O contexto da pós-graduação stricto sensu no âmbito da formação pedagógica e a formação docente em Ciências Biológicas: o que revela a produção acadêmica

 

The context of stricto sensu postgraduate in the scope of pedagogical training and teaching training in Biological Sciences: what reveals academic production

 

Juliana Bittencourt Garcia

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

jbittencourtgarcia@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-6467-5264

 

Maria Isabel da Cunha

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

cunhami@uol.com.br - http://orcid.org/0000-0003-4129-7755

 

Recebido em 28 de julho de 2020

Aprovado em 21 de setembro de 2020

Publicado em 31 de maio de 2022

 

RESUMO

Este estudo buscou mapear como a formação pedagógica em Programas de Pós-Graduação stricto sensu e a formação de docentes universitários da área das Ciências Biológicas se apresentam no contexto da produção acadêmica de Programas de Pós-Graduação brasileiros. Para isso, foi realizada uma busca na literatura, usando os princípios da construção de Estado de Conhecimento, na perspectiva de Morosini (2015). O exercício foi realizado com base nos trabalhos publicados na plataforma da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Orientamos a pesquisa a partir de dois descritores de busca: “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu” e “formação para docência em ciências biológicas”, procuramos ainda subsidiar duas questões norteadoras.Os achados apontam para o reconhecimento, por parte dos docentes e/ou pesquisadores, da fragilidade da formação pedagógica para atuação no ensino superior. Na maioria dos trabalhos, é ressaltada a necessidade de articulação do conhecimento da área específica com o conhecimento pedagógico. No entanto, percebe-se, também, a dificuldade em superar o paradigma de que quem sabe fazer, sabe ensinar, contribuindo para a reprodução de práticas de ensino tradicionais, baseadas na lógica positivista, e para a pouca importância dada à formação pedagógica. A discussão teórica lançou mão das contribuições de Morosini (2015), Almeida e Pimenta (2014), Cunha (2008) entre outros.

Palavras-chave: Formação de professores; Pedagogia universitária; Estado de conhecimento.

 

 

ABSTRACT

This study sought to map how the pedagogical training in stricto sensu Postgraduate Programs and the training of professors of higth education in the area of ​​Biological Sciences are presented in the context of the academic production of Brazilian Postgraduate Programs. For this, we conducted a literature search, using the principles of the construction of State of Knowledge from the perspective of Morosini (2015). The same it was fulfilled started on works published on the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations platform of the Brazilian Institute of Information in Science and Technology. We guided our research based on two search descriptors: “pedagogical training in stricto sensu postgraduate courses” and “training for teaching in biological sciences”, we also tried to subsidize two guiding questions. Our findings point to the recognition, by professors and/or researchers, of the fragility of pedagogical training to work in higher education. In most cases, the need to articulate knowledge in the specific area with pedagogical knowledge is emphasized. However, it is also perceived the difficulty in overcoming the paradigm that those who know how to do, know how to teach, contributing to the reproduction of traditional teaching practices, based on positivist logic, and to the few importance given to pedagogical training. The theoretical discussion made use of the contributions of Morosini (2015), Almeida and Pimenta (2014), Cunha (2008) among others.

Keywords: Teacher training; University pedagogy; State of knowledge.

 

 

Introdução

            A busca por formação de pós-graduação stricto sensu, caracterizada pelo mestrado e doutorado, quer acadêmico ou profissional, vêm crescendo no cenário da educação superior no Brasil. Cada vez mais se revela o interesse pela qualificação acadêmica tendo em vista a celeridade do conhecimento e as exigências do mundo do trabalho. Os Programas de Pós-Graduação, em suas diferentes áreas, contam, periodicamente, com um significativo número de candidatos às suas vagas, consolidando este espaço como um lugar de aprofundamento teórico e de produção científica.

            De acordo com estudos de Almeida e Pimenta (2014, p. 11), e Corrêa e Ribeiro (2013, p. 321), os processos formativos dos Programas de Pós-Graduação, de maneira geral, caracterizam-se pela apropriação e desenvolvimento de conhecimentos específicos da atividade de pesquisa (teóricos e instrumentais) bem como a consolidação do campo científico específico da área de atuação de futuros docentes. Os Programas de Pós-Graduação stricto sensu em sua gênese priorizam atividades de pesquisa e seus produtos são evidenciados através de dissertações e teses. Essa condição tem promovido um aumento significativo da produção científica nacional. Ao mesmo tempo, a legislação, por meio do artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nº. 9394/96, atribui a esse nível de ensino, a preparação para a docência na educação superior. Contudo, essa tendência por parte dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu,em priorizar atividades de pesquisa, os torna, mesmo que não intencionalmente, responsáveis por reproduzir e dar continuidade a crença de que para ser professor basta ter a expertise em determinado conteúdo, ou seja, ser um bom pesquisador (PACHANE, 2005, p. 14).

            Esta é uma crítica comum às políticas de formação docente para a educação superior, tendo em vista a ausência de uma prática consolidada e pesquisada na sua eficácia e sistematização. Quando, nos processos de seleção à carreira universitária, não se exige comprovação de formação pedagógica para a docência, enfraquece-se os discursos que recomendam essa prática.

            Compreendemos que, se há alguma iniciativa nessa direção, refere-se ao Estágio de Docência proposto pela Capes aos bolsistas dessa Agência. Porém, dada à falta de acompanhamento externo sobre a sua efetividade, há indícios de que a interpretação da Portaria fica a cargo dos Colegiados, com pouca uniformidade. Essa é uma condição que aguça a nossa curiosidade, nos estimulando a buscar respostas às inquietações: Como é desenvolvida a formação pedagógica no contexto dos cursos de pós-graduação stricto sensu? E a formação para docência universitária em áreas como as Ciências Biológicas?

            Certamente cada área assume uma base epistemológica própria que se manifesta por um histórico cultural arraigado em determinados princípios. No caso das Ciências Biológicas, por exemplo, há uma evidente influência dos parâmetros da ciência moderna que, certamente, também define uma visão de conhecimento que impacta a prática pedagógica. É sob a égide desse paradigma que, ainda hoje, são formadas as diferentes gerações de professores de Ciências Biológicas. Sousa Santos (2008, p. 27 e 28) lembra que a ciência moderna se estrutura com base na lógica da matemática e dessa centralidade resultam duas consequências: 1conhecer significa quantificar, o que não é quantificável é cientificamente irrelevante, tornando o rigor científico aferido pelas medições; e o 2método científico baseia-se na redução da complexidade, ou seja, conhecer significa dividir e classificar para depois poder estabelecer relações. Diante disso, qualquer conhecimento que não esteja baseado nas regras do método científico pode ser questionado.

            A cultura de valorização do saber específico da área em detrimento de saberes oriundos de um campo mais circunstancial e subjetivo, como os saberes pedagógicos, acaba, muitas vezes, por considerá-los irrelevantes cientificamente. Trata-se de uma percepção frequente nos espaços de formação para a docência universitária das áreas alicerçadas do pensamento científico positivo.

            Esse embate entre epistemologias distintas nem sempre é discutido na base da formação que se realiza com os pós-graduandos, o que leva, muitas vezes, a uma formação tecnicista e pouco reflexiva. Além disso, não há um consenso sobre as práticas que devem compor, por exemplo, o Estágio de Docência e nem clareza dos saberes exigidos tanto para quem orienta, como para o estudante em formação. Ainda que a Portaria MEC/CAPES nº 76/2010 traga instruções sobre a proposta que embasa a portaria, como não tem havido uma política de acompanhamento e avaliação desse processo, cada Programa toma suas decisões, dentro de suas condições objetivas, de como cumpri-las, com raras situações de avaliação processual.

            O estudo que aqui apresentamos é objeto de uma tese de doutorado que se propôs a compreender como os Programas de Pós-Graduação da grande área das Ciências Biológicas produzem, nos seus currículos, propostas de formação para a docência. Este recorte toma a problemática da formação para atuação docente no ensino superior como objeto e crê que a pesquisa do fenômeno pode trazer informações interessantes, para realimentar e qualificar a formação pedagógica de futuros professores universitários, principalmente no espaço da pós-graduação stricto sensu, reconhecido na sua legitimidade, por força de Lei.

 

A metodologia e os achados

            A partir dos questionamentos expostos, traçamos um panorama sobre os estudos que têm abordado a temática da formação pedagógica no âmbito da pós-graduação stricto sensu, bem como os estudos que têm abordado a formação para a docência universitária na área das Ciências Biológicas. Dada a sua pouca sistematização, os discursos, em geral, carecem de dados científicos consolidados que respondam à cultura acadêmica dos interessados.

            Dessa forma, reforçamos que o estudo buscou mapear como a formação pedagógica em Programas de Pós-Graduação stricto sensu e a formação de docentes universitários da área das Ciências Biológicas se apresentam no contexto da produção acadêmica de Programas de Pós-Graduação brasileiros. Para isso, realizamos uma busca na literatura, valendo-nos dos princípios da construção de Estado de Conhecimento que, segundo Morosini, trata-se da

[...] identificação, registro, categorização que levam à reflexão e síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica. (2015, p. 102). 

            Para a autora, a construção do Estado de Conhecimento ocorre envolvendo três fases metodológicas: a construção da 1Bibliografia Anotada, que surge como um primeiro movimento na busca por materiais que farão parte do corpus de análise do pesquisador, sendo importante o registro de informações como data da busca, base de dados consultada, descritores de busca utilizados e total de trabalhos encontrados. A seguir, a exploração da 2Bibliografia Sistematizada, quando ocorre o aprofundamento quanto ao conteúdo e detalhamento de alguns aspectos, como ano de defesa, nível da produção, palavras-chave e metodologia utilizadas pelo autor, seus resultados. Logo, a sistematização da 3Bibliografia Categorizada, onde o material bibliográfico será agrupado, possibilitando a construção de categorias analíticas que traduzam a ideia principal do agrupamento (MOROSINI, 2015, p. 112; FONTOURA e MOROSINI, 2018, p. 194).

            O corpus de análise deste estudo foi constituído a partir dos trabalhos publicados na plataforma Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (BDTD-IBICT). As buscas foram direcionadas ao portal BDTD por este possuir uma ampla possibilidade de produções de Teses e Dissertações defendidas em nível nacional. Orientamos a pesquisa a partir de dois descritores de busca: “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu” e “formação para docência em ciências biológicas”.

            A pesquisa com o descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu” foi concluída no mês de fevereiro de 2020, tendo como resultado duzentos e setenta e oito trabalhos, sendo duzentos e duas dissertações e setenta e seis teses.

            Primeiramente foram lidos os títulos e resumos. Posteriormente, selecionamos os trabalhos que subsidiaram a questão: Como se desenvolve a formação pedagógica no contexto dos cursos de pós-graduação stricto sensu?

            Do total de duzentos e setenta e oito trabalhos encontrados, dezessete foram selecionados, uma vez que a abrangência dos demais fugia ao objetivo do estudo. Após uma leitura “flutuante”, na perspectiva de Bardin, (2011, p. 68 e 126), dos dezessete, nove continuaram a subsidiar a pergunta proposta, uma vez que focavam especialmente nosso principal interesse. Desse modo, estes nove trabalhos compuseram a primeira parte do corpus de análise do estudo.

            Já a pesquisa com o descritor “formação para docência em ciências biológicas” foi concluída no mês de outubro de 2019. Dela resultaram cento e quarenta e sete trabalhos, sendo noventa e oito dissertações e quarenta e nove teses. Foram lidos os seus títulos e resumos. Na sequência, selecionamos os trabalhos que subsidiaram a seguinte pergunta: Como se dá a formação para a docência universitária na área das Ciências Biológicas? Do total dos cento e quarenta e sete trabalhos encontrados,onze foram selecionados e, após uma leitura “flutuante”destes, apenas cinco mostraram pertinência significativa com o  estudo.

  Na tentativa de contemplar as fases metodológicas que efetivam a construção do Estado de Conhecimento, na perspectiva de Morosini (2015), elaboramos um quadro (Quadro 1), representando a fase de bibliografia anotada, bem como quatro tabelas ilustrativas (Tabela 1, Tabela 2, Tabela 3 e Tabela 4) representando a fase de bibliografia sistematizada e três figuras (Figura 1, Figura 2 e Figura 3), representando a fase de bibliografia categorizada. No caso das tabelas, as quatro sintetizam a fase de bibliografia sistematizada. Porém, com a finalidade de melhor visualização e organização, as informações da fase foram distribuídas em duas tabelas para cada descritor: Bibliografia Sistematizada 1 e Bibliografia Sistematizada 2 (tabelas 1 e 2, respectivamente) para o descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”; e Bibliografia Sistematizada 1 e Bibliografia Sistematizada 2 (tabelas 3 e 4, respectivamente) para o descritor “formação para docência em ciências biológicas”.

 

Quadro 1 – Bibliografia Anotada

BASE DE DADOS

TIPO DE BUSCA

DESCRITORES DE BUSCA

DATA DA BUSCA

TOTAL DE TRABALHOS ENCONTRADOS

TRABALHOS SELECIONADOS INICIALMENTE

BDTD-IBICT

Busca avançada;

Todos os campos

Formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu

Concluída em fevereiro de 2020

278 – 202 dissertações e 76 teses

17 – 13 dissertações e 4 teses

BDTD-IBICT

Busca avançada;

Todos os campos

Formação para docência em ciências biológicas

Concluída em outubro de 2019

147 – 98 dissertações e 49 teses

11 – 4 dissertações e 7 teses

Fonte: as autoras, 2020.

 

            Na fase de construção da bibliografia anotada, os vinte e oito trabalhos selecionados, sendo dezessete dissertações e onze teses, passaram pela leitura “flutuante”. Após essa primeira análise, como já mencionado, foram selecionados para este estudo nove trabalhos referentes ao descritor de busca “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”, os quais apresentaremos nas tabelas 1 e 2. E cinco trabalhos referentes ao descritor de busca “formação para docência em ciências biológicas”, os quais apresentaremos nas tabelas 3 e 4.

  Para o descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”, na fase de construção da bibliografia sistematizada, os trabalhos foram organizados de acordo com as informações apresentadas na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Bibliografia Sistematizada 1 – descritor: formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu.

Nível D/T

Ano

Autor/a

Programa

IES

D

2006

Borges, C.

Instituto de Biociências

Unesp

D

2007

Nascimento, J. C. P.

-

Mackenzie

T

2010

Oliveira, J. S.

PEPG em Educação

PUC/SP

D

2012

Lapini, V. C.

PPG em Controladoria e Contabilidade

USP

D

2014

Chaves, A. P.

PPG em Educação

UEL

D

2015

Reche, B. D.

PPG em Educação

UEL

D

2015

Zamprogna, K. M.

PPG em Enfermagem

UFSC

T

2016

Bertanha, P.

PPG em Educação Escolar

Unesp

D

2019

Dórea, N. M. V. C.

PPG em Educação

UFS

Fonte: as autoras, 2020.

 

                Dos nove trabalhos selecionados para as contribuições, sete são dissertações e dois são teses. Percebe-se que as publicações referentes à temática iniciam no ano de 2006, com uma dissertação e estendem-se até 2019. Alguns intervalos podem ser observados, o que demonstra que não há uma linearidade temporal nas publicações e torna o tema bem pontual.

            Nota-se também que a maioria dos trabalhos provém da região sudeste do Brasil, sendo cinco do Estado de São Paulo. Outros três trabalhos são oriundos da região sul, sendo dois do Estado do Paraná e um de Santa Catarina. Apenas um trabalho provém da região nordeste, do Estado de Sergipe. Quanto aos Programas de Pós-Graduação (PPG’s), cinco se vinculam à área da Educação, um em Controladoria e Contabilidade, um em Enfermagem, um do Instituto de Biociências e um sem informação.

  Os autores, títulos, palavras-chave, metodologias utilizadas e principais resultados estão sintetizados a seguir, na Tabela 2.

 

Tabela 2 – Bibliografia Sistematizada 2 – descritor: formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu.

Autor/a

Título

Palavras-chave

Metodologia

Resultados

Borges, C.

Docência universitária em Educação Física

-

Entrevistas com 13 docentes oriundos do mestrado EEFEUSP

Aponta a falta de formação didático-pedagógica no curso de pós-graduação pesquisado

Nascimento, J. C. P.

Formação pedagógica de docentes do ensino superior em PPG’s stricto sensu

Docência Universitária; Formação Pedagógica; Ensino Superior; Formação de Professores

Pesquisa bibliográfica; análise documental

Conclui que não há preocupação com a formação pedagógica nos cursos analisados

Oliveira, J. S.

A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu

Ensino Superior; Currículo de Formação de Professores; Magistério Jurídico

Análise documental das propostas dos Programas

Infere que a formação de professores não é preocupação dos Programas; formação pedagógica precária ou inexistente

Lapini, V. C.

Panorama da formação do professor em Ciências Contábeis pelos cursos stricto sensu no Brasil

Contabilidade; Ensino; Formação do Professor; Educação Continuada.

Pesquisa documental e análise de conteúdo

Considera que há preocupação com a formação de professores, mas que a mesma não ocorre na prática

Chaves, A. P.

Formação pedagógica no âmbito da pós-graduação stricto sensu em Educação Física

Formação Docente; Docência Universitária; Pós-Graduação; Stricto Sensu; Educação Física

Curso de pós-graduação Associado em Ed. Física UEM e UEL; entrevistas com coordenadores e questionários com alunos; análise hermenêutico-dialética

Conclui que existe preocupação com a formação pedagógica, mas que a formação para a pesquisa é privilegiada

Reche, B. D.

A formação docente para o ensino superior no programa de mestrado em Educ. da UEL e a perspectiva de alunos oriundos do bacharelado

Docência no Ensino Superior; Formação Pedagógica; Formação Docente

Programa de mestrado em Educação UEL; questionários com 16 alunos e entrevistas com a coordenadora e 2 professoras

Considera que existem ações e condutas formativas para a docência; perspectiva dos alunos é de contribuição para a carreira docente

Zamprogna, K. M.

Formação didático-pedagógica nos currículos de PPG’s em Enfermagem

Educação de Pós-Graduação em enfermagem; Formação Docente; Formação Pedagógica

27 PPG’s em Enfermagem; pesquisa quantitativa; estatística descritiva

Conclui que a formação didático-pedagógica não está efetivamente institucionalizada nos Programas analisados

Bertanha, P.

Formação Pedagógica do Professor do Ens. Superior: os PPG’s nota 7.0

Pós-Graduação; Stricto Sensu; Formação Pedagógica; Professor do Ensino Superior

145 PPG’s nota 7.0; análise documental e de conteúdo

Considera que os Programas nota 7.0 formam professores, no entanto a formação pedagógica é negligenciada

Dórea, N. M. V. C.

Percurso histórico dos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFS: lugar de formação para o magistério superior?

História da Pós-Graduação; Formação Docente; Magistério Superior; Pós-Graduação stricto sensu

43 PPG’s da FUFSE; pesquisa quanti-qualitativa; análise documental e de conteúdo

Conclui que a formação para o magistério superior não tem se concretizado

Fonte: as autoras, 2020.

 

                Em todos os trabalhos analisados nesta etapa fica evidente a preocupação dos autores com a formação pedagógica dos professores do ensino superior, no âmbito da pós-graduação stricto sensu. Além disso, em todos os trabalhos percebemos que os autores tem clara a responsabilidade dos Programas stricto sensu quanto a esta formação, visto que as pesquisas apresentadas trazem um confronto entre os documentos que regem os Programas e suas ações. Percebemos também que, de maneira geral, os autores atribuem ao enfoque na produção científica, dado por conta dos critérios de avaliação dos Programas, a diminuição de possibilidades de discussões sobre as especificidades de ser professor, bem como seus aspectos didáticos, metodológicos e pedagógicos.

  Para explicitar a fase de bibliografia categorizada da primeira parte deste Estado de Conhecimento, para o descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”, apresentamos duas imagens onde estão identificados os principais eixos de análise dos trabalhos (Figura 1) e as áreas/cursos onde foram realizadas as investigações (Figura 2). Todos tendo como eixo comum e atravessador a formação didático-pedagógica em Programas de Pós-Graduação stricto sensu, conforme ilustram as figuras a seguir:

 

Figura 1.jpg

Figura 1 – Relação dos principais eixos de análise dos trabalhos referentes ao descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”.

Fonte: as autoras, 2020.

Figura 2.jpg

Figura 2 – áreas/cursos dos estudos apresentados para o descritor “formação pedagógica em cursos de pós-graduação stricto sensu”.

Fonte: as autoras, 2020.

 

            Os trabalhos de Borges (2006) e Chaves (2014) investigam a formação pedagógica em Programas de Pós-Graduação da área de Educação Física. Borges (2006) objetivou explorar as conceituações de didática de um grupo de 13 (treze) docentes egressos do Curso de Mestrado da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo e, se e como o Curso preparou esses alunos didática e pedagogicamente para atuação no ensino superior. A autora traz como hipótese que a pós-graduação stricto sensu não prepara seus alunos nesta perspectiva. Por meio de análise de conteúdo das entrevistas, conclui que a maioria dos egressos entende a didática, em sentido amplo, somente como técnicas de ensinar. Aponta ainda que, de acordo com os entrevistados, o Programa não os preparou didática e pedagogicamente para a docência, fortalecendo os saberes da experiência como referente da futura prática docente.

            Chaves (2014) investigou se a formação pedagógica dos alunos do Programa de Pós-Graduação stricto sensu Associado em Educação Física das Universidades Estaduais de Maringá e Londrina é desenvolvida por suas ações e propostas. Por meio da análise de documentos, aplicação de questionários aos dezesseis alunos regulares e entrevista semiestruturada com dois coordenadores, a autora considera que a formação pedagógica é desenvolvida por ações e propostas relacionadas a formação docente, contudo, avalia que a formação para a pesquisa é privilegiada. A autora pontua ainda que tais ações relacionadas à formação docente devem continuar a fim de promover mudanças e romper com o desequilíbrio entre a formação docente e para a pesquisa.

            O trabalho de Oliveira (2010) teve por objetivo analisar a formação pedagógica de professores para o ensino superior jurídico no Brasil. A autora realizou sua pesquisa com sessenta e dois Programas da área do Direito, fazendo uma busca no site da CAPES. Analisou os objetivos declarados pelos cursos e como estes são traduzidos em disciplinas e ações. Como resultados traz que: do total de Programas analisados nenhum possui uma linha de pesquisa ligada à educação, 10% tem projetos com enfoque no ensino, 24% já produziram teses ou dissertações sobre o ensino superior, 66% declaram ter como objetivo a formação de docentes e 55% oferecem alguma disciplina de cunho pedagógico. Por fim, Oliveira (2010) traz subsídios, focando em currículo, políticas públicas e estágio de docência, para pensar a formação de professores na área jurídica, formação esta que a autora considera carecer de atenção e investimentos.

            O estudo de Lapini (2012) buscou analisar como Programas de Pós-Graduação da área contábil formam os professores de Contabilidade no Brasil, através de pesquisa documental, tendo como fonte os relatórios da CAPES e o site de cada Programa pesquisado. Interpretando os dados a autora considera que dentre os vinte e cinco cursos analisados, três atividades são utilizadas visando à formação docente: disciplinas, prática docente supervisionada e atividades complementares que discutem o ensino e a educação. Lapini (2012) adverte que apesar da maioria dos cursos declarar ter como objetivo a formação docente, o foco maior é dado na formação para a pesquisa, fragilizando a formação para a docência.

            Também Reche (2015) investigou a formação pedagógica do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina na perspectiva de alunos oriundos de cursos de bacharelado. Através da aplicação de questionários a dezesseis alunos e entrevista estruturada com a coordenadora e duas professoras do curso, a autora faz uma triangulação dos dados coletados e sua interpretação. Diferentemente dos trabalhos listados até aqui, Reche (2015) considera que, por ser um curso na área de Educação, todas as disciplinas estão voltadas direta ou indiretamente para a docência. Porém, de modo especial para a educação básica, sendo poucas as que abordam a prática docente no ensino superior. Considera que, na perspectiva dos alunos, são trabalhados aspectos da formação pedagógica em todas as disciplinas, o que demonstra a preocupação do Programa em promover reflexões sobre o magistério. Ainda assim as atividades de pesquisa são as principais. A pesquisadora ainda relata que, enquanto aluna, sentiu falta de ações voltadas à aprendizagem de adultos, formas de avaliação e abordagem coerente de ensino.

            Zamprogna (2015) teve como objetivo conhecer, no âmbito dos currículos, a formação didático-pedagógica dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Enfermagem. É o único dos trabalhos desta pesquisa de Estado de Conhecimento com abordagem quantitativa. Suas análises foram realizadas através da Plataforma Sucupira e dos sites de vinte e sete Programas de Pós-Graduação, buscando os planos de ensino das disciplinas pedagógicas. A autora considera que, em um escopo geral, a Pós-Graduação stricto sensu não deixa claro nas suas atividades, nem nas propostas curriculares, a formação didático-pedagógica necessária à construção do professor do ensino superior em Enfermagem. Quanto aos currículos, considera que não há um padrão de viabilização de disciplinas com enfoque didático-pedagógico. Observa que nos cursos de mestrado, pelo menos uma disciplina com tal enfoque compõe a proposta curricular, enquanto nos cursos de doutorado isso não ocorre.

            As áreas de Ciências Contábeis, Direito, Educação, Educação Física e Enfermagem foram objeto dos estudos até aqui apresentados. Entretanto, os trabalhos que serão sistematizados a seguir, investigaram a formação pedagógica em Cursos de Pós-Graduação stricto sensu de mais de uma área, onde cada autor estabeleceu diferentes critérios para sua escolha.

            A pesquisa de Nascimento (2007) objetivou refletir sobre a formação pedagógica do docente do ensino superior, discutindo as oportunidades oferecidas pelos Cursos de Mestrado. Sua questão era observar se Cursos de Pós-Graduação stricto sensu (mestrado) oferecem formação pedagógica aos seus alunos e de que maneira isso acontece. Através de alguns critérios de seleção elegeu três Programas da grande área das Ciências Humanas (Geografia, História e Educação), três da grande área das Ciências Sociais Aplicadas (Direito, Economia e Administração) e três da grande área das Ciências da Saúde (Medicina, Enfermagem e Odontologia). A autora selecionou dois Programas de cada área específica de diferentes regiões, totalizando dezoito Programas. Nascimento (2007) realizou um levantamento no site da CAPES analisando os dados dos Programas selecionados para saber quais oferecem disciplinas relacionadas com a formação pedagógica. Com base na análise dos currículos, a autora conclui que não há preocupação em relação à formação pedagógica nestes Programas, alertando para a falta de oferta de disciplinas pedagógicas e/ou atividades voltadas à formação para a docência. Por fim, a autora aponta para a necessidade de mudanças na maneira como são entendidas e tratadas as questões pedagógicas dentro da universidade.

            Bertanha (2016) analisou, sob diferentes perspectivas, se a formação do professor universitário proposta pelos Cursos de Pós-Graduação reflete uma formação pedagógica. A partir de uma busca na base de dados da CAPES, selecionou os cento e quarenta e cinco Programas com nota 7.0. Para a autora, os Programas analisados respondem em sua concepção e objetivos aos propósitos do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), contudo não mencionam a formação pedagógica. Referente ao perfil do egresso, todos os Programas descrevem o pesquisador e aproximadamente 1/3 inclui no perfil de seu egresso a formação docente. Também 1/3 apresenta linhas de pesquisa e projetos que tratam de temas relacionados ao aprender, ensinar e educação superior. Ainda, a mesma proporção não oferta nenhuma disciplina relacionada à docência. Quanto à integração com a graduação e os Estágios de Docência, a autora relata que, em cento e quarenta Programas esta integração ocorre através da oferta do Estágio, o que é relatado como fortalecimento da formação para a docência dos pós-graduandos.

            A pesquisa de Dórea (2019) revisita a história dos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade Federal de Sergipe (UFS), considerando-os espaços de formação para a docência, a fim de identificar qual o lugar da formação docente nesses Cursos. Traz as definições de espaço, lugar e território na perspectiva de Cunha (2008). Por meio de uma análise bibliográfica, documental e de conteúdo, a autora afirma que mais da metade dos Programas assume como um de seus objetivos a formação para o ensino superior e, dessa forma, os caracteriza como lugares de formação docente. Porém, também mais da metade não oferta disciplinas de cunho pedagógico. Dos Programas que ofertam estas disciplinas, poucos são os que exigem uma obrigatoriedade em cursá-las, os que exigem a autora considera como possíveis territórios de formação para a docência.

            Para o descritor “formação para docência em ciências biológicas”, na fase de construção da bibliografia sistematizada, os trabalhos foram organizados de acordo com as informações apresentadas na tabela a seguir (Tabela 3).

 

Tabela 3 – Bibliografia Sistematizada 1 – descritor: formação para docência em ciências biológicas.

Nível D/T

Ano

Autor/a

Programa

IES

T

2001

Torniziello, T. P.

Faculdade de Educação

UNICAMP

T

2016

Hoffmann, M. B.

PPG em Educação Científica e Tecnológica

UFSC

D

2017

Silva, P. R. S.

PPG em Educação

UFV

T

2017

Sandri, V.

PPG em Educação

UFSM

D

2018

Brum, Y. K.

PPG em Educação

UFPel

Fonte: as autoras, 2020.

 

            Dos cinco trabalhos selecionados para as contribuições, dois são dissertações e três são teses. Observa-se que houve a publicação de uma tese no ano de 2001, sendo os próximos trabalhos referentes à temática publicados apenas a partir de 2016. De 2016 até 2018, foram publicados quatro trabalhos, sendo um a cada ano, com exceção do ano de 2017, onde houve duas publicações.

            Nota-se também que a maioria dos trabalhos provém da região sul do Brasil, sendo dois) do Estado do Rio Grande do Sul e um)do Estado de Santa Catarina. Já os outros dois trabalhos são oriundos dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais. Quanto aos Programas, três são em Educação,um em Educação Científica e Tecnológica, e um da Faculdade de Educação.

            Os autores, títulos, palavras-chave, metodologias utilizadas e principais resultados estão sintetizados a seguir, na Tabela 4.

 

Tabela 4 – Bibliografia Sistematizada 2 – descritor: formação para docência em ciências biológicas.

Autor/a

Título

Palavras-chave

Metodologia

Resultados

Torniziello, T. M. P.

Docência Universitária: um estudo nas áreas de C.B. e da saúde

-

Disciplinas da área de C.B. da PUC – Campinas; questionários com 17 docentes e entrevistas com 3

Perfil docente do ensino superior delineado a partir da titulação; aponta ausência de formação pedagógica

Hoffmann, M. B.

Constituição da identidade profissional docente dos formadores de professores de Biologia: Potencialidades da intercoletividade

Docência no Ensino Superior; Identidade Profissional Docente; Ensino de Biologia; Ludwik Fleck; Intercoletividade

Revisão da literatura; curso de L.C.B da UFFS campus Realeza – PR; entrevistas com 8 docentes formadores

Falta de diálogo entre áreas bem como de formação pedagógica; intercoletividade poderia auxiliar no enfrentamento

Silva, P. R. S.

Aprendizagem da docência de professores formadores que atuam nos cursos de L.C.B

-

Curso de L.C.B da UFV; entrevistas com 6 docentes formadores

Tem clareza de sua atuação; aprender a ser formador carrega sentidos e perdura durante a carreira

Sandri, V.

Aprendizagem docente no ensino superior: processos formativos de professores e estudantes nas licenciaturas da área de C.B.E.T.

Trajetória Formativa; Arquitetura Formativa; Formadores de Professores; Concepção de Docência; Ensino Superior

Cursos de L.C.B.E.T. da UFSM; questionários; entrevistas com 20 docentes formadores e 24 estudantes

Aprendizagem docente é influenciada pelas vivências; alerta a formação conteudista direcionada à pesquisa, resultante da formação dos formadores

Brum, T. K.

As concepções de professores de C.B: relações entre a formação pedagógica e científica

Formação de professores; concepção científica; concepção pedagógica; ensino de biologia

Curso de L.C.B da UFPel; entrevistas com 5 docentes

Ausência de formação tanto em relação aos saberes pedagógicos quanto de filosofia da ciência

Fonte: as autoras, 2020.

                Em nenhum dos trabalhos analisados os autores trazem um olhar mais focado na formação pedagógica ofertada pela pós-graduação stricto sensu na área das Ciências Biológicas. Contudo, a maioria deles, em algum momento da discussão, perpassa o tema, geralmente identificando ou sinalizando a falta desta formação, seja nos depoimentos de entrevistados, em revisões da literatura ou em suas percepções no desenvolvimento da pesquisa.

            No intuito de construir a fase de bibiografia categorizada da segunda parte deste Estado de Conhecimento, para o descritor de busca “formação para docência em ciências biológicas”, elencamos quatro eixos com as principais temáticas que foram possíveis de serem identificadas nos trabalhos analisados, todas atravessadas pela temática da docência universitária, conforme ilustra a imagem a seguir (Figura 3):

Figura 3.jpg

Figura 3 – Relação dos eixos temáticos identificados nos trabalhos referentes ao descritor “formação para docência em ciências biológicas”.

Fonte: as autoras, 2020.

 

            É possível perceber que cada eixo complementa o outro e, no caso das pesquisas analisadas, raramente eles aparecem de forma isolada. Entretanto não raras vezes há a predominância de um ou outro, permitindo a classificação do estudo em cada categoria.

            Os trabalhos de Silva (2017) e Sandri (2017) trazem como principal elemento de investigação e discussão a aprendizagem da docência dos professores universitários formadores, atuantes em cursos de licenciatura. Silva (2017) objetivou compreender o processo de constituição da docência de professores formadores que atuam no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Viçosa (UFV) através de pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas. Sandri (2017) buscou compreender as implicações dos processos formativos na aprendizagem da docência de professores formadores e também de estudantes dos cursos de Licenciatura na área Ciências Biológicas, Exatas e da Terra da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 

            Utilizando-se de entrevistas semiestruturadas com vinte professores formadores e vinte e quatro estudantes de diferentes etapas dos cursos, Sandri (2017) compreende que tanto estudantes quanto formadores produzem sentidos sobre a docência através do reconhecimento de suas vivências e da subjetivação de suas experiências no contexto da profissão. A autora ainda destaca que a aprendizagem da docência é influenciada pelas vivências e marcas produzidas pela trajetória de cada sujeito e que depende das concepções que os mesmos têm sobre a docência, concepções estas que vão sendo reconstruídas, refutadas e intensificadas ao longo do percurso formativo. As conclusões de Silva (2017) não são muito diferentes, pois, segundo o autor, a aprendizagem da docência de seus entrevistados está carregada de sentidos e significados e esse aprendizado perdura durante a carreira.

            Já nos trabalhos desenvolvidos por Torniziello (2001) e Brum (2018) foi possível observarmos questões mais ligadas às concepções dos docentes pesquisados. Concepções quanto à docência e concepções pedagógicas. No caso de Brum (2018) também foram investigadas as concepções científicas dos docentes universitários atuantes no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Os resultados apontados pelo autor, obtidos através de entrevistas semiestruturadas, evidenciam que as concepções científicas e pedagógicas dos docentes possuem mais distanciamentos do que relações, uma vez que o saber científico é priorizado em relação ao saber pedagógico. Contudo, alguns docentes entrevistados compreendem a necessidade de mudança em práticas de ensino tradicionais, enraizadas na cultura acadêmica. Porém, de acordo com o autor, estes reconhecem que possuem poucas alternativas para tal mudança, fruto de uma preparação pedagógica deficitária no âmbito da pós-graduação.

            Torniziello (2001), objetivando delinear o perfil dos docentes que ministram disciplinas das Ciências Biológicas em cursos da área da saúde na Pontifícia Universidade Católica (PUC)-Campinas, bem como entender suas concepções e questões pedagógicas no trabalho universitário, aponta que, mesmo não explicitado plenamente, os professores atribuem sentidos a prática docente. A autora também indica que o perfil destes docentes é delineado pela formação necessária na área de conhecimento, reconhecendo-se a necessidade de domínio pedagógico. Atribui à Universidade e aos professores, respectivamente, a tarefa de promover e buscar capacitação pedagógica específica, bem como desenvolver pesquisas como forma de garantir a qualidade da formação profissional.

            Objetivando problematizar a necessidade de formação pedagógica de docentes universitários, a pesquisa de Hoffmann (2016) quis investigar a potencialidade da intercoletividade na constituição da identidade profissional de docentes formadores atuantes nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas. A autora buscou, através de revisão da literatura, caracterizar o docente atuante em tais cursos no âmbito do Brasil. Como espaços institucionais de potencial formativo, a autora investigou o Estágio de Docência, a formação stricto sensu e a Prática como Componente Curricular. Como resultado da revisão, a autora constata que nem o Estágio de Docência e nem a formação stricto sensu das áreas de Ciências Biológicas e Biodiversidade parecem estar contribuindo para a constituição docente dos pós-graduandos. Com relação à Prática como Componente Curricular, Hoffmann (2016) denota como um tema incipiente nas pesquisas, especialmente aquelas relacionadas à docência nas áreas de Ciências da Natureza.

            Em outra etapa de sua pesquisa, Hoffmann (2016) apresenta a experiência de um Projeto Integrador desenvolvido no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Realeza onde, através de entrevistas com oito docentes atuantes no curso referido, a autora aponta elementos que corroboram a potencialidade de ações de intercoletividade na constituição da identidade docente de professores do ensino superior.

 

Considerações finais

            Este estudo buscou mapear como a formação pedagógica em Programas de Pós-Graduação stricto sensu e a formação de docentes universitários da área das Ciências Biológicas se apresentam no contexto da produção acadêmica de Programas de Pós-Graduação brasileiros. Nossas buscas foram direcionadas ao portal BDTD e o desenho metodológico baseado nos princípios de construção de Estado de Conhecimento na perspectiva de Morosini (2015).

            Os trabalhos que constituíram o corpus de análise deste Estado de Conhecimento apontam para o reconhecimento, por parte dos docentes e/ou pesquisadores, da fragilidade da formação pedagógica para atuação no ensino superior. Na maioria dos trabalhos, é ressaltada a necessidade de articulação do conhecimento da área específica com o conhecimento pedagógico. No entanto, percebe-se também a dificuldade em superar o paradigma de que quem sabe fazer, sabe ensinar, contribuindo para a reprodução de práticas de ensino tradicionais, baseadas na lógica positivista, e para a pouca importância dada à formação pedagógica.

            Retomando as questões de pesquisa propostas para este estudo percebemos, através dos trabalhos analisados, que a formação pedagógica é pouco valorizada no âmbito da pós-graduação stricto sensu de maneira geral, mas em especial em áreas como as Ciências Biológicas. Inferimos que isso se deva ao fato da mesma constituir-se sob o paradigma da ciência moderna, que ainda hoje impera no campo das Ciências da Natureza. Apontamos ainda, que a formação pedagógica para a docência universitária desenvolve-se de maneira precária e pouco sistematizada no âmbito da pós-graduação stricto sensu, o que, na nossa visão, contribui para fragilidade do campo da pedagogia universitária.

            Ainda que se reconheça a intenção da obrigatoriedade do Estágio de Docência para os pós-graduandos com bolsas CAPES-DS e a oportunidade para os demais estudantes, há pouca sistematização desse espaço como um lugar de aprendizagens teoricamente sustentadas. Fica a cargo de cada Curso, ou sensibilidade de algum professor, oferecer de forma autônoma as atividades que considera adequadas. Não raras vezes estas não correspondem ao objetivo da formação, compreendida na acepção da prática e da teoria.           

            A formação do professor para atuar na educação superior tem valorizado os saberes da pesquisa em detrimento dos saberes da docência, ao invés de produzi-los em equilíbrio e articulação. Essa seria uma condição fundamental para consolidar o preceito constitucional da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Cabe às políticas públicas iniciativas mais rigorosas nessa direção.  As Instituições precisam compreender que a docência exige investimentos de forma mais efetiva na formação de professores para garantir os esforços de democratização acadêmica e qualificação num mundo cada vez mais complexo.

 

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