De “Lume Imperecível” a “Classe Sacrificada”: o magistério no quadro do funcionalismo municipal de Duque de Caxias (1947-1954)
From “Imperishable Light” to “Sacrificed Class”: teaching in the municipal civil service framework at Duque de Caxias (1947-1954)
Amália Cristina Dias da Rocha Bezerra
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil.
amaliadias@gmail.com - https://orcid.org/0000-0003-3112-9301
Angélica de Sá de Oliveira Bauer
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil.
angelicabauer89@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-2275-6963
Recebido em 03 de agosto de 2020
Aprovado em 27 de agosto de 2021
Publicado em 31 de maio de 2022
RESUMO
Investiga-se a atuação da sociedade política na criação do quadro do magistério primário público do município de Duque de Caxias, a partir da pesquisa nas Atas da Câmara Municipal. O marco inicial é a instalação da Câmara Municipal (1947), que ocorreu quatro anos após a emancipação do município, estendendo-se o exame até o fim do segundo mandato da Casa Legislativa (1954). A metodologia de pesquisa documental nas Atas das sessões da Câmara Municipal possibilitou o mapeamento de iniciativas do poder executivo e do poder legislativo em matéria educacional e o exame dos interesses e disputas constituintes do processo de criação de cargos e de remuneração da categoria. O referencial teórico segue os apontamentos de Antonio Nóvoa (1991) acerca da história da profissão docente, que estimula a investigar como o Estado, enquanto poder público municipal, atuava sobre o processo de criação de cargos, lotação e remuneração do magistério. Os modos de inserção dos docentes no quadro do funcionalismo e as práticas de vigilância, fiscalização e denúncias exercidas pela população e por vereadores registram parte das expectativas sobre a função social do magistério, considerado lume imperecível que, contudo, era mantido como classe classificada quando se tratava de ser contemplado em seus direitos.
Palavras-chave: Magistério, Câmara municipal, Duque de Caxias.
ABSTRACT
The aim of the current study is to investigate the role played by the political society in developing public primary teaching staff in Duque de Caxias County, based on City Council Minutes. The present investigation starts with the installation of the City Council (1947) four years after county emancipation and goes all the way to the end of the second term of the Legislative House (1954). Documentary research methodology was applied to Minutes of City Council sessions and it enabled mapping initiatives taken by the executive and legislative powers concerning educational matters, as well as analyzing the interests and disputes allowing job position creation and remuneration processes applied to the teaching category. The theoretical framework has followed notes by Antonio Nóvoa (1991) about the history of the teaching profession, which encourages investigating how the State, herein represented by municipal public power, has acted to create job positions, as well as to allocate and set teachers’ salaries. Teacher insertion modes adopted to the civil service framework, as well as surveillance, inspection and report practices performed by the population and local councilors, represent part of the expectations about the social function of teaching professionals, who are considered the imperishable flame that, however, remained as sacrificed class at the time to have its rights covered.
Keywords: Teaching, City Hall, Duque de Caxias.
Introdução
Investigamos a carreira do magistério de ensino primário no quadro do funcionalismo de Duque de Caxias, município situado na área metropolitana da capital do Estado do Rio de Janeiro (RJ) e integrante da região geopolítica da Baixada Fluminense. Duque de Caxias foi distrito do município de Nova Iguaçu até 1943, ano da sua emancipação. Buscamos apresentar normas e debates sobre o magistério municipal ao longo das duas primeiras legislaturas (1947-1950; 1951-1954), de forma a conhecer como como prefeitura e câmara municipal atuaram em matéria de instrução e de regulamentação do magistério público.
Nas décadas de 1930 e 1940 o antigo distrito de Iguaçu vivia intensas transformações econômicas oriundas de políticas de saneamento de territórios, de políticas agraristas, do crescimento populacional devido afluxo migratório e dos impactos da instalação da Fábrica Nacional de Motores, que integrava o projeto industrialista nacional (SOUZA, 2014). No início da década de 1950 o município já contava com 112 unidades industriais e no final deste período o número era de 228 unidades (ALMEIDA, 2019, p.320).
Apesar de terem ocorridos movimentos locais pela emancipação em 1940, com a elaboração de um Manifesto pela União Popular Caxiense (UPC), a emancipação foi concedida por uma reforma administrativa e territorial levada a cabo pela interventoria estadual, ao final de 1943 (SOUZA, 2014, p.138). Os trabalhos da Câmara foram iniciados em 1947 e nos primeiros anos a administração municipal ficou a cargo de interventores.
Entre 1940 e 1950 a migração fez com que o município passasse de um “núcleo urbano acanhado” para um município “populoso e industrializado”. Num intervalo de vinte anos (1940-1960) a população saltou de “28.328” para “241.026”, o que acarretou uma série de problemas para a região, por conta da falta de estrutura para abrigar tanta gente (BRAZ; ALMEIDA, 2010, p.64). Esse cotidiano de impactos econômicos e sociais é percebido na análise das Atas das sessões da Câmara, onde constantemente há registros das lutas da população por acesso aos direitos e oferta de serviços, pedidos e ações para dotar o território de infraestrutura de saneamento, moradia, transporte, saúde, educação.
Nos começos de trabalho da primeira legislatura, em 1947, o vereador Oldemar de Almeida Franco, do Partido Republicano (PR), observava a discrepância entre a condição econômica do município, que era um dos municípios “mais ricos e de mais arrecadação do Estado do Rio” mas que continuava sendo “um Municipio completamente desajustado [...] Sem agua potável, sem ruas calçadas, sem assistencia social organizada” e com demanda por “rêde de esgotos, escolas, Hospital” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 1ª Sessão Ordinária,23/10/1947, p.7, grifo nosso).
Acerca da rede de escolas primárias existente em Duque de Caxias nos seus primeiros anos de emancipação, alguns vestígios são encontrados no Fundo Departamento de Educação do estado do Rio de Janeiro. Os dossiês de mapas de frequência escolar das escolas estaduais e municipais são organizados pelo nome dos municípios. Assim, para o recém emancipado Duque de Caxias, consta na relação de escolas, as antigas escolas municipais e estaduais que, até 1943, constavam no dossiê de Iguaçu. Desse modo, pela ótica da Secretaria Estadual de Educação, inferimos que as antigas escolas municipais de Iguaçu, sediadas no território do novo município, passaram a estar subordinadas ao novo poder municipal instituído (FDE, notações 01328 a 01343). Estudos sobre a rede de escolas primárias em Iguaçu, no período anterior a emancipação de Duque de Caxias, demonstram que havia desigualdade na oferta de escolas primárias entre os distritos, sendo maior o número de escolas no distrito sede (BORGES; DIAS, 2021). Portanto, a nova administração municipal se deparava com um cenário de demanda por oferta de escolas públicas.
Assim, pesquisamos a atuação do poder político municipal na regulamentação do magistério, tendo em perspectiva a importância de uma historiografia da educação que reflita sobre a os munícipios como objetos de investigação e da educação como elemento constituinte do território. Contudo, como observa Justino Magalhães,
A historiografia dos municípios na educação, sendo um objecto possível e com relevo para a memória e a identidade local, enfrenta dificuldades de diversa natureza. Uma das maiores dificuldades reside no acesso à informação. Muita documentação municipal perdeu-se e muita informação sobre assuntos municipais que foi produzida e remetida para instâncias regionais e nacionais foi inserida em informação geral, havendo-se perdido a origem e a referência (MAGALHÃES, 2019, p.11).
O que o pesquisador observou para a realidade de Portugal se evidencia em estudos como este, ao tratar de uma região periférica do estado fluminense, com poucas políticas de acesso e preservação de acervos de pesquisa. Há grande dificuldade de acesso às fontes, seja acerca da história política do município ou sobre a história da educação.
As Atas das Sessões da Câmara Municipal, disponíveis para consulta no acervo do Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias “Vereador Thomé Siqueira Barreto” (IHMCDC), além de permitirem acompanhar os primeiros tempos de estruturação do aparelho estatal municipal, são aqui utilizadas para o mapeamento das iniciativas do poder legislativo e do executivo em matéria educacional. Metodologicamente as Atas foram digitalizadas e depois estudadas na sequência cronológica, sendo transcritos trechos das sessões que tratavam dos temas do quadro do funcionalismo, do magistério e da educação. Para o primeiro mandato legislativo o trabalho foi realizado com 6 livros de Atas, já o segundo mandato foi composto por 9 livros de Atas, totalizando 15 livros de Atas (RODRIGUES,2020).
As Atas possuem um cabeçalho com número da sessão, tipo de sessão (ordinária ou extraordinária), e data. Era registrado o horário da reunião, novamente com a data, o nome do presidente da Câmara (ou de quem eventualmente assumisse a presidência), os nomes dos vereadores presentes e dos faltosos. Era preciso quórum para que os trabalhos fossem realizados. Posteriormente o Segundo Secretário lia a Ata da reunião anterior, para que fosse votada e assinada (IHCMDC, Livro 1, Ata da Instalação da Câmara Municipal de Duque de Caxias,23/10/1947, p.2-3). Caso algum vereador não concordasse com algum aspecto do texto, era feito um registro na Ata da reunião onde era lida a Ata anterior.
Após a abertura dos trabalhos, o Primeiro Secretário lia o expediente do dia e, em seguida, a palavra era cedida aos vereadores para que discutissem sobre as proposições do expediente. Após terminada a discussão da ordem do dia (que podia resultar ou não na aprovação de pareceres pelas comissões técnicas permanentes) era franqueada a palavra aos vereadores. No encerramento da sessão o presidente da Casa costumava anunciar a data e a pauta da sessão seguinte.
Trata-se de uma fonte polifônica e desenhada pelas normas do Regimento Interno da Câmara. As Atas informam sobre os temas em discussão, a organização de comissões, aprovações ou revogações de projetos e de legislação. Moções, acusações e debates acalorados deixam pistas das correlações de força entre o poder executivo municipal e entre as legendas partidárias.
A institucionalização do poder municipal dependia ainda da organização de um quadro de funcionalismo público e, nessa perspectiva, as Atas descortinam parte do processo de arregimentação de docentes para o ensino público municipal. Parte da legislação que foi debatida e aprovada nas Sessões da Câmara foram localizadas no site da Câmara e complementaram a pesquisa.
Nóvoa (1991) considera que “a gênese da profissão docente é anterior à estatização da escola, pois, desde o século XVI, vários grupos sociais, leigos, e religiosos” dedicaram-se cada vez mais ao ato de ensinar. Processo que os levou a abandonarem outras ocupações em detrimento do magistério e a participarem da construção de “um grupo social específico e autônomo” (NÓVOA, 1991, p.121). Prossegue seu pensamento chamando atenção para a intervenção estatal que provocou a homogeneização, a unificação e uma hierarquização dos grupos docentes ao nível nacional. Foi o controle que o Estado passou a exercer sobre os docentes que os constituiu enquanto “corpo profissional” (NÓVOA, 1991, p.121). Por isso Nóvoa ressalta a importância do estudo da história da atuação estatal na conformação da profissão. A funcionarização dos docentes levada a cabo pela estatização e laicização do ensino é fundamental para o estudo da história da profissão docente, posto que se atuação do Estado buscou subordinar os professores a sua tutela, também lhes assegurou um novo estatuto sócio-profissional (NÓVOA, 1991, p.121).
Na investigação sobre as pequenas comunidades rurais e o ofício de ensinar no município de Icapuí, no Ceará, região rural e periférica, Carvalho (2013) ressaltou que a estruturação do município possibilitou a “formalização da atividade docente e estabeleceu dinâmicas sociais que envolveram a hierarquia de funções com o surgimento de novos agentes escolares e novas atribuições” (CARVALHO, 2013, p.243). Para o autor “a construção do município e a implantação de uma política educacional não foram concebidas como resultado de vetores externos, mas sim como parte de uma dinâmica social” (CARVALHO, 2013, p.244).
A partir destas perspectivas teóricas observamos os processos de regulamentação da carreira do magistério primário público a partir das ações (propostas e discussões) do poder executivo e legislativo, observando, assim, a importância do Estado na conformação profissional da categoria docente e, também, pela lente dos vereadores e prefeitos, apreendemos a “dinâmica social” e parte das concepções e expectativas sobre a função social das professoras naquela sociedade.
Na primeira parte do artigo apresentamos os expedientes pelos quais a Câmara Municipal tratava da organização do quadro do funcionalismo e recuperamos debates específicos sobre a categoria do magistério. A definição de classificações e de padrões de vencimentos ocupavam os trabalhos da Câmara. A legislação promulgada era constantemente revista, burlada ou descumprida. Em seguida observamos como o estatuto socioeconômico da profissão era representado na oratória dos vereadores e nos modos como a população e a Câmara faziam reclamações e denúncias sobre atuação do magistério, revelando expectativas e vigilâncias sobre a profissão.
Para esta investigação nos debruçamos nas duas primeiras legislaturas da Câmara: a primeira vigorou de 1947 (ano de instalação da Câmara Municipal, que ocorreu quatro anos após a emancipação do município) até 1950. Neste período a cidade teve como prefeito eleito Gastão Glicério de Gouvêa Reis, do Partido Social Democrático (PSD), que governou entre setembro de 1947 e dezembro de 1950. Houve quinze vereadores eleitos, sendo 7 do Partido Republicano (PR), 3 do Partido Social Democrático (PSD), 1 do Partido Social Trabalhista (PST),1 do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e 3 da União Democrática Nacional (UDN).
Na segunda legislatura (1951-1954) assumiram como prefeitos Adolf David (de janeiro de 1951 a setembro de 1952) e Braulino de Matos Reis (PTB) (de setembro de 1952 a 31/01/1955). Braulino de Matos Reis foi eleito em 1950, entretanto, não assumiu o cargo, por conta dos “conflitos locais e as suspeitas de fraudes” (SOUZA, 2014, p.154), o que levou ao presidente da Câmara, Adolfo David a assumi-lo (SOUZA, 2014). Foram eleitos dezessete vereadores, sendo 4 do PTB, 4 da UDN, 4 do PR, 3 do PSD e 2 vereadores que não conseguimos identificar os respectivos partidos.
O tema do funcionalismo comparece de modo intercalado nas Atas, em meio a outros assuntos tratados nas sessões. As informações do quantitativo de docentes são esparsas e mencionadas quando havia criação de cargos. Há diferentes situações funcionais, onde são distinguidos professores diplomados, professores contratados, etc. Esse processo é pautado por negociações e conflitos. Vereadores sugeriam ou apresentavam projetos de criação de cargos, que por vezes eram vetados pelo poder executivo ou vice-versa, como demonstraremos a seguir. A criação de cargos e as alterações nos padrões de vencimentos implicavam em calorosos debates sobre o orçamento e a destinação de verbas para o pagamento dos professores.
Nas palavras do vereador Helio Soares (PR) era preciso “que quando tratarmos de assuntos referentes a funcionários públicos façamos com mais carinho, pois, é uma classe que sempre foi prejudicada pelos poderes públicos” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 9ª Sessão Ordinária,14/11/1947, p.93). A exemplo disso era seguido pelo vereador Hermes Azevedo (PST), que pretendia “apresentar um projeto a respeito” pois onde ele residia havia “diversas escolas e professoras sem ordenados oficiais” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 8ª Sessão Extraordinária, 28/11/1947, p.183).
A Deliberação nº 9 de 18 de dezembro de 1947 (DUQUE DE CAXIAS, 1947) decretada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Gastão Glicério de Gouvêa Reis (PSD) determinava as carreiras, os cargos isolados, as funções gratificadas e previa uma reclassificação dos cargos, distribuídos entre dois quadros: o Permanente e o Suplementar. No Quadro Permanente existiam: “cargos isolados de provimento em comissão”; “cargos de carreira”; “cargos isolados de provimento efetivo” e “funções gratificadas”. No Quadro Permanente o provimento de “cargos isolados de provimento efetivo” poderia ocorrer “em caráter efetivo, independente de concurso”. O Quadro Suplementar era formado por cargos isolados ou de carreira destinados à extinção.
No anexo da Deliberação consta a tabela de vencimentos e os quadros Permanente e Suplementar, com as relações nominais dos funcionários e as funções exercidas. Há na tabela de vencimentos vinte e três tipos de “classe ou padrão” de remuneração, identificados pelas letras do alfabeto (de A a Z).
Não havia docentes em nenhuma das listas do Quadro Permanente na relação apresentada. Na relação nominal do Quadro Suplementar havia dois cargos de professor remunerados no padrão F, com valor de 500,00 mensais e dois cargos de professor remunerados no padrão G, de 550,00 mensais. Ao lado desses valores indicava-se um novo padrão de remuneração proposto, no qual os 04 cargos de professor passariam a categoria “J”, com valor de 850,00 mensais (DUQUE DE CAXIAS, 1947). No quadro de “extranumerário mensalista” havia 22 cargos de professor, que recebiam “450,00” por mês e “5.400,00” por ano. Com a nova proposta esses valores subiriam para “600,00” e “7.200,00” (DUQUE DE CAXIAS, 1947). A nova legislação indicava a extinção dos cargos do Quadro Suplementar e a manutenção do cargo de magistério, prevendo a continuidade do provimento dos cargos (DUQUE DE CAXIAS, 1947, Art. 2).
Como os tipos de classificação de cargos e a remuneração do funcionalismo eram objetos constantes de reformulação, notamos a importância do Estado na conformação do magistério público: “A profissionalização não é um processo que se produz de forma endógena” (NÓVOA, 1991, p.123). O estabelecimento de procedimentos uniformes de seleção e de designação dos docentes é apontado por Nóvoa como elementar no processo de estatização a fim de assegurar o controle do estado no recrutamento dos docentes (NÓVOA, 1991, p.121).
Na legislação eram estabelecidas as formas de ingresso e permanência na carreira, os direitos e deveres dos trabalhadores, ainda que, na análise das Atas e da legislação constantemente revista, encontramos indícios das dificuldades de cumprimento das normas.
Devido ao acesso esparso a documentação legislativa e as menções lacunares ao tema nas Atas, não foi localizado todo o ordenamento de normas para o funcionalismo, mas, entre fragmentos, vamos conhecendo alguns aspectos do processo. É desse modo que na Deliberação nº 137 de 22 de novembro de 1950, que foi uma legislação específica de restruturação de cargos e funções dos “professores municipais”, encontramos parte do magistério alocado no Quadro Permanente (DUQUE DE CAXIAS, 1950).
Porém, a Deliberação n.º 137 havia sido alvo de muitas discussões no legislativo antes da aprovação. Em julho o projeto foi aprovado pelos vereadores (IHCMDC, Livro 4, Ata da 10ª Reunião Ordinária,27/07/1950, p.165). Mas, meses depois, o projeto foi vetado pelo poder executivo, que encaminhou um substitutivo (IHCMDC, Livro 5, Ata da 1ª Sessão Ordinária,03/11/1950, p.8). O projeto do prefeito foi apreciado por duas comissões: a de Constituição, Justiça e Redação e a de Finanças e Orçamento. A Câmara rejeitou o veto do prefeito por “unanimidade”, mantendo o projeto anterior (IHCMDC, Livro 5, Ata da 10ª Sessão Ordinária, 21/11/1950, p.36). Na mesma sessão discursou o vereador Oldemar de Almeida Franco (PR) que festejava “o apoio unânime da Casa” e declarava que:
...estava plenamente feliz porque quizera a Providencia, que êle lograsse, com o apoio unânime da Casa, a aprovação de uma lei que, mau grado não ser o prêmio compensador e digno de uma classe das mais sacrificadas, éra contudo, um pequeno bálsamo, um pequeno refrigério para os seus sofrimentos...a lei que minutos antes a Câmara aprovara, possibilitando a uma classe sacrificada, de laboriosas servidoras, meios materiais mais condizentes com o seu elevado mister, e que eram de leis assim, propugnando o bem da Coletividade, que sempre preocupara à Casa (IHCMDC, Livro 5, Ata da 10ª Sessão Ordinária,21/11/1950, p.37-38, grifos nossos).
Cabe sinalizar que no corpus documental em exame não consta o teor do projeto, e que tivemos acesso apenas a versão final da Deliberação, disponível no site da Câmara Municipal de Vereadores de Duque de Caxias (DUQUE DE CAXIAS, 1950).
Pela nova Deliberação foram criados sete cargos isolados de magistério no Quadro Permanente, a serem ocupados por professores portadores de diplomas do curso normal de escola oficializada (DUQUE DE CAXIAS, 1950, Art.2). Outros vinte e cinco cargos isolados de provimento efetivo deveriam ser providos pelos ocupantes das funções de professor que estavam como “extranumerários mensalistas e contratadas”, desde que tivessem a habilitação em escola normal oficializada. Interessante observar a existência da função de Inspetor do Ensino Municipal (DUQUE DE CAXIAS, 1950, Art.11). As formas de suplementar as despesas previstas com a criação dos novos cargos e alterações em padrões de vencimento eram estabelecidas na mesma legislação. Foi instituída uma gratificação por tempo de serviço de cinco anos de magistério, “concedida mediante ato expresso do prefeito” (DUQUE DE CAXIAS, 1950).
No ano seguinte, o cumprimento da Deliberação n.º 137 continuava ocupando a atenção da Câmara e da Prefeitura. Em março de 1951, o vereador Milton Dias Pio (UDN) denunciava um “fato grave” pois “fora informado de haverem sido as professoras reestruturadas no ano recém-findo impedidas de usufruírem as vantagens da reestruturação” enquanto outras categorias do funcionalismo, “reestruturados muito depois, já haviam entrado no gôso de tal melhoria” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 8ª Reunião Ordinária,15/03/1951, p. 64). Argumentava que
...já sacrificadas professoras haviam-se sujeitado a assinar contratos precários afrontosos, como se elas não fossem as mártires do sistema social em que vivemos, este último pormenor como a pior das surpresas infligidas a uma classe digna de melhor sorte e do amparo dos Poderes Públicos (IHCMDC, Livro 6, Ata da 8ª Reunião Ordinária,15/03/1951, p. 64).
Ainda em atenção ao assunto, Dermeval Lage de Barros (PSD) procurou indicar que a prefeitura estava prejudicada pela legislatura passada e por isso estava o “Sr. Prefeito a braços com tremendas dificuldades para ocorrer às despesas com o ensino primário que não pode faltar”. Diante da situação, conclamava “que ante o fato consumado só restava unirem-se todos para encontrarem a fórmula capaz de remediar o mal que aqueles falsos defensores do povo deixara como lastro dos seus crimes”. Sugeria então que “se nomeasse uma comissão para estudar o assunto, de interesse geral, posto que se pretende socorrer os mestres dos nossos filhos e dos filhos do povo” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 8ª Reunião Ordinária,15/03/1951, p. 64-65).
Em seguida Moacyr Alves Branco, que se referia ao “sacerdócio sagrado e sublime do magistério”, defendia que “Quanto ás professoras municipais, via-se que elas foram vitimas de vereadores cujo mérito fora unicamente de entravar, com resolução estapafúrdias, o progresso da atual administração”, sendo urgente encontrar uma “solução justa para o caso.” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 8ª Reunião Ordinária,15/03/1951, p. 65). O poder executivo voltou a resistir ao cumprimento da legislação e em novembro o prefeito enviou um parecer à Casa “solicitando a revogação da Deliberação nº137” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária,26/11/1951, p.151).
O relator da matéria foi Waldyr de Souza Medeiros (PR), que apresentou longa exposição sobre o tema contestando os argumentos do prefeito. Através de sua exposição, que é relatada por quem lavra a Ata, temos contato com alguns dos argumentos da Prefeitura pela Revogação. O principal mote da divergência seria a alegação de que não haveria orçamento para arcar com as despesas criadas, o que era então refutado pela perspectiva de abertura de créditos especiais.
O vereador Waldyr de Souza Medeiros (PR) aproveitava para denunciar o não cumprimento da Deliberação:
Sendo uma lei constitucional, não podia a de nº 137 ser desrespeitada, e muito menos não cumprida. Argumentava, pois, com que poderes o Prefeito deixara de cumprir a mencionada lei. Não tendo sido revogada porque não foi executada? Disse que esse crime éra causa para uma intervenção no município (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária, 26/11/1951, p.153).
O vereador levantava suspeita sobre um beneficiamento da prefeitura ao cargo de inspetor municipal do ensino, pois esse cargo não havia recebido, no projeto do prefeito, contestação do que havia na Deliberação n.137. A essa altura, outros vereadores intervinham fazendo comentários desconfiados sobre uma proteção da prefeitura junto à inspetora do ensino. Na continuidade das críticas a prefeitura, Waldyr de Souza Medeiros (PR) reclamou que os vencimentos estavam sendo pagos abaixo do previsto: “embora a lei vigente n. 137 definisse o ordenado de Cr$900,00 para as professoras contratadas e o Prefeito, por alta recreação [sic] só lhes vem pagando Cr$ 700,00” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária,26/11/1951, p.153).
E por isso questionava:
Em que lei êle se estribuiu para proceder assim? Esse outro abuso que importa em desprestígio à Casa, disse. Não há, pois, re-exame a fazer-se. Não há que tergiversar em torno de um direito inconcusso – salientou. O que há é o Prefeito desejar encobrir uma série de erros às custas do Legislativo Municipal, disse encerrando sua oração (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária, 26/11/1951, p.153).
Os trechos transcritos anteriormente revelam como o tema da institucionalização do magistério público era temperado pelas disputas políticas no âmbito municipal. É preciso observar que mesmo o magistério sendo considerado como função de grande prestígio social, um “sacerdócio”, o argumento das finanças era utilizado como obstáculo para a concessão de melhores condições de remuneração do professorado. Novóa (1991) chama atenção para essa ambiguidade da profissão docente em que seu estatuto social elevado não é espelhado em sua condição econômica.
Em contraposição ao prefeito, alguns vereadores reafirmaram a importância de valorização dos vencimentos do magistério. Francisco Moura (UDN) lamentava as despesas e lembrou que havia “professoras ganhando menos do que um gari da prefeitura”. Afirmava a opinião “que não pode haver economia mais estupida do que aquela que se faz às custas dos professores porque o Brasil tem uma tara tremenda de analfabetos”. Wilson Bastos Ruy (PTB) defendia que o professor “é, na verdade, o paradigma dos que trabalham porque é em razão da sua obra anônima e ingrata que o homem se ilumina e as nações progridem” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária,26/11/1951, p.154).
Ao opinar sobre o tema, o vereador Milton Pio (UDN) revelava a preocupação com os gastos e o orçamento insuficiente, mas “Fazia empenho em declarar que não nutria nenhuma prevenção contra a classe de mestres-escola, pelo contrário, sentia impulsos de situá-los entre os mais bem pago porque a eles a nação devia o que era e sem êles o nosso povo estaria imerso em trevas ainda piores” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária, 26/11/1951, p.155).
Milton Pio (UDN) mencionou que a Deliberação n.137 era uma coisa boa que União Democrática Nacional havia deixado como legado, “no entulho das coisas más que ela deixou como herança amaldiçoada constantemente.” Nessa menção, vemos também como a origem dos projetos era considerada pelos vereadores em função das disputas e querelas entre os partidos políticos, conforme as posições de situação ou oposição assumidas nas correlações de força dentro da sociedade política.
Há indícios de que as professoras estiveram na audiência da sessão, afinal, o vereador Antônio Carlos de Sá Rêgo (UDN):
fez questão de acentuar que a Casa estava opinando daquele modo, não porque estivesse querendo conquistar os votos das professoras ou pessoas de suas amizades. Não. Revigorava a lei porque éra um dever que lhes cumpria, de sorte que todas as professoras deveriam sair dali convencidas de que, hoje mais do que nunca sua independência e o seu direito de opinar éra mais livres do que já o éra. Nada tinham que agradecer porque apenas haviam recebido um pouco de justiça. (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária,26/11/1951, p.155).
Acompanhando o voto do relator, Moacyr Alves Branco declarou seu prazer em dar seu voto
favorável à causa sagrada das professoras, porque vía nelas o lume imperecível que ilumina à mente infantil do que são hoje as nossas creanças e do que serão, amanhã, os guardiões desta imensa Nação. Mais de cinquenta por cento das creanças de Caxias carecem de professores, sendo isso um fator de desgraça para o Município. Acompanha o voto do relator para ser justo, não se compreendendo que servidores tão abnegados possam ganhar menos do que faxineiro de ruas (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária, 26/11/1951, p.155 grifos nossos).
Por fim o pedido do prefeito pela revogação foi novamente indeferido e, na sessão seguinte, era votada uma emenda que elevava o orçamento do ano de 1952 para honrar o pagamento dos professores consoante a lei n.137, o que obteve aprovação por unanimidade (IHCMDC, Livro 8, Ata da 16ª Reunião Ordinária,27/11/1951, p.159).
Assim, a investigação da emergência de uma legislação sobre o magistério, vista sob a ótica das sessões da Câmara Municipal, revela o processo de idas e vindas na afirmação de um aparato normativo para o funcionalismo. A aprovação da legislação com as normas para a remuneração do magistério não era garantia de que os direitos e melhorias nos padrões de vencimento tenham sido de fato usufruídos. Ademais, uma norma, como no caso da Deliberação n. 137 (DUQUE DE CAXIAS, 1950) era alvo de reformulações e até revogações em função de diferentes interesses e das disputas políticas no poder municipal.
Burlas e revisões nos direitos da categoria
Em 1952 o vereador Sá Rêgo (UDN) denunciava a diminuição e a não aplicação de verbas por parte do prefeito para com a educação. Diversas foram as reuniões nas quais o vereador retomava a discussão na Casa Legislativa. Segundo ele:
...o prefeito procedia criminosamente quanto encarecia a anulação de verbas como a de n.8-44 de Cr$ 300,000,00, destinada a construção e reconstrução de escolas, da qual ficam, apenas, Cr$ 800,00. [...] A seguir mencionou a verba 3-32 destinada ao pagamento da reestruturação das professoras que não foi aplicada, muito embora o veto de prefeito houvesse caído na Câmara. Éra outra ilegalidade e outra injustiça-disse-, por lembrar outras verbas do mesmo estilo, óra prejudicadas pela mensagem [...] Disse que a cidade precisava de escolas (IHCMDC, Livro 10, Ata da Reunião Extraordinária, 13/10/1952, p.172 -183).
Assim, as professoras municipais estavam numa situação na qual foram contempladas com a restruturação prevista na legislação, mas não receberam o pagamento dos aumentos devidos, o que gerou, nas palavras do vereador Sá Rego (UDN), um “estado de confusão das professoras, com salários disparatados e situações discutíveis” (IHCMDC, Livro 11, Ata da 18ª Reunião Ordinária, 26/11/1952, p.99). Com o intuito de resolver o problema de orçamento para arcar com os salários foi proposto um “aumento de receita, elevando-a para vinte milhões de cruzeiros, sem contudo crear novos impostos” (IHCMDC, Livro 11, Ata da 18ª Reunião Ordinária,26/11/1952, p.98).
Em reunião posterior, consta que até dezembro de 1952 havia ainda um “estado de terror-pânico existente no magistério primário, onde, por caprichos da sua inspetora, as professoras estavam até a data, sem receberem seus vencimentos” (IHCMDC, Livro 11, Ata da 4ª Reunião Ordinária,17/12/1952, p.132).
Nos anos de 1953 e 1954 observa-se a continuidade das mesmas disputas sobre normas e projetos de remuneração do magistério, assim como reformulações, obstruções e não cumprimento do aparato normativo. A criação de cargos, contratação e a manutenção de contratos eram pautas do cotidiano parlamentar da Câmara. Enquanto o debate sobre a criação de cargos e o pagamento do magistério, entre 1950 e 1951, indicava que a prefeitura alegava não ter recursos, sendo a categoria das professoras defendida pelos vereadores, aconteceu em 1953 que a Câmara passou a criticar a prefeitura pela criação de cargos de magistério e foram os vereadores que passaram a revelar preocupação com o orçamento.
Em 1953 o cenário educacional em Duque de Caxias, segundo o vereador Sá Rêgo (UDN) estava “cheio de irregularidades cometidas pelo Prefeito”, de modo que:
...aonde cabiam apenas 2 professores referência “F” o prefeito nomeara 7, e assim sucessivamente em outras referências, inclusive contratando mestras novas em referências elevadas em detrimento de outras já existentes; Continuando alinhou outros dados, como sejam a coexistência de 33 professores nas bases de CR$ 2.000,00, CR$ 1.800,00 e CR$1.400,00 excedendo-se em número e em importância ao que a lei faculta. Queria saber de que modo o prefeito iria pagar a essa gente admitida sem audiência da Camara, como se portariam seus colegas face a tanto desrespeito (IHCMDC, Livro 12, Ata da 1ª Reunião Extraordinária,08/06/1953, p.151-152).
Na mesma sessão o executivo criava “os quadros do professorado municipal” (IHCMDC, Livro 12, Ata da 1ª Reunião Extraordinária, 08/06/1953, p.140). Esta deliberação foi vetada em 1954 (IHCMDC, Livro 12, Ata da 5ª Reunião Extraordinária, 25/01/1954, p.30). Segundo o vereador Sá Rêgo (UDN) este trâmite foi longo e “terrível”, em que “continham pareceres, vetos, e outros equívocos, sem uma solução esclarecedora” (IHCMDC, Livro 14, Ata da 10ª Reunião Ordinária,16/03/1954, p. 73-74). Na mesma sessão o vereador comentava sobre valores distintos pagos aos docentes, posto que “nas folhas de pagamentos figurassem professores com 300, 400 e 600 cruzeiros, havendo até um deles com [...]30 cruzeiros. Não se sabe se é relativo a dias ou horas – frizou –, porque as folhas nada esclarecem” (IHCMDC, Livro14, Ata da 10ª Reunião Ordinária,16/03/1954, p. 73-74).
Assim, comparando as duas legislaturas, a promulgação de um aparato normativo para o funcionalismo continuava a ser uma pauta regulada por revisões e burlas aos direitos da categoria.
Vale atentar que o município comparece na obra de Abreu (1955) como um dos que melhor remunerava seus professores no estado do Rio de Janeiro. Contudo, quando adotamos uma outra escala de observação, através do exame das Atas, constatamos as reclamações sobre os salários e o não cumprimento das normas. As Atas descortinam o movimento dinâmico dos sujeitos políticos e de seus interesses, em que pudemos “compreender a maneira pela qual eles intervêm na produção desses processos” (REVEL, 2010, p.442). Pelas lentes das Atas, a regulamentação da carreira do magistério municipal dependia das correlações de força entre partidos, vereadores e prefeitos.
Como se pode observar, representantes de diversos partidos estiveram interessados nos assuntos concernentes a educação. Desse modo para além das relações estabelecidas entre os vereadores nos processos de acesso à escolarização no município, foi possível também notar como essas disputas ocorreram entre o poder legislativo e o executivo. Disputas partidárias e orçamentárias constituíam a gestação, o cumprimento ou a burla da legislação, o que lançava em instabilidade a carreira e os direitos do quadro do magistério municipal.
A vigilância e a fiscalização sobre o magistério
Na análise da constituição das professoras com parte do funcionalismo municipal, a incidência de relações pessoais e de barganhas políticas conformam parte dos rumos impressos na história da categoria, seja pela criação de cargos, nomeação e lotação de professoras, mas também por denúncias, acusações e intrigas nas quais o magistério era mencionado. As Atas registram como os docentes eram alvo da fiscalização da sociedade política e da sociedade civil. Alguns casos relatados a seguir chegam a ter um tom anedótico, mas são aqui reunidos porque a similaridade e recorrência dão a ver sobre a condição de dependência política da categoria e, ainda, de como o magistério era utilizado em interesses sem comprometimento com a causa da oferta da escolarização.
Parte das relações entre o professorado, o poder público e a população se apresentam nas sessões da Câmara por pedidos de criação de vagas em escolas e por denúncias acerca da atuação profissional.
As discussões realizadas na Câmara Municipal atestam o aproveitamento de professoras municipais em funções que não eram de magistério. No ano de 1947, por exemplo, uma das reuniões mencionava a atuação de uma “professora, paga pela prefeitura” como secretária do delegado florestal da cidade. De forma que a Casa pediu que a mesma fosse “imediatamente lotada” numa “das escolas do município” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 13ª Reunião Ordinária,21/11/1947, p.119-120). Em 1951, o vereador Milton Dias Pio levava “ao conhecimento da Casa que lhe foi dada comunicação da existência de uma professora pública, aproveitada, na Prefeitura, como dentista”, mesmo não sendo “diplomada nesse mister, estando essa professora, contratada como extranumerária mensalista para exercer a odontologia”. De forma que solicitou “informações do Prefeito a respeito do que relatara” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 9ª Reunião Ordinária,16/03/1951, p. 78).
Criação e mudança de cargos também eram acontecimentos rotineiros sem vínculos com uma política de planejamento educacional. Em 1949 foi criado o cargo “de Professor de Educação Física” (IHCMDC, Livro 3, Ata da 17ª Reunião Ordinária, 29-07-1949, p.247). Contudo o vereador Luiz Peçanha pensava “que não havia necessidade” da criação deste cargo (IHCMDC, Livro 3, Ata da 3ª Sessão Ordinária,23/08/1949, p.266). No final de 1950, por meio da deliberação nº 146 de 4 de dezembro, foram “criados no quadro III [...] 1 um cargo isolado de Professor de Higiene Escolar e Orientação Pedagógica, padrão ‘P’ [...]” (DUQUE DE CAXIAS, 1950).
Em 1951 a Câmara recebeu um “ofício nº 168-51-GP do Prefeito, enviando projeto de deliberação transformando em cargo de professor de letras, o cargo atual de professor de educação física” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 12ª Reunião Ordinária,27/03/1951, p.99). Essa solicitação de transformação de cargos suscitou divergências na Casa, além de dar a ver uma série de questões referentes a formação para adequação ao novo cargo que esta transformação implicaria, como expressou o vereador Peixoto Filho (PTB):
Com a palavra o edil Peixoto Filho, disse que não podia compreender a transformação do cargo de professor de ginástica em professor de letras, a menos que a titular prove com diploma, que está habilitada para a nova função, e desde que também atenda às demais exigências das leis que regulam a questão, isso porque sabe de professores que ocupam padrão inferior a “G”, padrão que a moça professora de educação física, vai ocupar, com a transformação e que se verão preteridas por ela, se ocupar indevidamente, o novo cargo. Desde que atenda essas formalidades estará de acordo com a transformação, disse (IHCMDC, Livro 7, Ata da 8ª Reunião Extraordinária,23/04/1951, p.19-20).
Já o vereador Francisco Moura (UDN) sugeria “que, se a moça contar menos de dois anos de função votará pela extinção pura e simples do cargo, sendo-lhe lembrado que o caso éra de transferência e não de extinção” (IHCMDC, Livro 7, Ata da 8ª Reunião Extraordinária,23/04/1951, p.19). A votação do parecer obteve “um empate de 5 votos contra outros 5, dando o Sr. Presidente o voto de Minerva e desempatando pelo parecer, isto é, aprovando o parecer que opina pela transferência do cargo” (IHCMDC, Livro 7, Ata da 8ª Reunião Extraordinária,23/04/1951, p.20).
O legislativo atuava em pedidos de nomeação de professores junto ao prefeito. Em 1951 o vereador José Peixoto Filho (PTB) juntamente com outros vereadores solicitava “que seja sugerido ao senhor Prefeito a designação de uma professora para lecionar no Curso Noturno de Alfabetização de adultos” (IHCMDC, Livro 7, Ata da 15ª Reunião Ordinária,26/07/1951, p.118). A escola que abrigaria esta professora seria “Escola Aquino de Araujo”, contudo, “o vereador Milton Pio (UDN) esclareceu que o pensamento do autor éra pedir um professor do curso diurno e que por engano é que estava o contrário” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 6ª Reunião Ordinária,09/11/1951, p.88).
Notamos as solicitações de contratos para professoras em bairros específicos, a exemplo da “indicação n. 32-53, do edil Peixoto Filho (PTB), sugerindo o contrato de 2 professoras para as escolas do bairro Santa Lucia” (IHCMDC, Livro 12, Ata da 14ª Reunião Ordinária, 23/03/1953, p.54). Esses pedidos podem indicar de fato a carência de professoras, mas, também, parte das barganhas feitas entre vereadores e população por troca de favores e votos. Ou seja, o direito à educação virava um favor, uma “concessão” feita pelos vereadores.
O que buscamos ressaltar com esses casos pinçados nas Atas, é que a situação profissional dos docentes, o processo de “funcionarização” pelo Estado (NÓVOA, 1991), representado no caso em tela pelo poder executivo e legislativo municipal, não era instado somente pelo atendimento ao imperativo da oferta de instrução pública, estando a reboque de outros interesses dos representantes políticos que incidiam na criação de cargos, lotações de docentes, etc.
Localizamos reclamações da população em relação às professoras. Os moradores de Xerém afirmavam “que na única escola existente a professora não comparece para dar aulas a dois meses” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 4ª Sessão Ordinária, 06/11/1947, p.52). As denúncias se repetiam em outras localidades do Município:
...o vereador José Rangel, pedindo que a Camara reclame do senhor Prefeito providencias sobre a escola de Atura, a professora da referida escola, não da aulas na mesma e sim na sua residência, e fazendo os alunos de criados, obrigando-os a tomarem conta dos seus filhos menores e outros serviços (IHCMDC, Livro 1: Ata da 4ª Sessão Ordinária, 06/11/1947, p.52).
O exame das Atas indica que “na Escola do Parque Lafaiete as professoras não comparec[iam] para dar aulas” (IHCMDC, Livro 2, Ata da 13ª Sessão Ordinária,04/11/1948, p.203). Os memoriais eram uma das formas dos moradores solicitarem resolução de seus problemas mais imediatos. Nesta direção foi encaminhado o “Memorial de morador de Pilar, 2º distrito deste Municipio com relação a substituição de uma professora” (IHCMDC, Livro 2, Ata da 2ª Reunião Ordinária, 05/07/1948, p.83).
Enquanto havia denúncias de professoras que faltavam ao trabalho, havia também professoras sobrecarregadas, conforme afirmava o vereador Castello Branco (UDN), caso que ocorria nas “Escola Centenário” e “Escola Monte Castelo” em que as professoras “trabalha[vam] sozinha[s] com treis turmas” (IHCMDC, Livro 2, Ata da 8ª Reunião Ordinária,14/07/1948, p.124-125).
Além das reclamações por faltas, havia tentativas de intervenção e fiscalização da atuação docente por parte do poder executivo. Em 1949 o vereador Luiz Peçanha (PSD) “solicita a mesa que seja oficiado ao senhor Prefeito, pedindo providencias sobre a professora do Centenario porquanto a mesma fas voltar os alunos que vão a escola sem uniforme” (IHCMDC, Livro 3, Ata da 9ª Sessão Extraordinária, 03/06/1949, p.143).
Num caso de despejo por falta de pagamento dos aluguéis, o que foi questionado não fora o próprio atraso do aluguel ou o tempo de atraso (14 anos), mas foi aventada a competência da professora. Ao passo que inicialmente o vereador Castello Branco (UDN) “pergunta se a professora estava matriculada na Inspetoria de ensino”, posteriormente o vereador Anaias Sant’Anna (UDN) “declara que a professora e[sic] analfabeta” obtendo logo como resposta do vereador Hermes Azevedo (PST) “...que a Inspetoria do Ensino é quem tem autoridade para dizer que a professora e[sic] analfabeta” (IHCMDC, Livro 4, Ata da 8ª Sessão Ordinária,17/03/1950, p.54-56). A professora em questão “senhora Francisca do Nascimento Cruz” enviou um memorial “prestando esclarecimentos sobre o caso da escola Dr. Manhães” (IHCMDC, Livro 4, Ata da 14ª Sessão Ordinária,31/03/1950, p.70), mas o conteúdo do memorial não foi transcrito nem comentado nas Atas.
Durante a segunda legislatura continuaram as averiguações sobre as faltas de docentes ao trabalho. Em 1951 o vereador Antonio Corrêa Lima (UDN) solicitava “informações sobre a ausência da professora Marina Carrilho Lopes” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 17ª Reunião Ordinária,27/11/1951, p.156). Em 1952 o não comparecimento das professoras foi relatado pelo vereador Gonçalves Moura (UDN) que indicava que além da insuficiência do número de escolas, havia escolas nas quais:
os professores, ao contrário dos alunos, são os que menos aparecem. Apontou, como exemplo frigante[sic], a escola do Gramacho e a seguir ouviu do seu colega Lage de Barros a informação de que muito pior não eram as faltas, mas sim a existência de professoras que servem apenas para vir receber os ordenados (IHCMDC, Livro 9, Ata da 17ª Reunião Ordinária,28/03/1952, p.115).
Em 1952, o vereador Bastos Ruy (PTB) reclamava que na escola de “Santa Cruz” uma única professora dava conta de dois turnos e que o fato era “tanto mais alarmante quanto absurdo” porque o município contava com “75 mestres no quadro especializado” sugerindo, assim, que havia professores que poderiam estar lotados naquela escola (IHCMDC, Livro 9, Ata da 2ª Reunião Extraordinária,23/04/1952, p.142-143).
Desse modo, integrava o cenário do magistério municipal a falta de “planejamento” para as ações educacionais até ao passo da insinuação de que no ato de seleção os aspectos físicos das professoras prevaleciam sobre a capacidade profissional:
Com a palavra o edil Milton Pio, aludiu à classe de professoras Municipais, dizendo da necessidade de planejamento e capacitação para dirigir o ensino, sem o que tudo se resumirá no cáus que se observa na Comuna, onde os dotes físicos, a beleza e a coqueterie têm mais importância do que a competência e a morigeração. Em vez de singeleza e austeridade, requerer-se belos palminhos de cara de cabeça ôca que nada ensinarão à creanças (IHCMDC, Livro 11, Ata da 17ª Reunião Ordinária,25/11/1952, p.95).
As disputas de poder também ocorriam no tocante a nomeação das professoras, pois nas palavras do vereador Zulmar Baptista (PR) esse “mal éra consequente do espírito de vindicta que anunciava o prefeito, que desejava alijar todas as professoras que fossem de famílias ou de relações dos seus adversários” (IHCMDC, Livro 11, Ata da 17ª Reunião Ordinária, 25/11/1952, p.95). Segundo as palavras do vereador Dias Pio (UDN) no “Pantanal” uma professora “fora suspensa pelo prefeito, como prelúdio e amostra da sêde de vindicta que possuí o chefe do Executivo ante a derrota sofrida” na eleição da mesa diretora da Câmara (IHCMDC, Livro 11, Ata da 1ª Reunião Ordinária,03/03/1953, p.180).
Em 1954 a fala do vereador Dias Pio (UDN) além de explicitar essas disputas, alegava que “em algumas escolas haviam encerrado suas atividades porque os professores não podiam ensinar em escolas de iniciativa de adversários da Coligação” (IHCMDC, Livro 14, Ata da 14ª Reunião Ordinária,22/03/1954, p.85). Acrescentou ainda que “os favores políticos não podem fazer com que 17 edis silenciem a verdade” (IHCMDC, Livro 14, Ata da 14ª Reunião Ordinária,22/03/1954, p.85).
Estes episódios mencionados nas Atas, que ora defendem e ora denunciam o magistério municipal, revelam um cotidiano profissional perpassado por mazelas e disputas dentro da sociedade política, com repercussões sobre a instabilidade na oferta do ensino primário regular, direito da população.
A comparação entre discursos, disputas, leis, ações, denúncias e requisições localizadas nas Atas da câmara municipal de Duque de Caxias acerca do magistério, descortina a dicotomia existente entre o reconhecimento social do magistério e a precariedade da condição do funcionalismo público, vulnerável aos interesses clientelistas e alvos de suspeição. Assim, ao longo de toda a pesquisa com as Atas, apesar do caráter lacunar da documentação, há indícios de que os vereadores e prefeitos se utilizavam das nomeações de docentes e das regras para o funcionalismo como mecanismos de projeção pessoal e de motivação de disputas de poder político e eleitoral.
A instabilidade do magistério municipal de Duque de Caxias, seja no que se refere as regras sobre remuneração e carreira ou sobre as denúncias e suspeições acerca do exercício profissional converge com os apontamentos feitos por Vicentinni (2014) acerca das diferentes imagens atribuídas e construídas sobre o ofício. Neste sentido a autora destaca dois pontos: há ambiguidade entre a recompensa simbólica em detrimento da recompensa financeira e que as identidades forjadas pelos professores e para os professores são flutuantes, ou seja, em que em dado momento nem mesmo a recompensa simbólica é sustentada. Assim, muitas falas do poder municipal ressaltavam a importância do magistério como “Lume imperecível” e defendiam a importância das professoras na oferta da escolarização da população caxiense. A identificação do magistério com o sacerdócio, presente em muitas falas, reflete parte dessa característica histórica da profissão, que é utilizado como um recurso para valorar o ofício de ensinar como missão, vocação de grande importância social.
Os vereadores e prefeitos atuavam na criação de cargos de magistério, defendiam a construção de escolas e legislavam sobre melhores salários para as docentes. Contudo, a categoria era mantida como “classe sacrificada” porque as discussões sobre o orçamento e o não cumprimento das normas era um recurso constante de manutenção da instabilidade profissional das professoras. Assim o reconhecimento da função social da profissão não era garantia de um elevado estatuto econômico. Em Duque de Caxias vigorava essa marca da condição profissional do docente no Brasil. Ademais, vimos que essa condição era manipulada conforme os interesses políticos, numa barganha de relações clientelísticas, em que a criação de cargos do magistério dentro do funcionalismo público municipal, assim como a definição de seus direitos e deveres não obedeciam a uma política educacional planejada.
Assim, a partir de uma pesquisa sobre a carreira de magistério que assume um munícipio como posição de análise são iluminados aspectos que além de permitirem conhecer a especificidades existentes “na história municipal”, possibilita também que esta unidade administrativa ocupe um outro lugar na historiografia da educação (MAGALHÃES, 2019, p.11). Pela posição de análise da história política de um município recém constituído, observamos como prefeitos e vereadores atuavam na criação e extinção de cargos, na revisão e burla do aparato legislativo, em consonância com interesses e disputas partidárias e orçamentárias. Os direitos trabalhistas da categoria e o atendimento dos serviços educacionais por meio da lotação dos docentes em escolas eram forjados ou negados entre barganhas políticas e redes de relações clientelistas.
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