Formação Continuada de Professores da Educação de Jovens e Adultos e Práxis Pedagógica: uma reflexão na perspectiva humanizadora e libertadora da educação
Continuing Training of Teachers in Youth and Adult Education and Pedagogical Praxis: a reflection in the humanizing and releasing perspective of education
Adriana Bastos Oliveira
Prefeitura Municipal de João Pessoa/Secretaria de Educação, João Pessoa, Paraíba, Brasil
adipsic@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-8005-5973
Eduardo Jorge Lopes da Silva
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil
ejls@academico.ufpb.br- https://orcid.org/0000-0002-5402-8880
Maria Fernanda dos Santos Alencar
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil
mfsalencar@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0003-1140-3246
Recebido em 26 de agosto de 2020
Aprovado em 23 de abril de 2021
Publicado em 05 de julho de 2022
RESUMO
Este ensaio teórico de análise bibliográfica trata sobre a formação continuada de professores para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Apresenta reflexões sobre a formação de professores e práxis pedagógica para os professores da EJA, numa perspectiva humanizadora e libertadora de educação. Neste sentido, constatou-se que: 1) a formação continuada de professores deveria ocorrer no próprio espaço da escola, balizada pelas realidades e tendo, por parte da academia e demais formadores, o reconhecimento dos saberes docentes num diálogo contínuo e formativo com aqueles que fazem a educação no chão das escolas 2) a formação continuada de professores, em destaque para o professor da EJA e a sua práxis pedagógica, deveria envolver a pesquisa/intervenção da/na realidade complexa do cotidiano escolar, com foco no compromisso político, nos valores éticos e morais favorecendo o desenvolvimento integral desse profissional da educação.
Palavras-chave: EJA; Formação continuada; Práxis pedagógica.
ABSTRACT
This theoretical essay of a bibliographic analysis deals with the continuing education of teachers for Youth and Adult Education (EJA). It presents reflections on teacher training and pedagogical praxis for EJA teachers, in a humanizing and liberating perspective of education. In this sense, it was found that: 1) the continuing training of teachers should take place in the school space, guided by realities and having, by part of the academy and other trainers, the recognition of teaching knowledge in a continuous and formative dialogue with those who do education on the school floor 2) The continuing education of teachers, especially for the EJA teacher and his/her pedagocial praxis, should involve the research/intervention of (and in) the complex reality of the school life, focusing on the political commitment, ethical and moral values, and favoring the integral development of this professional.
Keywords: EJA; Continuing education; Pedagogical práxis.
Introdução
A história da educação brasileira começa sem que houvesse uma preocupação com a formação dos profissionais para lecionar. De acordo com Saviani (2009), é após o processo de independência que, no Brasil, torna-se oficial a necessidade de preparação dos professores junto ao processo de organização da instrução pública. A questão pedagógica foi sendo considerada aos poucos até ganhar espaço central nos ensaios das reformas educativas na década de 1930. Pode-se, nos dois últimos séculos, especificar os períodos na história da formação dos professores em nosso país iniciando com os ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890); o estabelecimento e a expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932); a organização dos Institutos de Educação (1932-1939); a organização e implantação dos cursos de Pedagogia e a consolidação das Escolas Normais (1939-1971); substituição da Escola Normal pela habilitação do Magistério (1971-1996) e advento dos Institutos Superiores de Educação e das Escolas Normais Superiores (1996-2006).
Durante esses períodos da história da educação brasileira, constata-se a precariedade das políticas de formação de professores. As modificações estabelecidas de um período para outro não se constituíam suficientes para assegurar uma preparação mais efetiva dos profissionais para enfrentar os problemas reais da educação em nosso país.
Ao equacionar, historicamente, a questão da formação de professores, pode-se afirmar que os modelos formativos ora privilegiavam a transmissão de conteúdo, ora se centraram na preparação didática. No Brasil, a vinculação da escola à sociedade nem sempre foi respeitada, fato evidente nos estudos sobre a formação de professores, uma vez que a influência estrangeira é o aspecto que mais a permeou, como afirma Vieira e Gomide (2008, p. 3836),
A partir do Ratio Studiorum, passando pelo iluminismo italiano e, posteriormente, pela adoção do método de Lancaster e Bell, chegou-se à implantação do método intuitivo, perquirindo-se, na sequência, as influências do positivismo e do neoliberalismo.
Analisando os efeitos das reformas educacionais a partir da década de 1990, no contexto da reestruturação do Estado brasileiro e da influência dos pressupostos neoliberais da terceira via, Oliveira (2012, p. 17) passa a considerar que foi estabelecido, socialmente, um consenso de que a educação é fundamental não apenas em termos da competitividade das nações e das empresas como também “uma via privilegiada para o desenvolvimento e alívio à pobreza, indicando uma necessidade de ampliação dos patamares de escolaridade”.
Os novos conceitos, ideias, valores disseminados nos documentos e nas políticas nacionais a partir de então incluíram a responsabilização individual pela formação, inserindo, enquanto princípios para formação dos sujeitos do novo milênio, temas como a autoavaliação, a polivalência e a flexibilidade, tornando a noção de competência a base para a formação inicial e continuada de professores das escolas públicas brasileiras (OLIVEIRA, 2012).
O desenvolvimento de programas de formação continuada em serviço passou a ser fortemente influenciado por um caráter de formação compensatória (a formação inicial) e pela necessidade de garantir reformas educativas frente aos baixos índices de qualidade da educação nos anos 1990. Nesse intento, em 2004, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) cria a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica, a qual integrou centros de pesquisa de várias universidades (FREITAS,2009).
Deste modo, analisando a síntese de Oliveira (2012, p. 19-20) concordamos que,
[...] a formação inicial e continuada de professores, na perspectiva dos organismos internacionais, tem alguns traços constitutivos. Em primeiro lugar, é centralizada na aquisição de competências e habilidades, para o que a formação inicial deve ter ênfase na prática e deve se realizar em cursos mais curtos, já que a aprendizagem ao longo da vida, nesse caso, a formação continuada, deve ser política usual. Em segundo lugar, e como consequência do anterior, é uma formação que visa conformar os professores à nova sociabilidade, preparando-os para educar as novas gerações nos preceitos da sociedade da informação. Finalmente, a utilização das TIC, reduzidas a estratégias de EaD, reduz custos e acelera o processo de formação.
De acordo com Gatti (2008), os programas de formação inicial e continuada se tornaram sinônimos de formação em serviço, a exemplo de programas como o Programa de Capacitação de Professores (PROCAP), em Minas Gerais, e o Programa de Educação continuada, em São Paulo. Ambos os programas foram realizados pelas Secretarias de Educação desses Estados, na segunda metade da década de 1990, sob o financiamento do Banco Mundial.
De acordo com Gatti e Barreto (2009) e Vaillant (2005), dentre as principais críticas, na literatura acadêmica, feitas aos programas de formação continuada é a de que esses ocasionam/ram a falta de envolvimento dos docentes e de estímulos para modificação de sua prática por não permitirem que os professores se sentissem protagonistas de sua própria formação.
Oliveira (2012) numa análise dos programas de formação continuada reconhece que: 1. Há insatisfação com os resultados alcançados, ou seja, não houve melhora significativa no desempenho dos alunos, muitas dificuldades por ser uma formação em larga escala, programas de duração muito breve; 2. Há insatisfação por parte dos professores participantes dos programas formativos alegando o distanciamento das propostas com a prática escolar e entre as formulações das ações e a prática escolar; 3. Não há participação dos professores na formulação das políticas de formação docente, enquanto categoria profissional, além da formulação dos projetos que têm a escola e o fazer pedagógico como centro. Por outro lado, Gatti e Barreto (2009) afirmam que novos modelos estejam sendo criados/experimentados no sentido de processos formativos que ponderem a trajetória cursada pelo professor em seu exercício profissional. Modelos centrados na reflexão crítica a propósito das situações educativas que estabelecem uma junção entre a teoria e a prática.
Na atualidade, a formação docente (inicial ou continuada) é marcada pela ação do Estado, da sociedade civil ou das academias, na maioria das vezes de modo desarticulado, traduzindo, como afirma Frigotto (In: OLIVEIRA, 2012), a adoção subordinada do Ministério da Educação, Secretarias de Estado e de Municípios às políticas e reformas educativas modeladas pelos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial. Os efeitos são visíveis e desastrosos uma vez que passa a ser parte do chão da escola a ideia de que a esfera pública é ineficiente e que, portanto, somente a parceria da rede pública e rede privada, pela via da contratação de Organizações Não Governamentais ou institutos privados, poderiam dar conta de resolver/organizar o processo pedagógico.
A resistência e/ou a possibilidade de superação, ainda que pontual, desse processo de subordinação, histórico, violento e indigno significa“[...] a explicitação de prática de formação continuada de professores que não só resistem à estandartização mercantil, mas afirmam o docente e o aluno como sujeitos” (FRIGOTTO, In: OLIVEIRA,2012, p. 9).
É no processo dessa discussão que o presente texto se caracteriza em um ensaio teórico de análise bibliográfica sobre a formação continuada de professores para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Objetiva apresentar uma discussão sobre a importância do processo de formação continuada para os professores, sobretudo, os que atuam na Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, compreende a formação continuada como uma alternativa para a ressignificação da práxis pedagógica enquanto ato político-pedagógico de compromisso com a construção de uma educação com e para os sujeitos das camadas populares na perspectiva emancipadora e libertadora da educação.
É nesse aspecto que traz a reflexão sobre o tema da formação, considerando o próprio conceito e sua compreensão na perspectiva de alguns teóricos como Vaillant (2005), Gatti (2008), Gatti e Barreto (2009), Nóvoa (1995), Cunha (2006), Garcia (1999) dentre outros na modalidade de formação continuada de professores, em geral, e do professor da EJA, em particular, bem como da práxis pedagógica (SOUZA, 2006) como ferramenta importante no processo de formação desses profissionais. Salienta-se que no presente estudo não esperamos esgotar a multiplicidade desse conceito, mas trazer algumas das possíveis compreensões a partir da literatura como uma alternativa possível à contribuição formativa dos professores em prol de uma educação com mais qualidade; sobretudo, para os educandos menos favorecidos social, econômica, afetiva e tecnologicamente.
Essa perspectiva da contribuição se torna ainda mais significativa no atual contexto de pandemia, causada pelo vírus COVID-19, em todo o mundo, e, em particular, no Brasil, uma vez que tem revelado a face real dos educandos brasileiros das escolas públicas: sem computadores para as aulas remotas e a busca nas escolas por cestas básicas para garantir a merenda escolar, e, para muitos, a alimentação da família, considerando pais, mães e demais responsáveis desempregados, seja em virtude dos efeitos sociais da situação pandêmica, ou de situações anteriores de desemprego, a qual o país já vinha enfrentando.
Por outro lado, há a situação dos professores com a obrigação e responsabilidade de desenvolverem suas atividades docentes em um ambiente virtual, com ferramentas até então desconhecidas para a maioria e com as quais têm que aprender a lidar. Nessa realidade, o stress, o cansaço, a insegurança, a ausência do conhecimento necessário e as condições de um ambiente doméstico propício ao desenvolvimento das atividades fomentam outros aspectos necessários à discussão e reflexão sobre a formação inicial e continuada de professores, cuja preocupação no Brasil ocorreu tardiamente.
Compreensões sobre a Formação Continuada de Professores
Apesar de a terminologia formação continuada nos soar comum e de compreensão fácil, ela não se apresenta na literatura como um conceito claro, principalmente por abarcar todas as iniciativas de formação realizadas após a formação inicial. O sentido pedagógico do termo formação, segundo Fabre (1994, apud PINTO; BARREIRO; SILVEIRA, 2010, p. 4), surgiu na França quando, por meio dos decretos, se estabelece a formação profissional, passando a significar “qualificação por meio de um curso ou diploma, sistema de formação ou programas de formação de professores”. Assim, implica a aquisição de saberes por sujeitos que estão em aprendizagem, com a finalidade de adaptação dos mesmos aos contextos culturais e/ou profissionais em mudança. Lembramos aqui Nóvoa (1995, p. 11) quando formula a clássica pergunta, afinal Quem forma o formador?
De acordo com Garcia (1999, p. 26):
a Formação de Professores é a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.
Para explicar esse entendimento, o autor citado descreve oito princípios da formação de professores, conforme explicitamos: 1º princípio - A formação como processo contínuo. A formação inicial, neste sentido, precisa ser entendida como o primeiro momento de extenso e diferenciado processo de desenvolvimento profissional; 2º princípio – A formação integrada aos processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular; 3º princípio – A formação integrada ao desenvolvimento organizacional da escola. Ou seja, a formação que adota como problema e referência o contexto próximo, ou o espaço onde deverá atuar profissionalmente, tem maiores possibilidades de transformação da escola; 4º princípio – A formação assumir o conhecimento didático do conteúdo como elemento estruturador de seu pensamento pedagógico; 5º princípio – A formação pautada na necessidade de articulação entre a teoria-prática na própria formação; 6º princípio – A formação recebida pelo professor está relacionada (isomorfia) ao tipo de educação que lhe será convidado a desenvolver; 7º princípio – A formação pensada a partir dos interesses, características, contextos dos professores participantes; e, 8º princípio – A formação deve estimular a capacidade de reflexão crítica dos professores.
Nesse último princípio, há numa concordância com Giroux (1997), do reconhecimento por parte dos próprios docentes como produtores do conhecimento e não como seus consumidores.
Uma das definições que queremos destacar é a proposta por Cunha (2006, p. 354) para a qual a formação continuada e projeta como
[..] iniciativas de formação que acompanham a vida profissional dos sujeitos. Apresenta formato e duração diferenciada, assumindo a perspectiva de formação como processo. Tanto pode ter origem na iniciativa dos interessados como pode inserir-se em programas institucionais. Nesse último, os sistemas de ensino, universidades e escolas são as principais agências de tais tipos de formação.
Considerando esta perspectiva, Pinto, Barreiro e Silveira (2010) situam como ações de formação continuada os congressos, os seminários, os simpósios, os colóquios, os encontros, as jornadas, os ciclos de falas, as palestras, os grupos de pesquisa, os grupos de estudos, os grupos de formação, os projetos de pesquisa-ação, as oficinas, os cursos de extensão e/ou aperfeiçoamento sobre um conteúdo específico e/ou questões pedagógicas efetuados no lócus da escola, nas instituições de ensino superior e em outros espaços. Além dessas ações pontuais, são considerados os cursos de Pós-graduação Lato sensu, de Pós-graduação Stricto sensu e os processos permanentes (encontros formativos regulares) realizados no lócus da escola ou não.
A formação de professores como um continuum, na perspectiva de Mizukami (2006), constitui os processos que se dão ao longo da vida, alargando a concepção, por muito tempo difundida, de que formação seria apenas os momentos formais de formação inicial, ou as capacitações (reciclagens) que se faz quando já se está trabalhando.
Ampliando a concepção acima, Jalbut (2011) reflete a formação enquanto continuum na qual engloba a noção de reflexão e não de aplicação de saberes teóricos a uma prática posterior ao momento formativo, característica do pensamento técnico formativo. Nessa linha de pensamento, o contexto humano e social é desconsiderado. É sabido que na realidade das escolas há situações particulares de ensino que envolvem aspectos incertos, singulares e complexos, que não poderiam ser antecipados teoricamente.
A legislação mais recente, a Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015, que define as Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Professores, preconiza que,
Art. 3º A formação inicial e a formação continuada destinam-se, respectivamente, à preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica em suas etapas – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades – educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância – a partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, visando assegurar a produção e difusão de conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração e implementação do projeto político-pedagógico da instituição, na perspectiva de garantir, com qualidade, os 4 direitos e objetivos de aprendizagem e o seu desenvolvimento, a gestão democrática e a avaliação institucional.
Reafirmando por meio de Parágrafo único, no Capítulo I, das Disposições Gerais, a necessidade de que os centros de formação de estados e municípios, bem como as instituições educativas de educação básica que desenvolverem atividades de formação continuada dos profissionais do magistério, contemplem, em sua dinâmica e estrutura, a articulação entre ensino e pesquisa, com o compromisso de garantir efetivo padrão de qualidade acadêmica na formação oferecida, em consonância com o plano institucional, o projeto político-pedagógico e o projeto pedagógico de formação continuada.
No Capítulo IV, da Resolução Nº 2/2015, ao tratar, especificamente, da formação continuada dos profissionais do magistério da Educação Básica, as Diretrizes resolvem que,
Art. 16. A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente (p. 13).
Art. 17. A formação continuada, na forma do artigo 16, deve se dar pela oferta de atividades formativas e cursos de atualização, extensão, aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado que agreguem novos saberes e práticas, articulados às políticas e gestão da educação, à área de atuação do profissional e às instituições de educação básica, em suas diferentes etapas e modalidades da educação (p. 14).
As Diretrizes, nesse artigo, ainda esclarecem que a formação continuada procede de uma concepção de desenvolvimento profissional dos profissionais do magistério que considera,
I - os sistemas e as redes de ensino, o projeto pedagógico das instituições de educação básica, bem como os problemas e os desafios da escola e do contexto onde ela está inserida; II - a necessidade de acompanhar a inovação e o desenvolvimento associados ao conhecimento, à ciência e à tecnologia; III - o respeito ao protagonismo do professor e a um espaço-tempo que lhe permita refletir criticamente e aperfeiçoar sua prática; IV - o diálogo e a parceria com atores e instituições competentes, capazes de contribuir para alavancar novos patamares de qualidade ao complexo trabalho de gestão da sala de aula e da instituição educativa (BRASIL/RESOLUÇÃO Nº 02/2015).
Trazendo ao palco as reflexões de Imbernón (2006, p. 80) acerca da formação continuada, destacamos que, segundo o autor, a concepção de ‘formação centrada na escola’ surgiu no Reino Unido, por volta de 1970, com a pretensão de melhor administrar os recursos, então escassos, que estavam destinados à formação continuada. E ainda esclarece que a formação centrada na escola é “mais que uma simples mudança de lugar de formação. Não é apenas uma formação como conjunto de técnicas e procedimentos, mas tem uma carga ideológica, valores, atitudes, crenças”, ou seja, a escola torna-se lócus da ação da reflexão do fazer pedagógico dos docentes na perspectiva da transformação e reconstrução de suas práticas e modos de pensar as práticas educativas escolares.
Em virtude da natureza de nosso estudo, ressaltando a coerência entre os objetivos teóricos e práticos da mesma, destacamos Silva (2011, p. 56) quando observa esta perspectiva de formação no lócus da escola,
incentiva à pesquisa-ação [...] no mesmo instante em que os professores estão vivenciando determinadas questões em sua escola ou sala de aula, também estão buscando respostas para as mesmas, experienciando estas respostas e (re) significando-as quando preciso [...] enuncia que a formação dos professores deve ter como mote a realidade prática destes mesmos profissionais e sobre eles deve-se executar, para que os professores possam estar mais preparados para o exercício do magistério.
É nesse sentido que acolhemos a formação continuada como um processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional do professor, compreendendo-a nas ações inter-articuladas, dentro e fora da escola, tendo como objetivo principal incentivar a apropriação de saberes pelos professores, rumo à autonomia, conduzindo-os a uma prática crítica e reflexiva.
Essa compreensão de formação continuada se amplia ao consideramos o pensar de Freire (1974, p. 104) sobre ser o professor um ser aprendente e incompleto que, no processo de suas relações sociais, políticas e culturais “tomam consciência de si e, assim, consciência do mundo.” E como sujeitos históricos possam estar “a serviço de sua libertação permanente de sua humanização” (FREIRE, 1974, p. 181).
A Formação de Professores na Educação De Jovens E Adultos (EJA)
Considerando o processo de formação continuada na realidade da Educação de Jovens e Adultos, é válido salientar, embora seja fato sabido, que a EJA nem sempre foi reconhecida como uma modalidade educativa, nem tampouco houve a necessidade de garantir a atenção à especificidade do púbico jovem e adulto no que se refere à formação de um profissional específico para o exercício na EJA. Alguns eventos na área de Formação de Educadores de Jovens e Adultos, a exemplo dos Seminários Nacionais de Formação de Educadores da EJA, têm contribuído para o mapeamento da situação em que se encontra a formação dos educadores dessa modalidade de ensino no Brasil (SOARES, 2008, p. 58).
É por meio da luta dos movimentos populares que se amplia o conceito de educação para além da escola e se reconhece a importância da dimensão formadora em outros espaços do convívio social. Este princípio, na atualidade, está presente em alguns dispositivos legais, a exemplo da LDB 9394/96, nos artigos 1º e 34º, bem como nos Pareceres 1132/97 e 05/97, do Conselho Estadual de Minas Gerais e do Conselho Nacional de Educação, respectivamente (SOARES, 2008).
Quando a LDB 9394/96, no inciso VII, do seu 4º artigo estabelece a necessidade de se atentar às características específicas dos trabalhadores matriculados nos cursos noturnos, verifica-se também a necessidade de que haja uma formação específica para se atuar na Educação de Jovens e Adultos. E o parecer CEB/CNE 11/2000 ressalta essa exigência ao afirmar que “trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas” (BRASIL, 2000).
Por esse movimento na legislação é que passamos, enquanto sociedade, a assistir governos municipais e/ ou estaduais tomarem iniciativas de promoção de ações de capacitação dos professores por meio da formação continuada e pela produção de material didático para este público. O que levou autores como Moll (2004) a considerar que o descaso com a EJA estaria começando a ser revertido por meio das ações locais dos municípios e seus parceiros.
Para Arroyo (2005), esta preocupação da sociedade com os milhões de brasileiros jovens e adultos sem escolaridade surge porque outras instituições e espaços alternativos passaram a criar propostas voltadas para EJA e ações voltadas para o direito desta população e não com efeito assistencial por meio de campanhas. O olhar desses espaços alternativos destinava-se ao sujeito da EJA.
Ainda, segundo Arroyo (2005), existe três fronteiras de ação para a EJA, que sejam: 1) conhecer quem são os jovens e adultos; 2) recontar a história tensa, porém fecunda da EJA; 3) repor a relação entre a EJA e as outras modalidades da educação básica. Para Soares (2008, p. 62), “vivemos um tempo propício a essa configuração (ter a EJA como campo específico de responsabilidade pública); entretanto, ela não é espontânea, pois exige uma intencionalidade política e pedagógica”.
É fato notório que a identidade da EJA não se prende a prática tradicional, modelada e modeladora, ao contrário, ela exige um novo jeito de construir a prática rompendo com o modelo padronizador, centralizador e tecnicista. É justamente pensando na diversidade do público da EJA e das particularidades desse, de seus tempos e de seus espaços que se deve pensar, em específico, acerca do profissional e da metodologia que ela requer (SOARES, 2008).
Segundo Borges (2006), será por meio de uma práxis crítica e sistemática, fundada na reflexão-ação que o professor conseguirá pensar, produzir alternativas concretas para ajudar a superar os dilemas e as dificuldades emergentes da dinâmica das relações estabelecidas na EJA.
No entanto, Vera Barreto, citada por Soares (2008, p. 63), de modo muito consciente, afirmou que “é raro, em menos de um ano, o educador conseguir assimilar a prática de refletir sobre sua prática”. Desse comentário, poderíamos, então, reafirmar a relevância de que os programas/projetos de formação continuada não sejam breves, nem esporádicos, mas como o próprio nome sugere, sejam, de fato, contínuos e fundamentados na relação teoria-prática.
Na atualidade, “não temos ainda diretrizes e políticas públicas específicas para a formação do profissional da EJA. A própria identidade desse educador não está claramente definida [...]” (SOARES, 2008, p. 63). Complementando esta compreensão, Arroyo (2006, p. 17) vem refletir que
Uma das características da EJA foi, durante muito tempo, construir-se um pouco às margens, ou ‘à outra margem do rio’. Consequentemente, não vínhamos tendo políticas oficiais públicas de educação de jovens e adultos. Não vínhamos tendo como centros de educação, de formação do educador da EJA. Costumo dizer que a formação do educador e da educadora de jovens e adultos sempre foi um pouco pelas bordas, nas fronteiras onde estava acontecendo a EJA. Recentemente passa a ser reconhecida como uma habilitação ou como uma modalidade, como acontece em algumas faculdades de educação.
Soares (2008) considera a existência de uma demanda constante por cursos de formação continuada para professores atuantes nas redes de ensino. O que nos remete a discussão sobre a formação do educador da EJA, quando este, em sua maioria, só tem contato com as teorias e ideias relacionadas a essa modalidade depois que estão em sala de aula. Muitos se iniciam no campo da EJA por meio de projetos, programas de EJA e só depois passam por uma formação inicial ou continuada nas universidades. É justamente pela histórica ausência da EJA no currículo dos cursos de licenciatura que se cria, tão frequentemente, uma demanda pela preparação desses professores pela via da formação continuada, considerando que os professores atualmente em ação na EJA vieram de um currículo universitário em que a EJA não era contemplada.
De acordo com Neves (2016), as lacunas das formações iniciais e continuadas, quando se trata da formação específica no campo teórico da EJA, assinalam para a necessidade de pensar a especificidade dos alunos da EJA e de ultrapassar a prática de trabalhar com eles da mesma forma que se trabalha com os educandos do ensino fundamental ou médio. Esse pensar considera que os educandos jovens e adultos, por estarem em outros estágios de vida, possuem experiências, expectativas, condições sociais, culturais, históricas e psicológicas que tanto demarcam diferenças, quanto os distanciam do mundo infantil e adolescente.
A formação continuada para os professores da Educação de Jovens e Adultos é de fundamental importância, considerando as proposições acima apresentadas por Neves (2016), pois trazem uma referência a elementos que permitem dizer que os professores que se dedicam à docência na EJA devam ser capazes de desenvolver metodologias apropriadas, conferir novos significados aos currículos e às práticas de ensino.
Neste sentido, para que a formação de professores supere, de fato, a ideia de treinamento/instrução é primordial que se constitua coletivos de professores de EJA, “com espaços e tempos garantidos para que isso ocorra diante das especificidades dessa modalidade educacional” (ZANETTI, 2008, p. 81).
Nesta linha de pensamento, corroboramos com Machado (2008, apud NEVES, 2016, p. 8376), que sem formação específica para o educador da EJA “é mais difícil ainda construírem respostas e estratégias para os diferentes dilemas vivenciados na prática educativa e construírem as identidades para si”.
Assim, nesse pensar e no diálogo com as produções de Haddad (2012), Silva (2011), Imbernón (2006), Scocuglia (2003) e Freire e Shor (1987) referenciamos a relevância da formação continuada para os professores atuantes na EJA, considerando que, por meio deste processo, possam aprender a: planejar considerando as características, necessidades e disponibilidades dos sujeitos/educandos envolvidos; pensar a prática a partir da promoção de articulações com a comunidade/sociedade onde os educandos estão inseridos, de forma a garantir não apenas o acesso e a permanência, mas o sucesso escolar; analisar a prática do ponto de vista dos pressupostos ideológicos e comportamentais subjacentes, num processo constante de autoavaliação; ter consciência da dimensão política do trabalho docente, contribuindo para o processo de desideologização objetivando deixar para trás práticas mecânicas e sem compromisso social; aceitar a natureza diretiva da educação que não permite ser neutra, estando aberto à sua própria reeducação; aprender com o sujeito popular para ensiná-lo, superando a transmissão de conteúdo e aprendendo a construir práticas democráticas contra-hegemônicas a partir da problematização da realidade.
Pensar a formação continuada dos professores da EJA é, como diria Freire (2005), entender que essa é uma ação tanto política quanto pedagógica de “reeducação do educador”. Processo esse em que os “educadores realmente se reeducariam (na prática) com os educandos e nas revisões de suas certezas ‘não mais tão certas’ através de teorias (não deterministas) que respaldem sua prática social-política-cultural-educativa” (SCOCUGLIA, 2003, p. 82).
Dessa forma, nos processos de formação continuada, os professores da EJA, no contexto de uma prática-reflexiva coletiva, têm a oportunidade de se autoavaliar em suas práticas, no seu pensar sobre o papel e a função da modalidade EJA e sobre os seus educandos, buscando transformar o modo de fazer e de pensar a educação. Esse caminho e compreensão de formação continuada vai ao encontro da perspectiva humanizadora e libertadora da educação porque os professores da EJA, ao adentrarem em suas práticas e em seu pensar, no coletivo, possibilitam (re)descobrir-se em outra visão, concepção, papel e função da Educação de Jovens e Adultos em contextos de exclusão, desigualdades e direitos.
Nesse sentido, inspirados no pensamento crítico de Barreto (2006, p. 95), quando afirma que “[...] todo educador ao desenvolver seu trabalho, aprende com ele” e na perspectiva humanizadora e libertadora da educação (FREIRE, 2005), acolhemos a formação continuada enquanto processo em que os professores se reeducam, se redescobrem, se reconstroem para uma práxis pedagógica situada em relações e ações inter-relacionais e institucionais, mediatizadas pela afetividade e pelo conhecimento (SOUZA, 2006). Assim, passamos, na seção seguinte, à compreensão do que vem a ser práxis pedagógica e de que modo a assumimos conceitualmente no presente texto em relação à formação continuada dos educadores da EJA.
Compreensão de Práxis Pedagógica na Formação de Professores da EJA
Iniciamos a discussão acerca da práxis pedagógica considerando Souza (2006, p. 30) que a entende como a
realização de um currículo por meio das relações e ações que se dão entre os sujeitos em suas práticas. Sujeito educador (prática docente). Sujeito educando (prática discente). Sujeito gestor (prática gestora). Esses sujeitos, em suas ações e relações, serão sempre mediados pela construção dos conteúdos pedagógicos ou de conhecimentos (prática gnosiológica e/ou epistemológica).
Souza esclarece que os conhecimentos, na práxis pedagógica, são construídos a partir do, ou no interior de um determinado contexto cultural e institucional, assumindo como fim a formação humana dos sujeitos humanos abarcados pela práxis pedagógica. Nessa perspectiva, é importante compreender que:
1. O contexto cultural, ou a realidade natural e cultural em suas inter-relações será assumido/a como objeto de conhecimento ou conteúdo educativo a partir dos conteúdos instrumentais e operativos;
2. Os objetivos serão meios para trabalhar a finalidade única da educação e esses devem ser identificados de acordo com o tipo de educação a ser realizado ou em realização na práxis pedagógica.
Em suma, na visão de Souza (2006, p. 30), a práxis pedagógica passa então a ser entendida por “uma ação inter-relacional e institucional de educadores versus educandos versus gestores. Mediados pelo conhecimento e pela afetividade. Uma ação coletiva institucional de formação humana”.
Apesar de algumas pesquisas situarem a práxis pedagógica como um dos objetos da didática, Souza (2006, p. 31), contrariamente, situa a didática como uma das dimensões da práxis pedagógica; devendo ser analisada, em seu interior, “como saber constitutivo do polo da complexidade professor”. Em outras palavras, se faz necessário estudar a prática pedagógica no interior das teorias da ação coletiva, como uma práxis. Nesse sentido, situa a didática a um dos conhecimentos específicos do pólo da complexidade do professor no interior da práxis pedagógica.
Para Souza (2006, p. 33), práxis pedagógica é a “Prática educativa analisada reflexivamente, teorizada e realizada pelo coletivo institucional”, enfatizando ainda que:
[...] o único processo que de fato contribui para a construção humana do sujeito humano é a interação de seus diversos sujeitos na elaboração e formulação do conhecimento ou dos conteúdos pedagógicos (educativos, instrumentais e operativos) (SOUZA, 2006, p. 33).
Trabalhar a partir da noção de práxis educativa à luz do pensamento do autor referido, que se inspira nas ideias de Paulo Freire, significa a superação do espontaneísmo e o idealismo nele encravado - da prática educativa presentes no senso comum. Pois, como se observa, para muitos professores/educadores a realização da educação não exige a priori e, necessariamente, a reflexão nem tão pouco se fundamenta em uma teoria. Ilustrando esse pensamento, trazemos um trecho em que Freire (1974, p. 40) o corrobora:
a práxis, porém, é reflexão e ação dos humanos sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor oprimido. Desta forma, esta superação exige a inserção crítica dos oprimidos na sociedade opressora, com que objetivando-a, simultaneamente, atuam sobre ela.
Concordando com Souza (2006), afirmamos, a partir desse prisma, que para analisar a práxis pedagógica se faz premente identificar as outras ações e relações presentes em sua constituição. Acerca desta, é fundamental esclarecer que:
1. Ela pode ser individual e/ou coletiva;
2. Ela se produz e é produzida como resultado das diferentes práxis individuais intencionais feitas socialmente, de uma práxis coletiva intencional.
Nas palavras de Souza (2006, p. 36) “a práxis pedagógica é a conformação de uma práxis coletiva intencional dos sujeitos discentes, docentes e gestores, mediada pela afetividade, na construção dos conteúdos pedagógicos”, e se compõe enquanto uma síntese não projetada por nenhum dos sujeitos singulares, mesmo que seja feita a tentativa de planejá-la nos Projetos Pedagógicos da Escola. Para esse autor, a práxis coletiva intencional tem como resultado a produção de efeitos intencionados e não deliberados.
Alargando essa compreensão, podemos então esclarecer que para caracterizar a práxis pedagógica enquanto ação coletiva intencional é imprescindível um sujeito coletivo consciente nas suas intervenções no processo social (SÁNCHEZ-VÁSQUEZ, 1977; EVANGELISTA, 1992). No âmbito das escolas, por exemplo, o Projeto Político Pedagógico e o Currículo necessariamente devem resultar de construção coletiva e claramente configurada, mesmo que não possam garantir todos os resultados neles prognosticados.
Nesse entendimento, estando, pois, a práxis pedagógica da formação de professores plasmada no Projeto Pedagógico de Formação de Professores e no Currículo de Formação, revisitado e reformulado continuamente de acordo com as exigências da educação do sistema escolar, consideraria os atravessamentos da pós-modernidade. Esta seria uma forma de garantir o vínculo dessa práxis formativa a uma educação libertadora, comprometida com a mudança do ser rumo ao ser mais.
Em todo o tempo emergem os diferentes grupos culturais frutos dos avanços tecnológicos e das alterações do mundo do trabalho e da cultura, o que determina novas exigências e novas dinâmicas. E nesse processo, o humano vai assumindo novas configurações a partir das modificações em sua consciência e mesmo de uma desconscientização. Em virtude disso, é que, enquanto humanos, seres sociais e culturais necessitamos de um esforço contínuo para compreender, interpretar e explicar as contemporâneas contradições, conflitos, ambiguidades e possibilidades. Por isso, é essencial que os processos de formação dos professores da EJA se deem de forma contínua e ao mesmo tempo em que sejam continuamente repensados, com o objetivo de garantir sua conexão com a realidade objetiva e subjetiva.
Canário (2008), discutindo a complexidade entre a formação inicial de professores e o exercício profissional nas escolas, coloca que a formação deve produzir a identidade profissional ligada ao ofício do professor, privilegiando a formação no contexto do trabalho. Para ele, passou-se da relação de previsibilidade entre formação de professores e mundo do trabalho para uma relação de incerteza. Na relação de previsibilidade, que nunca foi total, a formação seria, supostamente, um processo cumulativo, linear, estabelecendo, como desempenho profissional, uma relação funcional e de adaptação. Essa relação é substituída por uma relação de incerteza.
As capacidades para mobilizar no momento certo as respostas certas, aprendidas na formação tecnicista, são substituídas pelas capacidades de análise que podem equacionar problemas complexos e marcados pela incerteza. O modelo “fordista” da produção de massa, da economia em escala, é substituído por organizações mais flexíveis, menos hierarquizadas, destacando a organização em rede que valoriza as modalidades de trabalho coletivo. A formação passa a se orientar para o trabalho de equipe e deixa-se de pensar nela, quase exclusivamente, como capacitação individual (CANÁRIO, 2008).
E, nessa perspectiva, ressalta-se que “O professor é um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta” (TARDIF, 2000, p. 115). Essa concepção ocasiona o direcionamento dos estudos sobre a formação docente tanto para a compreensão da influência da história de vida na constituição do professor, em sua prática-práxis pedagógica, como para o maior reconhecimento, por parte da academia, dos saberes docentes num diálogo contínuo e formativo com aqueles que fazem a educação no chão das escolas.
Considerações Finais
A formação continuada do professor e, no caso específico, do professor da EJA, deve envolver a pesquisa/intervenção da/na realidade complexa do cotidiano escolar, com foco no compromisso político, nos valores éticos e morais, levando ao desenvolvimento integral desse profissional da educação. Formando-os para a problematização, reflexão, intervenção e transformação das incertezas do processo educativo, no sentido micro (contexto da sala de aula/escola) e macro (realidade da educação brasileira).
Formação continuada no chão da escola como possibilidade de aproximação da realidade articulada à teoria e aos enfrentamentos dos problemas locais, como foi constatado, é recorrente em parte da literatura acadêmica analisada. Porém, nem todo processo formativo, realizado no chão da escola e, diga-se da escola pública, atende a este princípio. O que concluímos é que para a aproximação da realidade do chão da escola, torna-se necessário ao formador está alinhado e inserido com essa realidade. Assim, sejam formadores das universidades, ou de empresas de assessorias educacionais, a articulação com a realidade escolar torna-se imprescindível para contribuir com o processo formativo dos professores.
Nessa direção, concordamos com a seguinte observação pontuada por Silva (2011, p. 55-56) de que não é simplesmente o deslocamento do processo de formação continuada para o chão da escola “mas, a partir dela, de seus problemas concretos e de experiências exitosas, poder-se-ia centrar o foco na formação dos professores, criar espaços colaborativos, de trocas de experiências, de reflexão sobre a prática e busca de alternativas conjuntas, quando necessárias”.
Em relação à formação continuada de professores da EJA, parece ser consensual que ela deverá ser fundada no processo de ação-reflexão-ação, pela qual o professor conseguirá pensar e produzir alternativas concretas para ajudar a superar os dilemas e as dificuldades emergentes da dinâmica das relações estabelecidas na EJA, entre elas, a questão da evasão escolar, da dificuldade de aprendizagem dos educandos e de questões relativas a metodologias de ensino e aprendizagem para a presente modalidade.
E quanto à práxis pedagógica, percebemos a defesa em favor daquela que possa superar a fragmentação das ações pedagógicas. Nessa direção, entendemos que a práxis pedagógica merece uma atenção singular por parte dos sujeitos que a desenvolvem no cotidiano dos espaços educativos, principalmente no escolar; pois, a práxis pedagógica não se configura em simples técnicas de ensino e aprendizagem e de relação do professor-aluno. Ela oportuniza, além da formação humana dos sujeitos humanos, a participação de todos (professores, alunos, gestor, comunidade externa etc.) mexendo com suas estruturas cognitivas e comportamentais (SOUZA, 2006).
Portanto, a práxis pedagógica pode ser compreendida por professores, diretores, funcionários, alunos e a comunidade, envolvidos de modo crítico, como um compromisso de todos no processo educativo dos sujeitos e organizativo da estrutura escolar. Assim, não se configura em uma ação apenas circunscrita à figura do professor, pois todos os atores-sujeitos que atuam na escola são responsáveis pelo processo educativo. Sendo assim, a escola deveria ser pensada por esses sujeitos, entendendo que a responsabilidade é coletiva.
Nesse olhar, a formação de professores da EJA se fortalece na ação também coletiva, situada e no contexto das experiências que se forjam dentro e fora da escola, num diálogo contínuo e permanente com a práxis pedagógica desenvolvida pelos que estão e fazem a escola. Esse processo forma, transforma e contribui para o movimento do ser docente em formação que, partindo da reflexão teórica e prática, liberta e humaniza.
Por fim, ratificamos a urgente necessidade de políticas públicas efetivas no tocante à formação continuada de professores, de forma específica os da Educação de Jovens e Adultos, tendo como lócus o chão da escola e como princípio pedagógico educacional um projeto de educação focado na valorização do magistério e na qualidade da educação escolar pública brasileira. Enquanto isso for uma utopia distante, mas possível, certamente ainda estaremos propagando essa mesma prática discursiva, até que haja uma mudança social ou se torne uma dada prática social (FAIRCLOUGH, 2016), sob essa perspectiva.
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