A interdisciplinaridade em cursos de Ensino Médio Integrado: previsão documental e práticas no IFMG

Interdisciplinarity in High School integrated courses: documents and practices at IFMG

 

Carolina Helena Miranda e Souza

Universidade Federal de Minas Gerais e Instituto Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

carolina.souza@ifmg.edu.br - https://orcid.org/0000-0003-4119-3999

 

Samantha Cidaley de Oliveira Moreira

Instituto Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

samantha.cidaley@ifmg.edu.br - https://orcid.org/0000-0002-2395-1621

 

Recebido em 31 de julho de 2020

Aprovado em 24 de março de 2022

Publicado em 31 de maio de 2022

 

RESUMO

A pesquisa que resultou neste artigo teve como objetivo analisar previsões documentais e aspectos práticos da interdisciplinaridade adotados nos cursos de Ensino Médio Integrado em Edificações ofertados em diferentes campi do Instituto Federal de Minas Gerais. Para isso foram adotados os métodos revisão documental e bibliográfica; análise de Projetos Pedagógicos de Curso (PPC); elaboração e aplicação de questionário aos coordenadores dos cursos investigados. A revisão bibliográfica foi realizada entorno das definições e formas de implementação da interdisciplinaridade, enquanto a revisão documental teve como foco compreender os aspectos legais que delimitam as possibilidades de sua implementação. Com a análise dos PPC, concluiu-se que a interdisciplinaridade é mencionada com alguma frequência, porém sem os instrumentos para sua efetiva realização, que fica condicionada à iniciativa dos professores. Nas consultas aos coordenadores, foi possível identificar iniciativas nos campi que buscam a interdisciplinaridade, no entanto essas atividades ainda não são consolidadas. Na conclusão, foram elaboradas indicações que objetivam uma maior adoção desse método de ensino, considerando-se a realidade dos campi estudados.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Ensino Médio Integrado.

 

 

ABSTRACT

The research that resulted in this article had as objective to analyze documents and practical aspects of interdisciplinarity at the courses of High School integrated with Construction of the Instituto Federal de Minas Gerais. The methods used were documentary and bibliographic review; analysis of Course Projects; development and application of a questionnaire with coordinators of the analyzed courses. The bibliographic review was developed around the definitions and implementing forms of interdisciplinarity, and the documentary review was focused on understanding the legal aspects that delimit its implementation possibilities. The analysis of the Course Projects revealed that these documents mention interdisciplinarity with some frequency, but without the instruments for its effective realization, which is conditioned to teachers’ initiatives. In consultations with the coordinators, it was possible to identify initiatives on campi that seek interdisciplinarity, however these activities are not yet consolidated. The conclusion presents indications to contribute for a wider adoption of this teaching method, considering the studied campuses’ reality.

Keywords: Interdisciplinarity; Integrated High School.

 

 

Introdução

Os Institutos Federais foram criados em 2008 a partir da incorporação de instituições existentes e da criação de novas unidades, dentre os quais está o Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), que possui 18 campi e uma Reitoria (BRASIL, 2008; IFMG, 2020a). Essas unidades estão distribuídas entre as regiões central, leste e oeste de Minas Gerais, enquanto as demais regiões do Estado são atendidas por outros institutos, do Norte, Sudeste, Sul de Minas e Triângulo Mineiro (BRASIL, 2008).

A presente pesquisa teve origem na inquietação das autoras em relação ao volume de atividades realizadas pelos estudantes do curso de Ensino Médio Integrado em Edificações, decorrente da grande quantidade de disciplinas cursadas anualmente nesse curso no campus Santa Luzia. Na revisão bibliográfica realizada, a interdisciplinaridade figura como alternativa para reduzir o volume de atividades desenvolvidas pelos estudantes e também para potencializar o aprendizado. Assim, a princípio, buscou-se compreender como a interdisciplinaridade é abordada nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) dos cursos integrados de Edificações e como esse método de ensino é coordenado e praticado nos campi do IFMG. A partir de questionários, objetivou-se identificar práticas de integração entre disciplinas e suas principais características, do ponto de vista dos coordenadores dos cursos investigados. Essa estratégia contribuiu para uma reflexão sobre a pertinência da interdisciplinaridade e possíveis estratégias para sua implementação diante das realidades encontradas nos diferentes cursos e campi.

Os métodos adotados nesta pesquisa foram revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas com questionário estruturado, em formato oral e escrito. A pesquisa bibliográfica “utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados” (SEVERINO, 2016, p. 131) e foi adotada para a compreensão das discussões mais recentes e relevantes sobre o tema. A pesquisa documental tem “como fonte documentos no sentido amplo”, com “textos que ainda não tiveram nenhum tratamento analítico” (Ibidem) e foi adotada para verificar se e como a interdisciplinaridade era indicada nos textos. A técnica de pesquisa entrevista foi utilizada com o objetivo de “apreender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e “argumentam” “(Idem, p. 133)”, de forma a complementar a pesquisa documental e apurar as informações levantadas. A considerar que o tema da interdisciplinaridade é central neste trabalho, a revisão bibliográfica foi desenvolvida em duas direções, uma no sentido de definir os termos e os conceitos utilizados e outra no sentido de identificar práticas de integração já desenvolvidas e suas características, esclarecidos adiante. A maior parte das referências bibliográficas encontradas sobre o assunto são discussões teóricas; poucos são os estudos descritivos de relatos dessa prática educativa, especialmente no ensino técnico integrado ao médio.

Na sequência foi realizado um levantamento da oferta de Cursos Técnicos de Edificações Integrados ao Ensino Médio no IFMG e foram identificados cursos em cinco campi (IFMG, 2020a), localizados nos municípios de Congonhas, Governador Valadares, Ouro Preto, Piumhi e Santa Luzia. Os PPC desses cinco cursos foram analisados a partir da utilização dos termos integração, interdisciplinaridade e suas variações, e da verificação de seções no sumário dos documentos que pudessem abordar esses assuntos.

A partir das análises dos Projetos Pedagógicos foi elaborado um questionário, com foco nas práticas interdisciplinares adotadas nos cursos de Ensino Médio Integrado em Edificações. Esse questionário foi direcionado aos coordenadores de cursos, na condição de agentes determinantes do processo de ensino e aprendizado. Para facilitar a adesão à pesquisa, a participação dos coordenadores de cursos ocorreu por meio de entrevista individual em plataforma online ou por resposta escrita encaminhada digitalmente às pesquisadoras[1]. As respostas possibilitaram uma reflexão sobre os potenciais e as limitações para a integração de conteúdos e atividades, e permitiram a proposição de caminhos para sua efetiva realização, nos Cursos Técnicos Integrados em Edificações, no âmbito do IFMG.

 

A legislação que rege o Ensino Técnico Integrado ao Médio no Brasil e no âmbito do IFMG

A lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (BRASIL, 1996) indica que a educação profissional técnica de nível médio pode ser articulada ou subsequente ao ensino médio, sendo que a primeira pode ser integrada ou concomitante (Ilustração 1). A diferença entre essas duas modalidades, conforme o texto da lei, está relacionada à forma de matrícula, que é única para cada aluno na modalidade integrada e distintas para a modalidade concomitante. A lei não apresenta outras possibilidades ou orientações relativas ao termo “integrada”.

 

Ilustração 1 – Formas de desenvolvimento da Educação Profissional Técnica de Nível Médio

Fonte: elaborada pelas autoras a partir das informações de Brasil, 1996.

 

Nas definições apresentadas em seus títulos iniciais, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) indicam que as unidades curriculares podem ser ofertadas em diferentes modalidades, desde que possuam carga horária pré-definida e sejam formadas por estratégias que objetivem desenvolver competências específicas (BRASIL, 2018, Art. 6º, inciso IV). Ou seja, a divisão ou estruturação de curso em disciplinas é apenas uma modalidade possível, não uma exigência; inclusive, essa resolução sugere o rompimento com “o trabalho isolado apenas em disciplinas” (Ibidem, Art. 11, § 5º).

As DCNEM incentivam, em várias passagens, a integração curricular. Ao tratar da organização curricular, as diretrizes determinam que os métodos indicados no currículo devem evidenciar “a contextualização, a diversificação e a transdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos” (Ibidem, Art. 7º, § 2º). Há também recomendações de integração curricular, organização interdisciplinar e transdisciplinar. Dentre essas recomendações, é indicado adotar a “integração curricular como estratégia de organização do currículo em áreas do conhecimento” (Ibidem, Art. 8º, inciso II, alínea a); organizar e planejar o “currículo por área de conhecimento” de forma interdisciplinar e transdisciplinar (Ibidem, Art. 11, § 2º); desenvolver “projetos, oficinas, laboratórios, dentre outras estratégias de ensino-aprendizagem” (Ibidem, Art. 11, § 5º); organizar os itinerários formativos de forma integrada “por meio de arranjos curriculares que combinem mais de uma área de conhecimento e da formação técnica e profissional” (Ibidem, Art. 12, § 3º). O documento também apresenta alguns formatos alternativos às disciplinas isoladas, como organização em áreas de conhecimento, módulos, projetos, oficinas, laboratórios, unidades de estudo, atividades, práticas e projetos contextualizados ou diversamente articuladores de saberes, ou outros formatos (Ibidem, Art. 6º, inciso IV; Ibidem, Art. 11, § 5º; Ibidem, Art. 17, § 7º). Além de autorizar e dar suporte legal para propostas que extrapolem um caráter disciplinar, as DCNEM incentivam a adoção de alternativas às disciplinas isoladas.

No Regulamento de Ensino dos Cursos de Educação Profissional Técnico de Nível Médio do IFMG consta a definição de componentes curriculares como disciplinas obrigatórias e optativas, atividades complementares, trabalho de conclusão de curso, estágio supervisionado e outros considerados relevantes pelo Colegiado de Curso (IFMG, 2018, Art. 104). Ou seja, no Regulamento citado, a adoção de unidades curriculares diferentes das listadas, incentivada em vários trechos das DCNEM, fica restringida às iniciativas dos Colegiados de Curso. Em relação à verificação do desempenho acadêmico, o Regulamento de Ensino indica que esta compreenderá a frequência às aulas e o rendimento do discente frente aos objetivos do PPC (Ibidem, Art. 110). A avaliação de uma mesma atividade em disciplinas distintas, que pode ser uma das características de uma atividade interdisciplinar, não é abordada, seja incentivando ou limitando, tanto no Regulamento de Ensino como nas DCNEM. Para os cursos integrados a aprovação é condicionada à uma frequência global às aulas do período letivo, não às aulas das disciplinas de forma isolada, e a ter um rendimento mínimo em todas as disciplinas. Ou seja, a aprovação nos cursos técnicos integrados já é verificada com alguns critérios integrados – frequência e rendimento mínimo, mas falta avançar na integração de conteúdos, que é amplamente defendida nas DCNEM, como exposto.

 

O conceito de interdisciplinaridade no ensino

No contexto acadêmico, a integração pode ocorrer em várias modalidades, como a integração horizontal-vertical, que relaciona elementos em níveis diferentes de ensino; a integração entre ensino, pesquisa e extensão, que relaciona o avanço do conhecimento com seu compartilhamento na comunidade interna e externa; a integração da instituição de ensino com a sociedade e com os arranjos produtivos locais, em um processo de troca mútua de conhecimentos e desenvolvimento de atividades alicerçadas na realidade local. Este trabalho tem como principal interesse a integração entre disciplinas, também conhecida por interdisciplinaridade, que, dentre outras características, aproxima as atividades de ensino e aprendizagem das condições reais de aplicação dos conhecimentos adquiridos, ao tratá-los de forma contextualizada.

A interdisciplinaridade pode ser definida como uma relação recíproca entre disciplinas, ou seja, não nega a disciplinaridade, pelo contrário, a pressupõe (LENOIR, 2008; FAZENDA, 2015). Trata-se de visualizar cada conteúdo e sua importância na totalidade da formação oferecida aos estudantes a partir das atividades propostas pelos professores, não de uma relação dicotômica, como discutido por Klein (2008). Essa relação entre as disciplinas pode ocorrer de maneiras variadas, que correspondem a diferentes prefixos à disciplinaridade, que por sua vez

significa a exploração cientifica especializada de determinado domínio homogêneo de estudo, isto é, o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos de ensino, da formação, dos métodos e das matérias (JAPIASSU, 1976, p. 72).

Pombo (2005) recomenda cuidado com o uso indiscriminado de termos e expressões derivados da disciplinaridade, e apresenta uma proposta de definição que busca simplificar o entendimento da disciplinaridade e seus prefixos. Para a autora, os prefixos multi e pluri indicam um agrupamento de disciplinas; o prefixo inter indica relacioná-las, coloca-las em ação recíproca; e o prefixo trans indica ir além das disciplinas, ultrapassá-las (POMBO, 2005). Essa definição é semelhante àquela apresentada por Japiassu (1976, p. 74-75, grifos do autor), que caracteriza a interdisciplinaridade pela “superação das fronteiras disciplinares”, “pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas”. Ou seja, nessa definição, a interdisciplinaridade se configura como uma categoria intermediária, que vai além da justaposição de disciplinas, mas que não chega a negá-las. Em outras palavras, as atividades interdisciplinares priorizam o trabalho coletivo, sem abandonar “estratégias de ensino e de aprendizagem individualizadas”, que são “momentos intermediários para o trabalho coletivo de ensinar e de aprender” (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p. 75).

A interdisciplinaridade se justifica, predominantemente, porque a realidade é essencialmente interdisciplinar. Ou seja, a interdisciplinaridade já existe, não precisa ser criada, e sua adoção nas práticas escolares é uma forma de reconectar conhecimentos sobre temas que são naturalmente conectados (POMBO, 2005; JAPIASSU, 1976; RAMOS, 2011). Apresentar os conteúdos relacionados entre si, como ocorrem na realidade, facilita o desenvolvimento de conexões e o aprendizado dos estudantes. Idealmente, as atividades interdisciplinares devem considerar não só a relação dos conteúdos entre si, mas desses com a realidade dos estudantes (SANTOS; NASCIMENTO, 2019). Essa capacidade de relacionar um conhecimento específico ao seu contexto, que configura um “conhecimento pertinente”, é um dos sete saberes necessários a educação do futuro apresentados por Morin (2000, p. 14), que defende “um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto”, em detrimento de um “conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas [que] impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade”. O autor defende a relevância de “estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo” sem que, para isso, seja necessário abolir as disciplinas ou o conhecimento especializado dos currículos (Ibidem, p. 14).

O termo disciplinaridade acompanhado de prefixos como inter, trans, dentre outros, é amplamente adotado como estratégia educativa, inclusive com relatos de alguma banalização desse uso (POMBO, 2005). Essa ampla adoção do termo pode estar relacionada ao seu potencial, como demonstrado por Hattie (2017, n. p.) em pesquisa sobre o aprendizado visível (tradução livre de visible learning), a partir da análise de milhares de estudos, sobre diversos critérios relativos ao estudante, às condições no lar, à escola, ao currículo, às práticas de ensino. Esse estudo classificou o item “programas de currículos integrados” (tradução livre de integrated curricula programs) como “potencial para acelerar o resultado dos estudantes”, a segunda melhor classificação dentre cinco possíveis, em um ranqueamento de impacto no aprendizado apresentado pelo autor. O primeiro grande estudo sobre interdisciplinaridade, segundo Klein, foi realizado, em 1993, por Astin e também indicou efeitos favoráveis, como

o desenvolvimento acadêmico e cognitivo, o conhecimento em campos específicos assim como o conhecimento geral, o pensamento crítico, o coeficiente de rendimento, a preparação para graduação ou profissionalização, a aspiração por um diploma, o conceito intelectual de si mesmo, e a performance nos exames nacionais. Ele, além disso, determinou que a interdisciplinaridade tem impacto extensivo no desenvolvimento afetivo (KLEIN, 2008, p. 118, grifo da autora).

No campo da pesquisa, a disciplinaridade permite o avanço do conhecimento e proporciona benefícios à sociedade pela especialização. No processo de ensino, a compartimentação do conhecimento em disciplinas mostra-se como uma estratégia para a organização administrativa, além de permitir que os estudantes tenham acesso a conhecimentos variados e, ao mesmo tempo, específicos e avançados em cada área do conhecimento. É necessário atentar para essas diferenças entre a compartimentação do conhecimento nas práticas científicas e nas práticas escolares, pois essas últimas devem contar com práticas adequadas aos processos de aprendizagem. Lenoir (2008, p. 50) divide a operacionalização da interdisciplinaridade nos domínios científico, profissional, prático e escolar, caracterizando a interdisciplinaridade nesse último domínio como curricular, didática e pedagógica. Divisões semelhantes foram propostas por Fazenda (2015), ao tratar da interdisciplinaridade científica e social, e por Costa (2012 apud ARAUJO; FRIGOTTO, 2015) com três ordens de problemas na materialização do ensino integrado - conceitual, de operacionalização curricular e de organização dos sistemas de ensino. A interdisciplinaridade curricular indica a manutenção das “especificidades disciplinares”, a “instauração de relações complementares solidamente articuladas” (LENOIR, 2008, p. 57) e a definição do lugar e função das disciplinas no currículo (Ibdem). A interdisciplinaridade didática “trata da planificação, da organização e da avaliação da intervenção educativa” e “[assegura] uma função mediadora entre os planos curriculares e pedagógicos” (Ibdem, p. 58). A interdisciplinaridade pedagógica, por sua vez, “resulta do trabalho preliminarmente interdisciplinar que se efetua nesses dois níveis” (Ibdem, p. 56). Uma prática que pretenda ser efetivamente interdisciplinar deve atentar para esses três aspectos e considerar seu caráter indissociável.

As abordagens interdisciplinares também se aplicam no campo da atuação profissional, ao possibilitarem extrapolar os saberes teóricos e promoverem o contato com valores e atitudes mais específicos do trabalho (PERRENOUD, 2002; SANTOS; NASCIMENTO, 2019). Também é necessário pensar uma formação que permita ao indivíduo ir além de assumir um ofício e ser capaz de recriá-lo (FAZENDA, 2015), a partir de

um projeto comprometido com a formação ampla dos trabalhadores [que se contraponha] às pedagogias liberais da moda”, que “[assuma] a liberdade como utopia e [mantenha] íntima vinculação com o projeto político de construção de uma sociabilidade para além do capital (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p. 65-66).

Isso pode ser buscado, em parte, considerando o “papel fundamental a ser desempenhado pelo aluno na proposição do tema” (SANTOS; NASCIMENTO, 2019, p. 9), colocando-o em posição de protagonista na construção do próprio conhecimento. Essa iniciativa deve ser acompanhada de discussões sobre as condições de trabalho contemporâneas e sobre alternativas dos estudantes ao mercado estabelecido, possibilitando-os guiar sua formação a partir do conhecimento das condições existentes.

Por fim, é necessário tratar das dificuldades na implementação de atividades interdisciplinares, das quais se destacam os aspectos de organização e planejamento e a adesão dos docentes. O trabalho inicial extra, a necessidade de rearranjo curricular e outros aspectos ligados à implementação não são irrelevantes, mas são solucionáveis com uma maior dedicação em momentos específicos. Já a adesão docente é um obstáculo mais complexo, pois envolve concepções acerca do ensino, de forma geral, e da importância que cada professor visualiza em sua área de estudo, de forma particular, e que pode inviabilizar a implementação de atividades interdisciplinares. “Para Pistrak (2009), a dificuldade da ação interdisciplinar é que cada disciplina toma seus objetivos específicos como os mais importantes, em vez de subordinar-se a um objetivo geral” (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p. 69). Nesse contexto, “faz-se necessário que os professores [...] estejam dispostos a romper com a visão fragmentadora do conhecimento e reconheçam a importância de todos os campos do conhecimento para uma leitura global da realidade” (SANTOS; NASCIMENTO, 2019, p. 11). Essa limitação pode ser manejada e superada por uma cultura institucional que evidencie cotidianamente a importância de um ensino contextualizado e que compartilhe os resultados positivos, para a comunidade escolar como um todo, das práticas que adotam esse posicionamento.

A partir das reflexões possibilitadas por esta revisão, visualiza-se as propostas interdisciplinares como um formato que deveria ser mais incentivado e explorado no ensino técnico integrado, por permitir o avanço em cada área do conhecimento e também relacioná-las entre si, contextualizando suas aplicações, e por possibilitar o mesmo ou maior aprendizado com uma carga menor de atividades, especialmente para os estudantes. Assim, buscou-se compreender melhor os aspectos aplicados da interdisciplinaridade a partir da pesquisa de suas características e possíveis formas de implementação, e os resultados estão apresentados nas seções seguintes.

 

Práticas interdisciplinares

As publicações encontradas na revisão bibliográfica realizada sobre práticas interdisciplinares, apresentadas no item anterior, tratam a questão de maneira predominantemente teórica. Resultado semelhante foi encontrado por Henrique e Nascimento (2015), que analisaram as comunicações apresentadas no eixo sobre “Práticas Integradoras em Educação Profissional” de um Colóquio realizado no Instituto Federal do Rio Grande do Norte em 2013. Esses autores identificaram que cerca de 40% dos textos analisados tratavam de pesquisa bibliográfica, documental ou de campo, 30% se caracterizavam como relatos de atividades de pesquisa e extensão, e cerca de 30% tratavam de trabalhos eventuais não sistematizados ou curricularizados. Nenhum trabalho foi enquadrado na tipologia que os autores definiram como “práticas integradoras permanentes e curriculares” (Ibidem, p. 72), o que representa a dificuldade de se realizar práticas integradoras em educação profissional.

Na prática, um exemplo de interdisciplinaridade curricular identificado ocorre com os Trabalhos Acadêmicos Integrados (TAIs) do curso Bacharelado em Engenharia Mecânica do campus Arcos do IFMG. Os TAIs são disciplinas que possuem regulamento próprio, integrantes do PPC do curso, que ocorrem do 1º ao 10º período, com 45 horas por semestre e com uma porcentagem da nota nas demais disciplinas do semestre (IFMG, 2020c, Art. 4º). As ementas dessas disciplinas indicam o desenvolvimento de um projeto multidisciplinar envolvendo todas as disciplinas do período (IFMG, 2020b, p. 40, 46, 52, 59, 72, 78, 87 e 92), algumas em grupo e outras individuais, com exceção de dois TAIs, cujas ementas não indicam essa multidisciplinaridade (Ibidem, p. 66 e 83). Ou seja, é um currículo baseado em projetos, estruturado na forma tradicional de divisão por disciplinas, que faz a integração por indicação nas ementas e em regulamento. O termo utilizado – multidisciplinar – indica apenas uma justaposição de disciplinas, conforme definição de Pombo (2005) já apresentada aqui, não uma inter-relação entre as mesmas. Ainda assim, esse formato de currículo pode ser um suporte para inúmeras possibilidades de conexões, inclusive interdisciplinares, ao criar uma estrutura de atividades e avaliações conectadas. Apesar deste ser um exemplo ocorrido em um curso em outro nível de ensino, entende-se que tal experiência possa ocorrer em cursos de Ensino Médio Integrados a Técnicos, desde que consideradas as particularidades e diferenças entre os cursos, com destaque para o perfil dos estudantes, para a extensão e a diversidade de disciplinas.

Outra proposta que possibilita a interdisciplinaridade é o trabalho por projetos. Lima e Hattum-Janssen (2012, p. 29-32 apud BRAIDA, 2014, n. p.) categorizam quatro tipologias de projeto, que vão do “exercício projeto”, trabalhado em uma disciplina isolada, ao “currículo projeto”, com a dissolução das disciplinas e os conteúdos voltados ao interesse do projeto. As opções intermediárias são o “componente projeto”, que é desenvolvido independente das disciplinas, e a “abordagem projeto”, que se configura por uma atividade interdisciplinar. Relacionando essas tipologias às definições dos prefixos de Pombo (2005, p. 5) e à própria descrição de Braida, a tipologia “abordagem projeto” pode ser concebida como uma alternativa para a implementação de atividades interdisciplinares.

Considerando o baixo retorno na pesquisa por relatos de experiências com práticas interdisciplinares, passa-se às análises de Projetos Pedagógicos de Curso e às entrevistas realizadas com os coordenadores de curso, no intuito de encontrar informações mais consistentes e avançar no entendimento das caraterísticas das práticas interdisciplinares.

 

A interdisciplinaridade nos Projetos Pedagógicos de Curso e nos relatos dos coordenadores de curso

A interdisciplinaridade é mencionada e sua adoção é defendida, em maior ou menor intensidade, nos cinco PPC analisados nesta pesquisa. No entanto, essas menções têm um aspecto apenas descritivo, não aplicado. Ou seja, a interdisciplinaridade é mencionada nos PPC como desejável, porém não há dispositivos para a sua adoção, que fica a critério dos docentes. Essa falta de uma estrutura básica inicial pode ser considerada um dos limitadores para a implementação de atividades interdisciplinares, visto que todas as suas características precisam ser definidas pelos docentes, sem ter exemplos ou orientações gerais para a sua aplicação.

A análise dos PPC possibilitou a estruturação de questionários e roteiros de entrevista estruturada para serem aplicados aos coordenadores de curso. Essa consulta teve como objetivo compreender em detalhes o processo de implementação das ações de integração das disciplinas nos cursos Técnicos Integrados de Edificações ofertados nos campi do IFMG, buscando identificar suas limitações e aprender com as estratégias adotadas. A participação dos coordenadores foi em formato oral ou escrito, de acordo com suas preferências e disponibilidade[2]. As perguntas não foram padronizadas, visto que se trata de uma pesquisa qualitativa com o objetivo de compreender as propostas e as práticas integradas nos diferentes campi, bem como incluir a visão dos coordenadores neste relato.

A primeira pergunta, de caráter mais geral, foi feita a todos os coordenadores. Perguntamos se eles entendem que a integração, especialmente entre disciplinas, ocorre no curso que coordenam e, em caso positivo, que explicassem brevemente as atividades desenvolvidas. Em todos os relatos, as atividades existentes estão ligadas às iniciativas dos professores, por não haver ações institucionalizadas para a integração. Ainda assim, foram relatados ao menos uma experiência em cada campus, o que consideramos um resultado positivo, se compararmos ao baixo retorno que encontramos na revisão bibliográfica. Em Congonhas, a coordenadora mencionou que as propostas partem do diálogo entre professores e citou uma atividade realizada em conjunto por disciplinas do curso técnico, em que várias disciplinas trabalham seus conteúdos a partir de um mesmo projeto arquitetônico (FERREIRA, 2020). Em Ouro Preto, o coordenador mencionou uma “composição cuidadosa das matrizes curriculares a fim de integrar disciplinas técnicas e propedêuticas”, um “diálogo constante entre professores” e ainda citou exemplos de projetos de pesquisa e extensão com resultados compartilhados na internet, o que permite, inclusive, a integração com a comunidade externa (SANTOS, 2020). Dentre os projetos, Santos mencionou trabalhos desenvolvidos no conceito BIM (Building Information Modeling), que são plataformas integradoras em sua essência, pois tratam da edificação como um todo e demandam um conhecimento amplo da construção em seus vários aspectos para a elaboração de um modelo digital. No curso de Governador Valadares há exemplos de atividades interdisciplinares nos três anos do curso integrado. As atividades variam da integração de duas até várias disciplinas, sendo que nesse último caso a proposta ainda está em desenvolvimento. Nesse campus a maioria das atividades relatadas ocorrem entre as disciplinas relativas ao curso técnico, mas também foi mencionado um projeto novo que envolve algumas disciplinas da área propedêutica (ÁVILA, 2020). Em Santa Luzia foram relatadas experiências integradoras nas semanas temáticas (Meio Ambiente, Diversidade, Ciência e Tecnologia), visitas técnicas, projetos de iniciação científica, extensão e trabalhos de conclusão de curso. Além dessas experiências também foram mencionadas atividades englobando várias disciplinas, dentre técnicas e propedêuticas (SILVA, 2020). Silva (2020), que coordenou o curso em Santa Luzia por mais de dois anos, desenvolve uma reflexão sobre as práticas integradas serem uma arena de lutas, que extrapolam orientações do Ministério da Educação ou dos Projetos Pedagógicos de Curso, o que foi possível observar no desenvolvimento desta pesquisa com os relatos de dificuldades na adesão dos docentes, por exemplo.

Uma ação recorrente ao tratar o tema integração, seja nos PPC ou nas respostas aos questionários, são as reuniões ou encontros pedagógicos. No campus de Governador Valadares, por exemplo, o PPC prevê “reuniões pedagógicas semanais” (IFMG, 2019a, p. 24); já no campus Ouro Preto são mencionados “encontros pedagógicos periódicos” (IFMG, 2019b, p. 23), sem mencionar qual seria essa periodicidade. A coordenadora de Governador Valadares mencionou que ainda não conseguiram implementar encontros com a periodicidade prevista no PPC, mas que já realizam reuniões ao menos a cada 45 dias, o que já supera a exigência do Regulamento de Ensino do IFMG de uma reunião por semestre (ÁVILA, 2020; IFMG, 2018, Art. 95). Em Ouro Preto o coordenador relatou que os encontros “Normalmente são trimestrais; duram cerca de 1 hora por turma; são tratados diversos temas sobre a turma e os alunos; envolvem todos os professores da turma e a equipe pedagógica”, sendo que a iniciativa para os encontros é da coordenação pedagógica (SANTOS, 2020). Em Congonhas, apesar de não haver no PPC menção a reuniões como estratégias de integração, a coordenadora do curso relatou que essas ocorrem “no início e final de cada semestre para que as ações de integração sejam discutidas”, com a participação de todos os professores do curso (FERREIRA, 2020). O PPC do curso de Santa Luzia, como o de Congonhas, não menciona encontros ou reuniões como estratégias de integração, porém Silva relata que o “planejamento conjunto de aulas” foi tema de “quase todas as pautas de reuniões pedagógicas” coordenadas por ele (SILVA, 2020).

O planejamento de aulas e de atividades em conjunto foram mencionados nos PPC de Congonhas e Santa Luzia como estratégias de interdisciplinaridade e integração (IFMG, 2017; Idem, 2015). A coordenadora do curso de Congonhas relatou que essas práticas promovem um “amadurecimento educacional e a transversalidade é atingida” (FERREIRA, 2020). Já Silva destaca a complexidade desse tipo de ação e menciona que as atividades existentes no campus ocorreram por adesão dos docentes, reforçando seu entendimento de evitar imposições (SILVA, 2020).

Em dois PPC foram mencionados como atividade do 3º ano um Projeto Integrado ou Projeto de Intervenção Interdisciplinar. No curso de Governador Valadares a atividade é descrita “como forma de avaliação final das disciplinas técnicas” (IFMG, 2019a, p. 68) e no curso de Santa Luzia a atividade é descrita como a resolução de uma situação problema através de “conhecimentos de pelo menos três disciplinas” (IFMG, 2015, p. 24), sendo que em ambos os casos os projetos não se encontram implementados. Ao serem questionados sobre esses projetos, Ávila citou a existência de outros projetos, já mencionados, que podem servir de referência e experiência para implementar o Projeto Integrado (ÁVILA, 2020), e Silva retomou sua reflexão do PPC enquanto campo de disputa das diferentes culturas materializadas, “resultante da formação acadêmica dos Docentes e do entendimento da sociedade de como a escola deve funcionar” (SILVA, 2020).

Duas alternativas de integração mencionadas apenas em um PPC são a Avaliação Integrada e as semanas temáticas. Silva (2020) relata que a Avaliação Integrada está implementada no campus Santa Luzia desde sua fundação em 2014, apontando suas características e mudanças recentes. Ele apresenta como aspectos positivos a “capacidade da Avaliação Integrada romper a hierarquia entre as áreas e entre disciplinas” e a “interação entre os Docentes, uma vez que todos trabalham, num regime de cooperação, em todo o processo”. Dentre os aspectos negativos mencionados, Silva menciona a avaliação necessita “de uma maior integração entre as disciplinas no processo de elaboração das questões” e “de reestruturar sua concepção que poderia ser mais focada no desenvolvimento de habilidades e competências, trazendo questões que permitem um diálogo melhor entre as diversas áreas” (SILVA, 2020). Em relação às semanas temáticas, Silva as considera de grande sucesso, como “os melhores momentos de oportunidades para integração entre disciplinas, bem como de possibilidades reais de trocas de experiências entre as diferentes áreas do conhecimento” (SILVA, 2020).

Por fim, abrimos um espaço para que os coordenadores pudessem mencionar aspectos que considerassem relevantes e que não haviam sido contemplados nas questões anteriores. Dois coordenadores mencionaram a importância da integração para reduzir repetência e evasão. Ferreira (2020) exemplifica com o caso de disciplinas que não participam das atividades integradas e que possuem resultados piores nesses aspectos, e Santos (2020) menciona os resultados positivos obtidos nas atividades integradas. Ávila (2020) visualiza a integração como uma utopia na qual acredita, desde que alguns fatores sejam resolvidos, como a organização de uma agenda entre docentes e equipe pedagógica e a implementação de reuniões. E Silva (2020) reforça sua visão de que os projetos desenvolvidos por solução de problemas seja o caminho mais adequado para a integração entre disciplinas.

Ficou evidente, nos relatos dos coordenadores de curso, que as ações interdisciplinares existentes dependem majoritariamente de iniciativas dos professores e da concordância e participação dos demais. Os PPC analisados não contam com atividades, descrição de ementas, ou informações mais precisas e detalhadas sobre o tema. A interdisciplinaridade é citada em diversos trechos dos PPC, porém sem especificação para sua implementação e sem sua inserção em elementos mais aplicáveis, como ementas e projetos curriculares. Considerando que os currículos são espaços de disputa, como bem apresentado por Silva (2020), fazemos nossa defesa pela incorporação da interdisciplinaridade em aspectos aplicáveis nesses documentos, deixando de considerar a tradicional estrutura de disciplinas isoladas como um modelo neutro e que não precisa participar dessa disputa. A menção à interdisciplinaridade em várias passagens dos PPC mostra que sua importância já é reconhecida, o que falta é pensa-la de forma mais abrangente e com dispositivos para sua implementação.

 

Conclusão

A revisão documental realizada nesta pesquisa mostrou que a legislação nacional permite e incentiva que os currículos extrapolem o caráter disciplinar e sejam estruturados por projetos, oficinas, dentre outros tipos de unidade curricular. A legislação do IFMG restringe o formato das unidades curriculares, que podem ser apenas do tipo disciplinas. No entanto essa restrição em si não é um problema, inclusive porque a interdisciplinaridade pressupõe uma estrutura disciplinar, para que essas unidades e seus conteúdos sejam colocados em relação.

A interdisciplinaridade consta em várias passagens dos projetos pedagógicos analisados, mas, como exposto nesta pesquisa, ainda não acontece de forma consolidada na maioria dos casos. Após as análises, conclui-se que os motivos que resultam nessa condição podem ser agrupados em dois campos, o documental e o docente. No campo documental, os PPC contam com aspectos avançados em suas descrições, como as menções à interdisciplinaridade, porém seus dispositivos aplicados ainda são tradicionais, como suas estruturações a partir de disciplinas isoladas. Nas seções mais aplicadas dos PPC, como nas ementas, não há incentivos ao uso de metodologias que extrapolem as aulas expositivas, indicações de conexão com outras disciplinas ou incentivos à adoção de formatos alternativos, como os mencionados nas DCNEM – módulos, projetos, oficinas, laboratórios, unidades de estudos. Os currículos são desenvolvidos entorno de um pensamento humanístico, preocupado com uma formação holística e não tecnicista, características necessárias para a formação de cidadãos com maior autonomia e capacidade de decisão. No entanto esses documentos não contam com dispositivos para a aplicação daquilo que está defendido em algumas partes descritivas de seus conteúdos. Os Projetos Integrados, quando existentes, são citados nas descrições dos documentos, mas não são incorporados ao currículo de forma interdisciplinar e aplicada. Ou seja, não há uma interdisciplinaridade curricular.

Em relação às limitações relacionadas aos docentes, destaca-se que a adoção da interdisciplinaridade, em um primeiro momento, demanda maior dedicação para a definição das atividades a serem desenvolvidas, o alinhamento de conteúdos, a definição de critérios e o acompanhamento do desenvolvimento das atividades, em um planejamento da interdisciplinaridade didática. Em muitos casos isso implica abdicar de uma estrutura minimamente organizada e partir para o desenvolvimento de um novo trabalho, o que demanda dedicação específica dos docentes. A previsão da interdisciplinaridade nos PPC de forma mais estruturada pode colaborar para ambos os problemas, seja como incentivo aos que a princípio não visualizam a interdisciplinaridade como relevante, seja por embasar algumas discussões e definições que precisam ser realizadas para o trabalho interdisciplinar. Acrescenta-se que essa demanda de maior trabalho é predominantemente inicial, visto que a interdisciplinaridade tem potencial para reduzir a sobrecarga não apenas dos estudantes, interesse inicial desta pesquisa, mas também dos professores, seja através do acúmulo de experiências com o tempo, seja através da colaboração com os demais professores que estiverem atuando na atividade interdisciplinar.

Para finalizar, aponta-se para alguns elementos levantados na revisão bibliográfica e nas entrevistas como potenciais para a implementação da interdisciplinaridade. Primeiro entendemos que a previsão de atividades interdisciplinares nos PPC pode colaborar destacadamente para a sua implementação. Essas atividades devem ser acompanhadas e amparadas pela previsão de reuniões periódicas, nas quais serão desenvolvidos o planejamento conjunto, o alinhamento de conteúdos e atividades, a reflexão sobre os resultados e os ajustes necessários no decorrer do processo. A interdisciplinaridade pode ser proposta em diferentes formatos, dos mais amplos, com todo o currículo estruturado a partir de atividades interdisciplinares, aos mais pontuais, com propostas menos abrangentes, mas igualmente agregadoras. Especialmente nos Cursos Técnicos Integrados em Edificações visualizamos a atividade de Projeto Integrado como um formato recomendável, por permitir uma correlação com os projetos desenvolvidos na prática profissional, com a participação de todas ou da maioria das disciplinas do período em uma atividade única e com avaliação conjunta. Esse projeto pode, inclusive, se utilizar de tecnologias, como uma modelagem digital integrada por BIM. Destacamos, por fim, que essas recomendações não são prescritivas, mas elementos encontrados nesta pesquisa e que podem servir como referência para discussões que pretendam a implementação da interdisciplinaridade.

 

Agradecemos aos professores e coordenadores dos cursos Carolyne Amélia Assis Ávila, do campus Governador Valadares, Franciele Maria Costa Ferreira, do campus Congonhas, Marcelo Nascimento Santos, do campus Ouro Preto, e Neilson José da Silva, do campus Santa Luzia, por suas colaborações.

 

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[1] Devido às indicações de isolamento social decorrentes da pandemia da COVID-19 e à distância entre os campi, a entrevista foi realizada em meios digitais.

[2] Uma coordenadora, do curso de Governador Valadares, participou por entrevista; três coordenadores, dos cursos de Congonhas, Ouro Preto e Santa Luzia, participaram por resposta escrita; e uma coordenadora, dentre os cinco cursos, não participou da pesquisa.