Educação (em tempo) Integral e Proteção Social na Baixada Fluminense: Retratos de uma Trajetória Conjunta
Full-Time Education and Social Protection in the Baixada Fluminense: Portraits of a Joint Path
Margareth Correa Silva
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
margarethcorreas@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-2671-3995
Janaina Specht da Silva Menezes
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
janainamenezes@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0001-5839-7256
Recebido em 10 de agosto de 2020
Aprovado em 17 de janeiro de 2022
Publicado em 19 de maio de 2022
RESUMO
No Brasil, a trajetória desigual e injusta de grande parte dos estudantes vem contribuindo para que, no contexto das políticas públicas em educação, avancem as discussões acerca da necessidade de ampliar a jornada escolar para o tempo integral.
A oferta do tempo integral, tendo como uma de suas intenções o oferecimento de maiores oportunidades educacionais, vem sendo, cada vez mais, associada ao atendimento a alunos em situação de vulnerabilidade social, condição essa associada à ideia de proteção social. Sob essa perspectiva, este trabalho – que tem como objetivo discutir as relações entre educação em tempo integral e proteção social, no contexto da educação básica pública – partindo de pesquisas bibliográfica e documental, delimita como campo de investigação uma escola pública, localizada na Baixada Fluminense, que desenvolve uma proposta de educação em tempo integral e cuja maioria dos alunos vivencia, em maior ou menor grau, a condição de vulnerabilidade social. A partir de discussões teóricas, o artigo apresenta o conceito de proteção social como relacionado não apenas à concretude da sobrevivência humana, englobando, também, aspectos que buscam assegurar uma cidadania plena, como as condições socioculturais, dentre as quais a educação se insere. Revela ainda, entre seus resultados, que a proposta de educação em tempo integral pesquisada, ao oferecer uma formação escolar mais ampla, caminha na direção da inclusão social e da garantia dos direitos sociais, assumindo assim um caráter de política de proteção social, matéria relevante, tendo em vista as dinâmicas de desigualdade fortemente estruturadas em nosso país.
Palavras-chave: Educação em tempo integral; Vulnerabilidade social; Proteção social.
ABSTRACT
In Brazil, the unequal and unfair trajectory of most students has been contributing to the discussions on the need to extend the school day to full time in the context of public policies in education.
The offer of a full-time school, having as one of its intentions, ensure greater educational opportunities, has been increasingly associated with the care of students in situation of social vulnerability, a condition intrinsically connected with the idea of social protection. From such perspective, this work - which aims to discuss the relations between full-time education and social protection in the context of public basic education - based on bibliographical and documentary research, clearly defines as a field of investigation, a public school located in the Baixada Fluminense, a suburban area of Rio de Janeiro, which develops a proposal of full-time education and whose majority of students experience, to a greater or lesser degree, the condition of social vulnerability. Based on theoretical discussions, the article presents the concept of social protection as related not only to the concreteness of human survival, but also to aspects that aim to ensure full citizenship, such as socio-cultural conditions, among which education is included. It also reports, among its results, that the proposal of full-time education, here investigated, when offering a broader school education, moves towards social inclusion and the guarantee of social rights, assuming the character of a social protection policy, a relevant matter, given the dynamics of inequality strongly structured in our country.
Keywords: Full-time education; Social vulnerability; Social protection.
Introdução
Ainda que de forma inconstante, a temática da educação em tempo integral conta com destacada trajetória no campo educacional brasileiro, refletindo as configurações políticas e históricas que, sequencialmente, vêm sendo delineadas em nosso país. Os debates sobre o tema recrudesceram especialmente a partir do lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)[1], que conjugou, entre suas políticas, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) (BRASIL, 2007) – cuja distribuição de recursos passou a contemplar, de forma inédita, a educação em tempo integral (Coautor(a), 2012) – com o Programa Mais Educação (PME), que, a partir da ampliação da jornada escolar para o tempo integral, objetivava contribuir para o avanço da aprendizagem dos alunos (BRASIL, 2007a). Em data mais recente, destaca-se a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, que, em meta específica, estabelece que, ao final do decênio de sua vigência, no mínimo 25% das matrículas da educação básica deverão ser direcionadas ao tempo integral, contemplando, pelo menos, 50% das escolas públicas (BRASIL, 2014, Meta 6).
Concomitantemente, a ampliação da jornada escolar – que, em geral, declara ter como um de seus objetivos oferecer maiores oportunidades educacionais aos alunos – acaba por aproximar a instituição escolar, em sua função pedagógica, de aspectos da vida dos educandos ligados ao contexto sociocultural e relacional em que estão inseridos. Nesse âmbito, as aproximações entre as questões sociais e educacionais levam a indagar sobre as possibilidades de a escola exercer seu papel formativo, tendo em vista, sobretudo, as profundas desigualdades sociais e educacionais incrustadas na realidade brasileira.
Marca indelével de nossa sociedade, a desigualdade social vem se perpetuando como um dos maiores desafios a serem superados, na direção do atendimento aos princípios constitucionais de igualdade de direitos e cidadania apresentados na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, Art. 5°). A condição de vulnerabilidade e de privação de direitos, que atinge significativa parcela da infância e adolescência, reverbera no campo educacional, afetando a adaptação e a permanência desses sujeitos na escola, fato que incita a refletir sobre as possíveis (des)conexões entre as políticas educacionais e as políticas sociais.
Junto a isso, observa-se que, na década de 1990, o conceito de proteção começa a se destacar no campo das políticas sociais e educacionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído a partir da Lei nº 8.069/1990 (BRASIL, 1990), adota a chamada Doutrina da Proteção Integral, por meio da qual crianças e adolescentes passam a ser vistos como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral. A legislação passa a localizar a criança e o adolescente como cidadãos com direito a um desenvolvimento global, ao mesmo tempo que, no campo da assistência social, passam a conquistar maior destaque as discussões sobre riscos sociais, insegurança e desproteção, eventos regulados pelo sistema de proteção social (DELGADO; JACOUD; NOGUEIRA, 2008).
Paralelamente, a educação – constitucionalmente apresentada como um direito social (BRASIL, 1988, Art. 6°) – passa a ser, cada vez mais, implicada nessa rede de proteção por meio de políticas e programas específicos, em sua maioria com origem no governo federal e financiada com recursos oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Sendo assim, este artigo – que tem como objetivo discutir as relações entre educação em tempo integral e proteção social, no contexto da educação básica pública – parte de um referencial teórico mais amplo, associado às políticas sociais e educacionais, e delimita como campo de investigação uma escola pública, localizada em um município da Baixada Fluminense, que desenvolve uma proposta de educação integral em tempo integral e cuja maioria dos alunos vivencia, em maior ou menor grau, a condição de vulnerabilidade social.
Afora esta introdução, este trabalho conta com outras cinco seções. Na segunda, apresenta-se uma breve conceituação das políticas sociais públicas, chegando à temática da proteção social e suas relações com o campo educacional. Na terceira, discute-se a educação em tempo integral desenvolvida na perspectiva do alcance de uma educação integral. Na quarta, traz-se, de forma ampla, o município, a escola e a pesquisa realizada. Na quinta, é abordada a relação entre educação (em tempo) integral e proteção social diretamente no campo de pesquisa. Por fim, a última seção agrega algumas considerações gerais sobre o trabalho.
Proteção social e educação escolar
A compreensão sobre o papel das políticas públicas se relaciona ao conceito de Estado de bem-estar social (POCHMANN, 2004), a partir do qual as políticas não se restringem apenas à prestação de serviços sociais ou à garantia de renda aos pobres, devendo preocupar-se, sobretudo, com a criação de mecanismos de redistribuição de renda, bem como com a garantia de direitos sociais fundamentais.
Ao tratar dessa temática, Sposati (2011) compara o desenvolvimento das políticas sociais na Europa e na América Latina, apontando para percursos bastante diferenciados[2] em que, na América Latina, se pretendeu seguir modelos europeus, desconsiderando importantes fatores históricos, como a escravidão negra e a servidão indígena, que culminaram em severa segregação social, obstaculizando a criação de sistemas latino-americanos igualitários. Para a autora, a proteção social, enquanto política pública, não se vincula propriamente “à provisão de condições de reprodução social para restauração da força viva de trabalho humano, mas sim deve buscar atender às demandas da vida humana em sociedade, exposta a vitimizações e fragilidades” (SPOSATI, 2013, p. 653). Contudo, no Brasil, os sistemas de proteção social, definidos inicialmente por seu aspecto contributivo[3] e elaborados para dar suporte ao processo de industrialização e ao trabalho formal, privilegiaram o acesso da população branca, excluindo, por exemplo, as populações afrodescendentes, indígenas e rurais. Nesse contexto, Sposati (2011, p. 106) sinaliza que a proteção social pautada na condição do trabalho formal, e não da cidadania, se caracteriza pela “monetarização da política social”, alternativa que se distancia da política social “como efetivadora de garantias sociais a todos os cidadãos”. Ao contrário, os sistemas de proteção social – que objetivam a realocação de benefícios sociais, com vistas a promover maior nível de igualdade social – consistem em ações e medidas protetivas direcionadas à garantia dos direitos dos cidadãos e desenvolvem-se no campo das políticas públicas, englobando ações na área da saúde, da previdência e da assistência social (PEREIRA, 2002).
De acordo com a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2005), no Brasil os sistemas de proteção social começaram a ser reconfigurados a partir da Constituição Federal (CF) de 1988. Esse ordenamento reconheceu o direito universal à proteção social a partir de demandas que envolveram o diagnóstico da realidade brasileira, na década de 1980, em relação à sua dívida social, e os limites da proteção social contributiva, ao não incluir as camadas mais pobres da população nos serviços de proteção e assistência (DELGADO; JACOUD; NOGUEIRA, 2008).Tal processo, deflagrado pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n° 8.742/1993 (BRASIL, 1993), redefiniu a assistência social brasileira, direcionando-a “para seu caráter de política de Proteção Social articulada a outras políticas do campo social, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida” (BRASIL, 2005, p. 31). Passa, então, a se constituir como objetivo da proteção social “garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar” (BRASIL, 2005, p. 31). A respeito de segurança de sobrevivência, Di Giovanni (1998 apud BRASIL, 2005) esclarece que engloba não apenas a concretude da existência humana, ou seja, os aspectos materiais, mas também os culturais, permitindo relacionar a formação e o preparo do cidadão para a vida em sociedade à temática da proteção social, aproximando-a, por conseguinte, do campo educacional.
Relacionada à temática da proteção social está a abordagem das vulnerabilidades, uma vez que a condição de vulnerabilidade social de um cidadão se manifesta na proporção inversa da proteção a ele oferecida pelo Estado. Semzezem e Alves (2013) procedem a uma revisão bibliográfica do conceito de vulnerabilidade social definindo-o como multifacetado, de forma que a condição de vulnerabilidade pode advir de variadas situações que acometem indivíduos, famílias ou populações. Nesse sentido, tal condição não se restringe à situação de pobreza, dificuldades materiais ou de sobrevivência, vinculam-se ainda a dificuldades relacionais e culturais, já que elas interferem na forma de viver das famílias (SEMZEZEM, ALVES, 2013).
Os cidadãos, quando privados de um instrumental e de uma rede de relações materiais, sociais e culturais, pouco a pouco acabam por perder sua capacidade responsiva e relacional no meio em que convivem, tornando-se progressivamente incapazes de administrar sua vida pessoal e familiar e, por conseguinte, cada vez mais dependentes de um Estado que, por sua vez, não oferece respostas efetivas a essa situação, estabelecendo-se, portanto, um círculo vicioso. Assim, a relação entre vulnerabilidade e ausência de recursos financeiros não atende à complexidade da dinâmica das desigualdades sociais sendo introduzidos nessa discussão os conceitos de riscos sociais, insegurança e desproteção. Indivíduos descobertos por canais de proteção pública – trabalho, saúde, educação, redes sociorrelacionais, dentre outros – demandam políticas públicas que busquem prevenir e enfrentar tais situações de vulnerabilidade e risco.
Monteiro (2011) discute o alargamento do conceito de vulnerabilidade social a partir da década de 1990, o qual se desloca do foco exclusivo no indivíduo, passando a compreender múltiplos fatores, dentre eles aspectos do contexto social. Por sua vez, a abordagem desses aspectos deve se vincular à dinâmica das desigualdades sociais e a características da sociedade capitalista, caso contrário, não irá atingir os condicionantes das vulnerabilidades, o que a autora denomina como lógica paliativa, atrelada aos sujeitos e não à estrutura social. Ressalta-se então que a compreensão das vulnerabilidades e das desigualdades sociais, focada na pobreza, e o seu combate apenas pela distribuição de renda, ainda que tal distribuição seja essencial, não atende à complexidade desses eventos (AZEVEDO, BURLANDY, 2010; SPOSATI, 2011).
Apresentando a educação como um direito social, e, portanto, implicada nas políticas de proteção social, tende-se a afirmar – tendo em vista a trajetória das políticas educacionais neste país e as configurações que se desenvolvem a partir delas – que se caminha a passos lentos quanto ao objetivo da igualdade de direitos no campo educacional. A título de exemplo, os desdobramentos das reformas educacionais da década de 1990 apontam para um movimento de desresponsabilização política e financeira do Estado, culminando com a não universalização da educação pública, em seus diferentes níveis e etapas, e uma crescente mercantilização desse direito fundamental (MOTA JÚNIOR; MAUÉS, 2014). Nessa direção, Frigotto (2011, p. 242) pontua que as reformas citadas alteraram aspectos do cenário educacional, porém não desconfiguraram “nossa herança histórica que atribui caráter secundário à educação como direito universal e com igual qualidade”. Esse direito parece ser ainda privilégio de uma minoria, formato que se estabeleceu a partir de circunstâncias que remontam ao período imperial e que, de certa forma, continuam a influenciar as dinâmicas do campo educacional atual (AZEVEDO; BURLANDY, 2010). Atrelada a esse fato está a dualidade de nossa escola, que vem apresentando um projeto para os não privilegiados. No decorrer da história, tais marcas sofreram alguns atenuantes, mas nunca deixaram de existir, em maior ou menor grau, sendo seus desdobramentos percebidos até os dias de hoje.
Em face do panorama apresentado, torna-se imperativo um reposicionamento das políticas públicas quanto ao objetivo da garantia dos direitos sociais fundamentais, entre eles, destaca-se o papel decisivo da educação no enfrentamento das desigualdades sociais. Nessa perspectiva, Ribeiro (2011) relaciona a reprodução intergeracional das desigualdades sociais à desigualdade de oportunidades educacionais. Em seu estudo sobre a dinâmica das desigualdades no campo educacional, o autor analisa os efeitos da estrutura do sistema educacional brasileiro e dos recursos familiares na reprodução e superação das desigualdades de oportunidades e dos resultados educacionais. Ao analisar as relações entre as características das famílias, instituições e a educação, pontua que as condições de vida das famílias e as características das instituições frequentadas incidem diretamente nas oportunidades e nos resultados educacionais dos indivíduos.
Indo ao encontro dos estudos de Ribeiro (2011), Souza (2011) discorre sobre o papel da escola e da família na escolarização das classes mais favorecidas, quando alinhados ao objetivo da formação e do sucesso escolar. O autor apresenta a relação entre processos escolares, família e afetividade como decisivos na constituição de um percurso educacional exitoso, o qual incide em maiores oportunidades educacionais e sociais. Posiciona, assim, os alunos de classes populares em situação de grande desvantagem nesse processo, já que, em geral, não trazem de seu meio social e familiar as bases dessa relação.
A partir dessas reflexões, indaga-se sobre possíveis contribuições da temática da educação em tempo integral diante do contexto educacional brasileiro, permeado por desigualdades sociais e educacionais.
Educação (em tempo) integral
É relevante pontuar, a priori, que a expressão educação integral em tempo integral (EITI) envolve a junção de duas compreensões – educação integral (EI) e tempo integral (TI) –, cuja existência pode se dar de forma independente uma da outra, embora sua conjunção no ambiente escolar seja almejada. Se a compreensão de educação integral envolve uma concepção de educação onde são considerados os diversos aspectos do desenvolvimento do aluno, a citar, intelectuais, morais, filosóficos, físicos e artísticos, indo ao encontro de uma visão mais completa de formação humana[4], já a definição de tempo integral é caracterizada como uma quantificação da jornada escolar, expressa no ordenamento normativo nacional[5], correspondente a, no mínimo, sete horas diárias. Entende-se, assim, que o tempo integral, quando devidamente estruturado e organizado, pode se constituir importante estratégia voltada para a consecução de uma concepção de educação integral.
As discussões sobre a educação integral e o tempo integral remetem ao pensamento de Anísio Teixeira, o qual, segundo Nunes (2010), ressaltou a importância do investimento na infância como a raiz das mudanças sociais, da função social da educação, da escola de formação de hábitos e do desenvolvimento da sociabilidade, preparando o aluno não só para o trabalho, mas para a participação social, para o desenvolvimento do senso crítico e da capacidade de julgar, escolher e posicionar-se na sociedade. Pensou, assim, uma concepção de escola que preconiza o tempo integral, cujas responsabilidades e tarefas se ampliavam para além da simples transmissão de conteúdos e da escola alfabetizadora, propagada por algumas correntes político-filosóficas da época. As ideias de Anísio – ainda que não tenham abordado diretamente uma concepção de educação integral em tempo integral – posicionam a escola como um instrumento de promoção de justiça social (NUNES, 2010), compreensão bastante atual no campo educacional brasileiro, perpassado por altos níveis de exclusão e desigualdade social, marca de nossa escola e sociedade. Na prática, a realidade educacional brasileira vem contribuindo para que os debates que abarcam a associação da escola de tempo integral ao avanço da qualidade do ensino e/ou à diminuição das desigualdades educacionais venham se adensando na academia e na literatura (GUARÁ, 2006; MAURÍCIO, 2009; ARROYO, 2012).
Historicamente, a escolarização das classes populares tem se limitado a um tempo precário, exíguo, e a conteúdos básicos, superficiais, essenciais para o ingresso no mundo do trabalho. A mudança dessa realidade demanda o esforço de despertar o interesse pelo aprendizado e pelo conhecimento (GIOLO, 2012). Segundo o autor, nessas classes a maior parte dos sentidos e prazeres ligados à vida e à sociabilidade está fora da escola, de tal forma que o contexto escolar, em especial o destinado às classes populares, deve ser “organizado e forte o suficiente para provocar no aluno uma verdadeira ruptura entre os esquemas mentais ditados por uma cultura prática, oral e visual, em favor de uma cultura escrita e intelectualizada” (GIOLO, 2012, p. 99). Nesse contexto, para se consolidar a igualdade de condições de acesso e permanência das crianças e adolescentes das classes populares na escola, a fim de que tenham as mesmas oportunidades que contam os alunos oriundos da classe média, faz-se necessário um “tempo de permanência na escola com espaços variados e ao longo do dia inteiro, com acesso a linguagens e circunstâncias diversas” (MAURÍCIO, 2009, p. 55).
Arroyo (2012, p. 45) sinaliza que o tempo de escola é insuficiente diante da situação de precariedade da infância brasileira, em sua “totalidade quebrada em seu direito mais elementar”. O autor vê na ampliação da jornada escolar uma possibilidade de “alargar o direito à educação, ampliar o ofício de ensinar-educar” (ARROYO, 2012, p. 45) e assinala que o aumento da oferta de ensino demanda novas políticas educacionais e uma nova organização do binômio tempo-espaço escolar, proporcionando a essa infância, privada de condições básicas de existência, um viver mais justo e digno. Ressalta, porém, que é necessário avaliar com cuidado os pontos de vista que motivam as práticas de ampliação de tempo escolar.
Cavaliere (2007), por sua vez, identifica, ao menos, quatro visões diferentes de propostas de tempo integral no cenário brasileiro: a visão assistencialista, a partir da qual as prioridades da escola se organizam em torno da socialização e dos cuidados básicos, direcionada para os alunos em situação vulnerável ou em condições familiares precárias; a visão autoritária, que traz consigo a ideia da escola como instituição de controle e prevenção da violência e da delinquência, tendo como um segundo objetivo a formação para o trabalho; a concepção democrática, para a qual o tempo integral viabilizaria a proposta de “uma educação mais efetiva do ponto de vista cultural, com o aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências democráticas” (CAVALIERE, 2007, p. 1029); e, por fim, a concepção multisetorial, apresentada como a mais recente, em que a responsabilidade pelos processos educativos é compartilhada com outras instituições, não necessariamente governamentais, descentralizando o papel da escola pública e do Estado, no que tange à garantia de educação para todos os cidadãos.
Logo, no contexto da educação em tempo integral podem ser adaptadas diferentes propostas e formas de utilização desse tempo, as quais incidirão em diferentes concepções de formação escolar. No campo educacional, um dos desdobramentos dessa argumentação tem sido a associação entre educação integral e tempo integral como estratégia voltada para a introdução de uma nova proposta de ensino ofertada aos mais vulneráveis, e, portanto, àqueles em condições desfavoráveis de desenvolvimento e aprendizado. Conjuga-se nessa associação – educação integral e tempo integral – o objetivo da proteção social de alunos.
Na sequência, com vistas a discutir a relação entre educação em tempo integral e proteção social, aborda-se uma experiência de educação em tempo integral desenvolvida na perspectiva da educação integral, realizada em uma escola cuja maioria dos alunos vivencia condições de vulnerabilidade social. Antes, contudo, ainda que brevemente, apresenta-se o município e a escola investigados, bem como alguns aspectos relativos ao delineamento da pesquisa.
O município, a escola e a pesquisa
Localizado na Baixada Fluminense e integrante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o município pesquisado – Mesquita – juntamente com Nova Iguaçu e Nilópolis, compôs, nos anos de 2012 a 2016, a terceira região de maior letalidade violenta[6] do estado do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2017). De modo geral, o município apresenta baixos resultados associados aos indicadores sociais e, de acordo com o IBGE (2017), situa-se em posições abaixo da média quanto aos indicadores de economia, trabalho e renda, quando comparado aos resultados do estado e do país. Em 2015, os valores associados ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para os anos iniciais e finais do ensino fundamental da esfera municipal atingiram, respectivamente, 4,8 e 3,6, resultados abaixo das médias do estado do Rio de Janeiro (5,2 e 4,0) e do país (5,5 e 4,5) (BRASIL, 2016).
Foi o Programa Mais Educação (PME) (BRASIL, 2007; BRASIL, 2010) que, de forma pioneira, levou o debate sobre a educação integral e o tempo integral ao sistema municipal de ensino de Mesquita, sendo que sua implantação[7], em 2009, subsidiou as discussões que culminaram com a criação de uma proposta própria de educação em tempo integral voltada para o desenvolvimento de uma educação integral, por parte do município (BRASIL, 2015; DUQUE, 2017; OLIVEIRA, 2014). Construída gradualmente e implantada no ano de 2014, tal proposta constituiu-se resultado do aprofundamento da temática em âmbito municipal e da interlocução entre os diversos atores que deveriam se envolver na sua implantação (BRASIL, 2015; COAUTOR(A) e OUTROS, 2018).
Por sua vez, a escola na qual a pesquisa[8] foi realizada correspondeu ao primeiro estabelecimento de ensino a implantar a proposta desenvolvida pelo/para o sistema municipal de ensino de Mesquita/RJ. Na prática, o PME teve significativa importância para o município tanto na estruturação da política de educação em tempo integral do município quanto, durante os anos iniciais de sua implantação, por possibilitar significativo aporte de recursos financeiros, humanos e materiais (COAUTOR(A) e OUTROS, 2018).
Constituíram-se fatores preponderantes para a inserção na pesquisa o fato de o município ser marcado pela presença de populações socialmente vulneráveis, com escolas situadas em áreas de risco social, bem como de a escola mencionada ter implantado, na forma de uma experiência-piloto, o primeiro programa próprio de educação em tempo integral concebido no âmbito municipal. De cunho prioritariamente qualitativo, a pesquisa compreendeu as etapas de levantamento bibliográfico e documental (LAKATOS, 2003); a realização de observações de campo (BARDIN, 1977), de entrevistas[9] semiestruturadas (FERREIRA; MOURA, 2005) e de grupos focais (KIND, 2004). Os resultados das entrevistas foram analisados a partir da realização da análise de conteúdo (MORAES,1999).
Educação (em tempo) integral e proteção social em um contexto de vulnerabilidade social
A proposta própria do município de educação em tempo integral, desenvolvida na perspectiva de uma educação integral, foi (re)estruturada ao longo dos quatro anos em que foi implementada na escola (2014 a 2017), podendo ser percebida como sedimentada na prática de seus educadores, influenciando positiva e significativamente o processo de formação dos alunos. As entrevistas apontam sua importância para o desenvolvimento dos alunos, a despeito de todos os obstáculos advindos do término do PME[10] , geralmente relacionados a questões políticas e de organização. As entrevistas indicam que a educação em tempo integral oferecida na perspectiva de uma educação integral trouxe resultados expressivos não só quanto aos aspectos da formação escolar, mas também em relação ao preparo para a vida e para a cidadania. A esse respeito, a coordenadora da escola destacou:
[...] a questão da autonomia, a questão da democracia, do ouvir, do falar, da construção do grêmio [...] [...] então você percebe esses alunos com uma outra postura diante de tudo: são mais críticos, são menos passivos em determinadas coisas, sabem reivindicar, sabem falar, sabem ouvir, é importante saber ouvir. Sabem o limite da reivindicação dos direitos.
A concepção de educação integral em questão, ao preconizar a ideia de formação ampla – que envolve os variados aspectos da condição humana em sociedade – acaba por deter um potencial transformador da vida dos alunos, associando-se ao caráter emancipador da educação, ao mesmo tempo que se aproxima dos objetivos das políticas de proteção social.
Assim, para investigar a relação entre educação integral em tempo integral (EITI) e proteção social, trabalhou-se com duas categorias[11] de análise que foram construídas tomando-se por base o conceito de proteção social, de acordo com sua redefinição pela LOAS (BRASIL,1993), aqui já referido. A primeira categoria, nomeada materialidade da condição humana, apresenta a proteção social envolvendo elementos como segurança pública, moradia e saneamento básico, serviços de saúde e alimentação, refere-se, por conseguinte, aos eventos que compõem a realidade objetiva dos sujeitos da pesquisa. Já a segunda categoria, nomeada segurança de sobrevivência, apresenta a proteção social relacionada ao processo de formação humana e ao preparo para a vida em sociedade, ultrapassando seus aspectos concretos. Esta categoria compreende, assim, o acesso à educação e a bens culturais que se constituem como essenciais para o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens.
No contexto da experiência da escola pesquisada, a maior parte dos sujeitos entrevistados definiu a proteção social relacionada apenas à categoria materialidade da condição humana, ou seja, relacionando-a, por exemplo, à oferta de alimentação, de abrigo para os estudantes cujos pais precisam trabalhar e à proteção quanto à realidade de violência e marginalidade a que estariam expostos, caso não estivessem sob o resguardo da escola.
[...] no tempo integral, o tempo que você poderia perder para poder ir para um lado ruim da vida, viver vendendo coisas que não são para vender, fazendo coisas que não são boas, coisas que são más para as nossas vidas, você pode estar dentro de uma escola (Aluno 2).
[...] ficamos seguras aqui dentro, aqui a gente se desenvolve com pessoas que não são do mundo [do crime] [...], que não roubam, não estão na rua para ficar vendendo drogas. Isso ajuda a gente muito, é a nossa proteção social (Aluna 1).
O nosso objetivo nunca foi o de: “é melhor estar aqui dentro independente do jeito que esteja, do que estar na rua”. Nunca foi isso! [...] Nosso foco principal é a questão mesmo da formação humana da criança, mas que existe essa proteção social, sem dúvida [existe] (Diretora).
Conclui-se que a categoria materialidade da condição humana abarca temas que compõem o conceito de proteção social mais próximo do senso comum, isto é, a proteção relacionada à concretude da vida em sociedade. Vale enfatizar que a questão da exposição à violência, à criminalidade e a outras formas de vulnerabilidade é tão marcante na realidade social dos sujeitos entrevistados, que faz com que identifiquem no tempo integral uma alternativa para esses eventos. Assim, a associação dessa categoria à proposta da escola se fez presente na fala da maioria dos entrevistados, mesmo daqueles que também associam essa proposta à categoria intitulada segurança de sobrevivência, que discutiremos a seguir. Relacionado a esse fato, encontra-se ainda o desafio do aprofundamento das reflexões associadas à proteção social em suas relações com o campo educacional, necessário para que a discussão avance para além da materialidade da proteção social. Por outro lado, a substancialidade e a urgência das questões sociais que invadem a escola pública brasileira em seu dia a dia, acabam por interferir em suas práticas pedagógicas e na forma como ela é percebida pelos entrevistados.
Eu acho que a educação integral, se ela realmente acontece com todo o suporte que precisa - porque ela precisa de um suporte tanto profissional quanto material e estrutural também - pode sim ter um resgate social dessas crianças. Como eu falei, ali elas têm possibilidade de descobrir outras coisas, além do que está na comunidade delas, que veem todos os dias: violências, drogas, enfim, determinados tipos de abusos. A escola acaba sendo o único lugar que elas têm acesso a um bem do Estado, eu acho que é a única ação do Estado sobre a vida delas. Eu acho que é isso que é o mais importante [...] não é só deixar o aluno ali trancado dentro da escola protegido, porque ele não está protegido totalmente. (Coordenadora)
Relacionam-se as falas “resgate social” e “a escola acaba sendo o único lugar que elas têm acesso a um bem do Estado, eu acho que é a única ação do Estado sobre a vida dela” à materialidade e aos aspectos subjetivos da proteção social, quando se considera que tal resgate é viabilizado por meio do direito a uma educação de qualidade que possa transformar as circunstâncias da vida do aluno.
Confrontam-se então as responsabilidades da escola e do Estado para com o aluno, remetendo ao questionamento sobre o papel da escola pública atual, que vem se caracterizando pela ampliação de suas tarefas, relegando para o segundo plano seu principal objetivo, qual seja, o da formação escolar (ALGEBAILE, 2009). O aumento da jornada escolar e a priorização do atendimento a estudantes em situação de vulnerabilidade social, previstos em algumas propostas de educação em tempo integral, colocam a temática da educação integral em tempo integral no centro dessa discussão. Contudo, a relevância e a pertinência desses questionamentos sobre o papel da escola pública atualmente – os quais acabam por envolver a temática da EITI – não devem encobrir o potencial emancipador de uma proposta de educação integral em tempo integral.
As falas que se seguem refletem esses impasses: alguns entrevistados, diante da desafiadora realidade da escola pública brasileira e/ou daquilo que vivenciam em sua prática educacional, vislumbram na proposta de EITI alguns caminhos em relação à reconfiguração do papel da escola e do Estado, quanto à formação e inserção social dos alunos. Associam educação e proteção social, priorizando a categoria segurança de sobrevivência, ou seja, os fatores culturais e educacionais que viabilizam maiores oportunidades de formação para o aluno.
Proteção social, para mim, é quem está nos protegendo, quem está cuidando dos futuros cidadãos dessa cidade, desse país. Para mim, proteção social é quem está cuidando da educação, quem está cuidando... quem está acreditando em nós, quem está nos protegendo, está colocando ferramentas na nossa frente pra gente poder seguir para um Brasil melhor, e é isso! (Aluna 1).
Aí a gente tem que dialogar com esse aluno, [...] você precisa convencer esse aluno que estudar não é só copiar dever, você precisa fazer nascer nele a necessidade de querer mais da vida do que simplesmente ser apontador do jogo de bicho, porque ele precisa querer mais do que simplesmente copiar o dever (Prof. 1, Grifos nossos).
É importante trazer aqui o pensamento de Paro (2009), quando afirma que a instituição escolar precisa fazer sentido na vida do aluno. O autor defende a concepção de educação integral ao argumentar que “não basta se propor a ensinar a ler e escrever: é preciso levar as pessoas a terem necessidade da leitura e da escrita. A escola que aí está, fracassa, portanto, porque é parcial” (PARO, 2009, p. 20). Giolo (2012) segue nessa mesma direção ao identificar na educação integral em tempo integral a possibilidade de uma “escola forte ”, capaz de despertar o interesse pelo conhecimento e pela cultura intelectualizada, essenciais para a inserção desses alunos na sociedade. Tais aspectos são identificados na entrevista que se segue:
Então o que se percebeu com os estudos é que com essas possibilidades o leque de oportunidades se abriria [...] porque a vulnerabilidade não está relacionada somente ao risco à vida, mas também é um risco ao que não se aprende. Quando você não aprende, você não se torna capaz. Você não desenvolve as habilidades que você tem (Prof. 1)
O pensamento da entrevistada vai ao encontro das reflexões dos autores anteriormente citados, que acreditam que a concepção de formação ampla que permeia a educação integral e mobiliza aspectos sociais, culturais, artísticos e éticos, somada à educação escolar é fundamental ao pleno desenvolvimento e inserção social do aluno. Diante disso, torna-se relevante o papel da EITI em relação à condição de vulnerabilidade, emergindo como uma forma de proteção social mais valiosa do que a proteção relacionada apenas aos aspectos materiais da condição humana em sociedade.
Algumas considerações
Na abordagem da educação em tempo integral, enquanto política pública, em sua relação com a proteção social, evidenciam-se dois aspectos. O primeiro deles se refere ao cenário político e econômico que norteia as ações e propostas para o campo educacional. Deve-se, portanto, interrogar a respeito dos objetivos e das concepções que fundamentam as políticas públicas em educação, contextualizando-as face a esse cenário. Este é um debate complexo que cumpre um papel significativo nas dinâmicas do campo educacional nos dias atuais, já que tais concepções irão determinar a natureza dessas propostas, bem como seus propósitos.
O segundo aspecto vincula-se ao primeiro quando diz respeito ao papel exercido pelas desigualdades sociais – constituídas a partir de uma dada configuração política e econômica – nas desigualdades educacionais e de oportunidades. Essa conjuntura requer uma análise mais criteriosa das atribuições da escola frente à dinâmica das desigualdades, já que essa instituição, enquanto reprodutora de uma ordem social, está implicada nesse contexto, e, portanto, deve buscar estratégias para se contrapor a essa situação, sendo uma delas a de oferecer mais àqueles alunos que estão em situação de desvantagem.
Na escola pesquisada, tendo em vista a abordagem da vulnerabilidade social e da pobreza enquanto fenômenos complexos que envolvem variadas dimensões da vida humana em sociedade, constata-se que a maioria dos alunos não tem acesso a grande parte dos elementos fundamentais à promoção da cidadania e da inserção social, dentre os quais destacam-se a segurança pública, o atendimento adequado na área de saúde e o acesso a aparelhos culturais, a citar os que promovem o desenvolvimento de atividades artísticas e esportivas. Identificam-se, assim, nesse contexto, elementos que compõem a condição de vulnerabilidade social aqui discutida, bem como é possível afirmar que a proposta de EITI desenvolvida oferece uma formação escolar mais ampla, que extrapola o currículo formal, viabilizando a construção de sujeitos com maior capacidade crítica e reflexiva. A escola pesquisada constitui-se também como um espaço de desenvolvimento da sociabilidade e das relações interpessoais e acaba por proteger grande parte de seus alunos de um ambiente social caracterizado, muitas vezes, por episódios de violência e por dinâmicas familiares desagregadoras. Nesse sentido, a proposta de EITI analisada caminha na direção da inclusão social e da garantia dos direitos sociais, permitindo identificar, nessa concepção de educação, um caráter de política de proteção social.
Finalizando, deve-se pontuar a importância de se aprofundar as discussões que envolvem a educação em tempo integral e proteção social, ultrapassando o entendimento da proteção social em seus aspectos mais concretos e materiais, tais como renda, moradia e alimentação, dentre outros. Nesse sentido, é relevante entender a condição de vulnerabilidade e desproteção de significativa parcela da infância e juventude brasileiras como um fenômeno mais amplo que, para além de ser estruturado a partir de um contexto político e econômico, é também subjetivo, envolvendo variados fatores inerentes à condição humana em sociedade. Amplia-se com isso a discussão da educação em tempo integral, possibilitando indagações voltadas, a citar, para: (1) o papel que a escola cumpre na vida e no processo de formação dos alunos; (2) as expectativas desses alunos em relação à escola; e, (3) as propostas educacionais que atenderiam às necessidades dessas crianças e adolescentes, no sentido do cumprimento dos princípios constitucionais de igualdade de acesso a uma educação de qualidade, que promova sua inserção social em condições menos desiguais.
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Notas
[1] Lançado em 2007 pelo Ministério da Educação, o PDE tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino oferecido no país, com foco na educação básica pública (BRASIL, s.d.). Nesse sentido, reúne um conjunto de ações que tratam de diversos aspectos da educação básica em suas diferentes etapas e modalidades.
[2] Enquanto na Europa, no período pós-Segunda Guerra, foi desenvolvida uma proposta unificada de respostas sociais – o Estado de Bem-Estar Social –, na América Latina, ao contrário, as políticas sociais foram sendo construídas de forma fragmentada e setorial. A autora lança mão do conceito de “regulação social tardia” para analisar tais políticas, isso porque foram balizadas por suas características históricas, pelo seu “estágio de desenvolvimento econômico no contexto mundial, pela hegemonia de forças políticas antidemocráticas, impostas pela força e violência de ditaduras militares” (SPOSATI, 2011, p.106).
[3] Refere-se ao conceito de seguro social utilizado na política previdenciária brasileira desde a década de 1920, que pressupõe que o acesso aos benefícios da seguridade social deve se vincular à contribuição previdenciária (DELGADO; JACOUD; NOGUEIRA, 2008).
[4] Paro (2009, p. 13) associa a condição humana à apropriação e transformação da cultura: “É a partir da apropriação de valores, conhecimentos, de filosofia, de artes, de ciências, de crenças, que nos tornamos cidadãos dessa coisa chamada humanidade. Isto é educação” (PARO, 2009. p.17). Sob essa perspectiva, ao discorrer sobre sua compreensão de educação integral, o autor afirma que, “em última instância, é um pleonasmo: ou a educação é integral ou, então, não é educação”.
[5] A esse respeito, cita-se o Decreto n° 6.253/2007 (BRASIL, 2007, Art. 4°) e a Lei n° 13.005/2014 (BRASIL, 2014, Meta 6, Estratégia 6.1).
[6] O Instituto de Segurança Pública (ISP) define letalidade violenta como um dos indicadores estratégicos de criminalidade que compõem o Sistema Integrado de Metas e Acompanhamento de Resultados (SIM), desenvolvido pela Secretaria do Estado de Segurança Pública (SESEG) (RIO DE JANEIRO, 2017). Esse indicador é composto por quatro categorias: homicídio doloso, homicídio decorrente de oposição à intervenção policial, latrocínio e lesão corporal seguida de morte.
[7] A implantação do PME no município foi antecedida por um período – equivalente a, aproximadamente, um semestre letivo – de pré-implantação do programa, anterior ao seu início nas escolas, permeado por reuniões de formação e de planejamento, que envolviam tanto profissionais da Secretaria de Educação quanto os professores que iriam coordenar o PME nas escolas (OLIVEIRA, 2014).
[8] Retirado, temporariamente, para evitar identificação.
[9] Foram entrevistados a diretora da escola, a coordenadora pedagógica, três professores e dois responsáveis de alunos, sendo que com os alunos, em número de seis, foi realizado um grupo focal.
[10] No período de 2014 a 2016, o PME integrou a proposta de educação integral em tempo integral da escola, tendo sido descontinuado a partir de 2017, com a reestruturação, em nível nacional, da política de educação integral, resultante das mudanças no contexto político associado ao impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff. Por sua vez, a implementação do Programa Novo Mais Educação (PNME), em substituição ao PME, ainda não havia iniciado na escola, até o primeiro semestre de 2018.
[11] O uso de categorias é empregado na Análise de Conteúdo, desenvolvida por Bardin (1977). Para a autora, “É o método das categorias, espécie de gavetas ou rubricas significativas, que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivas, da mensagem” (BARDIN, 1977, p.37).