caso.

A revisão bibliográfica, primeira etapa do estudo, cujos objetivos foram compreender a dimensão pedagógica da gestão escolar e caracterizar o ensino de língua portuguesa nos dias atuais, teve como materiais principais de leitura, aportes teóricos que, além de apresentarem um panorama da gestão escolar, em termos democráticos, mobilizam-nos para mudanças significativas nas práticas de ensino de língua, quando analisadas no nosso contexto de atuação profissional.

A segunda etapa, que foi marcada pela primeira coleta de dados e consistiu em pesquisa documental, teve o objetivo de compreender o funcionamento da gestão e do ensino na escola pesquisada, foi desenvolvida por meio da análise do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) da escola, um documento de 67 (sessenta e sete) páginas, definido como um instrumento de natureza filosófica, política e teórico-metodológica, norteador da prática pedagógica da instituição, que articula as dimensões de ensino, pesquisa e extensão como princípios educativos.

Nessa etapa, os dados sobre a organização político-pedagógica do ensino, da pesquisa e da extensão na escola foram usados para: (i) produção de um questionário, instrumento para realização de entrevista na etapa do estudo de caso; (ii) testagem da viabilidade do questionário, através de comparação entre a natureza lógica e ética das questões e as informações dispostas no documento que subsidia sua elaboração; (iii) definição das variáveis para análise dos dados.

Etapa final, o estudo de caso objetivou compreender, por meio de entrevista, a percepção dos gestores de três departamentos da escola sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa oferecido na instituição. Consistiu, assim, na aplicação de um questionário, de natureza qualitativa, constituído por 05 (cinco) questões abertas, relacionadas aos princípios pedagógicos do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) da escola.

Nessa lógica, o estudo de caso considerou as seguintes variáveis qualitativas para o ensino de língua portuguesa: a) Percepção quanto à escolha reflexiva dos objetivos de ensino; b) Percepção sobre a organização profissional para o ensino; c) Percepção sobre a seleção dos conteúdos ou bases científicas e tecnológicas de ensino; d) Percepção sobre os procedimentos metodológicos de ensino; e) Percepção sobre a organização dos tempos de ensino; f) Percepção sobre a organização dos espaços de ensino; g) Percepção sobre a organização dos recursos didáticos de ensino; h) Percepção sobre a organização dos critérios e dos sentidos da avaliação da aprendizagem. Estas variáveis foram combinadas sob critérios documentais que as associam no PPI da escola e resultaram nos níveis ou categorias de análise de cada pergunta do questionário.

O questionário foi aplicado aos departamentos de gestão escolar mais ligados ao ensino, a saber, à Diretoria Geral (DG), à Diretoria de Desenvolvimento Educacional (DDE) e ao Departamento de Ensino (DE) da escola, setores capazes, portanto, de fornecerem dados suficientes para discussão e análise.

O uso de siglas que identificam os departamentos pesquisados (DG, DDE e DE) foi a estratégia ética adotada na apresentação de dados e na discussão dos resultados, de modo a preservarmos o anonimato dos gestores participantes.

Quanto à disposição para análise, os dados foram organizados em um quadro representativo, sistematizando as respostas que os gestores participantes deram a cada questão de entrevista. A discussão consistiu no entrecruzamento comparativo entre as informações geradas nas entrevistas, os dados documentais do PPI da escola e os aportes teóricos sobre gestão escolar e ensino de língua portuguesa que sustentam este trabalho.

Resultados e Discussão

 

A instituição escolhida como local de pesquisa localiza-se no município de Barra do Corda, Estado do Maranhão [MA]. Dados disponíveis em plataforma digital e no projeto pedagógico informam que a escola, que pertence à rede federal de ensino público, tem autorização de funcionamento datada de 21 de setembro de 2010, tendo iniciado suas atividades letivas em 2011 e, a partir de 2013, atendido a outros municípios da Região Central do Estado do Maranhão.

Com uma população de aproximadamente 88 mil habitantes, o município de Barra do Corda possui uma área de 5.190,847 km2. O Índice de Desenvolvimento Humano [IDH] local é de 0,606, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2019). Do ponto de vista econômico, a cidade concentra arranjos produtivos focados nos setores agrícola de leguminosas, cereais e oleaginosas. 

A escola, que tem demanda assegurada por estudantes do próprio município de Barra do Corda – MA e das cidades vizinhas de Itaipava do Grajaú – MA, Fernando Falcão – MA, Tuntum – MA, Grajaú – MA, São Raimundo do Doca Bezerra – MA, Jenipapo dos Vieiras – MA, Dom Pedro– MA e Presidente Dutra – MA, passou a oferecer cursos de Formação Inicial e Continuada [FIC] pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego [PRONATEC] desde 2014. A oferta de cursos foi ampliada para os Povoados de São José – MA e Santa Fé – MA, na zona rural de Barra do Corda – MA, os quais foram contemplados com os cursos de Agricultor Familiar e Agricultor Orgânico, respectivamente.

Em sua estrutura física, a escola conta com um ambiente administrativo, no qual estão instaladas a Diretoria-Geral e a Diretoria de Administração e Planejamento. O ambiente acadêmico compreende os espaços de funcionamento da Direção de Ensino, biblioteca com acervo estimado em 2.944 exemplares, setor de assistência ao aluno, supervisão e orientação escolar, sala de professores e oito salas de aula, além de três laboratórios de informática. Há ainda, uma piscina olímpica e um ginásio poliesportivo para apoio ao desenvolvimento de atividades desportivas.

A escola oferece três formas de cursos técnicos: integrada, concomitante e subsequente. Na forma integrada, o aluno cursa o ensino médio juntamente com uma formação profissional. Na forma concomitante, o estudante faz o curso técnico e o ensino médio em outra instituição de ensino. Já a forma subsequente é para aqueles que já concluíram ou estão concluindo o ensino médio e que pretendem obter uma formação profissional. Os cursos do Programa de Educação de Jovens e Adultos [PROEJA] são integrados e direcionados para pessoas fora da idade escolar que têm o ensino fundamental completo.

A escola conta com os seguintes cursos técnicos, oferecidos em regime integral: Administração, Comércio, Edificações, Informática, Manutenção e Suporte em Informática, Química, Meio Ambiente e, à nível de graduação, o Curso Bacharelado em Administração.

Desde o ano letivo de 2020, estão sendo oferecidos os seguintes os Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu, destinados a profissionais da área de Educação: Especialização em Educação Escolar Indígena, Especialização em Educação Indígena Intercultural, Especialização em Ensino de Matemática e Especialização em Educação e Ensino de Ciências.

Legalmente, o ensino de língua portuguesa na educação profissional tem sua estrutura pautada numa organização curricular que se fundamenta nas definições dos documentos oficiais e/ou em suas diretrizes. Conforme consta nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2013), a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (ou Lei nº 9.394/96), sancionada e 20 de Dezembro de 1996, consagra a Educação Profissional e Tecnológica entre os níveis e as modalidades de educação e ensino, situando-a na confluência de dois dos direitos fundamentais do cidadão: o direito à educação e o direito ao trabalho, apresentados nos termos do artigo 227 da Constituição Federal (1988) como direito à profissionalização, a ser garantido com absoluta prioridade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, por meio do Parecer nº 11/2012 do Conselho Nacional de Educação, sustentam o ensino nesta modalidade e educação, com base no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio, que em seu artigo 3º determina que os cursos sejam organizados por eixos tecnológicos definidores de um projeto pedagógico que contemple as trajetórias dos itinerários formativos e estabeleça exigências profissionais que direcionem a ação educativa das instituições e dos sistemas de ensino na oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

Assim, definindo novas orientações para instituições e sistemas de ensino, a Lei nº 11.741/2008 introduziu na Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional mudanças nas formas de organização curricular e no ensino, quanto à Educação Profissional e Tecnológica, especialmente na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Disso, os programas de ensino voltam-se para novas relações de trabalho e suas consequências no seio social. Nesse sentido, a proposta para essa modalidade de educação, segundo os documentos oficiais, é que se busque, por meio do ensino, garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação plena, que possibilite o aprimoramento da sua leitura do mundo, fornecendo-lhes a ferramenta adequada para o aperfeiçoamento de sua atuação como cidadão de direitos.

O relacionamento da teoria com a prática, no ensino de cada disciplina, como consta no inciso IV do artigo 35 da LDB, deve ser um propósito de educação escolar, de modo a permitir aos alunos a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos que tratam dos seus direitos de aprendizagem (BRASIL, 2017).Assim, na educação profissional, o ensino da língua portuguesa tem seu pressuposto na ideia de que o método executado no trabalho pedagógico restabeleça relações dinâmicas e dialéticas entre conceitos e práticas de cada ambiente sociocultural, reconstituindo as relações que configuram a totalidade concreta da qual se originaram, de modo que o objeto de aprendizagem se revele gradativamente em suas peculiaridades. Isso se traduz em um currículo integrado, para que o processo ensino-aprendizagem ocorra de maneira que os saberes sejam produtos de sistemas compartilhados de conhecimentos.

Nesse contexto, a disciplina língua portuguesa compõe o currículo básico de todos os cursos técnicos de nível médio oferecidos pela escola pesquisada em Barra do Corda – MA. Pode-se conhecer sua estrutura (e proposta) didático-pedagógica através de ementas que descrevem a proposta desse componente curricular nos planos de curso para cada série da formação. Segundo o PPI da escola, as ementas são um referencial norteador dos planos de trabalho e de ensino docentes; são elaboradas e atualizadas por professores titulares, sob orientações e em colaboração com a equipe técnico-pedagógica e os departamentos de gestão pedagógica da instituição, sempre que novas necessidades são identificadas, nos termos das resoluções e normativas da rede federal de educação.

Logo, considerando-se que, para análise, os dados de uma pesquisa qualitativa podem ser dispostos através de categorizações, quadros, tabelas, notas de observação, excertos exemplificativos, comentários e outros (PAIVA, 2019), os resultados que seguem, produto das entrevistas com a Diretoria Geral [DG], a Diretoria de Desenvolvimento Educacional [DDE] e o Departamento de Ensino [DE], constituem-se na apresentação das percepções comuns desses setores de gestão escolar, conforme: 1) percepções sobre as implicações das escolhas dos objetivos pedagógicos e dos conteúdos na qualidade do ensino de língua portuguesa; 2) percepções sobre como o ensino de língua portuguesa se articula à qualidade pretendida, em termos de usos de materiais didáticos e de procedimentos metodológicos; 3) percepções sobre a atuação profissional, para a garantia da indissociabilidade entre a pesquisa, a extensão e o ensino de língua portuguesa; 4) percepções sobre como a utilização docente do tempo nos espaços físicos da escola possibilitaria o rompimento das dicotomias teoria/prática e ciência/tecnologia no ensino de língua portuguesa; 5) percepções sobre a organização de critérios e sobre os sentidos destes na avaliação da aprendizagem que caracteriza a prática docente no ensino de língua portuguesa.

Para fins de contexto, o quadro 1 sistematiza o olhar dos gestores (Diretoria Geral, Diretoria de Desenvolvimento de Ensino e Departamento de Ensino) para a qualidade do ensino de língua portuguesa na escola pesquisada.

 

Quadro 1. Descrição das percepções comuns da gestão escolar sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa em uma escola de educação profissional da rede federal

Ensino de Língua Portuguesa

DG

DDE

DE

1 – Objetivos e Conteúdos

“(..) o professor deve considerar que o foco precisa ser o ensino contextualizado da LP, com produção e análise de textos, situando as regras gramaticais.”

“Grandes implicações, pois dialogam com o processo de ensino-aprendizagem (...)”

“O encadeamento adequado dos conteúdos colabora com a qualidade do ensino (...)”

2 – Materiais e Métodos

“O professor precisa compreender que há uma infinidade de opções metodológicas, de materiais didáticos e de mídias tecnológicas que se constituem uma opção a mais na sua trajetória pedagógica.”

“(...) utilizam materiais didáticos diversos, que transcendem o uso apenas do livro oficialmente “adotado” pela Instituição.”

“(...) muito mais do que a qualidade dos recursos, penso que é o domínio do docente sobre o que se almeja que dará qualidade ao que ele escolher.”

3 – Pesquisa, Extensão e Ensino

“Articular ensino, pesquisa e extensão é possibilitar uma reflexão sobre as mais diversas dimensões da educação.”

“(...) Fazer o estudante (e o próprio docente) ser pesquisador é uma bela forma de garantir essa indissociabilidade e a efetividade dos conhecimentos trabalhados.”

“Se considerarmos que a pesquisa é a busca por soluções e a extensão é a aplicação dessas soluções para o bem comum, não haverá dissociação.”

4 – Uso do Tempo-Espaço na superação de Dicotomias

“O rompimento das dicotomias teoria/prática e ciência/tecnologia, parte da ideia de que o ensino não se desloca do contexto, ocorrendo de forma articulada com a produção do conhecimento.”

“Penso que quanto maior o tempo ocupado pelas interações entre docente e discentes; quanto maiores forem as preocupações em se estabelecer, metodologias e conteúdos significativos, mais próximo se estará da ruptura dessas aparentes dicotomias.”

“Na perspectiva de nossa escola, em comparação com outras redes, o tempo é uma vantagem.”

5 – Critérios e Sentidos da Avaliação

“(...) o objetivo da avaliação em Língua Portuguesa deve ser o de ampliar a competência linguística do aluno, uma vez que ele já é um falante da língua materna, antes de entrar na escola.”

“(...) em um cenário ideal, eles (os critérios) precisam estar claros e em acordo com os objetivos, o nível de abordagem dos conteúdos e metodologias utilizados, bem como, pensando como escola, necessitam estar em harmonia com o que a Instituição pensa acerca do projeto político pedagógico que tem, o tipo de cidadão que pretende formar.”

“Considerando que o objetivo do ensino de qualidade foi alcançado, penso que isso é resultado de um conjunto de ações bem sucedidas que vão desde o planejamento até a avaliação.”

Fonte: Dados originais da pesquisa.

Nas discussões que seguem, os resultados da pesquisa são interpretados sob comparação entrecruzada de informações, por triangulação comum. A ordem de descrição e análise equivale ao quantitativo das questões de entrevista (de 1 a 5) e as informações ou vozes dos gestores são identificadas pelas siglas “DG”, “DDE” e “DE” correspondentes aos três departamentos de gestão escolar que forneceram os dados. Com efeito, tanto as informações temáticas de cada questão, quanto as vozes dos gestores, dispostas no quadro 1, são dados reiterados durante as discussões.

Assim, o primeiro item de entrevista questionou os gestores sobre as escolhas de objetivos e de conteúdos, em suas implicações qualitativas, para o ensino de língua portuguesa. Em resposta, a DG afirmou que “(...) o foco precisa ser o ensino contextualizado da LP, com produção e análise de textos, situando as regras gramaticais”, o que destaca a ideia de “contextualização do ensino”, esclarecida, neste caso, pela noção de que isso se refere a uma situação de planejamento, na qual a qualidade do ensino de língua portuguesa resida na realização de práticas de escrita e de análise textual, submetidas às normas gramaticais, conforme observado na sequência do discurso da DG.

Essa ideia de “ensino contextualizado da língua portuguesa”, mencionada pela DG e paralela ao que a Base Nacional Comum Curricular [BNCC] nomeia como direitos de aprendizagem (BNCC, 2019), ganhou ênfase no Brasil, à partir do posicionamento de alguns teóricos em educação linguística, entre os quais Bagno (2001), que afirma a importância das filiações do professor, ante aos conceitos de educação, linguagem, língua e ensino; e Antunes (2007), que compreende a língua como um ato humano, social, político, histórico, ideológico, com repercussões na vida de todas as pessoas. Por isso, a qualidade do que se faz, em termos de ensino, está, também, atrelada à uma concepção crítica que o professor assume a respeito da própria prática, o que torna a percepção da DG, de que “o foco” seja o ensino contextualizado, enquanto prática normativa de trabalho com o texto, um instrumento qualitativo orientativo para a escola em questão.

Embora não seja inédita na área da Educação, a abordagem sobre a relação entre objetivos e conteúdos de ensino é necessária, posto que a mesma não visa o estabelecimento de imperativos universais para um ensino padronizado; ao contrário, trata-se de uma condição sempre representativa de particularidades pedagógicas. Nesse sentido, enquanto a DDE afirmou que as escolhas de objetivos e conteúdos representam “Grandes implicações, pois dialogam com o processo de ensino-aprendizagem”, a DE respondeu que “O encadeamento adequado dos conteúdos colabora com a qualidade do ensino”. Note-se que se as “grandes implicações”, referidas pela DDE, não foram explicitadas, o olhar, em tom categórico, da DE, presente na informação “encadeamento adequado de conteúdos...”, deixou claro que a noção de qualidade, nos termos das escolhas de objetivos pedagógicos e de conteúdos ou objetos do ensino de língua portuguesa, se refere à concepção conteudista ou normativa de ensino de língua, o que também foi observado na expressão “...situando as regras gramaticais”, assertiva da DG.

Para esses gestores, a qualidade, que pode ser vista na relação dialógica entre objetivos e conteúdos, implica-se nas mobilizações estudantis para a aprendizagem, pois, conforme explicitamos no primeiro item do quadro 1, para a DG, a DDE e a DE, a organização lógica e a condição normativa dos conteúdos corroboram a qualidade do ensino de língua portuguesa na escola. Isso não aponta para um trabalho mecanizado com a norma. Bagno (2001) considera que um ensino crítico de língua portuguesa equivale ao desdobramento, dentro da escola, de um painel multifacetado, complexo e rico da realidade linguística brasileira, em vez de serem oferecidos os clássicos literários ou a gramática normativa, como únicos padrões de imitação. Isso significa que o ensino de língua portuguesa, mesmo na educação profissional, cuja característica formativa se dá, tradicionalmente, por meio de itinerários técnicos e de construções linguísticas, de estruturas terminológicas diversas, deve-se lançar um olhar recorrente para os gêneros textuais por meio dos quais se pode concretizar o uso real da língua. As afirmações da DG, da DDE e da DE configuram-se, portanto, como elementos norteadores desse olhar. Ainda sobre a relação objetivos e conteúdos, a DG afirmou:

“O desenvolvimento da linguagem oral também deve ser priorizado na escola e precisa ser trabalhado com exposições sobre um conteúdo, debates e argumentações; explanação sobre temas escolhidos para o ensino. É importante que sejam criadas oportunidades de fala e de escuta ativas, orientando-se a adequação da língua a cada situação social de comunicação oral” (Fonte: Dados originais da pesquisa).

No que se refere à criação de “oportunidades de fala e de escuta ativas”, Fávero (2012) afirma parecer consenso que a língua falada deva ocupar um lugar de destaque no ensino da língua, explicando que a motivação para que essa modalidade seja trabalhada de modo sistemático se dá, de um lado, porque o aluno já sabe falar quando chega à escola e domina, em sua essência, a gramática internalizada da língua. Por outro, devido ao fato de que a fala influencia e afeta sobremaneira a escrita (FÁVERO, 2012). Para os gestores da DDE e DE, por meio do desenvolvimento da leitura, da escrita e da oralidade, com estudos linguísticos e literários inseridos em contextualizações diversas, os objetivos e os conteúdos de ensino da língua portuguesa na educação profissional poderão ser escolhidos de forma mais significativa para a garantia da qualidade.

O segundo item de entrevista, conforme disposto no quadro 1, questionou os gestores sobre como o ensino de língua portuguesa se articula à qualidade pretendida na escola, em termos de usos de materiais didáticos e de procedimentos metodológicos. Dito de outro modo, essa questão procurou, nas perspectivas dos entrevistados, os efeitos procedimentais da utilização de materiais didático-pedagógicos. Nos resultados, a DG respondeu que “O professor precisa compreender que há uma infinidade de opções metodológicas, de materiais didáticos e de mídias tecnológicas que se constituem uma opção a mais na sua trajetória pedagógica”. A DDE afirmou que os professores “(...) utilizam materiais didáticos diversos, que transcendem o uso apenas do livro oficialmente “adotado” pela Instituição”. A DE manifestou-se com a assertiva: “(...) muito mais do que a qualidade dos recursos, penso que é o domínio do docente sobre o que se almeja que dará qualidade ao que ele escolher”. Observamos que, por um lado, tanto a DG quanto a DDE enfatizaram a variedade de métodos e de materiais didático-pedagógicos como critério qualitativo; por outro lado, a DE voltou-se para “o domínio docente sobre o que almeja”, ou seja, para a clareza e segurança quanto “ao quê” ensinar antes de se buscar “o como” ensinar.

Verificamos também que a “infinita” variedade de métodos, técnicas e materiais didático-pedagógicos destacada pela gestão na DG, compreendida como “diversidade de recursos” nas palavras da gestão na DDE, não se limita ao livro didático adotado pela escola; a DE e a DDE indicaram se tratar de uma perspectiva onde a qualidade é medida pelo uso diversificado de materiais e de tecnologias que superam a tradição dos impressos na realização do ensino de língua portuguesa. É, entretanto, sob as ideias da gestão na DE, setor mais próximo das ações cotidianas da sala de aula na instituição pesquisada, que os efeitos procedimentais da utilização de materiais didático-pedagógicos se referem à concepção de Educação que o docente possui e ao que ele conhece, do ponto de vista de sua formação e experiência profissional. No caso da escola pesquisada, a DE se referiu aos objetivos da formação discente – do sujeito, da cidadania e para o mundo do trabalho na educação profissional –, conforme normativas, resoluções e o PPI da escola.

O olhar da DE apontou a variedade metodológica e tecnológica enquanto uma necessidade ou demanda da instituição, a visão da DDE indicou a diversidade de usos na condição do que já está estabelecido material e metodologicamente na escola e a percepção da DE individualizou os efeitos dos usos de materiais, condicionando a qualidade metodológica do ensino de língua portuguesa aos saberes da formação e da experiência docentes sobre os objetivos de usos da língua. Antunes (2009) argumenta que todas as questões que envolvem o uso da língua não são apenas questões linguísticas; são também questões políticas, históricas, sociais e culturais, não podendo, ser resolvidas somente com um livro de gramática ou com prescrições de alguns manuais de redação. Desse modo, ao projetar, a partir dos direitos de aprendizagem discentes, a escolha dos materiais para a formação dos estudantes dos cursos técnicos, as opções metodológicas escolhidas pelo professor de língua portuguesa da escola pesquisada podem ser elaboradas considerando-se a variedade de métodos, técnicas e de materiais já disponíveis na escola, segundo informado pela DG e DDE, somada à formação e experiência do professor, conforme dito pela DE, com um olhar voltado à instrumentalização, ao acesso ao ensino superior, ao mercado de trabalho, à inovação, à compreensão do mundo em constante transformação e ao seu papel de futuro profissional no cenário brasileiro, em constante metamorfose.

Corroborando a ideia de uma metodologia mobilizadora de sujeitos quanto aos usos de materiais didáticos e de procedimentos pedagógicos, Riolfi e colaboradores (2014) postulam que as condições de produção, no ensino de língua portuguesa, são diretamente proporcionais ao planejamento de um trabalho de ensino que nos permita olhar para nossos alunos como parceiros, companheiros de um percurso de trabalho a ser trilhado mão a mão, olho no olho, palavra por palavra. Os autores explicam que alunos e professores são de carne e osso, moram em local determinado e vivem em tempo específico (RIOLFI et. al., 2014). Isso fortalece a ideia de que, com norteamento pedagógico da gestão escolar, o professor de língua portuguesa manifestará autonomia para descobrir a forma mais adequada de integrar o humano, as metodologias e o tecnológico, de ampliar as possibilidades, de organizar a comunicação com os alunos na realização de um ensino de qualidade.

No terceiro item, questionou-se sobre como a atuação profissional garante a indissociabilidade entre a pesquisa, a extensão e o ensino de língua portuguesa. Por se tratar de uma instituição da rede federal de educação, segundo normativas dessa rede e o PPI da escola, essas dimensões são parte das atribuições profissionais docentes no ensino básico, técnico e tecnológico. Pelas informações que apresentamos no quadro 1, onde a DG respondeu que “Articular ensino, pesquisa e extensão é possibilitar uma reflexão sobre as mais diversas dimensões da educação”; a DDE afirmou que “(...) Fazer o estudante (e o próprio docente) ser pesquisador é uma bela forma de garantir essa indissociabilidade e a efetividade dos conhecimentos trabalhados”, pode-se afirmar que DG e DDE compartilham a mesma perspectiva, posto que a referida indissociabilidade destaca a relevância da pesquisa, distinta, mas integrante das ações com projetos de extensão e ensino.

Nas palavras da DE, a indissociabilidade entre as dimensões citadas reside no binômio resultado-efetivação, segundo respondido em: “Se considerarmos que a pesquisa é a busca por soluções e a extensão é a aplicação dessas soluções para o bem comum, não haverá dissociação”. Estes resultados indicaram que há trabalhos da escola em todas essas dimensões, os quais são elaborados e desenvolvidos individualmente ou em equipes multidisciplinares. Contudo, poderiam acontecer em maior número, em todas as áreas pois, segundo a DDE, em língua portuguesa não é diferente. Para Bortoni-Ricardo (2008), ao justificar a necessária relação entre atividades de ensino, pesquisa e extensão, quando se voltam para a análise da eficiência do trabalho pedagógico, os professores pesquisadores estão mais interessados no processo do que no produto de suas pesquisas, importando mais os significados que os atores sociais envolvidos no trabalho pedagógico conferem às suas ações do que a busca de fenômenos que tenham um status de uma variável explicação.

Nessa lógica, a noção de indissociabilidade, aspecto qualitativo da questão, reside “na medida em que ela (a pesquisa) penetra os “poros” da vivência cotidiana”, palavras da DG. Isso pode ser melhor entendido sob o esclarecimento de que “há, ainda, muitos espaços para que se possa avançar na produção de conhecimento através de investigações – bibliográficas e/ou de campo – com a produção de estudos sistematizados, como relatórios e artigos científicos, por exemplo”, de acordo com o complemento de resposta da DDE.A gestão da DDE afirmou ainda:

“Será possível e necessário um avanço muito grande na dimensão da pesquisa aplicada e a interface desse conhecimento com a comunidade, ou seja, a extensão, pois apenas o ensino em sala de aula não consegue propiciar aos alunos o letramento necessário ao domínio e exercício da cidadania” (Fonte: Dados originais da pesquisa).

Na busca pela formação para a cidadania, é preciso, então, que o ensino de língua portuguesa mobilize, em maior quantidade, a participação dos estudantes da educação profissional em atividades de pesquisa e extensão (BORTONI-RICARDO, 2008). Trata-se, portanto, de maior engajamento de alunos e professores, tanto na busca de soluções para problemas que envolvam a realidade da comunidade aonde a escola está situada quanto em perspectivas significativas, frutos das ações desses atores na comunidade escolar.

O quarto item de pesquisa questionou os gestores sobre como a utilização docente do tempo nos espaços físicos da escola possibilitaria o rompimento das dicotomias teoria/prática e ciência/tecnologia no ensino de língua portuguesa. Como resultados, a DG respondeu que “O rompimento das dicotomias teoria/prática e ciência/tecnologia, parte da ideia de que o ensino não se desloca do contexto, ocorrendo de forma articulada com a produção do conhecimento”. Disso, vale ressaltarmos que, conforme supracitamos, nossa primeira questão de entrevista teve como resultado, na perspectiva da DG, a temática da “contextualização do ensino”. Logo, observamos que, no que tange ao rompimento das dicotomias propostas pela quarta questão, ao reafirmar a ideia de que o ensino não se desloca do contexto, a DG adicionou a informação de que isso consiste na articulação do ensino à produção do conhecimento em língua portuguesa. Tavaglia (2009) nos lembra que realmente ensinar a pensar sobre a língua, para realmente desenvolver a capacidade análise e consequentemente desenvolver a capacidade de pensar cientificamente os fatos linguísticos ou não, talvez seja mais produtivo que apresentarmos aos alunos resultados prontos de um estudo.

Em outras palavras, a articulação entre o ensino e a materialização do saber sobre a linguagem gera um contexto no qual teoria e prática, ciência e tecnologia, embora constituam-se em elementos, características e procedimentos distintos, são capazes de romper as citadas dicotomias quando forem realizadas, de modo intercomplementar, numa ação colaborativa e dialógica entre professor e alunos. Isto ficou mais claro nas respostas da DDE, que afirmou: “Penso que quanto maior o tempo ocupado pelas interações entre docente e discentes; quanto maiores forem as preocupações em se estabelecer, metodologias e conteúdos significativos, mais próximo se estará da ruptura dessas aparentes dicotomias”; e da DE que disse: “Na perspectiva de nossa escola, em comparação com outras redes, o tempo é uma vantagem”.

Desse modo, enquanto a DG enfatizou a importância de articulação do ensino à produção ativa de conhecimento, DDE e DE chamaram nossa atenção para o tempo escolar, como elemento “vantajoso” no sentido do rompimento “dessas aparentes dicotomias”. Assim, pode-se dizer que na percepção dos gestores da escola pesquisada quanto maior o tempo ocupado pelas interações entre docentes e discentes, quanto maiores forem as preocupações em se estabelecer, em língua portuguesa, metodologias e conteúdos significativos devidamente pensados em função do tempo escolar disponível, mais próximos estaremos, em termos de ensino na educação profissional, da ruptura de uma aparente dicotomia entre teoria e prática, ciência e tecnologia.

O último questionamento levantou as percepções dos gestores sobre a organização de critérios e seus sentidos na avaliação da aprendizagem no ensino de língua portuguesa. Em resposta, a DG afirmou que “(...) o objetivo da avaliação em Língua Portuguesa deve ser o de ampliar a competência linguística do aluno, uma vez que ele já é um falante da língua materna, antes de entrar na escola”. A ideia de ampliação da competência linguística do aluno, assunto bastante discutido em linguística no Brasil, é retomada pela BNCC (2018) que, dada a relevância do tema, o configurou em um dos eixos do ensino de língua portuguesa na educação básica.

Notamos que a resposta da DG vai ao encontro do que dispõe o documento oficial citado e orientações do PPI da escola, os quais se referem à noção de avaliação onde o repertório de saberes discentes seja ampliado. Nessa perspectiva, compreendemos que a referida “ampliação” se sustenta no dado, fornecido pelo respondente, no qual o aluno “já é um falante da língua materna, antes de entrar na escola”. Assim, para a DG, no ensino de língua portuguesa, a avaliação tem a função de ampliação do conhecimento do aluno sobre a língua e esse sentido se estabelece no alinhamento do processo ensino-aprendizagem às diretrizes de documentos oficiais.

Por sua vez, a DDE afirmou que “(...) em um cenário ideal, eles (os critérios) precisam estar claros e em acordo com os objetivos, o nível de abordagem dos conteúdos e metodologias utilizadas, bem como, pensando como escola, necessitam estar em harmonia com o que a Instituição pensa acerca do projeto político pedagógico que tem, o tipo de cidadão que pretende formar”. Abaurre (2012) reforça esta percepção ao afirmar que é necessário assegurarmos a coerência entre o tipo de proposta oferecido aos alunos e o modo como os textos serão avaliados. Segundo a autora, isso precisa ser uma meta clara para o professor, porque apenas assim, ele poderá definir, antes da elaboração de qualquer proposta, quais aspectos devem ser contemplados, a depender do gênero discursivo que se pretende que os alunos desenvolvam (ABAURRE, 2012). Na voz da DDE, portanto, o papel da avaliação, como indicador da qualidade do ensino de língua portuguesa na escola pesquisada, é o formativo, ou seja, aquele que se traduz na sistematização de critérios claros, paralelos às políticas educacionais da instituição.

Assim, competência linguística, nas palavras da DG, se explica pela formação de um tipo de “cidadão”, termo citado pela DDE, que, pela realização de experiências de escolarização teórico-práticas, utiliza-se do conhecimento da linguagem nos mais diversos usos de gêneros textuais. Em seus resultados, a DE foi mais abrangente, pois considerou que a qualidade do ensino de língua portuguesa não reside apenas na avaliação. Assim disse a gestão da DE: “Considerando que o objetivo do ensino de qualidade foi alcançado, penso que isso é resultado de um conjunto de ações bem sucedidas que vão desde o planejamento até a avaliação”. Para a DE, avaliação e ensino não são processos distintos nem estanques e devem atender a uma função dinâmica, não linear, sendo submetidos a um planejamento que considere todos os componentes da aprendizagem na escola.

Em nossas análises, observamos relevante potencial orientativo e/ou formativo nas percepções dos gestores escolares que colaboraram com a pesquisa sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa na educação profissional de nível médio. Sabemos que o foco de discussões sobre a qualidade do ensino, frequentemente, concentra-se na ação do professor, que vai do planejamento às mediações didáticas da sala de aula; dos materiais pedagógicos selecionados para os estudos à gestão dos resultados dos trabalhos desenvolvidos com os alunos; da aplicação de instrumentos de medição da aprendizagem ao “feedback” dos resultados, com a atenção e acuidade que cada estudante necessita nas suas especificidades.

Na escola em questão, notamos que a DG, a DDE e a DE configuram um perfil de gestão escolar orientativo, participativo e formativo, pois, ao mesmo tempo em que são realizadas ações de acompanhamento didático-pedagógico na rotina de trabalho dos professores de língua portuguesa e demais docentes, a gestão da escola, em Barra do Corda – MA, efetiva suas competências quanto à formação em serviço, desenvolvendo eventos para atualização de normativas e de diretrizes oficiais da rede federal junto aos seus professores.

Acreditamos que, pouco a pouco, por meio do desenvolvimento de mais estudos sobre a prática docente em língua portuguesa, de releituras metodológicas e de produções acadêmicas, oriundas de interações sociais no âmbito escolar, consigamos avançar, no sentido de um agir voltado para a excelência no ensino de língua portuguesa, comprovada, entre outros fatores, pelos resultados de aprendizagem dos alunos.

 

Considerações finais

 

No atual momento, o ensino de língua portuguesa vive um período que nos exige rápidas transformações. O professor e a escola tradicional que resistem às evoluções serão, possivelmente, superados não só pelo novo aluno, mas também por novos paradigmas.

Considerando-se o problema e os objetivos que mobilizaram a realização desta pesquisa, bem como as análises realizadas neste trabalho, pode-se afirmar que a percepção dos gestores sobre a qualidade do ensino de língua portuguesa possui um caráter pedagógico orientativo e, até mesmo, formativo. Nesse sentido, o professor poderá agir mais assertivamente, tendo, entre outros ideais, o de oportunizar aos alunos a chance de produzir, não mais reproduzir, conhecimentos acerca da linguagem.

Quanto às limitações para obtenção dos resultados, a principal foi a forma de aplicação do questionário, que foi planejada para ser feita presencialmente, mas, precisou ser remota, por meio do envio digital das questões aos gestores. Isso foi feito de duas maneiras: uma, à título de verificação da viabilidade ética do questionário; e, outra, após o aceite dos gestores, enquanto geração oficial de dados.

Devido a dificuldades tecnológicas, envolvendo redes de internet e/ou justificadas pelo contexto de pandemia da COVID-19, a logística da geração remota de informações e o tempo de análise também sofreram impactos, mas as modificações não comprometeram a discussão dos resultados.

Como pontos positivos deste trabalho, destacamos o caráter norteador, de orientação e o potencial formativo discutidos, no que dizem respeito ao ensino de língua portuguesa na educação profissional, pois as informações fornecidas pelos gestores entrevistados se apresentaram bastante pontuais, atendendo aos anseios das questões de pesquisa, devido, principalmente, à clareza com a qual foram comunicadas.

Nossas discussões foram possíveis porque o potencial científico, percebido nos dados, relacionam-se, não apenas com teorias, mas, também, com a proposta pedagógica, com os ideais formativos e com os valores culturais que foram observados nas fases de pesquisa documental e nas interações com os participantes do estudo. Contudo, não pretendemos o esgotamento do tema, ao contrário, esperamos que novas investigações se utilizem, assim como o fizemos, de vozes da gestão escolar como princípio orientativo e formativo para os professores.

 

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