Os sinais de pontuação no texto acadêmico-argumentativo: uma intervenção pedagógica sobre a escrita de estudantes de Pedagogia a distância

The punctuation signals in argumentative essays: a pedagogical intervention on e-learning Pedagogy students’ writings

 

Rafael Fonseca de Castro

Professor Doutor na Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil.

castro@unir.br – https://orcid.org/0000-0001-5897-851X

 

Magda Floriana Damiani

Professora Doutora na Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

flodamiani@gmail.com – https://orcid.org/0000-0003-3904-8856

 

Recebido em 11 de julho de 2020

Aprovado em 04 de agosto de 2021

Publicado em 24 de fevereiro de 2022

 

RESUMO

Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado que investigou a evolução da escrita de estudantes de Pedagogia a distância de uma universidade do sul do Brasil. Sua relevância ancora-se nos resultados alarmantes, relativos ao uso/domínio da escrita entre universitários brasileiros, o que preocupa, especialmente, nos casos de futuras professoras da Educação Básica. Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo intervenção pedagógica: investigação que envolve o planejamento e a implementação de interferências, ou seja, mudanças, inovações pedagógicas destinadas a produzir avanços/aprimoramentos em processos educacionais, e a avaliação dos seus efeitos. Durante sete semestres, foram realizadas atividades pedagógicas sistematizadas e minucioso acompanhamento interventivo em textos de três acadêmicas, adotando, como base teórico-metodológica, a Teoria Histórico-Cultural, em diálogo com a Linguística Textual e dicas sobre pontuação de Noah Lukeman. Para o recorte aqui apresentado, foram utilizados os dados coletados via análise documental, dos textos das acadêmicas, em termos linguísticos e gramaticais, destacando os resultados relativos ao uso da pontuação. Escritores menos experientes tendem a não usar sinais de pontuação adequadamente, gerando ambiguidades e períodos demasiadamente longos, constituídos por orações mal conectadas. Tal tendência, somada à virgulação incorreta e inadequada, prejudica a interpretação dos textos por eles escritos. Mesmo as três acadêmicas ainda apresentando períodos demasiado longos e uso equivocado de vírgulas, em seus Trabalhos de Conclusão de Curso (último texto escrito no curso de Pedagogia), foi notória a diminuição dessas deficiências, sendo possível inferir que as intervenções contribuíram para a melhoria dos textos.

Palavras-chave: Intervenção pedagógica; Escrita acadêmica; Pontuação; Teoria Histórico-Cultural.

 

ABSTRACT

This article is the result of a doctoral research that investigated the evolution of e-learning in Southern Brazilian Pedagogy students’ writings. Its relevance is anchored at the alarming results related to use/mastery of writing among Brazilian college students, which is of concern especially in the case of future Basic Education teachers. The research had a qualitative approach, consisting of a pedagogical intervention: a type of investigation that involves planning and implementation of interferences, i. e., changes/pedagogical innovations that aimed at producing advances/improvements in educational processes, and the evaluation of their effects. During seven semesters, systematic and guided pedagogical activities were carried out along with meticulous interventional follow-ups on the texts of three students, adopting Historical-Cultural Theory as a theoretical-methodological basis, in dialogue with Textual Linguistics and tips on punctuation by Noah Lukeman. Data were collected through linguistic and grammatical analysis of the texts produced by the students. In this paper, we highlight the results related to the use of punctuation in their writings. Less experienced writers tend not to use punctuation elements properly, generating ambiguities and excessively long periods, consisting of poorly connected sentences. This tendency, added to an inadequate use of commas, significantly impair their texts’ interpretation. Even though the three academics still presented very long periods and misused commas in their Final Paper (last text written for the Pedagogy course), the reduction of these deficiencies was noticeable, making it possible to infer that the guided-pedagogical interventions contributed to the improvement of their texts.

Key words: Pedagogical intervention; Academic writing; Punctuation; Cultural-Historical Theory.

 

Introdução

            O livro “A arte da pontuação” é uma obra do escritor, revisor, palestrante e presidente de uma bem sucedida agência literária que tem o privilégio de ter, entre seus clientes, vencedores dos prêmios Pullitzer, American Book Award e O. Henry Award: Noah Lukeman. Nas palavras do autor (LUKEMAN, 2011, p. 11), é uma obra que não se destina a gramáticos ou a historiadores, mas a “qualquer pessoa que deseje escrever bem, seja no trabalho, na escola, ou em qualquer outra atividade”. Para Lukeman: “[a] maioria deles quer apenas melhorar sua redação. Eles querem saber como a pontuação pode se colocar a seu serviço – e não como eles podem se colocar a serviço da pontuação” (p. 11).

A perspectiva didática suscitada pelo livro de Lukeman, com relação à pontuação, parece-nos, além de pertinente ao campo educacional, de aplicabilidade fecunda entre as principais línguas latinas e anglo-saxônicas. Sua didática relativa à pontuação pode contribuir com pressupostos de linguistas e gramáticos, de diversos países, bem como de brasileiros (BECHARA, 2019; FERRAREZI JR., 2018; KOCH, 2018; 2016; GARCIA, 2010).

Nosso interesse pelos problemas relativos à pontuação decorre de nossa atuação como docentes e pesquisadores na área da Educação, durante a qual vimos observando que são problemas crônicos, especialmente, quando se trata do uso de vírgula e ponto-final. As deficiências podem ser observadas tanto em pequenas dissertações de estudantes do Ensino Fundamental, passando por textos de universitários das diversas áreas do conhecimento, até culminarem em artigos e publicações de professores doutores.

Os estudos de Stangue (2019), Castro (2014), Alves (2013), Damiani et al. (2011) e Ramires (2002) são alguns dos que destacam as sérias dificuldades de expressão escrita em universitários. Tais estudos nos conduzem a uma necessária reflexão sobre a qualidade do ensino da escrita no país, principalmente, quando se refere à formação de futuros professores alfabetizadores – caso dos cursos de Pedagogia.

Frente ao contexto posto, o presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa de doutorado que objetivou intervir para aprimorar a escrita acadêmico-argumentativa de estudantes de um curso de Pedagogia a distância de uma universidade do sul do Brasil – participante da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Tratou-se de uma intervenção pedagógica, nos moldes preconizados por Damiani et al. (2013), empreendida em quatro etapas e avaliada por meio de procedimentos e instrumentos típicos da pesquisa em Educação. A intervenção teve a duração de três anos e meio, totalizando sete semestres letivos. Adotou-se a Teoria Histórico-Cultural como referencial teórico-metodológico, em diálogo com pressupostos da Linguística Textual e o livro de Noah Lukeman (2011).

Neste manuscrito, objetivamos destacar os resultados desta intervenção, especificamente sobre os problemas relativos à pontuação de três acadêmicas do desse curso de Pedagogia, destacando as dificuldades e evoluções de suas escritas ao longo e após o trabalho pedagógico-interventivo desenvolvido por Castro (2014).

Este texto está assim organizado: inicialmente, destacamos pressupostos teóricos relativos aos sinais de pontuação no que se refere à produção textual argumentativa. Na sequência, é descrito o percurso investigativo e são apresentados os achados da pesquisa. Para encerrar, são expostas nossas considerações finais.

Os sinais de pontuação e o texto acadêmico-argumentativo

            Baseado em uma perspectiva histórica da escrita, Silva (2004) explica que, embora tenham surgido com a função primordial de “indicar pausas para respirar” durante a leitura em voz alta, os sinais de pontuação não podem mais ser considerados desse modo, pois se constituem em recursos linguísticos necessários à construção da textualidade (KOCH, 2016; 2018). Segundo Lukeman (2011), a pontuação é tida, muitas vezes, como uma conveniência, sendo ainda pouco considerada como uma forma de exercer efeito sobre o conteúdo.

Para Silva (2004), como componentes das operações de textualização, os sinais de pontuação são, essencialmente, traços de operações de conexão e, sobretudo, de segmentação do texto escrito, contribuindo para a constituição da coesão e da coerência textuais (BEAUGRANDE e DRESSLER, 1981; KOCH, 2018; 2016). Tais sinais são essenciais à produção do texto e à sua compreensão – capacidades centrais no desenvolvimento da competência comunicativa dos usuários de uma língua. Schopenhauer (2011) era defensor do uso correto dos sinais de pontuação para a concisão do texto. Para ele, o adequado emprego desses sinais contribui para economizar o tempo do leitor. O autor entendia que esse objetivo seria alcançado de modo mais eficiente por meio da pontuação.

Lukeman (2011) argumenta que os benefícios da pontuação para o escritor são ilimitados, quando este sabe aproveitá-los: pode-se, por exemplo, criar um efeito de fluxo de consciência com os pontos-finais; indicar uma passagem de tempo ou inserir uma explicação complementar utilizando vírgulas; aumentar a informatividade usando os parênteses; compor certa forma de diálogo fazendo uso dos travessões; e conduzir a uma revelação adicionando o dois-pontos.

Para pesquisadores como Silva (2004) e Ferrarezi Jr. (2018), em diversos estudos, autores são unânimes em destacar que a pontuação, diferentemente da ortografia, não pode ser analisada simplesmente em termos de “certo” ou “errado”, mas compreendida como constituída por alternativas possíveis: em diversos casos, haverá mais de uma possibilidade de pontuar e a decisão entre uma forma ou outra será influenciada, entre outros fatores, pelas preferências autorais.

O ponto-final e a vírgula são os principais responsáveis pela construção das sentenças, podendo compor ou dividir frases, períodos ou orações. Na opinião de Lukeman (2011), usando apenas esses dois sinais, é possível pontuar bem um texto. Talvez não seja um texto tão sutil e complexo, ressalta, mas poderá ser perfeitamente funcional. Esses sinais, às vezes, dividem, às vezes, conectam, mas sempre exercem influência sobre a estrutura textual.

De acordo com a gramática da Língua Portuguesa vigente no Brasil (BECHARA, 2019), o ponto-final é, entre os sinais, o que denota maior pausa, servindo para encerrar períodos que terminem qualquer tipo de oração que não seja a interrogativa direta ou a exclamativa. No mundo da pontuação, enfatiza Lukeman (2011), o ponto-final é o sinal de parar, de colocar um limite, delinear uma ideia. Para ele (p. 17), “sua presença divide, sua ausência conecta. Empregá-lo é fazer uma asserção; omiti-lo, também”.

Lukeman (2011) explica que, embora frases curtas, geralmente, sejam consideradas amadorísticas, há casos em que funcionam bem, casos em que o texto exige tal estilo. Em nossa opinião, se um acadêmico está inseguro para desenvolver um argumento, a melhor alternativa é o uso de frases curtas, lançando mão, se possível, de conectivos para ligar as ideias entre os períodos. Além do mais, as frases curtas podem: i) causar um impacto que as longas não conseguem; ii) pôr em evidência uma ideia que tenha passado despercebida em uma frase muito longa; iii) ajudar a criar contraste ao quebrar uma série de frases extensas; e iv) manter um andamento rápido para o texto, como em uma sequência de ações (LUKEMAN, 2011).

Todavia, há uma grande diferença entre o uso frequente de ponto-final para efeito estilístico e o seu uso excessivo, que pode resultar em um texto demasiadamente simplório. Quando bem empregada, uma sequência coerente de frases curtas pode expressar mais do que uma página inteira; uma frase longa pode não transmitir nada. Entretanto, é preciso que o autor esteja atento à ocorrência demasiada de frases curtas que transmitam pouco conteúdo ou apresentem ideias incompletas e/ou insatisfatórias.

Também cabe ressaltar que determinados efeitos só podem ser alcançados por meio de uma frase longa, principalmente, no caso de um texto acadêmico-argumentativo – no qual, normalmente, é necessário explicar ideias de maior complexidade. Trata-se de um recurso estilístico, mas que não pode ser mantido por muito tempo para não desnortear o leitor.

Lukeman (2011, p. 27) ressalta que, na maioria das vezes, as perguntas que os escritores precisam se fazer são: “Essa frase é longa demais? Pode ser dividida em duas? Há múltiplas ideias nessa frase? Há risco de se perder algo devido à extensão da frase? Seria o ponto-final um divisor forte demais?”. Para este autor, ler uma série de frases curtas demais é como viajar por um mar agitado, é como pegar uma onda que nunca se quebra:

 

A maioria dos leitores tem a sensação de que lhe falta o ar quando leem frases longas; sentem dificuldade de acompanhar o raciocínio. [...] Ninguém quer ler uma frase assim, que nunca termina e vai sem dar descanso ao leitor entre pensamentos ou ideias ou a chance de seguir para a frase seguinte (p. 27).

 

            Acrescentamos que, mesmo em textos acadêmico-argumentativos – no caso dos estudantes menos experientes em termos de escrita –, o uso de frases longas demais tende a dificultar a compreensão das ideias pelo interlocutor. Isso se deve, em grande parte, segundo nossas constantes observações, também à carência de conhecimento acerca do uso dos recursos de pontuação e da não apropriação adequada de conceitos científicos (VYGOTSKY, 1934/1982) de Língua Portuguesa, geralmente, ensinados de maneira pouco contextualizada, pouco exercitada e pouco submetida a avaliações e retornos aos estudantes pelos professores.

            Lukeman (2011) elenca motivos que podem levar um escritor a construir frases excessivamente longas: i) tentativa de aglutinar várias ideias em um único período; ii) medo de deixar a frase inconclusa, por insegurança de que ela não esteja suficientemente completa; iii) costume de ler frases longas e presumir que o leitor leigo pode fazer a mesma coisa, o que raramente acontece; iv) apenas para causar efeito, fazendo experiência com a forma e; v) desejo de parecer mais sofisticado, temendo que frases curtas façam seus textos parecerem pueris.

Sobre o uso de outros recursos de pontuação, além do ponto-final, Lukeman (2011) observa que uma pausa completa pode adquirir um sentido inteiramente diverso quando há por perto vírgulas, pontos-e-vírgulas, dois-pontos e travessões. Mas a utilização do ponto-final é bem menos complexa se comparada a outros sinais, como a vírgula, por exemplo, que, segundo a gramática portuguesa (BECHARA, 2019), pode ser empregada em 13 diferentes situações.

            O caso da vírgula é bem peculiar, pois pode passar de heroína à vilã de uma frase para outra, devido à enorme dificuldade em usá-la. Lukeman (2011) salienta que é o sinal mais sujeito a interpretações, sendo frequentes os casos em que é mal empregado. Em pesquisa sobre pontuação, realizada por Silva (2004), tendo como sujeitos participantes os estudantes de duas escolas públicas da cidade de Recife/PE, uma das constatações foi que os estudantes usavam os pontos mais adequadamente do que as vírgulas. “É provável que a vírgula seja o sinal de pontuação mais difícil de dominar” (LUKEMAN, 2011, p. 38).

Contudo, para além do emprego normativo e de todas as dificuldades em seu uso, a vírgula tem o poder de controlar o fluxo, o ritmo e a velocidade de uma frase, exercendo enorme influência sobre orações e períodos. Ela permite ao escritor guiar o sentido da frase, podendo adquirir significados completamente distintos em virtude de seu emprego. Lukeman (2011) observa que a vírgula também pode servir de conectivo, já que duas frases podem se transformar em uma só se utilizada uma vírgula. Pode-se, ainda, esticar uma frase com o seu acréscimo.

De forma sintética, segundo observações e estudos de Lukeman (2011), a vírgula pode ser usada para: i) conectar; ii) proporcionar clareza; iii) pausar; iv) indicar passagem de tempo; v) alterar o sentido da frase; vi) destacar uma expressão ou uma ideia; e vii) propiciar a supressão de palavras. Entretanto, há perigo no seu uso excessivo, visto que pode levar escritores a equívocos mais do que qualquer outro sinal. Seu uso em demasia pode tornar uma frase arrastada ou desviar o foco da ideia principal. O emprego incorreto também pode prejudicar a utilização de conectivos que dependem de sua correta aplicação, como as locuções conjuntivas (BECHARA, 2019).

Já o ponto-e-vírgula, em nossa gramática (BECHARA, 2019), representa uma pausa mais forte do que a indicada pela vírgula, podendo ser empregado nas seguintes situações: i) em listas; ii) em um trecho longo em que já existem vírgulas; iii) para enunciar uma pausa mais forte; e iv) para separar expressões adversativas em que se quer ressaltar o contraste. Para Lukeman (2011), sua função básica é ligar duas frases completas, tematicamente semelhantes, transformando-as em uma só. No entanto, como e quando fazer isso, fica aberto a interpretações. Para ele, gramaticalmente, duas frases curtas podem coexistir sem estarem ligadas, mas, do ponto de vista enunciativo do texto, o ponto-e-vírgula pode ser capaz de produzir sentido, constituindo-se em um sinal útil a alguns escritores.

O dois-pontos, na gramática de Bechara (2019), pode ser usado: i) na enumeração, na exemplificação e em uma notícia subsidiária; ii) em expressões que se seguem aos verbos dizer, retrucar, responder e semelhantes, encerrando uma declaração textual; iii) em expressões que, enunciadas com entoação especial, exprimem causa, relação ou consequência ou; iv) em expressões que apresentam uma quebra de sequência de ideias. Na pesquisa de Silva (2004), o uso do dois-pontos, na escrita dos estudantes investigados, exercia, de modo geral, apenas a função de introduzir enumerações ou explicações. Para Lukeman (2011), o dois-pontos costuma ser pouco utilizado e, quando o é, muitas vezes, acaba empregado inadequadamente.

Os parênteses, na concepção de Lukeman (2011), constituem uma forma respeitosa de interrupção, pois não exigem que seja alterado o rumo do pensamento – a interrupção que introduzem é, antes, um acréscimo, como um conselheiro a sussurrar no ouvido. Em geral, tem sido utilizado somente como o portador de uma informação subsidiária. Já o travessão, também existe para intervir, podendo surgir de repente e cortar o discurso ou redirecionar o conteúdo. Este último, aponta Lukeman (2011), talvez seja o sinal de pontuação mais agressivo, capaz de atrair toda a atenção para si. Todavia, a maioria dos gramáticos destaca apenas que não deve ser confundido com o hífen. No caso da gramática de Bechara (2019, p. 69), é isso o que ocorre: “emprega-se o travessão, e não o hífen, para ligar palavras ou grupos de palavras que formam, pelo assim dizer, uma cadeia na frase”. Em outro momento, Bechara (2019, p. 412) complementa: “ao que se disse à pág. 69, acrescente-se que o travessão pode substituir os parênteses para assinalar uma expressão intercalada”. Lukeman (2011) explica que ambos interrompem o texto, sendo usados em digressões, elucidações e explicações – exercendo funções bastante parecidas:

 

[...] ao mesmo tempo, embora nos levem para outra direção, têm tanta proximidade com a ideia principal que não funcionariam como frases independentes. São, na verdade, fragmentos de frases, meias ideias em busca de um lugar de pouso, precisando da ajuda de um travessão ou parênteses que os acolham (p. 97).

 

            Como foi possível observar, para além das normas gramaticais, é importante conhecer e entender o potencial dos diferentes sinais de pontuação para poder utilizá-los da melhor forma possível, aprimorando a qualidade do texto – em nível de argumentatividade, textualidade, informatividade e complexidade (BEAUGRANDE e DRESSLER, 1981). Pode-se perceber que o emprego desses sinais dependerá, em razoável medida, das intenções do autor, sem esquecer as regras da língua.

Os sinais de pontuação estarão sempre ligados aos gêneros textuais e, para Silva (2004), essa ligação precisa ser considerada no ensino da escrita. Não é a mesma coisa aprender a pontuar uma fábula, uma notícia, uma argumentação, um poema, uma história em quadrinhos. “Não pontuamos “textos abstratos”, mas gêneros de texto com propriedades textuais peculiares” (SILVA, 2004, p. 15).

Todo e qualquer texto tem um ritmo subjacente, como destaca Lukeman (2011); e a constituição de sentidos pode variar de acordo com o gênero textual que se utiliza. Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2011), em especial, os de natureza argumentativa, típicos dos textos acadêmicos.

Percurso investigativo

A investigação aqui descrita, assemelha-se às realizadas por Alves (2013), e Stangue (2019), no intuito de desmistificar a ideia de que intervir em “problemas de escrita” é algo difícil, ou até impossível, depois de estarem “cristalizados” (especialmente, em universitários que já trilharam longo percurso de produção textual em seus processos de escolarização). As pesquisas de Alves (2013), Castro (2014) e Stangue (2019) intervieram na escrita de acadêmicos de Pedagogia com resultados significativos em termos de aprimoramento da pontuação, como também apontado na pesquisa de Damiani et al. (2011).

A intervenção pedagógica é um tipo de pesquisa qualitativa, no tocante aos processos de coleta e análise de dados que, segundo Damiani et al. (2013), constituem-se em investigações que envolvem o planejamento e a implementação de interferências (mudanças/inovações pedagógicas) – destinadas a produzir avanços/melhorias/aprimoramentos em processos educacionais – e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências, produzindo conhecimento científico educacional[1]. Na intervenção em tela, todo o processo investigativo-interventivo foi realizado on-line, via Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Moodle[2]

A turma pesquisada era vinculada a um curso de Licenciatura em Pedagogia a distância. No início da pesquisa (2009/2), havia 42 estudantes matriculados e participando das atividades do curso no polo presencial e no Moodle. A turma foi selecionada intencionalmente em virtude da então atuação do pesquisador como seu professor durante três semestres. Concluíram o curso 32 acadêmicos, contudo, para a sequência da pesquisa, foram selecionadas três: Annia, Branka e Yeva[3]. Os critérios de inclusão dessas estudantes consideraram suas diferentes competências no domínio da escrita – uma que apresentasse muitas dificuldades de escrita (Annia), uma que apresentasse razoáveis dificuldades (Branka) e outra que apresentasse menos dificuldades em relação aos colegas (Yeva) –, além da disponibilidade em participarem da pesquisa e de interagirem on-line com o professor-pesquisador na época do estudo. Foram selecionadas somente três por questões relativas à necessidade de aprofundamento das análises e de implementação do processo interventivo.

O instrumento de coleta de dados para a avaliação da intervenção (relativa aos problemas de pontuação) foi a análise documental (GIL, 2017) dos textos escritos pelas acadêmicas ao longo do curso de Pedagogia. Estes foram examinados em termos gramaticais e linguísticos. Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas (GIL, 2017) online, após a conclusão do curso, para capturar suas percepções relativas às intervenções sobre seus textos.

A investigação transcorreu ao longo do período de três anos e meio (de 2009/2 a 2012/2), levando em conta, como defendia Vygotski (1931/1995), o desenvolvimento de todo o processo, não atentando apenas a seu início e seu fim. Foram considerados os textos produzidos pelas acadêmicas, desde os primeiros trabalhos no curso de Pedagogia, até a escrita do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Foram realizadas quatro etapas interventivas assim intitulada: 1. Introdução, desenvolvimento e conclusão: intervindo na macroestrutura dos textos acadêmicos (2010/1); 2. Orientação da escrita de resumos e artigos (2011/2); 3. Oficina de Escrita: “Eu escrevo, mas será que eles entendem?” (2012/1) e; 4. Ambiente Virtual de Apoio à escrita (AVA-e): Escrevendo o TCC (2012/2). É importante salientar que a etapa interventiva 2 foi uma atividade aberta a todos os estudantes do curso de Pedagogia, na época, incluindo os da turma pesquisada. A oficina previa 20 vagas aos que primeiro se inscrevessem, sendo duas ocupadas por Annia e Yeva. Branka não participou, pois não se inscreveu em tempo.

Todas etapas foram guiadas pelo princípio metodológico vygotskiano que advoga a necessidade da consciência sobre algum comportamento, ou dificuldade, para que se atinja o controle sobre ele/ela. Partiu-se do pressuposto de que é necessário tomar consciência sobre as dificuldades de escrita para que, então, seja possível superá-las (VYGOTSKI, 1925/1991; CASTRO, 2014). Para a aprendizagem – bem como para o exercício – da linguagem escrita, tal princípio se tem mostrado evidente e deveras potente.

As intervenções nos textos consistiam em marcações de quatro tipos, correspondendo a diferentes significados e intencionalidades pedagógicas: retirar (fonte em vermelho); correções do pesquisador, aprimorando uma ideia (grifo em azul); alerta para refazer, trecho confuso (grifo em amarelo); e comentários (utilizando a ferramenta Comentário do editor de textos). Os textos, após revisados e devolvidos pelo professor-pesquisador, eram retornados pelas acadêmicas, constituindo um processo dialógico de aprimoramento de seus textos – baseado no conceito vygotskiano de Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI)[4] (VYGOTSKY, 1934/1982; PRESTES, 2010). O número de vezes que os textos eram revisados (pelo professor-pesquisador) e retornados (pelas acadêmicas) variava de acordo com cada atividade, cada etapa interventiva, e com os avanços e dificuldades observados em cada acadêmica.

A Figura 1, relativa a um feedback para Branka, na Etapa Interventiva 2, mostra a legenda estabelecida para as intervenções realizadas nos textos:

 

Figura 1Legendas dos tipos de marcações nos textos das acadêmicas


 

 

 

 

 

Fonte: acervo da pesquisa.

 

A análise de dados foi dividida em duas partes: i) análise dos textos, com base em pressupostos da Linguística Textual e na gramática da língua portuguesa (BECHARA, 2019); e ii) análise dos depoimentos das acadêmicas sobre a intervenção nas entrevistas, mediante análise textual discursiva (MORAES, 2003).

Apresentaremos, a seguir, a síntese dos achados relativos à categoria de análise Pontuação.

Os sinais de pontuação no texto das acadêmicas (avaliação dos efeitos da intervenção pedagógica)

            Conforme argumentam Ferrarezi Jr. (2018), Lukeman (2011), Garcia (2010) e Silva (2004), ideia já defendida Schopenhauer (2011) no século XVIII, os sinais de pontuação são vitais na construção da coesão e da coerência textuais (BEAUGRAND e DRESSLER, 1981). Com base nessa concepção, na sequência, discutiremos as dificuldades e evoluções das acadêmicas quanto ao seu uso ao longo da intervenção pedagógica empreendida.

Antes das intervenções, a observação das produções textuais das acadêmicas da turma investigada revelou deficiências no uso dos recursos de pontuação, especialmente, do ponto-final e da vírgula. Mais do que isso, segundo avaliação diagnóstica inicial dos textos do primeiro ano dos 42 acadêmicos da turma investigada, os problemas de pontuação se destacaram como aspecto negativo – resultado também verificado por Stangue (2019), Alves (2013), Damiani et al. (2011) em suas pesquisas.

As ponderações a seguir, como sugere Silva (2004), não se baseiam apenas em implicações gramaticais de certo ou errado, mas em reflexões sobre possibilidades propiciadas por escolhas do escritor na hora de pontuar – que influenciam diretamente na compreensão do conteúdo de um texto escrito. Todavia, como bem ressalta Silva (2004), embora exista certa flexibilidade no emprego da pontuação, nem tudo resulta de uma decisão pessoal do escritor. Existem normas que não autorizam determinados casos, limitando, de certo modo, a liberdade referida. Em outras palavras: nem tudo é permitido. Ao observar os textos da turma no início do curso, verificamos frases demasiadamente longas e uso equivocado de vírgulas nos textos (como nos exemplos que destacaremos na sequência[5]).

Em cada trecho, apontaremos o número total de palavras (entre parênteses, ao seu final), objetivando destacar a expressiva quantidade de informações e argumentos presentes em um mesmo período – consubstanciando nossos argumentos iniciais sobre frases demasiadamente longas e uso equivocado da vírgula. Inicialmente, apresentamos trechos de textos de outras acadêmicas, que não Annia, Branka e Yeva, para exemplificar situação que consideramos problemática em toda a turma (Figura 2). As partes grifadas apontam os locais onde sugerimos o fim de um período corrente e o início de um novo período:

 

Figura 2 – Frases demasiadamente longas no início do Curso de Pedagogia

Fonte: acervo da pesquisa.

 

Não se trata apenas do tamanho das frases, mas da forma como as orações são dispostas e o quanto os problemas de pontuação podem acarretar em dificuldades de compreensão da escrita pelos interlocutores. Os trechos acima são provenientes de textos produzidos pouco antes da Etapa Interventiva 1, no segundo semestre do curso. O número de palavras ressalta uma tendência à escrita de períodos longos, o que consideramos problemático, nesses casos, em face da dificuldade de compreensão gerada ao leitor pelo uso impróprio dos recursos de pontuação e das conjunções (BECHARA, 2019; STANGUE, 2019; FERRAREZI JR., 2018; CASTRO, 2014; ALVES, 2013).

No caso do emprego de vírgulas, os dois principais problemas verificados foram seu uso em lugar do ponto-final – como se exercessem a mesma função – e separando o sujeito do verbo (BECHARA, 2019). No caso de Frans, se houvesse uma vírgula antes de “pedido pela Universidade...”, nasceria uma locução conjuntiva e a vírgula que, naquela conjuntura oracional, separa o sujeito do verbo, estaria bem empregada.

Ao avaliar o uso da vírgula pelas acadêmicas, desde seus primeiros escritos no curso, consideramos pertinente questionar o grau de consciência (VYGOTSKI, 1925/1991) nos raciocínios que as levavam a aplicar esse sinal gráfico da forma como o faziam. É provável que a maioria delas se tivesse guiado pela ideia (mito; senso comum) de que a vírgula indica uma pausa para a respiração. Entretanto, muito além disso, seu uso está vinculado ao conhecimento da sintaxe das orações, da maneira como são construídas (BECHARA, 2019; FERRAREZI JR., 2018), como já mencionamos. Diferentemente da fala, a escrita necessita do correto emprego da pontuação para ser compreendida pelo interlocutor (VYGOTSKY, 1934/1982; KOCH, 2016; 2018; STANGUE, 2019; CASTRO, 2014; ALVES, 2013).

No que se refere aos períodos que consideramos longos demais, por conterem muitas ideias encadeadas de maneira pouco articulada, poder-se-ia argumentar que escritores experientes, que dispõem de recursos para construí-los, podem desenvolver uma série de argumentos, em cinco, seis ou até mais orações subsidiárias, em um único período, conectando-as por meio de recursos linguísticos adequados, como os articuladores textuais (LUKEMAN, 2011; CASTRO, 2014). Todavia, esse não foi o caso dos trechos acima destacados. Nesses fragmentos, a falta de exercícios de escrita contextualizados e orientados por um escritor mais competente (professor), que dominasse o conhecimento científico sobre Língua Portuguesa – no caso, sobre período, oração e virgulação – poderia ter contribuído para a não materialização desse tipo de período longo, de difícil leitura e entendimento complicado. Segundo Vygotsky (1934/1982), a aprendizagem ocorre pela relação de mão dupla entre conceitos científicos (teoria sistematizada) e conceitos espontâneos (aqueles não sistematizados, que se aprende na vida prática, pelo uso).

A partir dos cinco motivos que podem levar um escritor a construir frases excessivamente longas, elencados por Lukeman (2011), podemos pensar que, nos excertos apresentados, dois parecem ser os que as explicam com mais adequação: i) falta de conhecimento sobre a forma de encerrar um período, o que resulta no amontoamento das ideias; e/ou ii) receio de deixar a frase inconclusa, por insegurança de que não esteja suficientemente completa. Entretanto, não descartamos a hipótese de que, em certa medida, os motivos iv) e v), igualmente, permearam os raciocínios das acadêmicas na hora de construírem aquelas frases: iv) serem escritoras iniciantes, para causar efeito; e/ou v) desejo de fazer suas escritas parecerem mais sofisticadas.

A seguir (Figura 3), elementos das escritas de Annia, Branka e Yeva, anteriores à intervenção, começando por um texto de Branka do segundo semestre:

 

Figura 3 – Trecho escrito por Branka no segundo semestre

Fonte: acervo da pesquisa.

 

No exemplo acima, observamos um período com 122 palavras. Até o trecho grifado, que inicia na terceira linha, pode-se compreender o que está sendo exposto, embora a ideia final do argumento esteja incompleta (“e muitas vezes evitaria”). A partir de então, um novo argumento é iniciado de forma abrupta, sem o uso do ponto-final. No grifo da quinta linha, a grafia incorreta do verbo haver (‘a’, onde deveria ser ‘há’) também confunde o leitor. Ainda na quinta linha, há outro ponto indicado para início de um novo período (marcado em azul). O conectivo ‘pois’, grifado na sétima linha, contribui para a sequência do último argumento. Apesar de toda a complexidade do curso das ideias expressas, que necessitariam ser apresentadas paulatinamente e separadas entre si para que o leitor as pudesse ir capturando, para entendê-las e julgá-las, Branka as coloca, todas, em um único período, usando somente vírgulas.

Nos textos iniciais de Yeva, também encontramos, facilmente, períodos longuíssimos. Abaixo, um trecho de um texto produzido no primeiro semestre:

 

Figura 4 – Trecho escrito por Yeva no primeiro semestre

Fonte: acervo da pesquisa.

 

No trecho acima, a tarefa de indicar determinado local para a inclusão de um ponto-final é mais difícil. O grifo, na sétima linha, sugere a substituição da vírgula por um ponto-final, objetivando iniciar nova oração. Entretanto, ainda seriam necessárias correções de virgulação nas linhas anteriores para que a argumentação pudesse ser compreendida pelo leitor sem tantas dificuldades.

Os textos de Branka e Yeva assemelham-se quanto à expressiva quantidade de orações em um único período. Como referido anteriormente, o uso de pontos-finais favorece o que Lukeman (2011) denomina fluxo de consciência. As frases longas são consideradas, por este autor, como um recurso estilístico, mas que não pode ser mantido por muito tempo sob pena de prejudicar esse fluxo. E era justamente o que acontecia quando líamos os textos dessas acadêmicas e da maioria dos colegas de turma.

As análises relativas à produção textual de Annia, anteriores à intervenção, revelaram textos compostos, quase que exclusivamente, por sequências de frases curtas, diferentemente de Branka, Yeva. Annia, previamente ao processo interventivo, era é uma das acadêmicas da turma pesquisada com maiores dificuldades para escrever. De acordo com Lukeman (2011), relembrando, o uso muito frequente de frases curtas pode ser derivado de insegurança de quem escreve, o que nos pareceu ser o caso de Annia desde o início do curso.

Na Etapa Interventiva 2, Orientação da escrita de resumos e artigos (2011/2), as acadêmicas deveriam escrever seus primeiros resumos e artigos científicos sobre temas à escolha. Na terceira versão do artigo de Branka, mesmo que em menor quantidade, ainda era possível observar períodos demasiadamente longos, como este:

 

Figura 5 – Trecho escrito por Branka na Etapa Interventiva 2

Fonte: acervo da pesquisa.

 

Em um artigo de nove páginas, de onde foi extraído o trecho acima, em sua versão final, foram encontrados apenas dois períodos demasiadamente longos, o que demonstra evolução de Branka em comparação aos primeiros textos analisados. No trecho acima, o uso de articuladores como ‘desta forma’, ‘muitas vezes’, ‘inclusive’, ‘ou mesmo’ e ‘também’ “abranda” o elevado número de informações transmitidas em um único período. No entanto, as vírgulas não estão empregadas corretamente e as 168 palavras dão forma a um período com muitas informações e pouca articulação. As três partes grifadas sugerem a substituição das vírgulas por pontos-finais visando a contribuir com o desenrolar das ideias e sua inteligibilidade. Contudo, as últimas quatro linhas precisariam de mais intervenções para se fazerem claras.

Entendemos que as atividades realizadas nas Etapas Interventivas 1 e 2 tiveram efeitos positivos sobre o uso da pontuação nos textos de Branka – principalmente, com relação à administração do tamanho dos períodos e ao uso de conectivos. É de se supor que ela não tenha melhorado a pontuação apenas em função das intervenções do pesquisador, todavia, é provável que uma parcela relevante desse processo interventivo tenha influenciado essa evolução Tal fato corrobora nossa defesa da importância de o ensino ser dirigido à ZDI (VYGOTSKY, 1934/1982; PRESTES, 2010) dos estudantes para a melhora do domínio da escrita – tendo em vista a complexidade cognitiva que essa atividade implica.

Destacamos, na Figura 6, outro parágrafo da versão final do artigo de Branka, pelo qual se pode observar distribuição adequada de argumentos e uso correto de conectivos e pontuação:

 

Figura 6 – Trecho escrito por Branka ao final da Etapa Interventiva 2

Fonte: acervo da pesquisa.

 

Contudo, na Etapa Interventiva 3, intitulada Oficina de Escrita, as dificuldades relativas ao emprego da pontuação ainda eram evidentes entre todos os estudantes da turma pesquisada, incluindo Annia e Yeva. Analisando os textos do 1º Momento da Oficina, ainda percebíamos problemas semelhantes aos até aqui mencionados. Diante desse contexto, o professor-pesquisador prosseguiu atuando junto à ZDI das estudantes, guiando sua aprendizagem e seu desenvolvimento por meio de marcações diretas em seus textos. Os textos de Annia e Yeva, desse 1º Momento, apresentavam problemas de pontuação (lembrando que Branka esteve ausente dessa etapa interventiva):

                                                                  

Figura 7 – Trechos escritos Annia e Yeva na Etapa Interventiva 3

Fonte: acervo da pesquisa.

 

Por perceber que as dificuldades permaneciam entre os participantes da Oficina, foram promovidas discussões em fóruns sobre essa temática devido à complexidade a ela inerente. Importante acrescentar que, no decorrer das discussões, o professor-pesquisador pôde observar processos de tomada de consciência pelos participantes sobre alguns de seus problemas de escrita. O depoimento, abaixo, de outra acadêmica participante da Oficina (que não as participantes de toda a intervenção), para citar um exemplo, sugere que ela tomou consciência (VYGOTSKI, 1925/1991) sobre o lhe que foi apontado relativamente ao uso da pontuação: “MFC - No texto estão faltando algumas vírgulas e acho que ficaria melhor se fosse colocado um ponto final e recomeçar uma nova ideia”. Essa tomada de consciência, que pode parecer algo simples, de acordo com as ideias de Vygotsky (1925/1991), seria o primeiro passo para o controle da pontuação em sua escrita.

Ao observar a falta de conhecimento em relação a certos conceitos de Língua Portuguesa pelas estudantes, no fórum do 3º Momento da Oficina, o professor-pesquisador postou orientações sobre os casos em que se usa a vírgula. Tal ação foi realizada como forma de prover conteúdo (conceitos científicos) (VYGOTSKY, 1934/1982; DAVYDOV, 1988) acerca do tema, com vistas a auxiliar as acadêmicas nas reescritas dos textos. A intenção era estabelecer relação entre teoria e prática e promover discussões colaborativas por meio da ferramenta fórum (Figura 8):

 

Figura 8– Oficina de Escrita: orientações sobre o uso da vírgula

Fonte: acervo da pesquisa.

           

Há indícios de que a Oficina de Escrita gerou reflexos positivos no quesito pontuação, o que pode ser observado nos textos finais de duas das três participantes enfocadas neste artigo, além dos textos de outros acadêmicos que também participaram (Figura 9). Nesses textos, eles deveriam sistematizar suas aprendizagens ao longo da Oficina. Destacamos trechos referentes a essa reflexão final (anteriores ao feedback do pesquisador, sem sua interferência), apresentando pontuação adequada:

 

Figura 9Oficina de Escrita: trechos da Reflexão Final

Fonte: acervo da pesquisa.

 

Há que se mencionar que, tanto Annia como Yeva, apresentaram erros de pontuação na Reflexão Final da Oficina – bem como os outros participantes. Ainda assim, Yeva destacou-se pelo emprego correto da maioria dos recursos de pontuação, não fazendo uso de períodos demasiadamente longos e apresentando, em seu repertório, dois-pontos e interrogação.

Na Etapa Interventiva 4, ao final do Curso de Pedagogia, durante o processo de escrita dos TCC, o trabalho pedagógico interventivo direcionado à pontuação, nas produções de Annia, Branka e Yeva, prosseguiu. Tal trabalho se baseou na constatação, por parte do professor-pesquisador, de suas dificuldades quanto à utilização da vírgula, bem como quanto ao tamanho dos períodos[6], que ainda persistiam. Tal fato gerava dúvidas sobre se elas já dominavam os conceitos científicos (VYGOTSKY, 1934/1982; DAVYDOV, 1988) de período, oração e virgulação, relacionando-os aos conceitos espontâneos decorrentes de seu uso (BECHARA, 2019). Elas foram questionadas sobre este aspecto na construção dos TCC, como ilustra o terceiro feedback dirigido à Branka (Figura 10):

 

Figura 10 – Etapa Interventiva 4: Feedback ao TCC de Branka sobre pontuação

Fonte: Acervo da pesquisa.

 

            Ainda nas versões finais dos TCC, como ilustra o período longuíssimo abaixo (Figura 11), escrito por Yeva, verificamos casos de frases longas sem o devido concatenamento e com usos equivocados da vírgula:

 

Figura 11 – Etapa Interventiva 4: Trecho do TCC de Yeva

Fonte: acervo da pesquisa

 

Os seis pontos enumerados indicam trechos propícios ao encerramento de um período e o consequente início de outro. Os demais grifos indicam pontos passíveis de aplicação de vírgula ou o seu emprego equivocado. Observamos uma frase exageradamente longa e uma série de informações que se acumulam e pouco se articulam. A inclusão de pontos-finais, segundo explicam Lukeman (2011) e Ferrarezi Jr. (2018) – com o intervalo que cada ponto-final nos concede ao lermos um texto, a cada pensamento – é crucial, já que essa inclusão pode mudar a cada ideia e precisamos de tempo para “digerir” essas ideias.

Ressaltamos, após a apresentação dessa síntese das análises referentes à categoria Pontuação, da pesquisa supracitada, que as intervenções não foram realizadas no intuito de combater o uso de frases longas. Todavia, há de se avaliar esse tipo de frases no sentido de verificar a clareza das argumentações que compõem um texto acadêmico-argumentativo. Conforme já comentamos, por serem escritoras menos experientes, a tendência seria a de não produzir frases longas adequadamente, gerando períodos extensos constituídos por uma série de orações mal conectadas que, somadas à virgulação inadequada, prejudicando consideravelmente a interpretação pelo leitor.

Todavia, mesmo as três acadêmicas ainda apresentando períodos muito longos e uso equivocado de vírgulas, em seus TCC, foi perceptível a diminuição dessas deficiências e o uso de outros sinais de pontuação, sendo possível inferir que as intervenções contribuíram para essa evolução.

É essencial mencionar, ainda, as implicações relacionadas ao trabalho pedagógico com conteúdo de Língua Portuguesa e de produção textual pelo curso de Pedagogia junto às acadêmicas. Avaliamos que as maiores dificuldades de escrita apresentadas, percebidas ao longo de três anos e meio, estão ligadas à carência de embasamento teórico específico sobre Língua Portuguesa e produção textual – carências, provavelmente, resultantes de uma formação deficiente em suas trajetórias escolares (talvez focada apenas na teoria, sem um trabalho que incluísse um exercício orientado, voltado às suas ZDI). Todavia, mesmo reconhecendo falhas de formação, entendemos que, justamente pela identificação de tais deficiências, um curso de licenciatura em Pedagogia, responsável pela formação de futuras professoras alfabetizadoras, deveria prover momentos pedagógicos direcionados a esses conteúdos – o que não ocorreu com essa turma, à exceção da Oficina de Escrita, oferecida, apenas, em virtude da pesquisa empreendida.

Os problemas com pontuação, por exemplo, poderiam ter sido minimizados, segundo nossa avaliação, se as acadêmicas tivessem internalizado os conhecimentos teóricos (VYGOTSKY, 1934/1982; DAVYDOV, 1988) – em conexão com seu uso orientado por feedbacks constantes – relativos a período e oração. Informações conceituais sobre o uso da vírgula também contribuiriam para o emprego de conjunções e locuções conjuntivas, diminuindo erros relacionados a esses recursos e ambiguidades nos textos. Além do estudo desses conceitos, caberia, concomitantemente, o exercício consciente e voluntário (VYGOTSKI, 1925/1991; VYGOTSKI, 1931/1995) dos conteúdos, articulando a teoria e a prática da escrita. Mais do que isso, aprender seus usos no contexto da escrita, aprender o papel dos articuladores, usar e receber feedbacks acerca da utilização desses recursos foi muito importante, sendo, este tipo de movimento, em nossa avaliação, essencial para que os estudantes criem consciência sobre suas aplicações e tenham controle sobre a escrita.

Quanto às reações das acadêmicas, é possível inferir que receberam positivamente as intervenções em seus textos, não somente Annia, Branka e Yeva, como outras estudantes da turma e de outras turmas do curso de Pedagogia. No início, ao perceberem a série de “apontamentos coloridos” em seus textos, ficavam temerosas, pois não tinham noção da dimensão dos problemas que suas escritas apresentavam. Com o decorrer das atividades, demonstraram maturidade ao lidarem com seus erros, buscando estudar e praticar a escrita para superá-los. Destacamos a receptividade à Oficina de Escrita (Etapa Interventiva 3): a intensidade e a motivação das acadêmicas durante as atividades dessa Etapa superaram todas as expectativas!

Ao final da intervenção, já concluindo o curso de Pedagogia, nas entrevistas realizadas pelo professor-pesquisador, Annia relatou que “passou a compreender melhor o que precisava melhorar em sua escrita”; Branka ressaltou “sentir-se mais segura ao escrever, percebendo o que devia aprimorar” e; Yeva revelou que “foi muito bom contar com uma análise criteriosa de seus textos para aprimorar sua escrita”.

Considerações finais

            Ao longo deste artigo, foram brevemente apresentados resultados oriundos de uma intervenção pedagógica direcionada ao aprimoramento da expressão escrita do pensamento por acadêmicas de um curso de Pedagogia a distância. A pesquisa partiu da premissa de que o escritor deve ter consciência de que esse ato não é simples e pode engendrar problemas que atrapalham a expressão do que se deseja comunicar.

Ser capaz de refletir sobre a própria escrita, revisá-la e reconhecer seus problemas é essencial para que o escritor passe a ter controle sobre suas dificuldades e melhorar seus textos. Pela intervenção pedagógica adotada, buscou-se destacar a importância desse processo para a melhora da escrita: o despertar da consciência reflexiva, direcionado ao ato de escrever, e a importância de ser guiado por alguém mais capaz, durante o percurso.

            Especificamente quanto à pontuação, os períodos demasiadamente longos e o uso equivocado da vírgula foram identificados desde o início do Curso de Pedagogia. Após a Etapa Interventiva 1, na qual foi trabalhada a macroestrutura textual, ainda não era possível verificar avanços significativos quanto à pontuação das acadêmicas. Na Etapa Interventiva 2, houve indícios de que as interferências no artigo de Branka produziram efeitos positivos quanto ao uso da pontuação. Na Oficina de Escrita (Etapa Interventiva 3), as dificuldades com o emprego da pontuação ainda eram evidentes, mas houve evolução das participantes nesse quesito, comparando os textos do início da Oficina com os produzidos para sua Reflexão Final. No início da escrita dos TCC, os erros de virgulação e os períodos demasiadamente longos ainda eram perceptíveis, mas, claramente, em menor quantidade, indicando que o trabalho de melhoria na produção textual é um processo que demanda expressiva quantidade de tempo e esforço conjunto.

            O livro sobre pontuação de Lukeman (2011) se mostrou um referencial essencial para esta pesquisa, fundamentalmente, por ser uma concepção “descomplicada” e extremamente pertinente, ao abordar limites e potencialidades dos sinais de pontuação para a textualidade. 

            A pesquisa denotou êxito da proposta de intervenção pedagógica, percebido na melhoria dos textos das três acadêmicas participantes, como no caso da pontuação aqui destacado. Seu êxito desmistifica preconceitos sobre problemas de escrita como se não fosse possível solucioná-los. Sendo assim, recomendamos novas propostas pedagógicas intervencionistas com o intuito de planejar, implementar, avaliar e divulgar estratégias pedagógicas direcionadas ao ensino da escrita e produzir conhecimento sobre essas iniciativas.

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Notas



[1] Mais detalhes sobre as pesquisas intervenção pedagógica, que vêm sendo desenvolvidas nas regiões Sul e Norte do Brasil, entre investigações de doutorado, mestrado, iniciação científica e de graduação, ver Castro (2021).

[2] Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment.

[3] Optou-se por não revelar o nome das participantes da pesquisa, identificando-as por nomes russos aleatórios. Nos casos de acadêmicas de outras turmas, foram identificadas pelas iniciais dos nomes.

[4] Em termos simples, a ZDI pode ser explicada como um espaço mental metafórico onde estão localizadas as funções psicológicas ainda em desenvolvimento, necessárias para a realização de uma atividade ou a resolução de um problema, por parte de uma pessoa. Tal atividade ou tal problema podem ser enfrentados com a ajuda de alguém mais desenvolvido.

[5] Os trechos dos textos destacados foram todos mantidos tal e qual os originais, sem correções gramaticais ou ortográficas.

[6] Annia não apresentava períodos demasiadamente longos em seus primeiros textos, anteriores às intervenções, mas passou a apresentá-los na sequência do curso, constituindo, também, um problema em seus textos.