Formação continuada de professores da educação superior no IFTM, no município de Uberaba (MG) – “modelo” de transformação

Continuing education of higher education teachers at IFTM, in the city of Uberaba (MG) - “model” of transformation

Elisabete Ferreira Borges

Instituto Federal do Triângulo Mineiro. Uberaba, Minas Gerais, Brasil.

elisabete_borges@uol.com.br - http://orcid.org/0000-0002-9157-3722

 

Welisson Marques

Instituto Federal do Triângulo Mineiro. Uberaba, Minas Gerais, Brasil.

welissonmarques@iftm.edu.br – https://orcid.org/0000-0001-6766-4651.

 

Recebido em 12 de maio de 2020

Aprovado em 19 de janeiro de 2021

Publicado em 27 de janeiro de 2022

 

RESUMO

Este artigo faz reflexões sobre professores que atuam na educação superior do IFTM, no município de Uberaba – MG, e a partir daí, ressalta alguns dilemas da profissão docente que justificam a construção de um “modelo” de transformação continuada docente. A proposta do modelo está alicerçada nas políticas educacionais vigentes, nos conhecimentos científicos da área e em uma investigação de natureza empírica. A escolha da educação superior se deu pelo fato de se tratar de uma realidade recente no IFTM e, por isso, apresenta desafios que estão exigindo estudos e análises. A pesquisa teve como referencial teórico o método materialista histórico dialético. Todavia, buscou-se a contribuição de autores com outros enfoques para facilitar a compreensão do contexto analisado repleto de contradições. Embora a proposta de criação dos Institutos Federais, segundo Pacheco (2011), tenha ocorrido na perspectiva do materialismo histórico dialético, a forte tradição tecnicista da instituição faz com que a proposta se insira em um contexto de contradições atreladas às expectativas neoliberais e economicistas. Refletir sobre essas contradições possibilita a compreensão do contexto em uma perspectiva diferente do habitual na instituição. A análise empírica remete a um contexto que ao ser conhecido revela suas características organizacionais, os sujeitos que ali atuam e a cultura organizacional. Conclui-se que refletir sobre a função de promover o desenvolvimento das atividades mentais superiores responsáveis pelo processo de humanização do homem e finalidade específica da educação escolar é inerente ao “modelo” de transformação docente.

Palavras-chave: Educação Superior; Formação Docente; “Modelo” de transformação Docente.

 

ABSTRACT

This article reflects on teachers who work in higher education at IFTM, in the city of Uberaba - MG, and from there, highlights some dilemmas of the teaching profession that justify the construction of a “model” of continuous teacher transformation. The model proposal is based on current educational policies, scientific knowledge in the area and an empirical investigation. The choice of higher education was due to the fact that it is a recent reality at IFTM and, therefore, presents challenges that are requiring studies and analysis. The research had the dialectical historical materialist method as its theoretical reference. However, the authors sought to contribute with other approaches to facilitate the understanding of the analyzed context full of contradictions. Although the proposal for the creation of Federal Institutes, according to Pacheco (2011), occurred in the perspective of historical dialectical materialism, the institution's strong technical tradition makes the proposal part of a context of contradictions linked to neoliberal and economic expectations. Reflecting on these contradictions makes it possible to understand the context in a different perspective from the usual in the institution. Empirical analysis refers to a context that, when known, reveals its organizational characteristics, the subjects who work there and the organizational culture. It is concluded that reflecting on the function of promoting the development of higher mental activities responsible for the humanization process of man and the specific purpose of school education is inherent to the “model’ of teacher transformation.

Keywords: College education; Teacher Education; Teacher transformation “model”.

Introdução

Este artigo, recorte de uma pesquisa de Doutorado já concluída e cuja temática é a formação continuada de professores, apresenta reflexões sobre os professores que atuam na educação superior do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (doravante IFTM), no município de Uberaba – MG. Nesse sentido, ressalta alguns dilemas da profissão docente e que justificam a construção de um “modelo” de transformação continuada docente.

Sendo assim, este artigo se divide em cinco partes. Na primeira, intitulada Tecendo considerações sobre o tema, faremos uma breve apresentação da contextualização da proposta. No subtópico seguinte, explicitamos a Metodologia da pesquisa. No terceiro subtópico, apresentamos uma proposta de Concepção do “modelo” de transformação continuada de professores da educação superior no IFTM. No quarto subtópico, Organização e cultura institucional, e considerando que formação docente no trabalho não se desvincula da organização institucional, apresentaremos as análises empreendidas. Por fim, traremos as considerações finais.   

Destacamos que a proposta do “modelo” de formação continuada apresentada está alicerçada nas políticas educacionais vigentes, nos conhecimentos científicos da área e em investigações de natureza empírica, ora apresentadas.

Tecendo considerações sobre o tema

A construção de um “modelo” de transformação continuada de professores da educação superior no IFTM, no município de Uberaba – MG, constituiu-se um desafio que permeou todo o percurso da investigação realizada. Necessidades formativas, formação inicial e continuada, perfil dos professores e atividades do cotidiano da prática pedagógica em interação foram se delineando em elementos essenciais para responder ao desafio posto. Reunir os conceitos trabalhados sobre o tema foi o passo inicial na apropriação de elementos fundantes contemplados no modelo apresentado.

Trazer os conceitos a respeito do tema auxilia na compreensão dos elementos basilares que serão contemplados no modelo apresentado. O termo “modelo” pode ser conceituado como um reflexo mediatizador da realidade objetiva. Segundo Marcelo Garcia (1999), o “modelo” de formação centrado na escola pode ser um espaço/lugar real ou virtual, onde se constroem conhecimentos e, atendendo às necessidades docentes, proporciona interação e apropriação de recursos que facilitam a aprendizagem de ser professor.

No que concerne à formação, ela se refere aos sujeitos os quais se constituem no contexto institucional e na prática docente. Essa constituição resulta de uma interação colaborativa, mas pode também refletir um emaranhado desordenado e confuso. Reunir aspectos que oportunizam uma interlocução com os profissionais que atuam na referida instituição, constitui-se em objetivo para efetivar processos de aprendizagem mútua acerca de ser professor, uma vez que a formação ocorre em situações de interação em que o compartilhamento e a reconstrução de experiências e de conhecimentos são essenciais.

O pressuposto de que a docência se constitui na prática conduz a algumas reflexões sobre quais aspectos devem ser enfatizados em termos de conhecimentos científicos da área e conhecimentos pedagógicos que vão subsidiar e fundamentar essa prática pedagógica. Em qualquer abordagem, a cultura organizacional entra como um elemento fundamental que interfere no modelo adotado pelo professor. Nesse contexto, urge reportar a recente transformação dos Institutos Federais e suas finalidades.

De origem centenária, essas instituições tiveram suas funções ampliadas a partir da promulgação da Lei n. 11.892/2008 e, por isso, elas se tornam pioneiras ao responder pela educação profissional e tecnológica em todos os níveis de ensino. A oferta de cursos de educação básica, técnica e tecnológica, incluindo desde o ensino fundamental, médio e superior chegando à pós-graduação lato e stricto sensu, pressupõe a existência de professores com formação peculiar para atender à diversidade da área de atuação do Instituto.

A análise de necessidades formativas docentes facilita o planejamento de situações que vão desencadear a participação e o engajamento de professores no processo formativo entendido como parte intrínseca da profissão, e por isso, precisa ser interiorizado e ocorrer na cotidianidade dos processos formadores. Essa formação constitui-se em uma decisão individual e coletiva, estando presente o sentimento de pertença à instituição e à profissão. Desencadear esses sentimentos e orientá-los para a participação resultará no compartilhamento de valores comuns ao grupo em prol de sua formação continuada.

Metodologia

A metodologia utilizada na pesquisa teve uma abordagem mista com os seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa documental (legislação vigente), pesquisa bibliográfica (publicações de pesquisadores da área) e pesquisa de campo com a aplicação de questionário para levantamento de dados junto aos professores que atuam na educação superior do IFTM.

Com o objetivo de compreender as necessidades formativas de professores da educação superior e propor um “modelo” de transformação para esses docentes optou-se pelo questionário, para coleta de dados, que foi construído com a seguinte estrutura: a primeira seção constitui-se de questões de natureza pessoal e funcional e objetivam caracterizar os sujeitos da pesquisa. Na segunda seção, foram definidos eixos de interesse para a análise e o aprofundamento sobre o objeto de estudo, isto é, conhecer as necessidades de formação contínua dos professores no IFTM, a partir de aspectos que caracterizam a área de atuação desses profissionais.

Na terceira seção, foram analisados dois setores no IFTM, considerados estratégicos no levantamento de necessidades de formação contínua dos docentes e na definição de estratégias para o atendimento a essas necessidades. São eles: o setor de Pesquisa Institucional (PI) e a Comissão Própria de Avaliação (CPA). E, na última seção, houve o relato de experiências desses professores em atividades de formação contínua realizadas na instituição ou não, e a visão dos mesmos quanto ao impacto que essa formação teve em relação ao seu desempenho enquanto professor e, em relação à aprendizagem de seus alunos.

Os dados selecionados para a análise possibilitaram o movimento do empírico para o abstrato e deste para o concreto pensado (KOSIK, 1995). O conhecimento pressupõe essa passagem do abstrato até atingir as determinações mais simples, a rica totalidade de determinações e relações. O concreto corresponde ao objeto real, nesse caso, as necessidades de formação continuada de professores no IFTM, reproduzido num universo conceitual historicizado e relativizado no seu grau de apreensão.

Concepção do “modelo” de transformação continuada de professores da educação superior no IFTM

O “modelo” de transformação visa favorecer a interação entre os professores, conduzindo–os a investigar o seu fazer pedagógico. Nesse processo de auto constituição, novos conhecimentos são produzidos em um contexto de aprendizagem colaborativa e de mecanismos de interatividade profissional que promovem a vivência de experiências educativas coerentes.

O trabalho formativo proporciona o desenvolvimento da autonomia e da inovação. Assim, ganha relevância a indicação de locais configurados com o objetivo de facilitar a busca de soluções para as dúvidas que permeiam o cotidiano dos professores. E esta é uma alternativa que promove o desenvolvimento da coletividade.

No coletivo, a partir da mobilização de conteúdo interno, a docência se transforma. A construção dos conhecimentos vai acontecendo de acordo com o espaço, o tempo e as situações vivenciadas pelos professores. Um dos objetivos do modelo se refere à criação de mecanismos que suscite a interatividade dos sujeitos, proporcionando o desenvolvimento de malhas cognitivas alimentadas pela identidade comum.

Essas considerações remetem a três eixos centrais para o delineamento do “modelo” de transformação docente. Esses eixos emergiram da triangulação entre a pesquisa bibliográfica de produções científicas da área, a pesquisa documental das políticas públicas vigentes sobre o tema e a aplicação de um questionário exploratório para caracterizar os sujeitos participantes da pesquisa, e a partir do seu resultado, fazer o levantamento de suas necessidades formativas.

O primeiro eixo, relativo à área de conhecimentos científicos, proporciona reflexões sobre a aprendizagem na/da docência que associado a um contexto favorável possibilita o desenvolvimento de uma identidade profissional de professor. O segundo eixo, a pesquisa documental, aponta o suporte legal das atividades realizadas e, finalmente, o terceiro eixo se refere à aplicação do questionário exploratório visando descrever o ambiente empírico da investigação e os sujeitos protagonistas do modelo. Nessa perspectiva, a constituição da identidade profissional docente ocorre simultaneamente ao processo de construção da cultura organizacional e de seus valores.

Organização e cultura institucional

Discutir a formação docente no trabalho pressupõe refletir sobre a organização institucional, uma vez que a instituição representa uma instância onde os fluxos formativos se auto organizam. É no contexto da organização que ocorre a docência sob o impacto das condições objetivas, subjetivas e intersubjetivas. As condições objetivas traduzem as características da instituição inserida em uma dimensão social. As condições subjetivas se referem aos atributos pessoais e intrapessoais e revelam o modo do indivíduo enfrentar as adversidades e os desafios postos no seu contexto de atuação. A intersubjetividade remete às relações entre os indivíduos no qual se configuram traços resultantes das subjetividades dos sujeitos.

A organização institucional constitui com a docência uma unidade dialética que produz diferentes culturas: a profissional, a institucional e a docente. O contato com a realidade da instituição, com o seu funcionamento, a sua organização, os seus processos de trabalho e convivência geram nos professores expectativas e dilemas que se constituirão em necessidades formativas a serem consideradas pela instituição e por seus gestores.

A organização institucional age como força gerativa ou restritiva do desenvolvimento profissional docente. Essa é uma configuração resultante do impacto das condições externas de trabalho sobre o mundo interno dos professores. Portanto, a constituição docente decorre do movimento de fluxos – interno e externo – que precisam ser conciliados e direcionados para o bem-estar e a autorrealização profissional docente.

Nessa perspectiva, passamos a detalhar as etapas do “modelo” de transformação continuada de professores do IFTM. Um dos elementos que o compõem, trata-se da caracterização do grupo ao qual se destinam as ações formativas. Um dos itens considerados nessa fase compreende os ciclos da carreira. Na investigação realizada, em 2019, constatou-se que 8,8% de professores, que atuam na educação superior no IFTM, encontram-se na fase inicial da carreira que compreende os cinco primeiros anos de docência. Na fase intermediária encontram-se 70,5% de professores e abrange o período de seis a vinte e cinco anos da carreira docente. Na fase final, 20,9% de professores possuem mais de vinte e cinco anos de docência.

Os dados evidenciam que 70,5% de professores que atuam na educação superior na instituição, encontram-se na fase intermediária da carreira que, segundo Huberman (2005), caracteriza-se por um momento de definição ou por uma mudança de trajetória. A opção pela carreira conduz o professor à atualização dos conhecimentos científicos da área e ao aperfeiçoamento de metodologias utilizadas.

A definição das atividades a serem desenvolvidas vai depender dessa caracterização. No caso específico desse grupo de professores, investir nos mesmos, viabilizando a participação em eventos científicos tanto nas áreas do conhecimento em que eles atuam como naqueles de natureza pedagógica é essencial. Promover eventos na própria instituição também é uma alternativa.

Quanto à formação acadêmica de professores da educação superior no IFTM, a pesquisa (2019) constatou os percentuais: 60,3% são doutores, 31,8% são mestres, 5,7% são especialistas e 2,2% possuem apenas graduação. Todavia, a formação obtida nos cursos de mestrado, doutorado e/ou especialização não atendem por si só aos desafios e demandas a que os docentes se deparam no seu cotidiano. A legislação vigente estabelece a pós-graduação como requisito para o professor atuar na educação superior. Embora essa dimensão científica materializada na pós-graduação stricto sensu seja importante, ela não é suficiente para dar o suporte necessário para o desencadeamento de ações e conhecimentos específicos da profissão docente.

A dimensão pedagógica é necessária e, como a mesma nem sempre ocorre na pós-graduação, ela acaba sendo construída na ação no decorrer da trajetória profissional, ao longo da carreira. Esse fato está exigindo que as instituições assumam o compromisso de oportunizar formação continuada a seus professores que contemple os conhecimentos necessários ao desempenho da função docente. Diante disso, embora considerando o nível privilegiado de qualificação apresentado pelos professores do IFTM, é necessário que a instituição se comprometa com alternativas de formação contínua, considerando as particularidades do Instituto Federal.

A expressão docência, de origem latina, docere, no sentido etimológico significa ensinar, instruir, mostrar, indicar. No sentido formal, docência é o trabalho dos professores. Esse trabalho ultrapassa a função de ministrar aulas, abrange o domínio do conhecimento específico da área e o como explicá-lo. Veiga (2013), Bolzon; Isaia (2010) e Zabalza (2011), dentre outros autores, têm discutido a função do professor da educação superior e atribuído outras dimensões além do conhecimento científico de sua área, tais como: o domínio da área pedagógica (processos ensino-aprendizagem), a pesquisa, a gestão, a extensão e a tecnologia educacional. Portanto, a formação docente na educação superior inclui o desenvolvimento pessoal e o domínio de conhecimentos e competências que possibilite ao professor atuar nas dimensões previstas para esse nível de ensino.

As condições objetivas e subjetivas necessitam estar permeadas por uma cultura colaborativa a qual favoreça a acolhida, o sentimento de pertença do professor e, consequentemente, o desenvolvimento de sua autonomia diante da ação pedagógica e de relações interpessoais. Por conseguinte, a organização institucional se configura como aporte para a compreensão do cenário institucional, individual e coletivo onde se desenvolve a práxis formativa. A organização institucional cria os motivos do maior ou menor envolvimento dos sujeitos no processo de autoformação. A organização favorável ao processo formativo desenvolve uma postura proativa do professor no engajamento com as atividades inerentes à instituição e ao fazer docente. Trata-se de uma organização motivadora, gerativa. Ao contrário, quando há estagnação ocorre a falta de motivação, o mal-estar docente, e a alienação frente a situações desafiadoras.

É preciso estar claro que o conhecimento resulta da atividade humana. O saber se constitui em uma resposta às necessidades históricas do homem como sujeito e criador de sua história. O mundo do trabalho tem sofrido alterações rápidas e profundas e exige do trabalhador o domínio de competências que precisam ser construídas e reconstruídas continuamente e que representam para o capital o conhecimento geral e tácito para resolver os problemas do cotidiano. Não há um modelo pré-estabelecido, mas uma combinação de arranjos flexíveis que podem representar a possibilidade para a inserção/exclusão no mercado. O conhecimento efetivo depende das condições historicamente dadas da existência e da subjetividade dos sujeitos e das relações que são construídas nestas condições, pois o conhecimento não existe separado do homem. A docência se insere nessa perspectiva.

 

 

 

 

 

Figura 1 – “Modelo” de transformação: prática pedagógica de professores da educação superior no IFTM


Fonte: elaborado pelos autores, 2019

 

A Figura 1 – “Modelo” de [trans]formação: prática pedagógica de professores da educação superior no IFTM mostra os elementos fundantes do mesmo. O primeiro aspecto é a acolhida ao professor iniciante, cujas ações deixam claro o sentimento de pertencimento institucional. Nos anos iniciais, faz-se necessário o diagnóstico para detectar deficiências tanto em termos da área de conhecimento como de metodologia para elaboração de planos de ação com vias a suprir o que foi diagnosticado. Também os professores veteranos ao participarem, desta etapa, assumem o papel de tutores dos iniciantes num gesto solidário de acolhimento, mas, sobretudo, de socialização de saberes acumulados.

O segundo componente do “modelo” se trata de criar espaços/ambientes propícios para reuniões permanentes de discussão da prática pedagógica onde serão analisadas situações exitosas e/ou problemáticas, vivenciadas no dia a dia e selecionadas pelos próprios professores. A teoria da Atividade de Leontiev (1978, p.262) aborda o desenvolvimento humano a partir de condições sócio-históricas e pode ser um roteiro para fundamentar as análises. Baseado em Engels (2019), sustenta que o homem tem uma origem animal, mas

 

[...] ao mesmo tempo [...] o homem é profundamente distinto dos seus antepassados animais e [...] a hominização resultou da passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho; [...] esta passagem modificou a sua natureza e marcou o início de um desenvolvimento que, diferentemente do desenvolvimento dos animais, estava e está submetido não às leis biológicas, mas a leis sócio-históricas.

 

O trabalho e a vida em sociedade são dimensões que determinaram um salto de qualidade no desenvolvimento humano. Quando isso ocorre, o homem se liberta de suas limitações biológicas para “inventar” a condição humana. Isso significa que as habilidades e os comportamentos humanos não estão previstos no código genético, mas são regidos por leis sócio-históricas.

Foi Vigotski (2003) quem discorreu sobre o desenvolvimento das capacidades humanas, a partir da combinação entre o uso do instrumento (de trabalho) e do signo (atividade psicológica). Essa combinação permite que o homem reconstrua internamente uma operação externa, o que possibilita ultrapassar o imediato, processo esse denominado de internalização. A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana e é a base do salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana.

A explicação para o fato de que o comportamento humano não constitui uma herança genética acontece com Leontiev (1978). Por meio do trabalho, enquanto uso de energia humana intencionalmente voltada para a transformação da natureza é que os homens se colocam nos objetos, humanizando-os. Todos os objetos disponíveis no mundo, materiais ou intelectuais, são produtos da intervenção e imaginação do homem.

A adaptação do homem à natureza se dá pelo seu trabalho. Os objetos culturais (alimentação, habitação, roupas e outros bens materiais e intelectuais) surgem para satisfazer às necessidades humanas. Todo o desenvolvimento sócio-econômico-cultural decorre da atuação do homem no mundo natural e cultural, a partir de seu conhecimento. Dessa forma, o homem transforma o mundo e a si próprio.

É a atividade humana que humaniza o mundo proporcionando simultaneamente o desenvolvimento das capacidades e habilidades do homem e, consequentemente, a produção de conhecimentos que ficam impregnados nos objetos criados. A habilidade de escrever, por exemplo, foi seguida pela invenção do lápis, da caneta e hodiernamente do computador. Todos os objetos produzidos carregam em si os movimentos humanos em suas formas porque neles estão registradas as habilidades humanas. Toda pessoa ao nascer encontra um

 

 

[...] mundo de objetos e de fenômenos criado pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas desse mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo (Leontiev, 1978, p. 266).

 

Da mesma forma que aprendemos a lidar com os objetos, aprendemos a lidar com a linguagem. A linguagem também é um produto criado pela habilidade do pensamento. A apropriação da linguagem desenvolve a capacidade de produzir um pensamento lógico abstrato. Segundo Leontiev (1978), todas as características especificamente humanas foram adquiridas no percurso da vida por um processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes.

Nesse contexto, pode-se afirmar que cada indivíduo aprende a ser um homem e a viver em sociedade. É necessário “adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 1978, p. 267). Dessa forma, é correto dizer que os homens são criadores de suas criaturas, e isso ocorre quando constroem o mundo material com as suas habilidades e, ao atuarem sobre o mundo para transformá-lo, internalizam habilidades cristalizadas por gerações que o precederam. E ao realizarem essas mudanças, deixam registradas as próprias habilidades para as novas gerações. É o mundo em permanente processo de transformação que possibilita a contínua mudança do homem.

O homem não nasce, portanto, dotado das habilidades históricas da humanidade, pois elas foram conquistadas e criadas. O homem nasce candidato a essa humanidade que está no mundo material, cristalizada nos objetos, nas palavras e nos fenômenos da vida humana. Estas ideias reforçam a proposta do “modelo” de transformação docente porque o processo educacional estará sempre em movimento, o que implica em formação contínua do professor para responder adequadamente a esse movimento de transformação das pessoas e do mundo.

A diversidade que se apresenta como riqueza humana é construída pela humanidade por meio de sua ação transformadora sobre o mundo. Considerando ainda que a humanidade é transmitida e apropriada pelo indivíduo a partir de seu contato com os instrumentos da cultura, fica evidente que as diferenças sociais, que implicam diferentes graus de acesso a ela, serão produtoras de desigualdades no desenvolvimento psicológico dos homens.

O terceiro componente do “modelo”, trata-se da pesquisa, como princípio educativo e necessidade basilar na educação superior, constitui-se em instrumento de construção de conhecimento e de metodologia. A vivência da pesquisa é que propicia a aprendizagem dos processos de produção do conhecimento. A interação entre produção do conhecimento (pesquisa) e a sua socialização (ensino) revela a indissociabilidade entre ambos na educação superior. Não se pode dissociar o conhecimento enquanto produto histórico do seu processo de produção. Faz parte da dinâmica da educação superior a presença da pesquisa por meio da iniciação científica, dos trabalhos de conclusão de curso e dos projetos de mestrado e de doutorado.

 Nos Institutos Federais a pesquisa está relacionada à inovação. Habitualmente ligada à tecnologia, a inovação nem sempre foi associada de forma positiva à educação. A partir da crise global econômica dos anos 1929, a inovação é reconhecida como fonte da economia capitalista que, para se desenvolver, necessitava de novas mercadorias para expandir as relações comerciais e aumentar a mais-valia. A economia está, então, na base do sentido positivo atribuído ao termo, que se expandiu para a saúde, a educação e a arte. Nos tempos atuais, parece que é preciso inovar em todas áreas.

A inovação se configura, assim, como uma espécie de projeto de sociedade ou como uma questão que afirma a ordem neoliberal. Desta forma, a inovação como adaptação de procedimentos, métodos e técnicas de ensino às demandas de uma sociedade reconfigurada por tecnologias, corresponde à adequação do modelo educacional a demandas econômicas de ordem neoliberal. Nesta perspectiva, uma ação educacional efetivamente transformadora pode se beneficiar mais de uma orientação transgressora do que inovadora (PEIXOTO, 2020, v. 1, p. 21-32).

 E, finalmente, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), nesse início do século XXI, constituem-se em uma necessidade formativa docente, e por isso, há que se organizar momentos contínuos de aprendizagem e/ou de atualização de professores em relação ao uso das mesmas.

No IFTM é bastante diversificado o uso das TIC na educação superior. É preciso analisar se essa utilização tem contribuído para um processo educativo de qualidade e democrático de oportunidades para parcela da população quase sempre excluída dos avanços tecnológicos proporcionados pelo desenvolvimento econômico, cultural, educacional e social.

O desenvolvimento de novas tecnologias advindas das mudanças no mundo do trabalho tende a inverter a relação sujeito-objeto colocando a tecnologia como um sujeito autônomo, transformando o sujeito em uma extensão das novas tecnologias. É preciso ter clareza de que a pessoa é o sujeito que conhece para que não se perca a dimensão ontológica e epistemológica do processo de construção do conhecimento.

Esses elementos do “modelo” vão contribuir para a autoformação docente que está diretamente ligada às formas de organização institucional e se constitui em uma necessidade de o professor se engajar com o seu desenvolvimento. Para que isso ocorra, faz-se necessário um movimento interno em que o professor se comprometa com as ações formativas que resultam no crescimento pessoal e profissional.

É nessa perspectiva que o “modelo” de formação continuada cria as condições para desencadear dispositivos de motivação dos professores com o seu percurso formativo profissional. Entretanto, o envolvimento docente com a prática pedagógica, com as atividades de extensão, pesquisa, o uso das TIC e a gestão acaba levando os professores a vivenciarem sentimentos contraditórios. Ao mesmo tempo que a diversidade de atividade significa oportunidades e ganhos pessoais, ela representa, também, um aumento de responsabilidades e preocupações. Instituição e docentes precisam analisar essas ambiguidades para buscarem os caminhos para essa formação. Afinal, os professores são os executores das propostas educativas que acontecem no IFTM, instituição com necessidades e peculiaridades próprias.

O que fazer nas práticas de formação resulta de um esforço conjunto como resposta solidária aos questionamentos vivenciados. Questões diferenciadas impactam o trabalho docente cotidiano. Uma avaliação das práticas diárias, despida de vaidades e receios, se apresenta como algo desafiador, que exige dinamismo, preparo e saberes e, sobretudo, apoio por parte da equipe de dirigentes para propor elementos organizacionais que favoreçam a realização da prática pedagógica.

O envolvimento docente com as necessidades específicas de cada curso, clientela e formação, e com outras atividades, acabam gerando um desgaste que precisa ser analisado e enfrentado com atenção e cuidado. Essas observações se constituem em referências importantes na proposição do modelo de formação continuada construído a partir das necessidades e interesses dos professores e da instituição de forma conjunta. Nesse contexto, deve estar presente a preocupação com a formação docente e suas demandas de atuação de modo a tornar efetiva a sua formação profissional. No IFTM, precisa contemplar, ainda, os diferentes níveis de atuação a que os professores estão envolvidos.

Desse modo, fica claro que a cultura institucional permeia o fazer docente e precisa ser considerada como algo que influencia e até determina as trajetórias percorridas pelos professores e suas aprendizagens. Ressalta-se que quanto mais envolvente e acolhedor for o ambiente educativo, maiores serão as chances de motivação, capacidade de resiliência e engajamento com as propostas de trabalho e interesse em investir nos processos de autoformação.

A organização institucional se constitui em um espaço de criação e produção sustentado na iniciativa e colaboração por parte dos sujeitos que se sentem valorizados e inseridos em um contexto dinâmico com potencial de desenvolvimento. A boa relação entre colegas e estudantes cria um ambiente de amizade, tornando-se um ponto que sustenta o trabalho e favorece a resiliência frente aos múltiplos desafios que se desvelam no cotidiano da atuação pedagógica. Há, também, questões negativas que precisam ser enfrentadas, como as tarefas burocráticas necessárias que, ao serem realizadas, não podem se constituir em entraves para o desenvolvimento do trabalho.

A gestão na produção da organização e da cultura institucional, promove o desenvolvimento de sentimentos dos professores e os conduz ou não ao engajamento com os programas de formação. Nesse aspecto, a identidade institucional assume papel relevante. Como instituições recém-criadas, com estrutura pedagógica, administrativa e técnica recente, o instituto corre o risco de buscar modelos importados de outras instituições com práticas já consolidadas para serem aplicadas no IFTM. Essa situação pode ocorrer até porque os sujeitos que fazem parte da instituição trazem em suas trajetórias de vida outras experiências exitosas de outros contextos. No entanto, a realidade de cada instituição é única e diversa, peculiar e desafiadora.

Portanto, para analisar os processos formativos docentes é necessária a compreensão do papel institucional na sociedade, quais os compromissos que podem assumir no contexto em que se inserem e, a partir daí, estruturar todo o trabalho nas diferentes instâncias de atuação. Enquanto os professores não assumirem o seu papel como agentes no processo de construção da instituição, torna-se difícil concretizar a sua autoformação. A docência precisa estar inserida na organização institucional para participar da construção, dos alicerces que darão sustentabilidade à instituição, e isso passa pela discussão da identidade institucional. Trata-se de uma identidade que não se esgota nos parâmetros e diretrizes legais vigentes, mais do que isso, passa pela discussão coletiva de escolhas possíveis e pelo planejamento compartilhado.

O “modelo” de formação docente continuada deve estar inserido nas características peculiares da instituição e, como ressalta Nóvoa (1992, p. 26), é fundamental o papel do diálogo como elemento agregador que consolida os espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando. É nessa perspectiva que será possível construir e consolidar uma cultura institucional em prol da formação. É essencial a investigação sobre o que a instituição faz, por que faz e para onde caminha.

É preciso superar trajetórias isoladas e mobilizar condições internas e externas para uma ação transformadora. Quando a organização institucional não é favorável, é inexistente a possibilidade de transpor os limites impostos (objetivos e subjetivos) ao trilhar os obstáculos que se antepõem à frente, impossibilitando a mudança. A organização institucional tem influência decisiva sobre a inovação necessária face à diversidade e complexidade dos contextos institucionais.

Inovar, nesse caso, significa criar, transformar mediante situações desafiadoras e em meio às crises. A inovação pedagógica não é algo que se encontra nas reformas de ensino, nem nas alterações curriculares ou programáticas, embora defenda que essas possam facilitar mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas. Ela se constitui em um processo que requer reflexão, senso crítico e protagonismo por parte dos professores e estudantes. Essa situação envolve as ações inspiradas pelas pessoas que querem aprender. São mudanças nas práticas educativas amparadas por uma organização institucional favorável à aprendizagem.

Analisando as condições de trabalho no IFTM, por meio dos dados coletados, depara-se com alguns atributos significativos como: condições de trabalho boas, possibilidades de crescimento, ambiente que estimula o aprendizado, tanto docente quanto discente. Esses elementos, atrelados à qualificação dos professores, também apontada como uma característica positiva, sugerem um terreno favorável à inovação e ao desenvolvimento potencial da instituição como um todo.

Uma organização institucional favorável é imprescindível para um processo de formação docente, mesmo que permeada por questões sociais e estruturais complexas. A complexidade do contexto no IFTM, configura-se na mescla de exigências exteriores à própria instituição, naquilo que ela vem consolidando em termos de gestão e prática docente mediante as quais os professores estão se constituindo como tais em seus percursos pessoais e profissionais.

Além disso, faz-se necessário sensibilizar os docentes para uma atuação consciente e comprometida com a educação profissional e tecnológica realizada pelo IFTM, considerando a instituição como um lugar único e peculiar na atuação verticalizada dos diferentes níveis e modalidades de ensino profissionalizante. A compreensão das mudanças introduzidas pela Lei n. 11.892/2008, é fundamental para esse exercício da docência mais responsável e consciente, o que implica em um conhecimento dos valores que permeiam o processo educacional.

A proposta atual de educação desenvolvente tem como finalidade criar uma sociedade aberta para o futuro (DUSAVITSKIR, 2003). A sociedade aberta terá como suporte os valores: liberdade individual, solidariedade, independência pessoal e cooperação voluntária que precisam ser trabalhados entre professores e estudantes. Embora a Lei n. 11.892/2008 tenha definido as finalidades dos Institutos Federais, a explicitação de valores que possam permear toda a atividade pedagógica é essencial no processo educacional. É a partir da introjeção de valores que eles se tornam psicologicamente necessários e começam a realizar uma função de regulação em todas as esferas da vida pública.

O pressuposto básico da educação escolar é a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades psíquicas, que fazem do “homem um humano em sua plenitude” (LONGAREZI; FRANCO, 2015, p.106). Nessa perspectiva, a instituição escolar precisa ultrapassar a mera transmissão de conhecimentos e se transformar em local de apropriação da cultura criando mecanismos que propicie o desenvolvimento de seres humanos.

Segundo Leontiev (1978), isso ocorre com a atividade. O modelo capitalista da sociedade brasileira presente na escola fixa as suas práticas em ações, “a partir das quais não se tem a necessidade como um princípio, e o motivo, em geral não coincide com a finalidade da ação” (LONGAREZI; FRANCO, 2015, p.106). O que ocorre, portanto, são ações e não atividades na perspectiva apresentada por Leontiev, o que conduz à alienação do sujeito quando dissocia o sentido pessoal no que se refere à educação da significação social que deve possibilitar a apropriação-objetivação da cultura pelo homem para que se concretize a humanização para além da alienação. O que se observa é que não há uma coincidência entre conteúdo da “atividade de estudo”, motivo e objeto que possa promover a humanização dos estudantes.

 

No contexto escolar, professor e estudante ocupam lugares sociais distintos, logo, têm atividades também distintas. O primeiro, na condição de trabalhador, encontra-se em atividade de ensino e o segundo em atividade de estudo. Estas, então, constituem-se nas atividades guias, as que principalmente dirigem o desenvolvimento de ambos (LONGAREZI; FRANCO, 2014, p. 107).

 

As atividades descritas se originam de necessidades coletivas, articuladas em ações orientadas por objetivos comuns. Para potencializar as atividades dos professores e estudantes e o seu respectivo desenvolvimento, os motivos devem coincidir com o objeto da ação de docentes e discentes. A atividade representa a ação humana que mediatiza a relação entre o homem, sujeito da atividade, e os objetos da realidade, configurando a natureza humana.

Para isso, o conhecimento compartilhado será basilar e envolve a noção de aprendizagem docente colaborativa. Isso pressupõe a dinâmica de trocas entre professores/alunos, o que implica autonomia dos sujeitos propiciando reestruturação individual dos esquemas de conhecimentos e de revisão de diferentes situações didático-pedagógicas. Compartilhar ideias, inquietações, dúvidas e ajudas são formas colaborativas que favorecem o avanço do processo formativo. Analisar a própria atividade com os seus pares pressupõe um processo interdiscursivo e intersubjetivo e, nesta ação plural, interativa e mediadora ocorre a aprendizagem, a construção e a reconstrução de premissas advindas do processo de compartilhamento.

Nessa perspectiva, não é possível falar em um aprender generalizado de ser professor, “mas entendê-lo a partir do contexto de cada docente no qual são consideradas suas trajetórias de formação e a atividade formativa para a qual se direcionam” (BOLZAN; ISAIA, 2010, p. 19). Aprender a ser professor ocorre a partir de movimentos construtivos produzidos pelo docente em sua ação. São trajetórias formativas que vão sendo incorporadas à docência a partir da consciência das dimensões pessoais e profissionais que permeiam o processo ao longo da carreira. Não há linearidade. Há rupturas ou oscilações e o surgimento de novos percursos em diferentes trajetórias.

 

Figura 2 –Dinâmica do “modelo” de transformação continuada docente – uma síntese: Escola – local de formação de discentes e docentes.


Fonte: Elaborado pelos autores, 2019

 

É um processo social que envolve novatos e veteranos interagindo em um esforço comum de desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências profissionais. Pressupõe, ainda, a articulação entre a dimensão pessoal e a institucional, aceitando o contexto e seus desafios em um continuum de construção dos processos formativos docentes.

A coordenação deste trabalho pode ser assumida por uma equipe de professores que também precisam passar por um processo de formação. Os profissionais que vão atuar no assessoramento aos professores precisam participar da construção da proposta, refletindo, estudando e discutindo os temas a serem trabalhados para que possam ter unidade de trabalho e terem credibilidade junto aos professores que atuam nos campi do IFTM. A união de esforços resultará em um trabalho mais produtivo e enriquecedor para todos os segmentos.

Para que a proposta se concretize, é necessário que a instituição crie mecanismos e dispositivos para que o processo formativo aconteça. Nesse sentido, os serviços de apoio ao professor vão se configurando na direção do modelo proposto e vão adquirindo relevância institucional. Os serviços de apoio podem ter diferentes estruturas, e atuar no sentido de atender às diversas modalidades do fazer pedagógico. O que importa é oferecer ao professor oportunidades diferenciadas de se constituir profissional docente, tendo acesso aos recursos que se fizerem necessários.

Essa ideia reforça a importância de um contexto institucional favorável ao desenvolvimento de um modelo de formação docente. A aprendizagem sobre ser professor é um processo social e ao mesmo tempo singular porque o aprender ocorre com os outros, mas como promovê-lo intencionalmente considerando as especificidades das áreas de atuação docente? A questão abordada remete para a necessidade de tomada de consciência por parte do professor sobre o processo de aprendizagem que pode ser intensificado mediante alternativas, tais como: a aprendizagem colaborativa associando interatividade e colaboração profissional; a existência de contextos coletivos de trabalho, criando espaços formadores; o desenvolvimento de experiências educativas e inovadoras.

A formação continuada proposta precisa refletir as finalidades da instituição e contemplar eixos comuns a várias áreas de atuação docente. É necessário que o professor tenha discernimento em relação às finalidades institucionais e tenha coerência entre o seu fazer e as diretrizes, regulamentos e orientações de trabalho. Essa afirmativa nos conduz a indagar com mais pertinência sobre o que fazer na prática de formação. Que estrutura deve apresentar o modelo de formação docente? Propor o modelo implica em alguns requisitos de como o trabalho será realizado, quais serão os sujeitos que vão coordenar e em que etapas e com quais temas será desenvolvido.

A decisão e aceitação do grupo de professores pelo processo de formação é condição fundamental, daí a importância da realização de um trabalho de sensibilização desses professores. Sem essa sensibilização, o que costuma ocorrer é resistência em relação às propostas de formação proporcionadas pelas instituições. Para iniciar um processo de formação docente é importante estar atento aos sinais, às linguagens verbais e não verbais expressas pelos professores para se criar um clima propício às ações que serão desencadeadas. O planejamento cuidadoso do cenário de sensibilização definindo instrumentos, metodologias, linguagens apropriadas para dar início ao processo é fundamental.

Despertar sentimentos positivos, resilientes e gerativos são condições necessárias para motivar os professores para o processo que é intrapessoal e, por isso, exige paciência, respeito ao ritmo de cada sujeito e do grupo que possuem tempos diferentes para a mudança e a transformação. O planejamento há que ser flexível em termos de datas e horários, todavia, faz-se necessário o estabelecimento de etapas para o desenvolvimento da proposta. A cada etapa é necessário o registro das conquistas que nutrirão a trajetória em desenvolvimento crescente e auto organizativo. Esse processo formativo estará fundamentado nos eixos: aprendizagem docente, identidade profissional docente e finalidades institucionais. Essas etapas serão discutidas na comunidade escolar para criar as condições propícias para a realização do processo formativo.

Sensibilizados para participar do processo formativo, os professores vão se sentir instigados a pensar sobre as suas práticas. Nesse momento, situações traumáticas, problemáticas vividas na instituição, podem vir à tona. Essas situações tendem a desencadear temas emergentes a serem trabalhados pela equipe de coordenação, colaborando com os professores em seu processo de resiliência.

Na equipe deve ter profissionais ligados à gestão, bem como professores tutores que possam efetivamente planejar, propor os rumos do trabalho, aproveitando o conhecimento e a experiência que possuem em relação à instituição e à profissão. É importante a existência de uma equipe que coordene, acompanhe e avalie as atividades formativas.

No início do trabalho, deve-se oportunizar a reflexão sobre as próprias experiências para se situar e definir o que se quer fazer. O relato individual e coletivo se torna referência para a formação. A estrutura organizativa proposta para o modelo não esgota e nem limita possibilidades, apenas aponta um norte que pode ser repensado e alterado pelos sujeitos. A indicação de espaços se faz necessária, e é indicativo da compreensão de como ocorre a formação, o docente e a instituição.

A proposta de um “modelo” pressupõe a análise de diferentes modalidades, formatos e significados da formação. É necessário também identificar as motivações políticas e institucionais, as bases epistemológicas que vão nortear as experiências e analisar o impacto das mesmas na qualificação docente da educação superior.

Nesse início do século XXI, pode-se encontrar os seguintes formatos regulares de formação de professores para a educação superior: cursos de Especialização em Docência Universitária; cursos de Mestrado e Doutorado que optam por incluir nos seus currículos a disciplina de Metodologia do Ensino Superior; experiências do Estágio de Docência, instituído pela CAPES; os Programas de Pós Graduação em Educação que abrigam candidatos de outras áreas para desenvolver pesquisas relacionadas com a pedagogia universitária; Programas de Pós-Graduação de outras áreas que possuem Linhas de Pesquisa relacionadas com a docência e/ou o ensino-aprendizagem. Essas dimensões explicitadas estão disponíveis em várias instituições, e algumas delas estão presentes no IFTM e são alternativas de formação buscadas pelos professores da educação superior.

Os espaços formativos institucionais deverão desenvolver outras dinâmicas de formação, além dessas já consolidadas no contexto educacional. Tendo a colaboração e a partilha como princípios orientadores, os referenciais teóricos e as bases conceituais que serão coletivos, os grupos de professores reunirão em torno de interesses comuns, mantendo diálogo com construtos teóricos de suas áreas de conhecimentos específicos.

No formato de educação continuada, pressupõe-se a condição de melhoria das práticas de ensinar e aprender, próprias de um professor. É possível que os docentes e as IES reconheçam outros espaços de formação, mas sempre com menos incidência e legitimidade. Um deles se refere ao mundo do trabalho, especialmente em algumas carreiras em que o exercício profissional garante a consolidação de saberes (áreas da saúde, do direito, da engenharia e do jornalismo, por exemplo). As carreiras tecnológicas também são valorizadas porque ocorrem a partir de investimentos em ciência e tecnologia que fazem algumas empresas. São profissões que encerram saberes ligados ao fazer e à prática profissional e de gestão, e esses podem ser valorizados nos processos de formação dos professores.

O espaço de formação é, portanto, potencial, pois possibilita a realização de programas de formação docente, mas não garante a sua efetividade. Este espaço está ligado à missão institucional e à representação que dela faz a sociedade, incluindo os docentes e os alunos. É pela ação humana que o espaço se transforma em lugar. A constituição do lugar ocorre quando se atribui sentido ao mesmo, reconhecendo a sua legitimidade para localizar ações, expectativas, esperanças e possibilidades. Quando se diz “esse é o lugar de”, extrapola-se a condição de espaço porque adquire um sentido cultural, subjetivo e próprio ao exercício de tal localização (CUNHA, 2008). 

O IFTM como espaço de formação, pode ou não se transformar em lugar de formação. O lugar representa a ocupação do espaço pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição. Nessa investigação, o espaço foi definido como um dos elementos constituintes do modelo de [trans]formação docente. Para tal, é preciso analisar o sentido da construção dos lugares e de como os sujeitos em formação os reconhecem na sua legitimidade. O lugar é o espaço preenchido a partir dos significados de quem o ocupa. Nem sempre os espaços de formação dos docentes são ocupados e, por essa razão, não se transformam em lugares. Os lugares são preenchidos por subjetividades. Nessa perspectiva, constrói-se uma teia de relações que torna possível a produção de sentidos, perpassados pelas relações de poder que se estabelecem na relação espaço-lugar de formação.

E o lugar se constitui em território quando há relações de poder. O território tem uma ocupação. Não há territórios neutros. A ocupação de um território se dá no confronto entre forças. Os lugares são ocupados quando os sujeitos fazem escolhas que preencherão os espaços e os transformarão em territórios. A escolha de uma dimensão anula a condição da outra se estabelecer. Mesmo assumindo a possibilidade da contradição e da dialética, as forças em tensão revelam predomínios que sinalizam disputas de poder (CUNHA, 2008).

Portanto, os espaços se tornarão lugares de formação, quando os professores conferirem sentido aos formatos estabelecidos com esse objetivo conferindo legitimidade aos mesmos. As transformações desses lugares em territórios ocorrerão quando ações se tornarem uma cultura, delineando processos decisórios e visões epistemológicas que se façam preponderantes. Os territórios têm uma certa estabilidade e a alteração de suas fronteiras é sempre resultado de lutas concorrenciais.

Para se constituir em lugar, é preciso que fique mais perceptível a legitimidade da proposição formativa, que será percebida por meio de reconhecimento de sua pertinência e validade. Os territórios serão percebidos por indicadores que incluem o aporte legal e institucional que sustentam as propostas e os programas de formação. Decorre, também, do tempo de ocupação, que revela a intensidade da sua institucionalização e o reconhecimento de seus efeitos pelos beneficiários das ações formativas.

Considerações finais

Refletir sobre as ações educativas no IFTM se constitui um passo fundamental para escrever um novo momento histórico institucional. O saber e a experiência dos participantes da pesquisa foram fundamentais para o que se pretendia investigar. A escolha da educação superior se reveste de importância ao se considerar que é aí que ocorre a construção de conhecimentos e de uma nova cultura para a educação profissional no País. É na educação superior que uma nova territorialidade poderá surgir apontando caminhos diferenciados para a educação técnica e tecnológica, delimitando o seu papel e importância no desenvolvimento social, econômico, cultural e educacional do Brasil.

A escolha será dos seres humanos envolvidos nessa trajetória. Em cada passo delineado, reside um modo particular de compreender a formação, o docente e a instituição. Esse trabalho se limitou a apontar diretrizes, a partir de reflexões para nortear a elaboração de um “modelo” de formação continuada de professores. Não há receitas prontas. Cada instituição e seus profissionais são únicos e compete a cada equipe propor o seu próprio “modelo” de transformação continuada docente.

Referências

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