Inclusão e Exclusão: Tensões Socioeducacionais Frente ao atendimento à diversidade humana

Inclusion and Exclusion: Socio-educational Tensions Facing the service to human diversity

 

Roseneide Maria Batista Cirino

Universidade Estadual do Paraná Campus Paranaguá, Paraná, Brasil

roseneide.cirino@unespar.edu.br - https://orcid.org/0000-0001-5107-8826

 

Gilmar de Carvalho Cruz

Universidade Estadual do Centro-Oeste, Paraná, Brasil

gilmailcruz@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-6626-0727

 

 

Recebido em 14 de agosto de 2020

Aprovado em 25 de setembro de 2020

Publicado em 01 de agosto de 2022

 

 

RESUMO:

Este artigo tem como tema as tensões acerca da inclusão e exclusão escolar vivenciadas por professores universitários quando têm que orientar seus acadêmicos. Delineou-se como objetivo compreender as tensões acerca da inclusão e exclusão vivenciadas no processo de formação de professores. Para tanto, buscaram-se os fundamentos teóricos em Skliar, Lessa e Tonet, Cury, Santos além, de leituras de documentos institucionais como os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs), as Diretrizes Nacionais para a formação de professores e o documento de Políticas para Educação Especial Inclusiva. A metodologia pautou-se na abordagem qualitativa sendo utilizado como instrumento para coleta de dados cinco (5) situações problemas do cotidiano escolar, da Educação Básica, referente à aprendizagem de alunos do ensino fundamental anos finais. Os sujeitos foram os professores universitários atuantes em cinco (5) cursos de licenciatura de uma universidade pública do Estado do Paraná. Os dados, construídos por ocasião da pesquisa e pontuados neste artigo, indicam a necessidade de desmitificar ideias que reforçam a categorização do ser humano. Neste sentido, concluímos que articular a formação teórica à vivência prática na realidade da escola básica permite que as tensões ensejadas em torno da inclusão e exclusão, pelo confronto com situações do cotidiano da Educação Básica, impulsionem o olhar do acadêmico em formação à diversidade humana presente na escola, além de fornecer direcionamentos na busca de alternativas pedagógicas.

Palavras-chave: Formação de professores; Inclusão e Exclusão; Diversidade Humana.

ABSTRACT:

This study discusses the theme of tensions concerning school inclusion and exclusion experienced by university professors when they have to mentor their students. Its objective was to understand these tensions about inclusion and exclusion through the process of teacher education. Therefore, the theoretical foundations were sought in Skliar, Lessa and Tonet, Cury, Santos, besides readings of institutional documents such as the Courses Pedagogical Projects (PPCs), the National Guidelines for Teacher Education and the Policy for Inclusive Special Education. The methodology was based on the qualitative approach, in which five (5) situations of everyday school problems, of Basic Education, referring to the learning of elementary school students in the final year were used to collect data. The subjects were University Professors working in five (5) undergraduate courses of a public State University of Paraná. The data constructed at the time of the research, and punctuated in this article, indicate the need to demystify ideas that reinforce the human being categorization. In this sense, we conclude that articulating theoretical education  with practical experience in basic school reality allows the tensions created around inclusion and exclusion, due to the confrontation with everyday situations in Basic Education, to boost the view of the academic in training to human diversity at school, in addition to providing guidance in the search for pedagogical alternatives.

Keywords: Teacher Education; Inclusion and Exclusion; Human Diversity.

 

Introdução

Este trabalho tem por objetivo compreender as tensões acerca da inclusão e exclusão vivenciadas por professores universitários no contexto da formação de acadêmicos para atuar em contextos inclusivos, considerando que tais tensões poderão atuar como propulsoras de novas práticas formativas e inclusivas.

Desde os anos de 1990, quando as discussões acerca da inclusão passam a fazer parte das pautas no âmbito educacional brasileiro, um aspecto tem se tornado alvo de reflexões, o qual diz respeito ao modo como a deficiência se configura como uma construção social. Neste sentido, o contexto histórico evidencia que a deficiência é uma construção que explicita as convergências e as divergências entre o disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação docente, o processo que se efetiva na prática da formação docente fundado nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) e a própria prática docente.

Cumpre destacar que os documentos legais, como as diretrizes para formação de professores, e os documentos institucionais, como os PPCs, constituem-se em um todo aos professores, pois, tal como pontuam esses documentos, os professores também, ao responderem sobre a quem se relaciona à inclusão, afirmam que se relaciona a todos os alunos, ratificando a ideia de direito que todos os alunos têm à educação posto nas leis e políticas educacionais. Contudo, a análise desse posicionamento, articulada às respostas às questões do cotidiano, evidenciou que o “todo” diz respeito apenas ao grupo de pessoas que apresentam deficiência, pois, mesmo em situações que não explicitavam deficiência, a justificativa para as repostas, dadas pelo professor, foram pautadas na deficiência. Esse fato possibilita inferir que a inclusão é uma demanda, que, além de outros motivos, é primeiramente legal.

Efetivamente, o plano da ideia posto no artifício legal não dialoga com a materialidade concreta, apesar de ter saído dela, ou seja, é da materialidade concreta que surgem as demandas por inclusão de todas as pessoas. Contudo, no mundo das exclusões, apenas uma pequena parcela populacional será assimilada e, assim, em uma relação de poder e consenso, o Estado põe ações inclusivas via políticas (SANTOS, 1999). No entanto, manter os binarismos históricos, especializado/não-especializado, apto/não-apto, normal/anormal, deficiente/eficiente, contribui para perpetrar práticas excludentes. Isso reporta ao fato de que, no contexto da prática social, o princípio democrático explicita um movimento dinâmico que corrobora a ideia de que a igualdade política de todos reproduz desigualdades (LESSA; TONET, 2011).

Nesta perspectiva, a análise isolada dos documentos legais, sem considerar o histórico da diversidade humana, faz com que, numa visão imediatista, a inclusão seja aceita. Com isso, os discursos de que a inclusão é para todos emergem consolidando uma prática que sinaliza o contrário.

A marca distintiva entre os seres humanos, que os rotulam entre capazes e incapazes, deficientes e eficientes, foi se constituindo como forma de regularizar o mundo social. É pela regulação que o binarismo normal e anormal se consubstancia, uma vez que o ser “anormal” não pertence ao mundo regulado. Contudo, o mundo regulado não é constituído no vácuo, mas pela construção coletiva e cultural que clama pela ordem. A ordem, analisa Skliar (2003b), é um dos mecanismos mais instigantes que leva a pensar como “outras gentes” existem, que espaços elas ocupam, que tempo e que condições as legitimam como seres humanos.

Essas ideias instigam a pensar como o “outro” vem se constituindo no imaginário social enquanto objeto passível de ser expurgado em um processo naturalizado e naturalizante (SKLIAR, 2003b). O imaginário social é povoado pela questão da ordem, a padronização estabelece quem, de fato, pode se constituir humano, em um mundo onde a competitividade, a concorrência, a individualidade são condições necessárias à existência. A construção da deficiência, portanto, resulta de um processo histórico-cultural explicitado na impossibilidade de se reconhecer, socialmente, uns aos outros como seres humanos e a tensão que o momento atual desencadeia acerca das ideias de inclusão e exclusão pode configurar-se como possibilidades para o atendimento à diversidade humana que se faz presente na escola.

Inclusão e exclusão: tensões no processo formativo

A forma de sociabilidade pautada no capitalismo tem contribuído para perpetuar processos de exclusão de modo que advogar a favor da inclusão requer, de antemão, o reconhecimento dos inúmeros excluídos social e educacionalmente.

 

O contexto de exclusão e seletividade institucionalizados em práticas escolares configuram formas de agir e interagir frente à diversidade humana e, como consequência, a indiferença desvela que a inclusão assumiu um lugar comum no meio social, e até mesmo educacional, quando se articula inclusão à condição de deficiência.

Importa destacar que a inclusão aqui é assumida como um princípio que garante a todos condições de igualdade e oportunidades de aprendizagem, independentemente da história de deficiência ou não. Contudo, no senso comum, como assinala Skliar (2003b), o sujeito da inclusão situado no lugar comum é o outro que se convencionou deixar à margem. Não é de se estranhar que as pessoas situadas como diversas não teriam espaço no contexto escolar, já que de alguma forma exige-se de todos os participantes algum retorno social.

No entanto, como explicar o fato de algumas pessoas não terem condições de contribuir com alguma forma de retorno social? Essa pergunta pode ser respondida a partir da análise histórica dos diferentes contextos, sem perder de vista que as expectativas sociais sempre repousaram na ideia de eficiência e resultados. Assim, da combinação razão e eficiência é preciso definir, pela categorização, quais espaços os sujeitos podem ocupar, se os espaços de produção, ou se os espaços do isolamento e segregação. No contexto da diversidade humana, quem é o outro que se convencionou isolar, segregar? Arroyo (2012) contribui para compreensão ratificando que se trata de:

[...] grupos sociais que se fazem presentes em ações afirmativas nos campos, nas floretas, nas cidades, questionando as políticas públicas, resistindo à segregação, exigindo direitos. Inclusive o direito à escola, à universidade. São os coletivos sociais, de gênero, etnia, raça, camponeses, quilombolas, trabalhadores empobrecidos que se afirmam sujeitos de direitos. Outros Sujeitos. Que se fazem presentes nas escolas públicas e que exigem o acesso às universidades. São os outros educandos. (ARROYO, 2012, p. 9)

Com base nas análises do autor, pode-se afirmar que o outro não é o deficiente, o camponês, o ribeirinho, mas um ser humano. Implica que o horizonte de possibilidades de aprendizagem é o mesmo para todos os seres humanos, mas essas aprendizagens podem se manifestar de forma diferenciada. Neste sentido, defende-se que todos os educandos e educandas apresentam condições, em termos da capacidade para pensar, para raciocinar, da capacidade de serem sujeitos éticos, culturais, humanos, cognitivos e da aprendizagem (ARROYO, 2004).

Desta forma, o autor afirma ainda que a diversidade humana é inerente ao próprio ser humano, o que requer a compreensão de que todos estão sempre aptos a aprender. Contudo, ao considerar as contradições ensejadas no bojo das tensões entre inclusão e exclusão, ressalta-se que “[...] aquilo que os indivíduos são, depende, portanto, das condições materiais de sua produção” (MARX, 1999, p. 6), ou seja, é pelas infinitas capacidades de produção que a pessoa se humaniza, tomando a posição de sujeito no seio das relações sociais.

As contradições que demarcam espaços são as mesmas que exigem práticas inovadoras que desafiam o paradigma empirista e que, a priori, fundamentam o processo de formação docente. É preciso, pois, que a própria academia se ressignifique e que os envolvidos aperfeiçoem suas práticas pedagógicas, rompendo barreiras e aprendendo sobre a diversidade humana, com o fim de compreender os modos diferenciados de aprender de cada ser humano. Contraditoriamente,

[...] o campo da teoria pedagógica tem sido um dos mais fechados a reconhecer Outras Pedagogias. Tem sido um território de disputas, mas dentro de teorias hegemônicas, a chamada pedagogia clássica e moderna fechada, há Outras Pedagogias em permanente reação a outras práticas e concepções vindas dos coletivos oprimidos que exigem reconhecimento. (ARROYO, 2012, p. 32)

 

As palavras do autor colocam em xeque a concepção pedagógica homogênea e sinalizam que para incluir a diversidade humana, requer muito mais que a simples inserção de alunos nos espaços. Em outras palavras, é preciso analisar o conhecimento dos professores colocando-os na condição de produtores de saberes, o que se faz necessário, portanto, desmistificar a ideia de que as orientações dos documentos e diretrizes legais são suficientes para atender a demanda. Com base nesse argumento, é preciso considerar os saberes e os conhecimentos que os professores universitários detêm sobre a diversidade humana e de quais lançam mão para orientar seus acadêmicos.

A práxis cotidiana é prenhe de valores, conhecimentos e saberes que os possibilitam ou não assumir a condição de diversidade humana como inerente ao humano. A compreensão dessa questão ultrapassa os limites da mera aplicação de saberes provenientes da teoria e requer a articulação com as demandas sociais. Consoante a esses pressupostos, Arroyo (2012) coloca que a diversidade aponta que não se pode falar de uma única pedagogia, nem estática, nem em movimento, mas de pedagogias antagônicas construídas nas tensas relações políticas, sociais e culturais de dominação/subordinação e de resistência/afirmação de que eles participam. “Todas as pedagogias fazem parte dessas relações políticas conflitivas de dominação/reação/libertação” (ARROYO, 2012, p. 29).

Portanto, a atuação do professor frente à diversidade humana pode constituir-se das sínteses de culturas compartilhadas em cada um desses campos, em que os valores atribuídos a cada uma dessas esferas podem delinear distintas formas de trabalho e expectativas em relação ao aluno. Compreender essa dinâmica propicia, então, a compreensão dos saberes e dos conhecimentos que os professores, no processo formativo, lançam mão para atender demandas diversas que se apresentam na Escola Básica. Ocorre que tradicionalmente, segundo Arroyo (1997), apresenta-se aos futuros professores contextos supostamente homogêneos e aquém de problematizar a realidade concreta. Por isso, na sua maioria, o professor, ao sair da academia, traz consigo uma visão fragmentada da realidade.

Do ponto de vista legal, as escolas, básica ou superior, incluem toda forma de diferença, mas, essa inclusão sob ótica legal permanece apenas sob a condição da inserção física. O exercício da cidadania, o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, estabelecidos na Constituição Federal (1988), ainda representam uma falácia para um significativo número de alunos, excluídos, por não aprenderem, por utilizarem códigos comunicativos diferenciados, por expressarem sentimentos, desejos e conhecimentos de um modo particular e diferente do que se considera padrão na escola. Contudo, a Educação Inclusiva, seja na Educação Básica, seja na Universidade, fundamenta-se na questão de direitos humanos. Em outras palavras, afirma-se que o sujeito humano é prioridade em detrimento de qualquer diferença que possa apresentar.

Nessa perspectiva, é necessária a compreensão dos textos explícitos e implícitos nas Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores, nos PPCs de cada licenciatura em análise, bem como as relações entre exigências legais com os movimentos sociais, buscando evidenciar os confrontos, as conciliações e as suas relações no âmbito das práticas disseminadas nas licenciaturas, situando-as historicamente. O foco desvela, conforme Severino (2001), a sociabilidade, a historicidade e a práxis, compreendidas nas condições existenciais concretas dos professores universitários que formam docentes, entendendo-as para além de contextos circunstanciais, uma vez que visa

[...] descobrir por trás dos produtos e das criações a atividade e operosidade produtiva, de encontrar “a autêntica realidade” do homem concreto por trás da realidade reificada da cultura dominante, de desvendar o autêntico objeto histórico sob as estratificações das convenções fixadas. (KOSIK, 1969, p. 20)

Os fenômenos aparentes são constituições humanas, muitas vezes distanciadas de sua essencialidade. As pesquisas que buscam por questões referentes ao conhecimento humano e, neste caso, as concepções, os conhecimentos dos professores universitários acerca da diversidade humana, não podem prescindir de reconhecer a essencialidade humana, a qual somente por via da dialética pode apreender totalidades provisórias, do ponto de vista do saber e de suas contradições. Na relação atividade docente e políticas de formação, as apropriações dos termos legais tornam-se estranhas ao docente e sua atividade torna-se atividade para outro e como atividade de outro. Em outras palavras, as posturas que se tomam frente aos documentos legais explicitam a conformação do social.

 

A ideia de inclusão veiculada nos documentos legais não dialogam com a diversidade humana, porque é tratada como uma exigência do Estado em detrimento ao fato de ser uma necessidade humana. A inclusão, portanto, dá-se apenas no plano da abstração, não se inclui seres humanos, mas categorias que personificam e direcionam discursos e práticas reprodutoras de restrições para com o humano.

A compreensão do distanciamento entre ideia e ações impulsiona a refletir sobre a práxis consubstanciada pela relação teoria e prática que, segundo Vázquez (1977), é a teoria que orienta a prática e é por esta retificada. Ainda, segundo o autor, a teoria pode contribuir para a transformação do mundo, mas, para isso, tem de sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem de ser assimilada pelos que vão ocasionar, com atos reais, tal transformação. No entanto, a idealização do resultado, condição para que a ação seja práxis, é teórica. Contudo, segundo Vázquez (1977), sendo apenas teórica, não transforma a realidade, característica central da práxis. Para que a realidade seja transformada, a prática faz-se necessária.

Nesse contexto, a prática no sentido de ação material, objetivada, transformadora, que corresponde a interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico-social, é apenas produção da realidade concreta, criação e desenvolvimento incessante da realidade humana. Compreendida, então, como atividade social transformadora, Vázquez (1977, p. 185) afirma que “[...] toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. Nesse sentido, a práxis é uma atividade conscientemente orientada, o que implica não apenas as dimensões objetivas, mas também subjetivas da atividade. É no contexto das práxis sociais que se situam as tensões acerca da inclusão e da exclusão, uma vez que, essa tensão das contradições no seio da totalidade implica o reconhecimento do real como histórico (CURY, 1985).

Logo, pensar sobre a diversidade humana, implica pensar, primeiramente, no que a torna diversa e romper com a ilusão homogênea da normalidade que impede de se conhecer uns aos outros (SKLIAR, 2003a).

 

Nesse contexto, a marginalização e consequente exclusão permanecem, a relação centro e periferia se perpetuam e substanciam os discursos excludentes, naturalmente calcados nos binarismos históricos, e nesse contexto o acadêmico tende a reproduzir, na Educação Básica, a “mesmidade”, ou seja, apesar de em cada momento histórico se vivenciar novas terminologias e ideias, o pano de fundo continua o mesmo: a categorização de seres humanos em pares binários históricos.

A delimitação de espaços e territórios desvela a ignorância sobre o fato de que a concepção de ser humano especial, com necessidades especiais, difere-se segundo cada contexto e cultura. Fato é que a diversidade sempre esteve silenciada e destinada ao pensamento linear, à moda newtoniana, como ideia da máquina cujas peças deveriam estar em perfeita harmonia, bem como às questões positivistas que tanto primam pela ordem (OLIVEIRA, 2011).

Por isso, compreender as tensões acerca da inclusão e exclusão como possibilidade para o atendimento à diversidade humana, no processo de formação de professores, implica em desvelar conflitos, contradições e mediações que ocorrem no ensino superior, quando os professores têm de orientar a ação pedagógica dos futuros docentes para atuar em contextos de inclusão da diversidade humana.

O percurso metodológico

A compreensão acerca das tensões entre inclusão e exclusão configura-se em mais que um objeto de pesquisa, é uma urgência que se funda no pressuposto de que as políticas de formação docente, os documentos institucionais, os saberes e os conhecimentos que sustentam a práxis docente no ensino superior, podem se articular de modo a efetivar práticas direcionadas à diversidade humana, no âmbito da formação inicial de professores para atuar na Educação Básica. Para tanto, é urgente compreender os fundamentos históricos, culturais e sociais que respaldam binarismos como inclusão e exclusão, normal e anormal, diversidade e diferença, deficiente e eficiente, dentre outros.

 

 O momento exploratório do locus possibilitou a visualidade da problemática da realidade, permitindo a formulação dos objetivos por meio de um olhar fundado em uma concepção configurada por tensões e contradições que rejeita qualquer tipo de neutralidade ou mesmo alienação, pois, como Kosik (1969) analisa, a essência não é inerte e nem passiva. Sob essa perspectiva, este trabalho explicita limites e possibilidades, a partir do fato de que a essência não está inerte e pode produzir indicadores para superar, conforme Kosik (1969), a práxis utilitária cotidiana dos homens para uma práxis revolucionária da humanidade.

            Considerando a dinâmica dialética que permeiam as tensões acerca da inclusão e exclusão enquanto possibilidade de compreensão do fenômeno e da coisa em essência, este estudo foi de tipo etnográfico na forma de pesquisa-participante, cujos “[...] pesquisadores e pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes” (BRANDÃO, 1999, p. 11).

Com base nessa lógica, objetivou-se investigar e refletir acerca da práxis docente no processo formativo de professores de distintas licenciaturas, reiterando que, a condição de sujeito participante do processo, interfere e apresenta interferência nas formas de ação e de interação. Além disso, essa condição desvela conformação a um projeto de escola, seja da Educação Básica, seja do Ensino Superior, que esteja atento à diversidade humana social que, como analisa Skliar (2003b), sempre esteve presente na sociedade, por isso considerar a dinamicidade do movimento dialético explicita uma concepção de mundo e de realidade.

As análises estão pautadas na abordagem qualitativa, com o fim de explicitar o movimento necessário à compreensão que se buscou. Sem a pretensão de demarcar limites e, tampouco, subjetivismos à pesquisa em questão, é necessário esclarecer com Fonseca (1999) que a etnografia não é tão aberta assim, pois faz parte das ciências sociais e exige o enquadramento social, político e histórico do comportamento humano.

 

Assim, com base em movimentos e ações que explicitam tensões na prática de formação docente, delinearam-se direcionamentos para a construção de práticas inclusivas no contexto da formação docente, esse direcionamento partiu da análise de situações problemas que ocorrem no contexto da escola básica.

            O local da pesquisa foi um dos campi de uma Universidade pública do Estado do Paraná, que possui cinco cursos de licenciatura e três cursos de bacharelado, além de Pós-Graduação, bem como diversos cursos de extensão universitária.  A opção por esse campo de investigação deu-se pelo fato de a pesquisadora atuar na instituição.

Ocuparam um lugar central na pesquisa as relações implícitas e explícitas nas respostas dos sujeitos participantes, fundando as análises em referenciais teóricos que fundamentaram o estudo. Ao todo participaram da pesquisa quarenta e quatro (44) professores atuantes nos cursos de Pedagogia; Biologia; Letras; Matemática e História, e, com o fim de preservar suas identidades, foram identificados com a letra inicial do curso em que atuam e enumerados, sequencialmente.

A pesquisa teve a validação do Comitê de Ética na Pesquisa da Universidade na qual originou o estudo. Por isso, considerando esse elemento, foi apresentado aos sujeitos Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e informado os aspectos éticos e de biossegurança consoantes ao disposto na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/Comissão Nacional. Para efeito deste artigo, serão apresentados alguns dos dados coletados junto aos sujeitos CB37; CB39; H41; L16; P3; P7; P9; M23, sendo respectivamente dos cursos de Ciências Biológicas; História; Letras; Pedagogia e Matemática.

A coleta de dados está fundada em Trivinõs (1987), que considera importante a participação do sujeito como um dos elementos do fazer científico e, para tanto, foi utilizada uma entrevista padronizada constituídas por cinco (5) situações problemas do cotidiano escolar da educação básica, apresentadas no Quadro 1.

 

Destaca-se que as situações problemas do cotidiano escolar referiam-se à inclusão de alunos, sem serem direcionadas às Pessoas com Deficiência (PcD).

Quadro 1 - Situações problemas do cotidiano escolar

Questão 1 - Considere-se numa prática pedagógica em que tenha que orientar o acadêmico a trabalhar numa turma na qual ele se depara com a seguinte situação: “O estudante X não acompanha seus colegas de 9º ano e apresenta significativas limitações em relação aos seus pares demonstrando dificuldades de abstração e interpretação”. Que orientações você daria ao seu acadêmico para a realização do trabalho pedagógico com o referido aluno? Justifique suas opções

Questão 2 - Analisando a necessidade de que o acadêmico tenha que realizar um trabalho pedagógico numa turma na qual há a um aluno com o seguinte histórico: “E” tem 15 anos de idade. Sua vida escolar iniciou-se normalmente, mas com o passar dos anos os professores foram percebendo que o aluno apresentava dificuldades no processo de alfabetização e permaneceu por 2 anos no primeiro ciclo (1º e 2º anos). Passou para o 3º ano, mas não houve avanços significativos para que acontecesse a aprendizagem em tempo condizente com sua faixa etária”. Atualmente ele está no 6º ano. Diante dessas situações: quais orientações (em termos de metodologia, recursos e avaliação) você julga pertinentes ao acadêmico para que ele realize o trabalho na turma?

Questão 3 - Ao considerar os dispositivos legais que tratam da educação inclusiva, como você orientaria o acadêmico a desenvolver um trabalho pedagógico numa turma na qual constate a seguinte situação: “F” era um aluno de Classe Especial até concluir o 5º ano. O 6º e o 7º ano, fez sem apoio. Ao ingressar no 8º ano, verificou-se que necessitava de um atendimento específico, pois só consegue copiar dos colegas.

Questão 4 - “M” foi matriculado no 6º ano, não tinha avaliação psicoeducacional e os professores não sabiam suas reais dificuldades. “M” se negava a desenvolver as atividades. Ao ser solicitado para realizar atividades escritas, ele respondia letras aleatórias. Nas atividades de leitura, ele “lê” histórias inventadas por ele mesmo ou vivenciadas no seu cotidiano. Constatou-se que ele não está alfabetizado, mas tem vontade de aprender. Diante desta situação, quais orientações você passaria ao seu acadêmico para a realização de um trabalho pedagógico?

Questão 5 - Considere a seguinte situação na orientação do trabalho pedagógico que seu acadêmico desenvolverá na escola: “A” frequentou o ensino regular e apresenta significativas dificuldades de aprendizagem com relação à oralidade, leitura, escrita e raciocínio lógico matemático. Que proposições você julga pertinentes ao acadêmico?

Fonte: Da Autora, 2015

O critério para organização dessas questões fundou-se na necessidade de se apresentar situações reais do cotidiano escolar, especificamente do 6º ao 9º ano, por ser nessa etapa em que ocorre a atuação de professores formados pelo campus, além dos pedagogos que, apesar de poderem atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, assumem a função do pedagogo escolar e tornam-se responsáveis pela organização do trabalho pedagógico (OTP). Ademais, outro critério referia-se à necessidade de que as situações problemas não explicitassem condições de deficiência, mas descrevessem limitações relacionadas à base da escolarização, ou seja, ao processo de alfabetização, raciocínio lógico matemático, dificuldades de leitura e de escrita, oralidade e distorção de idade série.

As respostas às entrevistas foram gravadas em áudio, processadas, transcritas e, em seguida, organizadas em três tipos de planilhas. Dessas planilhas retirou-se os temas de análises, os quais são definidos “[...]como uma oração ou uma indicação a respeito de algo” (SAMPIERI et al., 2006, p. 296). Com o fim de subsidiar as análises neste artigo elegeu-se o tema: Das tensões acerca da inclusão e da exclusão à práxis direcionada à diversidade humana. Após essa organização, procederam-se as análises e discussão dos dados selecionados para a produção desse artigo sob o título na sequência.

Inclusão e exclusão: tensões que possibilitam o atendimento à diversidade humana

 

As discussões acerca da inclusão e exclusão são permeadas por lógicas arbitrárias que insistem em categorizar as pessoas e, por conta disso, acabam por produzir novas desigualdades. No entanto, sabe-se que é no contexto de tensões e contradições que as novas possibilidades são delineadas ou mesmo rechaçadas em prol de uma mesmidade, como assinalou Skliar (2003b).

Notadamente, no contexto de inclusão e exclusão, a ideia da produtividade aparece sob a responsabilidade do professor especializado. Isso se põe como prioridade porque a lógica que permeia a concepção desse professor é a da deficiência, logo, para lidar com deficientes há de se ter professores especializados, e a ideia de igualdade posta nos supostos espaços inclusivos entra em xeque. Essa visão pode ser analisada à luz das contribuições de Lessa e Tonet (2011) quando relatam que segundo

[...] os conservadores, defensores do capitalismo, que a lei não deve dar privilégios a ninguém, que deve tratar todos da mesma forma. Contudo, ao proceder assim, a lei garante não a igualdade entre os homens, mas sim a reprodução das desigualdades sociais. Onde todos são politicamente iguais, mas socialmente divididos [...], a igualdade política e jurídica nada mais é do que a afirmação social, real, das desigualdades sociais (LESSA; TONET, 2011, p. 84).

 

O aparato legal e institucional reitera igualdades e reverbera práticas categorizadoras dos sujeitos e, nesse contexto, a diferença deixa de ser tomada como condição essencial da diversidade humana e passa a ser assimilada como definidora das posições e espaços a serem ocupados. Ao não privilegiar a questão da diversidade humana, mas categorias e grupos específicos, os instrumentos legais direcionam para uma prática formativa binária, que não raro aparece o clamor por professor especializado, ratificando a dualidade no processo formativo conforme destacou o professor de Pedagogia ao responder sobre a situação problema 1, “[...] atendimento especializado, sala especial mesmo, porque me parece que nessa sala de aula não está sendo positivo pra ele, já que só copia” (P3, 2015). Essa ideia, consciente ou inconscientemente, desvela divergências entre os dispositivos legais que advogam pela inclusão e o fazer docente, na qual a exclusividade é reiteradamente aclamada conforme se pode constatar na fala do professor de ciências biológicas em sua resposta acerca da situação problema 3, “o acadêmico tem que se dedicar exclusivamente a ele [...] se for fazer isso em sala de aula, vai atrapalhar os outros. Ele não devia ter passado, ele não está acompanhando (mas ele está lá) está incluso, e daí?” (CB37, 2015).

Na fala desse professor, o desvelamento de que o aluno está ali, nessa sala regular, se dá porque é da inclusão e não por ser um direito e, ao não estar no nível de conhecimento dos demais, deveria estar relegado ao atendimento especializado. Logo, constata-se com isso o quanto a ideia de espaços específicos para determinados sujeitos marcam o imaginário social. Outro destaque é que os apontamentos nessa fala referendam o aluno como público da educação especial, já que o AEE, conforme a política de inclusão, é para alunos público da educação especial, mas, como assinalado no texto sobre a metodologia, as situações problemas apresentadas aos professores são de crianças que por algum motivo não estão aprendendo sem ter relação com deficiências.

Nesse contexto, a inclusão é tomada como obrigatoriedade, ou seja, o aluno está ali porque a lei e políticas de inclusão afirmam que tem que estar ali, em detrimento da sua condição de ser humano com direitos. Conforme assinalado anteriormente, trata-se de lógicas de pensamento calcadas num modelo dual em que os discursos vão perpetuando a exclusão, como se pode observar na fala do professor de Letras sobre a situação problema 2, “[...] aqui já teve um problema, eu vejo como um problema mesmo, ele deveria já ter tido um contato com o aprendizado da mesma forma que os demais, agora só o atendimento especializado” (L16, 2015).

Trata-se de mais uma visão prenhe de expectativas fundadas no parâmetro da igualdade originada, também na materialidade concreta das relações de produção social, pois, na sociedade capitalista, é preciso que todos sejam iguais, todos devem produzir e quando isso não ocorre, o sujeito improdutivo estará relegado ao fracasso. No entanto, o que não se percebe nessa fala é a compreensão de que a lógica da produção também condiciona a ação docente, pois ao colocar a situação como um problema, que deve fazer com que o acadêmico recorra ao especialista, esse professor nega a si a condição de produtor de conhecimentos. Nesse contexto,

[...] pode, um determinado processo educativo ser compreendido a partir das reflexões empreendidas sobre as relações cotidianas entre professores e alunos na sala de aula. Quanto mais abstrações (teoria) pudermos pensar sobre esta categoria simples, empírica (relação professor/aluno), mais próximo estaremos da compreensão plena do processo educacional em questão. (PIRES, 1997, p. 87)

Com base nas palavras da autora, é a partir da materialidade concreta que é possível apreender os significados que o documento legal assume na atividade docente. A fala do professor de Letras expõe que há uma linha paradigmática que legitima a ideia de regularidade entre as pessoas e contrapõe o fato de que

[...] uma compreensão dialética da totalidade exige a relação entre as partes e o todo e as partes entre si. O todo, colocado acima ou fora das partes numa mera relação de exterioridade, se petrifica na abstração. O todo, na verdade, só se cria a si mesmo na dialética das partes, só pode existir concretamente nas partes e é na relatividade das partes que o todo se estrutura e caminha. (CURY, 1985, p. 36)

A ideia de inclusão assumiu um lugar comum no meio social e, não raramente, é vinculada à inserção de Pessoa com Deficiência (PcD) no ensino comum, e as respostas dos entrevistados ratificam isso ao relacionarem situações de não aprendizagem ao público de alunos e atendimentos vinculados à educação especial.

Entretanto, essa visão revela a tensão entre inclusão e exclusão e se põe como possibilidade, uma vez que aquele que não aprende também é visto pelos professores como pessoa excluída do processo. Essa questão fez com que em dados momentos os entrevistados empreendessem esforços nas suas repostas direcionadas ao atendimento à diversidade. As posturas dos professores frente às questões que não referiam à deficiência apareceram ora como ideia implícita, ora explicitamente, vinculada à possibilidade do atendimento à diversidade, além de explicitar a tensão entre inclusão e exclusão. Como se pode analisar na fala dos professores do curso de Ciências Biológicas (CB39) e Pedagogia (P9) ao responderem respectivamente acerca das situações problemas 4 e 5:

Eu voltaria a insistir a utilizar outros recursos audiovisuais e auxiliar esse aluno até na própria leitura, porque, às vezes, ele não está sendo bem avaliado...iria sempre procurar outros recursos mexendo com outros sentidos desse aluno. (CB39, 2015)

Trazer atividades problematizadoras para esse aluno com dificuldade; comece a fazer as relações com seu cotidiano, principalmente, ali no raciocínio lógico e na matemática, mas, principalmente, oralidade, leitura escrita. (P9, 2015)

            A partir das análises realizadas é possível depreender que, conforme Skliar (2003a), a incapacidade de lidar com a diversidade humana pode ser produzida e legitimada já na formação escolar e acadêmica e, quando a questão está em como atender a diversidade, a pauta pode ser ora em possibilidades, ora em limitações.

            A formação acadêmica centra-se em preparar acadêmicos aptos a lecionarem, preparados para lidar com uma suposta homogeneidade, onde todos estariam aprendendo, mas a realidade concreta desvela outras nuances.

            Notadamente, no âmbito escolar – educação básica e superior – a diversidade humana é falaciosamente aceita e contemplada e, a depender do tipo de diversidade, ela sequer é cogitada, quando muito, tolerada sob a égide da legalidade. O que leva a considerar as palavras de Santos (1999), quando alerta para a necessidade de se lutar pela igualdade sempre que as diferenças sejam causa para discriminação, bem como lutar pela diferença sempre que a igualdade descaracterize as especificidades subjetivas.

            Contudo, não se pode negar que no jogo tensionado nas falas desses professores aparecem implícitas questões referentes à limitação; à consideração pela diversidade ao propor práticas diferenciadas, trabalhos realizados pelo próprio acadêmico e orientação pedagógica. Ao se posicionarem dessa forma, também engendram esforços para participar da caminhada pela aprendizagem com seu acadêmico. Com isso, é possível que passem a compreender melhor a questão da diversidade humana como algo inerente ao humano, como uma das entrevistadas afirmou em resposta à situação problema 5, “dificuldades são comuns na escola” (P7, 2015). Com essa ideia, a professora corrobora o proposto por Cury, pois

 

No caso da educação, essa categoria torna-se básica porque a educação, como organizadora e transmissora de ideias, medeia as ações executadas na prática social. Assim, a educação pode servir de mediação entre duas ações sociais em que a segunda supera, em qualidade, a primeira. Mas também pode representar, como prática pedagógica, uma mediação entre duas ideias, pois a prática pedagógica revela a posse de uma ideia anterior que move a ação. (CURY, 1985, p. 28)

Os diferentes sentidos e oscilações explicitadas nas falas dos professores evidenciam que seus saberes e seus conhecimentos para a realização do trabalho pedagógico podem ser ampliados e revelar novos conhecimentos, agregando-os aos que já detém acerca da atividade docente com a diversidade humana. Trata-se de mediações que sinalizam para outras possibilidades, para novas práxis. Essa ideia também é corroborada pelos professores de pedagogia e matemática em resposta às situações problema 2 e 5, “Ter expectativas de que o outro sempre pode superar-se, mas trabalhar para isso” (P6, 2015).

Pegar um tema que seja do interesse da faixa etária, tem que cuidar isso também, então, fazer debates fazer discussões e depois até pedir a partir desse trabalho oral um trabalho mais escrito que, daí, vai ter um sentido maior de repente para esse aluno e estimulando essas habilidades pra ele se inserir. (M23, 2015)

Na visão desses professores, há possibilidades que devem ser consideradas, o que implica extrapolar os limites do visível imediato. Há, nas proposições desses professores, perspectivas de futuro como um “[...] desdobramento causal do presente, com todas as mediações e acasos possíveis, ele não é jamais uma decorrência direta e imediata da situação atual” (LESSA e TONET, 2011, p.45). Na sequência, outro professor assinala a necessidade de que as condições para aprendizagem sejam colocadas em ação. Com isso, ratifica que a aprendizagem não se dá de forma linear e, nesse direcionamento, ele desafia o acadêmico a pensar novas possibilidades no processo de ensinar e aprender diante da diversidade humana em resposta sobre a situação problema 3,

O próprio professor (no caso o acadêmico) ele tem que perceber que ele não precisa apenas que o aluno saiba ler para que ele esteja aprendendo alguma coisa. As próprias imagens muitas vezes podem ajudar na questão, o visual muitas vezes traz muito mais e pode fazer com que esse aluno seja participativo sem ele ter todas as condições necessárias/esperadas, mas tomando bastante cuidado para que isso não se torne rotina, para que avance no conhecimento. (H41, 2015)

As proposições desses professores mostram o compromisso com uma formação dos licenciandos mais atenta às questões das demandas sociais, sem necessariamente prender-se em deficiência, laudos, limitações; enfim, aspectos que a história mostra ter privado muitos alunos de aprender e viver a vida escolar como sujeitos. Afinal a diversidade entre grupos étnicos, de gênero, de condições biológicas, não pode fundir em uma identidade única, mas ensejar interações com considerações às peculiaridades de cada um. Ao assumir a postura atenta à diversidade que se apresenta na escola, o professor demonstra esforços à compreensão de que,

As consequências dos atos humanos tendem a divergir, em algum grau, da finalidade que está nas suas bases, gerando novas necessidades e possibilidades e, desse modo, obrigando-nos a uma nova ação para atuar sobre as consequências dos nossos atos. (LESSA; TONET, 2011, p. 45)

Trata-se de compreender a unidade na diversidade. Isso implica que em favor de uma suposta igualdade, não se elimine as diferenças, mas contemple-se o fato de que “[...] somos diferentes de fato e queremos ser, agora, diferentes de direito, na escola e fora dela” (MANTOAN, 2002, p. 4).

Com isso, ressalta-se que as análises propiciadas a partir das falas dos professores implicam no desvelamento da realidade de um dado momento histórico no qual se inserem os sujeitos, pesquisados e pesquisador, portanto, longe de esgotar a temática. Entretanto, afirma Konder (2006), que não é pelo fato de que há sempre algo que escape às sínteses atuais, que se deva dispensar-se dos esforços para novas elaborações.

Nessa dimensão, a partir da intenção de aprofundamento do conhecimento da realidade, deve-se investir para além da percepção imediata, aprofundando nas mediações e nas contradições, o que permite avançar a um ponto mais elevado de compreensão. As decisões e as alternativas, antes de serem a representação dos desejos individuais, são expressões da instância maior, como no caso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores (2002 e 2015) e as Diretrizes Curriculares Nacionais de cada licenciatura que direcionam a organização dos Projetos Pedagógicos de Cursos, as diretrizes e políticas de inclusão que são articulados às práxis docente pode sintetizar novas formas de sociabilidade, a partir das necessidades concretas da vida em sociedade. Logo, o que fazem os professores entrevistados, nas suas ações docentes, pode representar a consciência dos condicionantes da totalidade social, assumindo tais condicionantes como possibilidades.

 Assumir a diversidade como condição inerente ao ser humano é papel de docentes e discentes, além dos demais segmentos da universidade, pois cabe ressaltar, conforme Marx (1999), na II Tese sobre Feuerbach, que se o problema sobre o pensamento humano corresponde ou não a uma verdade objetiva não é um problema teórico e sim prático. Isso diz respeito ao papel da universidade na atualidade e, conforme assinala Santos (1999), é preciso discutir os problemas vivenciados na prática social como um problema prático do fazer docente, na academia, o que leva a repensar o caráter puramente técnico desenhado nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC), bem como sobre o modo que estes PPCs dialogam com um projeto societal mais amplo.

Considerações finais

Este estudo possibilitou reflexões acerca da diversidade humana como inerente ao gênero humano evidenciando que, o que os sujeitos são ou serão é resultado das relações e interações estabelecida com o meio social. Constatou-se que a deficiência é uma construção histórica demarcada por binarismo que categorizam pessoas em normal, anormal, eficiente, deficiente, capaz e incapaz, dentre outros, que findam por imprimir tensões entre inclusão ou exclusão.

As tensões evidenciadas na prática social consolidam um modelo de políticas e instrumentos institucionais que ratificam dualismos fundados em processos categoriais. As próprias leis e políticas ratificam adjetivações distintivas entre professores especializados e professor de ensino comum, ensino especializado e ensino regular. Esse modelo, que contraditoriamente advoga pela inclusão, impulsiona ideologias e representações que na prática formativa ora se revela como reiterativo, ora como possibilidade para novas práticas.

Constatou-se que as contradições que demarcam espaços são as mesmas que exigem práticas inovadoras. A forma como se concebe e reconhece o outro vai delinear as formas de agir e interagir frente às condições de diversidades, que se apresentam ao acadêmico no processo formativo.

Constatou-se também que as tensões entre incluir ou excluir se configuram por práticas e ações que defendem a inclusão de toda a forma de diferença, ou por ações que clamam por espaços e professores especializados como o ideal para o aluno que não aprende.

Esta questão evidencia o desafio de se propiciar na academia um processo formativo articulado às demandas da prática vivenciada na educação básica. Ao lidarem com situações do cotidiano da escola básica, os professores formadores podem promover rupturas com o ideário de escola homogênea e a busca pela valorização da diversidade humana como condição necessária à aprendizagem.

Conhecer quem é esse sujeito que provoca tensões na escola, que lugar esse sujeito ocupa na relação conhecimento-aprendizagem-manifestação de suas leituras e interpretações, pode possibilitar um processo formativo mais articulado e menos seletivo.

Foi possível compreender que o trato pedagógico com a diversidade humana é complexo, mas necessário, por isso exige que se avance na construção de práticas educativas que contemplem o uno e o múltiplo, o que significa, portanto, romper com a ideia de homogeneidade e de uniformização que ainda é presente no campo educacional.

 

            Como um processo tenso, as possíveis proposições dos professores universitários ao acadêmico em formação evidenciam por um lado a reprodução do discurso legal e, por outro lado, anseios por ultrapassar o teor das letras legais.

Nesse sentido, alguns aspectos importantes foram anunciados pelos professores como a questão de as dificuldades serem comuns na escola. Essa afirmativa revelou a compreensão de que não responder a uma determinada expectativa não é exclusividade desse ou daquele aluno, e que o respeito aos saberes do aluno, a valorização da capacidade de entendimento que cada um deles tem do mundo, e de si mesmos, é conhecimento necessário ao acadêmico ao atuar no contexto da diversidade humana.  Esses aspectos pontuados pelos professores reafirmam a necessidade de se promover situações de aprendizagem diversificadas que extrapolem o espaço tradicional, cujas relações expressam diferentes possibilidades de interpretação e de entendimento.

Percebeu-se que não há uma postura consensual entre os professores, mas o investimento no diverso e na riqueza de um ambiente que confronta significados, desejos e experiências. Ao intencionarem que seus acadêmicos desenvolvam atividades diversificadas e trabalhem interdisciplinarmente, o professor busca garantir a manifestação da diversidade humana expressa nas formas diferenciadas de aprender e evidenciar o aprendido. Nesse enfoque didático-pedagógico, o docente nega posturas que rejeitem a possibilidade de aprender a partir do que se sabe e avançar a outros patamares. Afinal, segundo Skliar (2003a), não é ruim ser o que se é, e não é ruim ser além daquilo que já se é e/ou se está sendo.

As discussões latentes nas falas dos professores dizem respeito a repensar os padrões e os valores que regulam as relações no processo formativo. Por isso, a reflexão aqui efetuada perpassa pelo reconhecimento da diversidade como pauta de reinvindicações no cerne do processo educativo.

Com base nas falas dos professores, a discussão a respeito da diversidade humana não pode ficar restrita à análise de um determinado comportamento ou de uma resposta individual, mas ampliar para a forma de como a universidade tem se organizado e se relacionado com a dinâmica social.

Finalmente, do confronto, do conflito das tensões que o binário inclusão e exclusão provoca, foi possível vislumbrar um caminho possível para o atendimento à diversidade humana, no processo de formação de professores, o que pode impulsionar novas sínteses e novas práticas pedagógicas, sociais e políticas.

 

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