“Vai que a universidade se Trans*Forma”: experiências e epistemologias trans*

"What if the university transforms itself": trans* experiences and epistemologies

 

Késia dos Anjos Rocha

Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil.

kesiaanjos@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-1707-6007

 

Ariel Matos Brito

Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil.

arielmatos236@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-4633-1759

 

Alfrancio Ferreira Dias

Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil.

diasalfrancio@gmail.com - http://orcid.org/0000-0002-5562-0085

 

Recebido em 20 de agosto de 2020

Aprovado em 15 de dezembro de 2020

Publicado em 19 de maio de 2022

 

RESUMO

O artigo apresenta alguns dos resultados e reflexões produzidos a partir da pesquisa Escrevivências Trans* como potência, desenvolvida na Universidade Federal de Sergipe (UFS) entre agosto de 2019 e julho de 2020. A partir de relatos e entrevistas com estudantes trans* do ensino superior da UFS, procuramos discutir uma epistemologia sobre ser trans* na universidade e sobre como essas existências contribuem para ressignificar a dinâmica espacial e relacional daquele espaço. Os saberes que advém da presença de pessoas trans* na universidade se apresentam como potentes estratégias de subversão da epistemologia binária que a compõe. A pesquisa adota uma metodologia qualitativa, que busca observar essas experiências sem a intenção de julgá-las, mas tomando forma de aprendizado com as diferenças. Embasamos nossas análises nos preceitos dos estudos de gênero, das teorias transfemistas e queer e procuramos apontar algumas das potencialidades das produções epistemológicas que emergem da presença desses sujeitEs, muitas vezes entendidEs como subalternEs, nas universidades e na sociedade. A ocupação das universidades pelas pessoas trans* nos oferece a oportunidade de avistarmos um cenário mais potente e, portanto, mais democrático.

Palavras-chave: Escrevivências trans*; Epistemologias trans*; Trans* na universidade.

 

ABSTRACT

This paper presents some of the results and reflections produced from the research Trans Escrevivências* as a power, developed at the Federal University of Sergipe (UFS) between August 2019 and July 2020. From reports and interviews with trans* students from UFS higher education,  we seek to discuss an epistemology about being trans * at the university and how these existences contribute to re-signify the spatial and relational dynamics of that space. The knowledge that comes from the presence of trans * people at the university presents itself as powerful subversion strategies of the binary epistemology that composes it The research adopts a qualitative methodology, which seeks to observe these experiences without the intention of judging them, but taking the way of learning from the differences. We base our analyses on the precepts of gender studies, of transfemist and queer theories and we try to point out some of the potentialities of epistemological productions that emerge from the presence of these subjects, many times understood as subordinates in universities and in society. The occupation of universities by trans people offers us the opportunity to see a more powerful and, therefore, more democratic scenario.

Keywords: Trans escrevivências*. Trans* Epistemologies. Trans* in the university.

Introdução

As mudanças no processo social e histórico que a sociedade vem enfrentando ao discutir cada vez mais as questões de gênero, raça e diferenças, bem como as transformações dos movimentos sociais, principalmente decorrentes da difusão dos veículos digitais que oferecem maior visibilidade e acesso a produção de um conhecimento construído por pessoas trans*[1] e outrEs[2] dissidentes, têm ampliado cada vez mais os espaços e o acesso a outras formas de existências. O maior reconhecimento dUs sujeitEs trans* enquanto agentes atuantes na produção de conhecimentos e a maior ocupação de determinadas estruturas que, historicamente pertenciam a uma elite branca/cis/heterossexual, têm feito emergir atos significativos de resistências.

O artigo apresenta os resultados da pesquisa Escrevivências trans*[3] como potência, cujo objetivo foi discutir uma analítica de gênero, a partir dos relatos das experiências de estudantes trans* que chegaram ao ensino superior da Universidade Federal de Sergipe (UFS)[4] e, ao ocuparem um espaço de saber que antes fora negado à população trans*, redesenham alguns dos traçados dessa estrutura e suas normativas. Um dos focos foi refletir sobre o desenvolvimento de uma epistemologia trans*, a partir de suas existências, vivências, saberes, escrita e artes, o que nos permitiu perceber como a escrita é potente e legítima, uma vez que estamos falando de outras possibilidades epistemológicas e de teorizações que visam questionar as hegemonias que predominam no campo científico (NICOLAZZO, 2015; NICOLAZZO, 2017a; 2017b; JAEKEL, K. S.; NICOLAZZO, 2017; WELLS, 2017).

A pesquisa deixa evidente que não estamos mais falando de um conhecimento que é produzido somente sobre, mas de um conhecimento que tem sido produzido por pessoas trans* e a partir de múltiplos lugares e deslocamentos, inclusive geopolíticos (FAVERO, 2020). Esses deslocamentos dUs sujeitEs que deixam de habitar o lugar de objeto de estudo e passam a teorizar suas histórias, têm gerado fissuras no âmbito de uma estrutura cis/heteronormativa que controla os diversos espaços de poder (as universidades, as escolas, as artes, a política, etc.). A pesquisa foi construída por uma pessoa trans*, que também tem tentado teorizar sobre suas vivências enquanto acadêmica, sobre os efeitos da educação em sua vida e o quanto se faz necessário produzir mais sobre outras formas de existências e corporeidades.

Com esse foco, foi possível encontrar pessoas trans* que escrevem, desenham, pintam, pesquisam e, entre outras militâncias, desafiam e rompem com alguns dos preceitos do cistema heteronormativo[5]; são sujeitEs que abordam seus sentimentos e suas vivências no cotidiano universitário e, a partir daí, fazem a crítica. Nosso objetivo foi compreender uma analítica de gênero a partir de um olhar para escrevivências trans*, bem como refletir sobre a tessitura de uma epistemologia do ser trans* na universidade e como esse movimento pode apontar caminhos para possíveis transformações e ressignificações das relações naquele espaço.

Partimos inicialmente de uma pesquisa bibliográfica para identificar as produções que estão inteiramente ligadas a escrevivências trans*, histórias de vida trans*, a reinversão dAs corpAs, transversalidades de gênero e sexualidades. A internet e conversas presenciais foram necessárias para a comunicação com esses estudantes ou ex-estudantes da UFS. Realizamos entrevistas/conversações que foram compreendidas a partir do que sugere Pinheiro (2000, p.186), como práticas discursivas, ou seja, "[...] como ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade"; desta forma, elaboramos perguntas que nos permitiram orientar os diálogos, mas sempre priorizando um movimento de escuta sensível e aberta. Cabe mencionar que a pesquisa seguiu as normativas do Comitê de Ética e Pesquisa e, por isso, mantivemos as identidades dUs entrevistadEs em sigilo. Realizamos doze entrevistas, com doze sujeitEs, nas quais foram substituídos os nomes dUs entrevistadEs por nomes de seres da natureza, tais como lua, céu, flor, etc., justamente para que evitássemos reiterar a binaridade presente nas origens e etimologias dos nomes.

O levantamento das pessoas trans* no ensino superior trouxe relatos de vivências e respostas para algumas problemáticas que acontecem no dia a dia, que provocam questionamentos sobre como são empregadas diversas categorias de gênero e das sexualidades; dessa forma, as teorias podem ser contestadas ou ganhar outros significados. É como se estivéssemos dizendo, em coro e bem alto, que aquilo que um dia a ciência reprimiu poderá ser explorado e contado, que “[...] a vida de pessoas trans também é potência de vida [...]” e que “[...] transgeneridade é também afirmação de vida” (BAGAGLI, 2017, p.31).

Não recomendadEs à universidade: performances e (r)existências trans* no ensino superior

Nas palavras escritas e musicadas pelU artistE Caio Prado[6] é possível encontrarmos uma leitura de como estão os debates sobre gênero no contexto brasileiro, como poeticamente canta U artistE, “A placa de censura no meu rosto diz/Não recomendado à sociedade/A tarja de conforto no meu corpo diz/Não recomendado à sociedade”. Para nós, pesquisadores preocupadEs com as questões de gênero e sexualidades, que acreditamos na importância de pautarmos essas temáticas no contexto da educação, restou esse lugar do não recomendado à sociedade, nos sentimos atravessadEs por duas fortes sensações: o compromisso ético e político de falar sobre gênero e o receio de falar sobre o tema em meio a uma política permeada pelo medo de censura (MISKOLCI, 2018).

Nos últimos anos, o debate em torno do tema gênero, tem sido renomeado por grupos conservadores de ideologia de gênero, e isso tem acionado diversos empreendedores morais que vêm atuando em cenários diversos contra as pautas que envolvem o respeito às diferenças. Para resumirmos apenas alguns desses empreendimentos, cabe mencionar as disputas que se fizeram presentes nos anos de 2014 e 2015, quando da aprovação dos Planos Nacional e Estaduais de Educação; naquele momento, grupos conservadores como movimento Escola sem Partido se aliaram a outros grupos compostos por católicos, protestantes e laicos e, ancorados na difusão da ideia de que atuavam pela proteção da família, empreenderam uma cruzada moral que teve como desfecho a retirada do termo gênero dos planos de educação (MISKOLCI, 2018). Retirar o termo gênero dos planos de educação não foi apenas uma ação simbólica, foi uma ação política, que insere sobre alguns sujeitEs uma placa de censura, como bem poetiza Caio Prado; esses sujeitEs não recomendadEs têm suas corpAs e desejos controlados pelo Estado e, têm seu direito a igualdade e autonomia de existência negados.

Sabemos que o padrão branco e cis/heteronormativo vem moldando as relações e as sociedades e, com isso, vem impondo bastante sofrimento às pessoas lidas como fora da cis/heteronorma. Para as pessoas trans*, que não se encaixam nas normas de gênero e no modelo biomédico[7], todos esses padrões acabam por deslocar as corpAs e existências trans* para o lugar do monstruoso, ou, como sugere Butler (2018) para o lugar do inelegível, das vidas que não são passíveis de luto, fazem com que algumas vidas sejam consideradas matáveis (GREEN, 2017; CATALANO, 2017; PEARCE; STEINBERGMOON, 2018; PLATERO; DRAGER, 2015; PLATERO; LANGARITA, 2016; TOMPKINS, 2014). Isso pode ser visto quando pensamos no quão recorrentes são as notícias de travestis assassinadas ou então os altos índices de suicídio na comunidade trans*.

Segundo dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA):

 

O Brasil é o país que mais assassina essas pessoas no mundo. O número de assassinatos no Brasil é três vezes maior que o segundo colocado no mundo, México, com média de 50 mortes. Não há o que comemorar repetimos a cada ano, e as nossas vozes não ecoam aonde deveria chegar. Estamos à mercê de nós mesmas. Quem chora por nós? Quem vai contribuir com a vaquinha pra enterrar mais uma? Pra que não seja enterrada como indigente, sim porque abjeta já somos, a sociedade já nos cunhou esse adjetivo (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2020).

 

É justamente desse deslocamento do lugar do abjeto, de um corpo matável, para um lugar mais legível (BUTLER, 2018), que estamos falando neste texto. Estamos tentando dizer que a presença de pessoas trans* nas universidades pode ser lida como ação de enfrentamento e resistência às inúmeras tentativas de seus apagamentos. Caminhar pela universidade e avistar outras estéticas, outras corpAs, outras sonoridades e cores, materialidades corpóreas que desafiam a norma, a binaridade, é o que cada interlocurE faz em seu dia a dia, ações micropolíticas que tensionam e movimentam as estruturas sociais.

Nossa primeira interlocutorE é Sol. Sol se identifica e se apresenta como gênero fluido e assexual, preferindo ser tratadE pela linguagem neutra; porém, E mesmE afirma que sente vergonha de exigi-lo nas situações cotidianas. Esse sentimento é muito comum para diversas pessoas trans* que precisam constantemente reivindicar o respeito a sua identidade de gênero ou pronome de tratamento, é um desafio constante entre ser deslegitimadE e pedir para que lhe respeitem, fato que ganha proporções maiores quando se trata de uma pessoa trans* não binárie. A fuga da existência e definição binárie dos sujeitEs, em geral, afronta e confunde as instituições, pois mexe com concepções bastante rígidas do que devemos ou não ser e performar, desta forma, a população não binárie fica alijada do direito ao reconhecimento de suas identidades de gênero; como problematiza Mombaça (2020, p.3) “[...] quando reclamamos de pronomes mal utilizados, nossas críticas parecem se revestir de um ‘ou tudo ou nada’, de ‘muita agressividade’, de ‘emotividade’, de ‘estarmos elegendo os inimigos errados”, e nesse jogo de poder entre o que é legítimo ou não, pessoas seguem apartadas de direitos básicos.

Ao dialogarmos com Lua, ela nos apresenta uma perspectiva que expande a compreensão sobre gênero e performatividade. Ela responde à pergunta sobre sua identidade de gênero e outras formas de habitar umA corpA da seguinte forma: 

 

Minha orientação eu também não sei muito bem, não penso muito sobre; o que posso dizer é que existem seres humanos e eles representam essa única possibilidade de relação. Acho que a questão da identidade e da expressão da mesma é o que tem me feito pensar mais intimamente agora. Vejo que minha expressão de gênero é diferente das travestis que são minhas amigas e isso me preocupa, às vezes acho que pra muitas a questão do não binarismo ainda é vista como uma espécie de transição entre o cis e o trans, enquanto pra mim é onde eu existo de fato (Lua).

 

O que chamamos de cisgênero “[...] é um termo ‘guarda-chuva’ que abrange as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado a partir de seu de nascimento” (JESUS, 2012, p. 26). Sobre a questão da identidade de gênero, é possível pensar que a desconstrução cada vez mais forte das imposições cis para as pessoas trans* fazem com que essas pessoas precisem se re/construir, olhar para si e se perguntar como se sentem bem, sem qualquer imposição, afinal, quem são quando estão em contato com o seu interior, quais dimensões de seus desejos foram ou não reprimidas, como querem se ver, sentir, amar, existir; todos esses movimentos de trans*formações vão se configurando nos gestos, nas falas, nas múltiplas expressões dessas identidades fluídas e vão adquirindo formas de re/existência.

A sociedade foi construída a partir da binariedade, ou seja, só nos foi permitido habitar o mundo se nos encaixássemos no espectro de menino/menina e homem/mulher; quando alguém rompe com essa lógica é veemente repreendidE (BENTO, 2017). Muitas pessoas cis e trans* binárias veem a não binariedade como um estado de androgenia, um estado que expressaria que aqueles sujeitEs ainda não teriam adquirido a passabilidade necessária para o reconhecimento na sociedade binária. No entanto, é importante problematizarmos que, a não binariedade não está relacionada exclusivamente com o corpo, mas com a forma que cada pessoa irá se encontrar ou se desencontrar com o gênero, ela expressa justamente esse desencontro com os padrões binários que vêm sendo apresentados como única opção legítima de existência no Brasil. Ocupar esse não lugar, habitar esse Entre, tem sido a experiência cotidiana de Lua; todos os dias ela faz o exercício de demonstrar que ser não binárie não expressa um estado de confusão, mas um estado de existência.

A terceira pessoa que gostaríamos de apresentar é Pétala, mulher trans*/travesti, heterossexual, branca, que está prestes a concluir seu curso. Recentemente ela deu entrada no processo de retificação dos documentos e compartilha sua experiência destacando o quanto o processo ainda é burocrático. Assim que ela teve conhecimento do direito ao uso do nome social na universidade, foi impedida de fazê-lo porque os responsáveis disseram que a mesma precisaria estar com todos os documentos retificados, entretanto, a Portaria que regula a alteração do nome na universidade, utiliza como critério apenas o auto reconhecimento como transexual ou travesti. Em outro momento, Pétala foi informada por uma amiga trans*, também estudante, que não precisaria estar retificada, porque a sua autodeclaração bastava, e foi a partir daí que o processo dela foi concluído e seu nome retificado.

A entrevistadE Mar, mulher trans*, hétero, branca, retificada, vem utilizando o seu Instagram como ferramenta de militância e ação política, compartilhando produções artisticas e fotos que expressem as performatividades de suA corpA trans*; naquele espaço aberto, ela traz também comentários sobre situações atuais da sua vivência enquanto trans* e tenta esboçar algumas possibilidades de enfrentamentos diante de inúmeras situações de vulnerabilidades as quais pessoas trans* são expostas. O espaço virtual, muitas vezes, aparece como mais seguro para que pessoas tidas como dissidentes, expressem suas leituras de mundo sem se sentirem tão ameaçadas.

A quinta pessoa a ser apresentada é Flor, ela se identifica enquanto travesti preta, violonista, retificada, ela nos conta um pouco dos dilemas de ser uma travesti negra sem passabilidade e que passou por uma graduação num campus universitário conservador. A passabilidade é o termo utilizado para expressar que alguém pode transitar pelo mundo e não ser reconhecidE como uma pessoa trans*, é ser trans* com aparência de cis, o que reduz bastante as chances dessa pessoa sofrer ainda mais com a trans*fobia. Compreendemos o desejo de muitEs em ter uma passabilidade, mas nos mantemos critiquEs ao termo e seu uso, uma vez que, acreditamos que as pessoas trans* (e todas as pessoas) precisam ter o direito de andar nas ruas em segurança, independente da aparência que têm.

Vento será a próxima pessoa a ser apresentada, ela se apresenta como branca, agênero, pansexual e assexual, em geral, utiliza todas as formas de pronomes, ele/ela/elU. Afirma que não pretende retificar o seu nome nos documentos e que só o faria se fosse possível excluir a definição homem desses documentos. Sobre essa questão, é importante mencionar que essa é uma das pautas da luta da população não binárie, como vemos a seguir:

 

O portal do Senado Federal publicou uma ideia legislativa que prevê a inclusão do gênero neutro nos documentos oficiais de identificação. Atingindo 20 mil apoios, a ideia se tornará uma sugestão legislativa e será debatida pelos senadores. Austrália, Alemanha, Nepal e Paquistão são alguns dos países que hoje já consideram o também conhecido como terceiro gênero nos registros. No Brasil, apenas recentemente a discussão do tema foi levantada após a publicação da ideia legislativa (BRASIL, 2020).

 

A proposta, caso aprovada, seria bastante significativa para um redesenhar das concepções e relações de gênero na sociedade. Poderíamos, talvez, projetar uma sociedade embasada num contrato contrassexual, como sugere Preciado (2014). Essa ideia de uma contrassexualidade, nos desafia a pensar que o binário homem/mulher poderia dar lugar a um genérico de sujeiEs falantes, sujeitEs andantes, corpAs que falam e desejam e que não estão fixas numa identidade. Na proposta de Preciado (2014) a sexualidade é pensada como uma tecnologia, uma engenhoca cujas peças, ou os elementos que compõem o que chamamos sistema sexo/gênero (homem, mulher, homossexual, heterossexual, transexual) seriam elementos fabricáveis (PRECIADO, 2014) e isso já nos daria mais possibilidades de existências.

A próxima pessoa que foi contatada é Rio, elU se identifica como uma pessoa transgênera não-binária, de gênero fluído e androsexual, utiliza qualquer pronome de tratamento, se entende como branco e atualmente é alunE de uma licenciatura. Assim como Fogo, outrE de nossUs entrevistadEs, não tem interesse em retificar os seus documentos; essas duas realidades nos mostram que, independentemente de ser binário ou não, de utilizar nome social ou não, de ser hetero ou não, de se expressar de uma forma dita masculina, dita feminina ou fluida, a retificação não precisa ser uma obrigação, a aposta é que possamos avançar para um momento no qual só nos baste perguntar como a pessoa gostaria de ser tratadE e isso já garanta que elU seja respeitadE.

“Toda ida ao banheiro é uma saga e uma reza”: alguns dos desafios...

A principal diferença entre pessoas trans* que conseguiram adentrar a uma universidade e as que não conseguiram, muitas vezes, é a oportunidade, e oportunidade tem íntima relação com ter ou não acesso à justiça social. Habitar o lugar do abjeto traz uma série de vulnerabilidades que, interseccionadas, atuam nos processos de exclusões das pessoas trans* ao acesso à educação, ao trabalho, ao afeto, à família, etc. Isso pode ser identificado quando pensamos que muitas dessas pessoas são expulsas de suas casas tão logo iniciam uma performance de gênero que destoe da norma. Soma-se a isso o fato de muitas não concluírem os níveis de ensino fundamental e médio em decorrência da exposição às violências e ausência de reconhecimento.

As pessoas que conseguem fazer um curso em uma universidade desafiam, portanto, a lógica de poder que impera nesses espaços, o fato de termos pessoas trans* graduadas e em posições de poder, gera impactos que contribuem para um maior acesso à justiça e nos mostra, inclusive, que para essas poucas pessoas, até mesmo a expectativa de vida muda depois desse ingresso. É importante mencionar que nesse balaio de exclusões que nascem a partir de eixos de poder variados como gênero, sexualidades, geração, raça/cor, classe social, é possível também situarmos as pessoas trans*. Dos doze entrevistadEs que tivemos contato e se disponibilizaram a dialogar conosco, quatro eram negras e pardas enquanto oito eram brancas, ou seja, quando eixos diferentes se entrecruzam, as exclusões são ainda maiores.

Carla Akotirene (2018) nos apresenta o conceito de interseccionalidade e nos convida a pensá-lo como uma espécie de oferenda analítica, de acordo com a autora, o mesmo seria uma oferta das feministas negras para nos auxiliarem a pensar teórica e metodologicamente a interconexão entre diferentes sistemas de opressão como o racismo, as questões de classe, territorialidades, o cis/heteropatricarcado, dentre outros. O conceito de interseccionalidade nos ampara no questionamento de uma visão monolítica das diversas opressões que atravessam e compõem Us sujeitEs e, embora o conceito tenha sido cunhado a partir dos trabalhos da jurista norte-americana Kimberlé Crenshaw, é importante mencionarmos que antes mesmo de adentrar aos cenários acadêmicos a ideia central do conceito de interseccionalidade já estava presente nas ações de mulheres negras pertencentes aos movimentos feminista e negro, dentro e fora do Brasil (CARNEIRO, 2017; KYRILLOS, 2020).

As opressões se interconectam e a partir dessa interconexão se tornam mais potentes e mais difíceis de serem enfrentadas, daí a importância de termos um olhar menos segmentado das experiências dUs sujeitEs. O fato de termos apenas quatro entrevistadEs negras aponta mais um aspecto da vulnerabilidade que afeta pessoas trans*. SujeitEs trans* negras, quando pensadas a partir desse olhar multifocal que a interseccionalidade nos oferta, têm menos possibilidades de acesso à educação, ao trabalho, a recursos materiais, à saúde, uma vez que estarão mais suscetíveis à violência e à exclusão. Para além de todos esses fatores, cabe salientar que, segundo levantamento da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) a expectativa de vida de pessoas trans* é de trinta e cinco anos, ou melhor, a expectativa de morte, o que nos leva a pensar que, o ingresso ao ensino superior representa muito mais que apenas acesso, ele pode gerar impacto na expectativa e qualidade de vida, essEs sujeitEs contrariam as normas e, aos poucos, desestabilizam um cistema que ainda é muito excludente.

As conversações que tivemos com Us estudantes versaram sobre alguns temas importantes para pensarmos na presença delUs nas universidades e na produção de conhecimentos e possíveis trans*formações que nascem desse processo. Procuramos, a partir da experiência delUs, problematizar como as questões de gênero ou sexualidades são abordadas na universidade; como o debate acerca do nome social tem sido feito, se os processos de retificações dos nomes ocorrem de maneira tranquila ou não; dialogamos sobre as violências sofridas nos espaços da universidade e sobre os possíveis caminhos para tornar o acesso e a permanência mais possíveis.

Pensar a abordagem de gênero em cursos de graduação é algo fundamental quando almejamos uma universidade mais plural, e falar de gênero a partir dos estudos transfeministas e queer é pensar para além de identidades fixas e essencializadas, essa interface teórica exige que a categoria gênero seja pensada para além dos referenciais hegemônicos brancos, binários, cis, hétero. Das doze pessoas entrevistadEs, apenas três afirmaram que tiveram acesso a essa discussão em seus cursos, as demais, ou disseram não ter tido ou então terem tido muito pouco. Seguem abaixo alguns fragmentos:

 

Sim, há abordagens de formas variadas sobre questões de diversidade de gênero e orientações sexuais/românticas. Docentes e discentes dispostos a aprender e respeitar, principalmente quando alguém com lugar de fala se pronuncia. Inclusive nas reformulações de componentes curriculares, questões como essas, estão sendo pensadas para serem inclusas (Rio). 

 

Sim. No primeiro período escrevi um artigo sobre a Teoria Queer. Hoje menos que antes, mas todo meu processo de aprendizagem carrega consigo uma bagagem de responsabilidade com meu povo (trans). Mesmo pesquisar Palestina, que é minha linha de pesquisa, reforça a absorção de mecanismos de sobrevivência e resistência para disseminar com meu povo (Mar).

 

Sim, em vários momentos temas como esses surgem, mesmo que às vezes de uma forma mais superficial (Vento).

 

Faz sim abordagens da questão sexual e de gênero, porém não é destrinchado, fica mais naquela zona de conforto né, porém dá pra ver q isso está mudando. Foi incluída uma disciplina agora de estudos contemporâneos e fala sobre sexualidade. O meu professor me recomendou uma pesquisa sobre a comunidade lgbt no Oriente Médio, até tem um texto de Linn da Quebrada pra ler nessa disciplina (Pétala). 

 

Eu diria que minimamente. a grade curricular comporta algumas disciplinas sobre gênero e sexualidade, embora todas elas de caráter optativo, mas nenhuma que aborde racialidades, por exemplo. Existe até um programa de pesquisa voltado pra sexualidades (veja bem, sexualidades) e alguns professores que destinam seus grupos de pesquisa aos efeitos do racismo, mas nenhuma disciplina que se proponha em trabalhar a fundo sobre os efeitos das lógicas raciais na saúde mental de sujeitos e sujeitas racializadEs (Cacto). 

 

O diálogo sobre a abordagem das questões gênero nos cursos de graduação nos conduz a várias direções, é óbvio que, a oficialização desse tema no currículo e a abordagem dele pelUs docentes, bem como, a inserção de disciplinas específicas que o abordem, são pautas políticas importantes e que defendemos (DIAS; MENEZES, 2017; DIAS, 2014; PACHECO; SOUSA, 2016; SARAT; CAMPOS, 2014; SOUSA, 2016). No entanto, observamos também a importância e potencialidade do conhecimento que é construído conjuntamente pela via do diálogo, a fala dUs interlocutores trazem um repertório crítico que vem exatamente do lugar que esses sujeitEs ocupam na sociedade, a potência e o poder que carregam em suas corpAs, quando falam/escrevem/desenham/performam, aparecem como um pensamento/conhecimento que se produz na relação, na ocupação dos corredores, nas conversas em sala de aula, na abordagem e nos conflitos que são necessários, muitas vezes, para se garantir o simples direito de usar um banheiro; todas essas experiências corriqueiras e tidas como simples e automáticas para uns, nesse caso, significam um giro numa forma de pensar e ler o mundo. Sobre a questão da importância do lugar de fala, Mombaça (2020) nos ajuda a pensar afirmando que:

 

Se o conceito de lugar de fala se converte numa ferramenta de interrupção de vozes hegemônica, é porque ele está sendo operado em favor da possibilidade de emergência de vozes historicamente interrompidas. Assim, quando os ativismos do lugar de fala desautorizam, eles estão, em última instância, desautorizando a matriz de autoridade que construiu o mundo como evento epistemicida; e estão também desautorizando a dicção segundo a qual partimos todas de uma posição comum de acesso à fala e à escuta (MOMBAÇA, 2020, p.1).

 

Como afirma Mar, “tenho responsabilidade com o meu povo trans*”. Essa afirmação e compromisso demonstram a importância social e política que cada pessoa trans* passa a ter quando adentra nesse espaço. Mesmo que tal responsabilidade seja pesada e injusta, muitas delas sabem que a sua chegada à universidade lhes dá um nível de poder e conhecimento que muitEs outrEs não terão acesso, pelo menos num curto prazo. Para Mar, que estuda os mecanismos que fazem as pessoas palestinas resistirem às condições sub-humanas em que vivem, o povo palestino busca resistir para sobreviver, assim como a população trans* no Brasil, que é o país que mais mata pessoas trans* no mundo, segundo a ANTRA.

Quando a maioria dUs entrevistadEs relatam que o tema é tratado de forma sutil e de uma perspectiva dominante, elUs sinalizam o quanto é necessário pensarmos coletivamente sobre outras formas de habitarmos o mundo.  Muitas das situações constrangedoras pelas quais passam, decorrem do desconhecimento que as outras pessoas têm dAs seuAs corpoAs, é como Linn da Quebrada fala sempre em suas colocações, "não somos filhas ou filhos desse Cistema, somos o erro, a falha”, falhas que sobrevivem, vivem e lutam dentro da universidade; como relata Cacto, “ainda tem muito caminho pela frente” para superar essa lógica. 

As experiências dUs estudantes nos processos de retificação dos seus nomes também trazem pontos importantes, Rosa relata que ao solicitar a retificação, o juiz lhe disse que lhe daria o direito de mudar o nome, mas não lhe concederia o direito de mudar o gênero nos documentos afinal, para o juiz, ela não era mulher. Água relata que, como era o primeiro caso de homem trans* a utilizar a portaria do nome social na UFS, teve que se disponibilizar a um processo educativo de aguardar que a equipe responsável se inteirasse do processo e o realizasse. Cacto, ao contrário, nos diz que nunca entrou com o processo de retificação e utilização do nome social, pois tem muitas dificuldades em lidar com burocracias institucionais e os desconfortos que advém desses processos; e isso tudo nos apresenta um desafio maior, que é tornarmos esses processos de reconhecimento experiências menos burocratizadas e mais humanizadas.

É importante mencionar que o Decreto Nº8727, de 28 de abril de 2016, decretado pelo governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, dispõe sobre o uso do nome social para pessoas que se autodeclaram transexuais ou travestis e regulamenta que:

 

Art. 2º Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto. 

Parágrafo único. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais. 

Art. 4º Constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil. 

Art. 5º O órgão ou a entidade da administração pública federal direta, autárquica e fundacional poderá empregar o nome civil da pessoa travesti ou transexual, acompanhado do nome social, apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros. 

Art. 6º A pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional (BRASÍLIA, 2016). 

 

O uso do nome social pode ser empregado em muitos documentos ou basta apenas requerer uma cópia da identidade com o nome social, mas o nome de batismo registrado não sofre alterações; para muitas pessoas, essa é uma informação e um direito sobre a qual não têm conhecimento. Até o ano de 2018, a pessoa que desejasse alterar o seu nome/sexo de batismo nos documentos precisava enfrentar um processo judicial que comprovasse que ela era uma pessoa trans* e que não tinha débitos com a justiça, o processo poderia durar alguns meses ou mais de anos, a depender do juiz.

Duas de nossas entrevistadEs, Rosa e Água, tiveram dificuldades com o nome social, e precisaram fazê-lo por vias judiciais, ambas não tiveram o reconhecimento do seu sexo (já que no registro não utilizam a palavra gênero), e a alteração do sexo altera também qual será o pronome de tratamento que essa pessoa terá quando apresentar seus documentos nos órgãos. Água nos conta que foi a segunda pessoa trans* a dar entrada no processo de retificação na universidade e o primeiro homem a utilizar o nome social, ele conta que precisou levar Linda Brasil, primeira mulher trans* a fazê-lo, para apoiá-lo no processo. Linda Brasil teve papel importante na implementação da portaria do uso do nome social na UFS, a mesma, após viver episódios de transfobias por parte de um professor, atuou ativamente na luta para que a universidade regulamentasse a questão; a referida portaria de nº 23113.011677/2013-24 foi publicada no ano de 2013.

A presente portaria garante o direito de alteração do nome no contexto da universidade sem a necessidade de terem, previamente, feito a retificação; no entanto, para algumEs de nossas entrevistadEs, essa informação não era conhecida. Pétala e Flor relataram que quando solicitaram a utilização do nome social junto ao departamento responsável, foram informadas que precisariam estar retificadas primeiro, mas o decreto e a portaria deixam claro que o processo só requer a auto identificação da pessoa como travesti ou transexual. Pétala ressalta que precisou ser acompanhada de outra pessoa trans* para se sentir segura o suficiente para dar entrada no pedido; são essas experiências que justificam, em alguma medida, a insegurança que Cacto sente quando pensa em solicitar a mudança de nome na instituição.  

Uma das maiores conquistas para a população trans* brasileira foi o reconhecimento do processo de retificação das pessoas trans* nos cartórios; o processo já era reconhecido em alguns países da Europa e da América Latina, como a Argentina, mas o Brasil só reconhecia a retificação por via judicial, mas no ano de 2018 a luta do movimento foi ouvida e o acesso a esse direito passou a ser menos burocratizado. De acordo com o documento:

 

[...] julgo procedente a presente ação direta para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil (BRASIL, 2018).

 

Antes da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), os juízes negavam muitas das solicitações de retificação do nome, principalmente para as pessoas trans* que alegavam não querer fazer a cirurgia de redesignação sexual, desta forma, o gênero ficava resumido ao sexo da pessoa, como se uma genitália definisse a forma que essa pessoa quer/deve ser tratada. O ponto central aqui é que uma pessoa não se torna mais homem ou mais mulher pela sua genitália e, além disso, exigir que pessoas tenham passado por processos de tratamento hormonal e cirurgias quando o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não acolhe toda a demanda, é bastante injusto e violento. Como coloca Jesus (2012, p.9),

 

Além disso, a sociedade em que vivem dissemina a crença de que os órgãos genitais definem se uma pessoa é homem ou mulher. Porém, a construção da nossa identificação como homens ou como mulheres não é um fato biológico, é social.  Para a ciência biológica, o que determina o sexo de uma pessoa é o tamanho das suas células reprodutivas (pequenas: espermatozóides, logo, macho; grandes: óvulos, logo, fêmea), e só. Biologicamente, isso não define o comportamento masculino ou feminino das pessoas: o que faz isso é a cultura, a qual define alguém como masculino ou feminino, e isso muda de acordo com a cultura de que falamos (JESUS, 2012, p. 9).

 

 A maioria das pessoas trans* que participaram da pesquisa não querem ou ainda não retificaram; por ser algo individual, muitas pessoas cis tendem a querer que as pessoas trans* comecem a agir, pensar e se comportar como pessoas cis, mas esses processos de adequações às normas sociais devem ser individuais e a partir da demanda de cada sujeitE, isso se for demanda dU sujeiE. Como poetiza Carvalhal “Minha masculinidade Transviada, se forja é nas gentilezas; Trans-vejo uma buceta masculina destruindo a normalização; Meu corpo, pura revolução” (CARVALHAL, 2017, p.53).

Pensar nessa corpA revolução é um desafio e, performar uma vida para além das normas, pode trazer efeitos sociais que se traduzem em violências. Sobre essa dimensão das violências nos espaços da universidade, Us entrevistadEs falam um pouco das suas experiências:

 

São várias pequenas agressões, começou quando eu comecei a existir da forma que existo nos espaços, e incomodando alunos só por existir, depois me desligaram do ciclo social no curso, e depois um professor cis homem branco mestre em racismo estava dando uma matéria sobre preconceito e nessa matéria ele usou um texto de outro professor do departamento (que gere grupo de pesquisa sobre sexualidade) e nesse texto toda vez que usavam a palavra travesti era com pronome masculino, eu levantei a mão e questionei o texto apontando o quão problemático era [...],[8] etc. Começou a ser pintada em mim a imagem da travesti briguenta e arruaceira (Lua).

A gota d'água foi uma professora olhar para mim e questionar minhas roupas, e eu respondi que não tinha nada de errado e que as pessoas não iam me respeitar porque eu não sou cis, e ela disse que daqui para o final do curso a minha identidade não será tão confusa, ninguém nem irá notar, o preconceito já diminuiu muito (Lua).

 

Olhe, a gente sabe como os espaços foram e são forjados né, mona? Universidades não foram feitas pra travestis. Então, embora nunca tenha acontecido uma situação na qual eu tenha sido posta enquanto alvo intencional, me sinto violentada em inúmeros momentos, espaços ou situações. Por exemplo: duas aulas inteiras destinadas à leitura psicanalítica sobre a experiência transexual, pra mim, é violento pra caralho!! Por mais que, supostamente, a intenção seja a de despatologização das identidades trans*, no fundo essa atitude ainda reforça o lugar de objeto de estudo que a ciência desde sempre reservou pra nós, ninguém para pra falar sobre a experiência cisgênera, né? (Cacto).

 

Várias vezes! Fui barrada ao entrar no banheiro feminino e outros preconceitos diários (Rosa).

 

Que eu lembre não, mas é bom ter ciência que a violência não se configura apenas na percepção da vítima. Há violências cometidas em que a vítima não possa notar (Rio).

 

Cacto apresenta uma realidade das universidades e de outros espaços educativos, o fato de não estarem preparados para incluir múltiplas formas de existências. Como destaca Vergueiro (2017, p.109),  

 

Para além destas violências diretas e explícitas, é preciso dizer que outras violências institucionais no âmbito da saúde e educação também persistem. A incompetência e desinteresse em se compreenderem os corpos e existências trans nas suas complexidades implica em processos de exclusão das escolas e de instituições de saúde, comprometendo suas possibilidades de vida (VERGUEIRO, 2017, p.109).

 

A cis/heteronorma aparece como uma ficção reguladora (BUTLER, 2000) que atua sobre as instituições, corpAs e existências, essa imposição vem tentando manter uma hegemonia nos modos de ser e agir na sociedade.  Quando Cacto nos conta sobre o incomodo e a dor que é ter aulas que falam sobre transexualidade, é possível visualizarmos o quanto essa engrenagem é responsável pela patologização das identidades trans* e o quanto uma leitura ou aula sobre esses temas pode acionar e   ativar sentimentos que já estavam esquecidos; na experiência dela em sala de aula, a abordagem da transexualidade ainda estava a serviço do status quo da cis/heteronorma, ou seja, servia para tentar recolocá-la no lugar do abjeto. Como se lê em Oliveira (2017, p. 99-100),

 

Obviamente a sociedade que é fundamentada numa ideologia sexista, genderizada, anti-trans*, conformista do ponto de vista de gênero e politicamente heterossexual, dá um tratamento diferenciado consoante à percepção que tem o gênero da pessoa. O gênero lido pelas lentes da norma implica que quem não seja lidx como apresentando uma suposta continuidade entre sexo e gênero é tratadx de forma discriminatória, violenta e, por vezes, não raramente, pode inclusivamente acabar mortx (OLIVEIRA, 2017, p.99-100). 

 

As opressões estão pulverizadas pelos corredores, lanchonetes, salas de aula e existe um lugar específico no qual elas fazem morada: os banheiros. Esse espaço tão comum, onde todEs nós, sujetEs viventes, precisamos estar em vários momentos de nossos dias, se torna território de risco para as pessoas trans*. Dialogando a respeito das experiências de uso e acesso aos banheiros na universidade e pensando se já haviam sofrido algum tipo de constrangimento, apresentamos algumas das falas de nossUs interlocutorEs,

 

Não frequento mais o banheiro da universidade, não há como ir ao masculino por olhares de assédio ou ameaçadores, e não há como ir no feminino também, e por morar no conjunto da universidade opto por ir em casa (Lua).

 

Várias vezes, por isso utilizo com frequência banheiros neutros, e já passei por constrangimento ao entrar em um banheiro onde uma mulher se assustou (Flor).

 

Eu sempre frequentei o banheiro masculino por passar uma boa parte da minha vida acreditando me reconhecer como homem. Agora estou passando por um período de experimentações da minha identidade como gênero-fluído e há momentos que não me sinto confortável frequentando o banheiro masculino. Muitas das vezes acabo evitando usar o feminino por vários motivos, principalmente por acabar sendo lido como um homem intruso e assediador. Entendo o receio das mulheres nesse contexto, mas não invalidam o meu direito de usá-lo enquanto uma pessoa trans não binária (Rio).

 

Uma vez eu estava no banheiro e uma mulher perguntou se era o banheiro masculino assim que me viu, fiquei calada e me senti um lixo por mais uma vez me calar diante de uma situação como essas. Hoje em dia, me perdoo, sabe? Acho que esses rolês nos impõe a mudez e não é algo que a gente controle necessariamente, outro dia, porém, recebi um abraço de uma desconhecida, ela estava mal e eu estava mal, ela percebeu isso e me ofereceu um abraço, apenas ter vivenciado esse gesto num lugar onde, supostamente, eu nem deveria estar foi suficiente, toda ida ao banheiro é uma saga e uma reza, nunca sei o que pode acontecer, mas nem por isso me obrigo a entrar num banheiro masculino. Já passou essa fase (Cacto).

 

Não, mas eu acredito que isso se dá mais pela minha passabilidade. Percebo que tenho uma leitura social geralmente masculina, e uso esse banheiro, então isso não me é colocado em xeque (Vento).

 

Esse diálogo sobre o uso do banheiro gerou grande debate, praticamente todEs Us entrevistadEs já vivenciaram alguma situação de constrangimento nos banheiros, devido a sua organização binária. O uso do banheiro ainda gera constrangimentos para algumas pessoas trans*, principalmente com corpAs que não estejam correspondentes a uma expressão normativa (e passabilidade); Lua revela que não frequenta mais o banheiro da universidade, por toda a transfobia já citada, entretanto, ao evitar usá-lo ela coloca sua saúde física e psíquica em risco. “Toda ida ao banheiro é uma saga e uma reza”, afirma Cactos, e o direitos de estar, ocupar, transitar lhe é retirado mais uma vez.

Abordar algumas das vulnerabilidades as quais estão expostas às pessoas trans* nos espaços da universidade nos leva a outro passo que é pensar em possíveis formas de amenizá-las. Nas conversas com Us entrevistadEs alguns caminhos foram apontados, tais como a educação sexual nas escolas e universidades; a necessidade de políticas afirmativas aplicáveis ao cotidiano como, por exemplo, a política de cotas para pessoas trans* nas graduações e pós-graduações; redes de atendimentos psicossociais; estratégias para o apoio e a permanecia desses estudantes nas universidades, etc.

As políticas afirmativas são reparações históricas fundamentais para o processo democrático, para a população trans* a caminhada pela sobrevivência tem sido cheia de atravessamentos, às vezes apenas andar pelas ruas se torna algo difícil. No diálogo com Us interlocutores foi possível identificar que, a implementação de cotas para pessoas trans* é uma pauta urgente, uma vez que o número de pessoas trans* na universidade é muito baixo e a permanência daquelUs que conseguem adentrar ainda é muito frágil.

A universidade tem como política afirmativa o uso do nome social e sedia um dos maiores eventos científicos realizado por pessoas trans* da cidade e da universidade, que é a Semana da Visibilidade Trans. Em uma dessas edições, dois professores que assistiam às palestras e ouviram os relatos sobre as dificuldades que as pessoas trans* têm para acessar o SUS (Sistema Único de Saúde), decidiram então, elaborar um projeto de implementação de um ambulatório específico para o atendimento dessa população, já que o SUS não consegue abarcar essa demanda. O ambulatório foi inaugurado e funciona no polo universitário da UFS da cidade de Lagarto, interior de Sergipe. Essa informação é significativa quando analisamos que o número de unidades de saúde habilitadas para o atendimento ambulatorial e hospitalar de pessoas trans* na região Nordeste ainda é pequeno e insuficiente para acolhimento da demanda (RONCON et al., 2019).

Vai que a universidade se Trans*Forma: algumas considerações

Placas sinalizam permissões para deslocamentos geográficos e também sociais, vire a direita ou à esquerda, permitido ultrapassar, reduza a velocidade, entre, não entre, acesso permitido somente às pessoas autorizadas, são sinalizações cotidianas, presentes no trânsito, nas repartições públicas e privadas, elas trazem uma determinada ordem aos espaços e também estipulam a quem pertencem determinados postos, elas também organizam o caos prático de sujeitEs em seus automóveis, elas desaceleram seus ímpetos de ultrapassar limites, de romper normas. São placas concretas, diretas, legitimadas. No entanto, existem aquelas placas e sinalizações que se encontram nos subtextos, nas entrelinhas, não aparecem, mas nem por isso, inexistem.

As placas de censuras estão por toda a parte, elas estereotipam corpAs e estéticas inelegíveis, proíbem acessos e vetam a circulação de muitEs sujeitEs. No processo de escuta que procuramos realizar no decorrer da pesquisa, bem como, na escrita partilhada no presente texto, esteve presente o desejo de problematizar algumas dessas normas que instituem e determinam quais saberes são reconhecidos e quais não são. Para isso, foi importante apresentar como pensam e sentem nossUs interlocutorEs, quais experiências Us atravessam nos espaços da universidade. O caminho para pensarmos uma universidade mais plural requer escuta atenta e ação imediata. Nos jogos de poder que movimentam o cotidiano dos espaços universitários também estão presentes as brechas para que possamos criar rotas diferentes.

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Notas



[1] As trans* identidades são cada vez mais comumente descritas usando a palavra trans juntamente com um asterisco curinga, que é indicativo das muitas identidades possíveis que podem estar associadas à palavra trans (RYAN, 2014), abrindo para a transgeneridade uma maior gama de significações (CATALANO, 2017). Certamente, não existe um consenso sobre um melhor e um verdadeiro termo que represente o universo de possibilidades sexo-genéricas que aqui discutimos, contudo, esperamos que seu uso não implique, necessariamente, na ideia de uma possível “conformidade de identidade e experiência que pode levar a uma excessiva simplificação e potencial quantificação e humanização de vidas trans*” (CATALANO, 2017, p. 235). Ao contrário, estamos, com essa opção, denunciando como a linguagem é acionada para diminuir o potencial das trans* identidades no conteúdo escrito, distraindo seu principal foco que é ampliar as preocupações práticas que afetam a vida dessas pessoas (SPADE, 2011). E isso, por si só, é violento

[2] A linguagem neutra será utilizada durante todo texto, substituiremos a letra “o” pela letra “E”, “U” ou “A”, em palavras que expressam a totalidade humana, como forma de questionarmos os binarismos, sexismos e os privilégios de uma linguagem universal masculina, para fomentar uma escrita mais inclusiva, partindo dos estudos transfemistas e queer.

[3] O termo trans* aqui empregado é uma forma de expressar todEs pessoas que transpassaram os papeis de gênero que a sociedade impõe, como as pessoas trans* binárias e trans* não binárias.

[4] Pesquisa financiada pelo CNPq através da Chamada CNPq 06/2019 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa e de bolsa de Iniciação Científica CNPq/UFS.

[5] O termo Cisgênero é utilizado para definir sujeitEs que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no momento do nascimento. O trocadilho “Cistema heteronormativo” é utilizado aqui para problematizar o quanto o contexto no qual estamos inseridos é centrado nos preceitos impostos por padrões de vida e existências baseados no referencial cisgênero e na heterossexualidade.

[6] Música de autoria do artistE Caio Prado. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/caio-prado/nao-recomendado.html. Acesso em: 02 de agosto de 2020.

[7] O modelo biomédico tem sido predominante no contexto das ciências médicas ocidentais, o mesmo tem sua origem no pensamento de René Descartes para o qual mente e corpo constituem partes separadas. A partir dessa perspectiva, a ideia de saúde passa a ser pensada apenas na sua dimensão biológica e não nas suas dimensões subjetivas e sociais. A biomedicina e o pensamento biomédico constituem parte importante do pensamento e cenário político de disputas que envolvem as existências de pessoas trans*, uma vez que suas corpAs precisam do aval da medicina para terem acesso a saúde e direitos sociais básicos. As pessoas trans* confrontam esse modelo hegemônico que vem exercendo o poder de regular e patologizar suas experiências e corporeidades.

[8] Supressão do curso que a pessoas estuda, para manter o sigilo