A influência das tecnologias da informação nas experiências vivenciadas no espaço da educação infantil

The influence of information technologies on experiences experienced in the childhood education area


George Saliba Manske

Professor doutor da Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, Santa Catarina, Brasil.

gsmanske@yahoo.com.br - orcid.org/0000-0003-0117-7927

                                                                                                                       

Luciane Wayss Staffen

Doutoranda da Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, Santa Catarina, Brasil.

lucianestaffen@yahoo.com.br - orcid.org/0000-0002-1571-5696

 

Recebido em 10 de junho de 2020

Aprovado em 26 de maio de 2021

Publicado em 30 de dezembro de 2021

 

RESUMO

O objetivo deste ensaio é problematizar as possíveis influências das tecnologias da informação nas percepções de tempo e espaço na Educação Infantil, vivenciadas por crianças e professores. Pressupõe-se que na atualidade, vivencia-se um tempo e um espaço mediados pelas tecnologias da informação, que constroem formas de ser e estar no mundo em que efeitos da globalização são percebidos em diferentes esferas, como a Educação, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. A atual sociedade fornece tecnologias da informação à disposição dos professores e demais integrantes das equipes profissionais das instituições educativas. Com os Estudos Culturais, procurou-se compreender o conceito de globalização e problematizá-lo acerca das influências para o professor, especificamente aquele da Educação Infantil, examinando os mecanismos de consumo acelerado de informação nos tempos atuais. Busca-se na trajetória da Educação Infantil no Brasil, o cenário para ensaiar as influências das tecnologias da informação em espaços educativos, observando suas influências sobre as crianças e adultos inseridos nestes locais.

Palavras-chave: Educação Infantil. Tecnologias da Informação. Estudos Culturais.

 

ABSTRACT

The purpose of this essay is to discuss the possible influences of information technologies on the perceptions of time and space in early childhood education, experienced by children and teachers. It is assumed that, nowadays there is a time and a space mediated by information technologies, which build ways of being and being in the world in which the effects of globalization are perceived in different spheres such as Education, from Early Childhood Education to Teaching Higher. The current society provides information technologies available to teachers and other members of the professional teams of educational institutions. With Cultural Studies, we tried to understand the concept of globalization and problematize it about the influences for the teacher, specifically that of Early Childhood Education, examining the mechanisms of accelerated information consumption in the current times. We seek in the trajectory of Early Childhood Education in Brazil the scenario to test the influences of information technologies in educational spaces, observing their influences on children and adults inserted in these places.

Keywords: Early Childhood Education. Information Technologies. Cultural Studies.

Introdução

Este ensaio se inspira em uma pesquisa em andamento que pretende conhecer como as tecnologias da informação da atualidade influenciam o trabalho dos professores quanto às experiências no tempo e no espaço das instituições de Educação Infantil. O tempo e o espaço vivenciados pela sociedade contemporânea, vêm sofrendo influências do cenário que ora se apresenta, discutido por Hall (2006), como globalização. Complementar ao fenômeno da globalização, outros autores abordam as transformações desse período listando efeitos e características paralelas, por vezes intrínsecas, tais como Sennet (2009), que observa as mudanças da dinâmica do trabalho do período considerado por alguns autores como a pós-modernidade. Por outro lado, Bauman (2011), em seus estudos, identifica a influência das tecnologias da informação no mundo de hoje, percebendo-o como um tempo líquido, mutável, que se contrai à medida que se avança na velocidade do consumo da informação. Costa (2003), por sua vez, através dos Estudos Culturais, expõe a identidade cultural que se configura em meio a esses processos.

Um dos espaços onde se produz identidades é a Educação Infantil. Como nas demais etapas da Educação, a trajetória histórica da Educação Infantil também sofreu influências dos contextos ocidentais onde estava inserida, passando por transformações significativas em suas percepções de sujeito e sua conquista de autonomia, de objetivos de educação, de qualificação de profissionais, de estruturas físicas internas e externas, pedagógicas e administrativas. Para Oliveira (2011, p. 57) “o delineamento da história da educação infantil [...] tem evidenciado que a concepção de infância é uma construção histórica e social, coexistindo em um mesmo momento múltiplas ideias de criança e de desenvolvimento infantil”.

Na Educação Infantil, pode-se inferir que o tempo, entendido como os momentos, as fases, os ciclos, as etapas do que acontece durante o período que as crianças estão dentro das instituições, e o espaço, concebido como lugar quando os sujeitos passam a se relacionar nele, tais como as áreas internas e externas, os pátios, as salas, os refeitórios, entre outros, sofrem influências na organização e uso a partir das concepções e dos contextos que os cercam. Estas influências podem ser mapeadas e compreendidas a partir da escolha de um instrumental teórico que aborde tempo e espaço na contemporaneidade.

É nesse ínterim que este texto pretende dialogar com as dimensões tempo e espaço, fazendo um recorte para a Educação Infantil. Tendo como suporte teórico Barbosa (2013), Barbosa e Horn (2019), e Fortuna (2019), que discorrem sobre esta etapa da Educação Básica, as primeiras explorando tempo e espaço como variáveis de educação e a segunda explanando sobre o uso das tecnologias por crianças e adolescentes, é que as argumentações seguintes se alicerçam. Considerando as novas especificidades em que as tecnologias da informação estão presentes no cotidiano, acredita-se ser pertinente, ao empreender um caminho de reflexão sobre o que se vivencia na Educação Infantil, o uso de um instrumental teórico que aborde tempo e espaço. Essas esferas estão presentes na vida profissional e também privada dos sujeitos que estão inseridos nos diversos contextos de trabalho, sendo objetos de estudo por autores que se interessam pelo momento presente e suas complexidades.

A contribuição para discussão em pauta deste ensaio, passa pela sensibilidade. Barbosa (2013) demonstra a importância da criança viver o seu tempo, ser quem decide sobre o seu tempo de brincar, de viver suas percepções, suas sensações, seu imaginário e criatividade em espaços qualificados como resistência à aceleração do mundo contemporâneo. Canton (2009) anuncia que o espaço tem sido vivenciado sensivelmente, ou seja, cada vez menos em decorrência da percepção da aceleração do tempo, e Larrosa (2016 e 1994), ao discorrer sobre a educação de crianças, contribui para pensar a Educação Infantil como espaço e tempo de serem vivenciados como experiências significativas, como lugares de subjetivação. É no bojo das relações sociais contemporâneas discutidas por esses autores que o debate da temática apresentada se assenta e toma corpo.

O objetivo deste ensaio é dialogar, de modo geral, em relação à percepção do tempo vivenciado pelo sujeito contemporâneo e as possíveis influências nas suas experiências com os espaços, e mais detidamente, sobre a concepção e o contexto de trabalho na Educação Infantil tendo as ações das professoras que vivem em tempos de tecnologia da informação como escopo da discussão.

Contemporaneidade – um olhar de fora

Nossas identidades e relações sociais são moldadas pela forma que vivemos no tempo e no espaço contemporâneo, esses sendo domínios pertencentes ao que se chamou, a partir de circunstâncias tecnológicas, econômicas e culturais, como mundo globalizado. Hall (2006, p. 67), citando Anthony McGrew (1992), define a globalização como “processos atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado”. Ainda na exposição de Hall (2006, p. 67), ao abordar as características da globalização, este cita Giddens (1990, p. 64), para quem a globalização muda a noção clássica de sociedade como um sistema fechado “por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço".  A mesma sociedade que organiza o tempo e organiza o espaço, sofre influências deles, se constituindo enquanto territórios de influências.

As pessoas vivenciam experiências impostas pela economia globalizada, atravessadas pelas tecnologias que permitem se conectar velozmente a outros espaços e culturas; são pressionadas a se adaptarem para um consumo de informação em tempo acelerado. A sociedade vive uma “compressão espaço-tempo” onde “os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância” (HALL, 2006, p. 69). O sujeito é levado a mudar sua própria identidade cultural, intervindo na sua forma de se relacionar com o espaço que ocupa, com o tempo que vivencia, com a sociedade a qual pertence e, consequentemente, com o seu trabalho.

Sennet (2009) aponta como a partir da década de 80, com a instauração do Novo Capitalismo, as dinâmicas do trabalho sofreram transformações profundas que alteraram significativamente o modo como o trabalhador se relaciona com o mundo do trabalho. A nova ética do trabalho (SENNET, 2009) se caracteriza por determinar que o trabalhador deva se adaptar ao trabalho em equipe, levando-o à superficialidade degradante e relações humanas falsas. Os grupos de trabalhadores ficam na superfície das coisas, evitando questões difíceis, os líderes são mediadores e não assumem riscos e a tecnologia da comunicação é responsável por acelerar os processos do próprio trabalho, fragmentando o tempo narrativo de cada indivíduo. Sujeitos de diferentes áreas, além de vivenciarem as novas dinâmicas de relações profissionais, sofreram e sofrem as acelerações impostas pelas tecnologias da informação, inclusive aqueles que pertencem aos sistemas de ensino, tanto os que tiveram formações universitárias nas décadas de 80, início da expansão das tecnologias da informação, como os que possuem formações mais recentes.

Empresas privadas e públicas, assim como as instituições pertencentes aos sistemas de educação, estão imersas na nova ordem econômica, algumas em maior e outras em menor grau. É possível visualizar que todas sofrem influências das tecnologias da informação onde, por exemplo, profissionais são expostos a uma gama imensa de informações que os pressionam a tomar decisões imediatas sobre quais modelos, fontes ou ideias utilizar, para se manter atualizado em seu trabalho, e quais descartar por serem consideradas ultrapassadas ou simplesmente por não absorver tudo o que chega aos seus smarphones. Para Bauman (2011), vivemos um mundo líquido moderno “porque, como todos os líquidos, ele jamais se imobiliza nem conserva sua forma por muito tempo em um consumo veloz de informação” (BAUMAN, 2011, p.6) onde os sujeitos se submetem a 

 

tal como o mundo que é nosso lar, nós, seus moradores, planejadores, atores, usuários e vítimas, devemos estar sempre prontos a mudar: todos precisam ser, como diz a palavra da moda, “flexíveis”. Por isso, ansiamos por mais informações sobre o que ocorre e o que poderá ocorrer. Felizmente, dispomos hoje de algo que nossos pais nunca puderam imaginar: a internet e a web mundial, as “autoestradas de informação” que nos conectam de imediato, “em tempo real”, a todo e qualquer canto remoto do planeta, e tudo isso dentro de pequenos celulares ou iPods que carregamos conosco no bolso, dia e noite, para onde quer que nos desloquemos (BAUMAN, 2011, p.6).

 

Para se reinventar profissionalmente, o sujeito encontra na internet uma ferramenta de dois gumes. À medida que esta aproxima tudo o que é construído pela cultura digital, ela inunda as memórias dos celulares e a computação em nuvem, cloud computing, ou seja, os espaços de memória virtual. Ela cria necessidades que levam à diversificação e à aceleração do consumo e consequentemente ao estreitamento do próprio tempo e, ainda, à troca do uso do tempo em espaços do mundo real (off-line) pelos espaços do mundo virtual.

Vive-se em tempos e espaços que levam à construção de novas identidades, influenciadas por contextos culturais diversos, tanto no âmbito privado como público, profissional e de trabalho. Os profissionais, a partir das tecnologias da informação, passam, na interação com seus contextos de trabalho, a vivenciarem uma cultura diversa da anterior a da década de 80. Costa (2003), através dos Estudos Culturais, diz que a

 

Cultura transmuta-se de um conceito impregnado de distinção, hierarquia e elitismos segregacionistas para um outro eixo de significados em que se abre um amplo leque de sentidos cambiantes e versáteis. [...] Em sua flexão plural – culturas – e adjetivado, o conceito incorpora novas e diferentes possibilidades de sentido. É assim que podemos nos referir, por exemplo, à cultura de massa, típico produto da indústria cultural ou da sociedade techno contemporânea, bem como às culturas juvenis, à cultura surda, à cultura empresarial, ou às culturas indígenas (COSTA, 2003, p.36).

 

A cultura dos tempos virtuais está posta, para dentro e fora das instituições, caracterizando o momento do Novo Capitalismo. E aqui, observa-se em que medida uma instituição específica, a educacional, que trata da formação de sujeitos que entrarão no mercado de trabalho do Novo Capitalismo, permite e dá tempo aos mesmos mergulharem em experiências que tem sentido, ou apenas planarem sobre a superfície dos excessos de informações, sobre relações rasas e descartáveis e sobre espaços não percebidos em sua singularidade.

A Educação Infantil – um olhar de dentro

A Educação Infantil ocidental surge em decorrência das condições econômicas e sociais geradas entre os séculos XVIII e XIX na Europa a partir da organização das instituições de guarda e educação fora do contexto familiar. Nesse período, muitos serviços foram organizados com a finalidade de atender “crianças pequenas abandonadas por suas famílias ou cujos pais trabalhavam em fábricas, fundições e minas originadas da Revolução Industrial, que se implantava na Europa Ocidental” (OLIVEIRA, 2011, p. 60). Às crianças era imposto o que se acreditava para aquela época ser adequado, ou suficiente, para aqueles sujeitos de pouco idade como “atividades de canto, memorização de rezas ou passagens bíblicas e alguns exercícios do que poderia ser uma pré-escrita ou pré-leitura” (OLIVEIRA, 2011, p.60) para agrupamentos que poderiam chegar a 200 crianças. Mesmo na educação formal, ainda não consolidada, já havia uma organização de tempo na instituição.

Os primeiros organizadores da Educação Infantil já se preocupavam com a organização do tempo que as crianças passavam dentro das instituições. Como aponta Oliveira (2011, p. 60), “eles defendiam um rigoroso planejamento do tempo nas escolas, mesmo nas que atendiam crianças pequenas, gerando uma rotina de atividades a ser observada diariamente e fundada na ideia de autodisciplina”. A rotina, então, está impressa na gênese da Educação Infantil institucional. No decorrer de sua trajetória histórica e social, vivenciando mudanças de concepção de criança, de infância, de desenvolvimento e até mesmo de rotinas, a Educação Infantil tem o tempo como referência para definir o ritmo do que faz, do que propõem, do que quer alcançar.

Hoje, no Brasil, o currículo para a Educação Infantil define o tempo como um dos fatores que deve ser observado no dia a dia das crianças que estão matriculadas na instituição, obrigatoriamente a partir dos 4 anos de idade. A Base Nacional Comum Curricular – BNCC – (BRASIL, 2018), política pública vigente desta etapa da Educação Básica, organizada em direitos de aprendizagem, campos de experiências e objetivos de aprendizagem, traz em seu texto o tempo em um dos seis direitos de aprendizagem, a saber, o brincar:

 

Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. (BRASIL, 2018, p. 38).

 

O tempo é citado em um direito que é alicerçado nos eixos estruturantes da Educação Infantil – as interações e brincadeira –, pois se presume que para se efetivar no que é proposto enquanto objetivo, as crianças precisam do tempo (tempo para estabelecer interações, tempo para brincar). Além disso, aspirando uma educação para crianças com qualidade, a BNCC indica o caminho a ser trilhado nas práticas realizadas através dos seus cinco campos de experiências, sendo um deles nomeado como “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” onde

 

As crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo constituído de fenômenos naturais e socioculturais. Desde muito pequenas, elas procuram se situar em diversos espaços (rua, bairro, cidade etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã etc.). (BRASIL, 2018, p.42-43).

 

Complementar a essas indicações, o tempo também é citado em um objetivo de aprendizagem (EI02ET06): “Utilizar conceitos básicos de tempo (agora, antes, durante, depois, ontem, hoje, amanhã, lento, rápido, depressa, devagar” (BRASIL, 2018, p.51). Nesses trechos do documento, o tempo é citado a partir do que as crianças podem observar do mundo ao qual estão inseridas. Mas existe outra faceta do tempo na Educação Infantil que precisa ser observada, além do currículo formal, que é o tempo organizado a partir do olhar do professor.

As rotinas, ou seja, aquilo que se faz em um tempo determinado, estabelecidas dentro das instituições de Educação Infantil, podem se constituir a partir de concepções diversas de infância, transitando entre as que respeitam as necessidades da criança ou as que priorizam a visão adultocêntrica do que pode ser do interesse dos pequenos. Para Barbosa e Horn

 

o modelo de prática educativa vivenciada no dia a dia de grande parte das escolas de educação infantil contempla os saberes considerados importantes como “objetos a serem transferidos”, numa sequência sempre igual de atividades planejadas e “rigorosamente” executadas e avaliadas. Atos e situações vividas pelas crianças com grande significado para elas, por vezes, são considerados banais e sem importância pelos adultos. A organização do cotidiano está baseada, muitas vezes, em uma rotina elaborada sem a participação das crianças. (BARBOSA; HORN, 2019, p. 18).

 

A existência de um currículo formal nacional não garante que todas as instituições partirão das mesmas formas de tratar o tempo, por exemplo, construindo rotinas a partir do tempo de cada criança, do grupo do qual faz parte. No movimento contrário à homogeneização de rotinas, existem propostas que ampliam as possibilidades, ou seja, que defendem a necessidade de haver tempos diferenciados para as crianças e seus diversos agrupamentos.

Os sujeitos aprendem durante toda a vida e em ritmos e modos diferentes, com mais ou menos ajuda ou incentivo, desafiados ou não, com referências ou suportes. Se esse pensamento faz parte da concepção de infância onde “a consideração de que as crianças têm suas próprias vidas, desejos, ideias devem ser orientadoras de uma ideia de cotidiano” (BARBOSA; HORN, 2019, p.20), as crianças também podem e precisam participar da organização da rotina, da organização dos tempos. Esta organização amplia suas possibilidades de aprendizagem, não se restringindo a somente às intenções educativas do professor, mas às interações de qualidade com outras crianças, com adultos, com espaços, com objetos, com situações e problemas que necessitam de soluções, com desafios.

O envolvimento das crianças na organização do tempo e das rotinas, implica em potencializar o significado do que se está fazendo. Extrapolando o

 

modelo de prática educativa vivenciada no dia a dia de grande parte das escolas de educação infantil [...] que [...] contempla os saberes considerados importantes como “objetos a serem transferidos”, numa sequência sempre igual de atividades planejadas e “rigorosamente” executadas e avaliadas” (BARBOSA; HORN, 2019, p. 18).

 

A participação da criança transita entre ser ouvida em suas falas, em suas escolhas, em seus silêncios, onde vivencia situações de encontro consigo mesma, com suas memórias, com suas preferências e prioridades, com seus tempos, em espaços que promovam essas potências de aprendizagem.

Os diferentes tempos na Educação Infantil precisam de espaços para se materializar, pois quem os ocupa, a criança, está em pleno desenvolvimento motor, cognitivo e sensível através da expansão da imaginação e exploração da sua própria criatividade.  A aprendizagem das crianças para Barbosa e Horn é

 

construída a partir da vida cotidiana, [...] implica a oferta de uma instituição pensada para o bem-estar das crianças, com diferentes possibilidades de organização de espaços para a brincadeira, para a investigação, a experiência, a expressão e as mais diversas aprendizagens. Através de sua organização, o ambiente educa, faz propostas, estabelece limites e abre novas possibilidades (BARBOSA; HORN, 2019, p. 20-21). 

 

O desejo de estar em um lugar que há tempo para apreciar, sentir-se acolhido e desafiado, estabelecer interações qualificadas com pessoas e com o próprio ambiente, são propulsores de aprendizagens de vida – de saberes, sentimentos, percepções, limites, possibilidades, sensações, fruição, devaneios e fabulações. O olhar atento do professor de Educação Infantil possibilita o trânsito entre as rotinas que são organizadas nos espaços e os novos desafios que se apresentam no cotidiano das crianças. O trabalho diário com as crianças se constitui novo a cada dia, não se aprisionando a uma rotina estática e árida, mas pelo contrário, acaba sendo palco da criatividade na vida cotidiana.

A ação criativa também precisa se manifestar no cotidiano do professor de Educação Infantil, pois é ele que dará o tom do que acontecerá no dia a dia das crianças dentro da instituição. E quem são esses professores? São aqueles que, na contemporaneidade, vivenciam as tecnologias da informação adentrando em suas vidas, inclusive nos seus cotidianos profissionais, tal como referido anteriormente. Nos estudos de Fortuna (2019), com foco nas mídias eletrônicas e as possíveis implicações no comportamento infanto-juvenil, a pesquisadora traz tanto aquilo que é mapeado como implicações negativas para o sujeito em formação, como “o isolamento e a abdicação de contatos sociais reais” (FORTUNA, 2019, p.226), como posicionamentos de parte da comunidade científica de forma positiva, apoiando as tecnologias da informação como propulsoras do desenvolvimento do sujeito, “ampliação das funções cognitivas humanas – memória, imaginação, percepção, raciocínio” (FORTUNA, 2019, p.228). O professor pode se posicionar de diferentes maneiras perante esta realidade e não está imune a ela, sendo tanto um sujeito que influencia seus alunos como aquele que sofre influências das próprias tecnologias da informação.

Nesse ínterim, as tecnologias digitais estão inseridas nos cotidianos dos profissionais da Educação Infantil, seja através dos aparatos com acesso à internet para uso coletivo oferecidos na instituição, como o uso de aparelhos pessoais – smartphones, tablets, notebooks. Além das crianças vivenciarem as tecnologias da informação e refletirem seus efeitos nos seus cotidianos, nos seus comportamentos, Fortuna (2019) indica que

 

muitos [...] achados devem ser traduzidos como uma advertência aos riscos gerados pela exposição massiva às novas mídias, elas desempenham um importante papel na configuração da subjetividade contemporânea e, por conseguinte, na forma de brincar atual. Como respondem eficazmente à solidão e ao sedentarismo infantil e estão em sintonia com alguns dos valores centrais da nossa época – sucesso e rapidez, por exemplo –, tendem a se impor, no contexto da cultura lúdica (FORTUNA, 2019, p.231). 

 

Esta configuração de subjetividades também se estende ao professor que está exposto às tecnologias digitais, sendo este um dos protagonistas das interações com as crianças. Os efeitos das tecnologias de informação produzem resultados em todos os sujeitos da sociedade, que criam, recriam e transmitem a cultura lúdica por meio de trocas entre pares, entre sujeitos de diferentes gerações (FORTUNA, 2019). Na Educação Infantil surgem novas formas de se relacionar com o brincar, este situado no tempo e no espaço contemporâneo globalizado e mediado pelas tecnologias.

Experiência no tempo e no espaço, estesia e brincar – um olhar que atravessa

A aceleração do tempo influencia os sujeitos da sociedade globalizada, atingindo diferentes gerações, inclusive as crianças, produzindo efeitos que afetam sua capacidade de percepção do próprio eu. Os espaços das instituições de Educação Infantil podem se colocar na contramão desse cenário quando se abrem para romper com os efeitos de aceleração da globalização, como aponta Barbosa ao definir um tempo a partir do tempo da criança: “O tempo das crianças na escola não pode ser apenas um tempo que passa por elas, mas ele merece ser sentido, vivido com intensidade aiônica para constituir uma experiência de infância” (BARBOSA, 2013, p.220).  E a resistência à aceleração do tempo passa pelos professores da Educação Infantil que, ao apoiar as crianças, incita que aprendam “a decidir sobre os usos de seus próprios tempos” (BARBOSA, 2013, p.220). As crianças passam a ter experiências significativas, tanto consigo mesmas como com o grupo ao qual desenvolveram vínculo de pertencimento, onde experimentar sentimentos de alegria, aventurar-se pela criatividade, explorar o novo, vão lhe possibilitar um referencial de percepções que estará presente como elemento humanizador durante sua trajetória de vida, na contínua descoberta de seu próprio tempo.

O movimento da brincadeira se utiliza de tempo e de espaço que não é aquele da aceleração, é um tempo de sensações, indagações, observações, ousadias, retomadas. Para Barbosa (2013), as crianças ao brincar “tomam iniciativas, representam papéis, solucionam problemas, vivem impasses. Criam formas dilatadas da vida: fantasias, reminiscências. Estimulam a invenção de modos de ser e estar no mundo e ampliam o campo dos possíveis, fazendo apostas para o futuro” (2013, p. 220). O imaginário e a fantasia fazem parte do brincar e são elementos que estão presentes no desenvolvimento humano e precisam de espaços para acontecer em sua plenitude, estendendo-se de tal forma a influenciar uma trajetória criativa de vida do sujeito que se torna adulto.

Os espaços na Educação Infantil são lugares de descobertas, fruição, movimentos, silêncios, encontros consigo mesmo e com os outros. A brincadeira precisa de tempo para ser brincada, e a percepção do espaço é palco importante para essa ação acontecer. Na obra Tempo e Memória (2009), Kátia Canton, citando Stuart Hall (2000 apud CANTON, 2009), anuncia que existem novas combinações de espaço-tempo, em que a globalização produziu uma nova forma de relação entre estas duas esferas, onde distâncias e escalas temporais se modificaram com as agilidades das tecnologias da informação. Em um toque de tela há a possibilidade de navegar por espaços múltiplos, que se mostram reduzidos a telas de smartphones, de tablets, de computadores. Perceber o espaço em sua plenitude se torna impossível a partir apenas da imagem reproduzida pela tecnologia. O espaço precisa de estesia para ser percebido. E o é percebido cada vez menos, consequência da aceleração do tempo pelo consumo excessivo de informação gerada pela cultura digital.

Em tempos de abundância de informação, onde os sujeitos se superficializam em suas percepções, com consequências em suas vidas privadas e profissionais, há de se pensar o que fica para uma criança que frequenta a Educação Infantil em tempos de tecnologias da informação. Em Tremores: escritos sobre experiência (2016), Jorge Larrosa retoma o sentido de experiência como aquilo que “nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA, 2016, p. 18) diferenciando daquilo que se passa em um cotidiano acelerado, inundado de informações, em contextos raros de experiências porque

 

A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destina a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência (LARROSA, 2016, p.18-19).

 

Para o autor, os sujeitos obcecados pela informação, afastam-se da sabedoria mesmo estando informados. O tempo fugaz não permite os silêncios e as memórias, comprime os possíveis espaços das experiências produzidas quando o sujeito se detém para pensar, olhar, escutar, sentir, demorar-se nos detalhes, suspender opinião, juízo, vontade, automatismo, cultivar a atenção e a delicadeza e arte do encontro, dar-se tempo e espaço, conforme observa Larrosa (2016, p. 25).

Tanto as crianças como os professores da Educação Infantil, submetidos aos efeitos das tecnologias da informação, são subjetivados por este contexto do hoje. A subjetivação se caracteriza por seus modos de se comportar, de se relacionar com os outros, com os espaços e “como se interpretam a si mesmos” (LARROSA, 1994, p.6), atravessados pelas tecnologias da informação. O professor que parte do princípio de pensar a sua prática como um lugar que leva em conta a necessidade das crianças em ter tempo para ser quem são, para brincar e vivenciar o espaço onde estão, tendo experiências que lhes são significativas, também precisa, ciente de que faz parte do contexto, considerar sua própria subjetivação, ou seja,

 

como ele é, com sua identidade moral com educador, com o valor e o sentido que confere à sua prática, com sua autoconsciência profissional. Desse modo, "pensar" sobre a educação implica construir uma determinada auto-consciência pessoal e profissional que sirva de princípio para a prática, de critério para a crítica e a transformação da prática, e de base para a auto-identificação do professor. (LARROSA, 1994, p. 14).

 

Assim, mesmo imersa no contexto atravessado por tecnologias da informação que se apresentam em ambientes diversos, a Educação Infantil também pode ser lugar de transformação, de subjetivações heterogêneas que encontrem novas formas de estar em espaços e que, a partir do ser que pensa, olha, escuta, sente, se transformem em lugares de experiências, em lugares de vidas fecundas.  

Considerações Finais

Este ensaio se propôs a problematizar as influências das tecnologias da informação na Educação Infantil através dos tempos e espaços organizados para esta etapa da Educação Básica. O tempo e o espaço, além de estarem no atual currículo brasileiro, desde o início da Educação Infantil ocidental, já eram utilizados como ferramentas para estruturar o trabalho com as crianças. A partir da década de 80 com as mudanças econômicas no cenário mundial e o desenvolvimento das tecnologias da informação e ampliação do acesso a estas, notou-se uma mudança significativa na forma dos sujeitos organizarem seus cotidianos profissionais e privados. Uma nova cultura surge, a cultura digital. Novos hábitos, novos valores, novas vivências são determinados pelo consumo de uma infinidade de informações que impõem um novo ritmo, acelerado, de vida e de percepção de onde essa vida existe. O mundo escorre pelas mãos e diante dos olhos, ludibriando o sujeito que tenta controlá-lo através da sensação de se ter a paisagem toda à sua frente pelas telas de seus smartphones e tablets. Bauman (2011) indica recortar os acontecimentos do cotidiano que parecem tão próximos e confiáveis, mas que embotam os sentidos e a capacidade de pensar criticamente sobre os mesmos. Questionar sua normalidade e, aqui especificamente, questionar a aceleração dos tempos de quem precisa ensinar a olhar, ensinar a sentir, ensinar a arte do encontro para crianças, estas, sujeitos potencialmente com sede de experiências, que dão sentido à vida que ocupa os espaços construídos pela cultura.

É sobre essas relações que pairam as problematizações aqui ensejadas. Diante da irrefutável importância e necessidade do tempo para as crianças, e inseridos num cenário globalizado permeado pelas transformações de tempo e espaço, sobretudo virtualizados nas culturas digitais, que adentram os espaços de trabalho e, assim também, o cotidiano de professoras/es de Educação Infantil, quais e como ocorrem as organizações do tempo e espaço para as crianças em seus ambientes formais de ensino? Que elementos prescindem estas organizações? Que efeitos geram?

Realizar pesquisas a esse respeito é de suma importância na atualidade, na medida em que discorrem acerca das condições em que todos estamos imersos, e em especial, as crianças nos espaços educativos, sendo, portanto, necessária a continuidade dessas problematizações em pesquisas empíricas e de campo, assim como, outros desdobramentos em textos reflexivos ou ensaísticos como o que aqui se apresenta.

Referências

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Tempo e Cotidiano – tempos para viver a infância. Leitura: Teoria & Prática, Campinas, v.31, n.61, p.213-222, nov. 2013.

 

BARBOSA, Maria Carmem Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. A cada dia a vida na escola com as crianças pequenas nos coloca novos desafios.  Para pensar a docência na educação infantil / ALBUQUERQUE, Simone Santos de; FELIPE, Jane; CORSO, Luciana Vellinho. (orgs.). – Porto Alegre: Editora Evangraf, 2019. p. 17-36.

 

BAUMAN, Zigmunt. 44 Cartas do mundo líquido moderno. Ed. Zahar. 2011.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil. Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2018.

 

COSTA, Marisa Vorraber. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago 2003 Nº 23.

 

CANTON, Katia. Tempo e Memória. São Paulo: Editora WMF Martins fontes, 2009. – (Coleção temas da arte contemporânea).

 

FORTUNA, Tânia Ramos. Cultura Lúdica na era digital: possíveis implicações das mídias eletrônicas para o comportamento infanto-juvenil. Para pensar a docência na educação infantil / ALBUQUERQUE, Simone Santos de; FELIPE, Jane; CORSO, Luciana Vellinho (orgs.). – Porto Alegre: Editora Evangraf, 2019. p. 222-237.

 

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro-11. ed. -Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

 

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: Silva, Tomaz Tadeu. O sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 1994, p.35-86.

 

LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. 1.ed.; 2. reimp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. – (Coleção Educação: Experiência e Sentido).

 

OLIVEIRA. Zilma de Moraes Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. – 7. Ed. – São Paulo: Cortez, 2011. – (Coleção docência em Formação).

 

SENNET, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo.- 14 ed. - Rio de Janeiro: Record, 2009.

 

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)