Análise de trabalhos que abordam a relação entre Neurociências e Educação no período de 2014 a 2019 e suas interfaces com o Ensino de Ciências
Analysis of papers that discuss the relationship among Neurosciences and Education between 2014-2019 and their interfaces with Science Education
Amanda Cristina Magalhães Costa
Mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil.
amanda.qui2014@gmail.com - orcid.org/0000-0003-1940-7583
Vinícius Catão de Assis Souza
Professor doutor da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, Minas Gerais, Brasil.
vcasouza@ufv.br - orcid.org/0000-0003-4591-9275
Recebido em 26 de junho de 2020
Aprovado em 17 de agosto de 2020
Publicado em 30 de dezembro de 2021
RESUMO
Pesquisas recentes indicam que as Neurociências podem trazer importantes contribuições à Educação, disponibilizando conhecimentos com base científica que fomentam reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem e, consequentemente, a busca por aprimorar práticas pedagógicas instituídas em Escolas e Universidades. Nesse sentido, o presente trabalho analisou algumas publicações que propuseram relacionar as Neurociências com a Educação e o ensino de Ciências. Para tal, realizou-se inicialmente um levantamento bibliográfico utilizando a plataforma Google Acadêmico e o Portal de Periódicos CAPES, sendo definidas as palavras-chaves para efetuar tais buscas. Em seguida, delimitou-se a amostra a ser analisada, que teve como recorte as publicações entre 2014 e 2019 resultantes apenas do Portal da CAPES, considerando o vasto retorno obtido no Google Acadêmico e a necessidade de limitar os dados. Posteriormente, os trabalhos selecionados foram analisados e classificados como alinhados ou não às temáticas de busca, sendo esta seleção validada pela triangulação dos dados entre os pesquisadores. Os trabalhos da amostra classificados como não alinhados foram submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin, gerando categorias que evidenciaram a importância das Neurociências como campo de conhecimento que integra diferentes áreas. Por fim, os dados selecionados foram dispostos em gráficos e tabelas para, em seguida, discutir os resultados apontando as possíveis implicações da interface entre Neurociências e Educação com o Ensino de Ciências, além de projetar perspectivas futuras de pesquisas. A partir dos resultados, constatou-se a necessidade de estimular um maior diálogo entre essas áreas de conhecimento, buscando contemplar a formação dos professores em geral.
Palavras-chaves: Neurociências; Educação; Práticas formativas; Ensino de Ciências.
ABSTRACT
Papers recently published indicate that the Neurosciences field can establish important contributions for Education, providing scientifically bases of knowledge that allow teachers to reflect about teaching and learning processes. Consequently, it can improve their pedagogical practices established at Schools and Universities. Thus, this research analyzed some of papers that propose establish relations between Neurosciences, Education and Science Education. To this end, bibliographic research was carried out using the Google Scholar Platform and the CAPES Journal’s Portal. Firstly, some keywords were defined to perform such searches. Then, it was defined the sample to be analyzed, which included only publications between 2014-2019 resulting from the CAPES website, considering the biggest amount obtained in Google Scholar and the requirement of delimitation. Subsequently, papers were analyzed and classified as aligned or not with respective searches results. This data selection was validated by triangulation amongst the researchers. Those papers classified as not aligned to the search keywords were categorized through the Bardin’s content analysis, highlighting the importance of Neurosciences as an expressive field of knowledge that integrates different areas. Finally, the data considered aligned were displayed in graphs and tables so that we could discuss the results, pointing possible implications of the Neurosciences and Education’s interface with Science Education, in addition to future research perspectives. From the results, we consider it was important to favor dialogues between those fields of knowledge, seeking to integrate and improve the practices of the professional teachers’ formation.
Keywords: Neurosciences; Education; Educational practices; Science Education.
Discutindo algumas das possíveis aproximações e interfaces das Neurociências com a Educação
A interface entre Neurociências e Educação tem se mostrado cada vez mais relevante para favorecer o aprimoramento das práticas formativas nas escolas e universidades. Isso porque a compreensão fisiológica do ser humano pode favorecer algumas intervenções dos educadores, tendo como base os fatores biológicos, psíquicos e emocionais que influenciam na aprendizagem (COSENZA; GUERRA, 2011). Consequentemente, os profissionais da educação, em geral, poderão refletir sobre as distintas demandas educacionais, compreendendo as limitações de alguns estudantes e a necessidade de intervenções. Assim, seria possível articular ações pontuais para favorecer a aprendizagem, tendo o aporte das Neurociências no momento de propor estratégias metodológicas que buscam contribuir para uma maior efetividade do processo educativo como um todo.
Nesse sentido, destaca-se a relevância desta temática para a formação de professores e o quanto pesquisas que envolvem essa relação, de forma séria e confiável, podem ser fundamentais para melhorar a Educação. Dessa maneira, o presente trabalho tem como objetivo traçar um panorama sobre o quantitativo de publicações que buscaram estabelecer essa relação em algum nível e discutir os dados encontrados com o enfoque na Educação em Ciências.
Apesar de a busca pela compreensão do cérebro e seu funcionamento intrigar o ser humano desde a antiguidade clássica, o termo Neurociências[1] pode ser considerado recente. Essa ciência agrega diferentes áreas do conhecimento, como a Medicina, a Química, a Biologia, a Psicologia, dentre outras. Além de contemplar estas e outras áreas, constata-se as contribuições das Neurociências em outros âmbitos, como na Educação.
Por meio dos estudos do cérebro, foi possível ter uma melhor compreensão de como ocorrem os processos de aprendizagem, levando a resultados bastante expressivos para a Educação (GROSSI; LOPES; COUTO, 2014). Isso considerando os seguintes aspectos a serem levados em conta, de acordo com Cosenza e Guerra (2011): (i) as emoções influenciam decisivamente no processo de aquisição dos novos conhecimentos; (ii) a motivação (intrínseca e extrínseca) se mostra como um fator de destaque nos processos de aprendizagem; (iii) o cérebro se modifica a partir das interações estabelecidas com o meio social e educacional; e (iv) a consolidação da memória tem relação com o conhecimento prévio e o sono (período de descanso). Neste sentido, Cosenza e Guerra (2011) apontam ainda que:
[...] 1. A educação é caracterizada por um processo que envolve aprendizagem. A aprendizagem é mediada pelas propriedades estruturais e funcionais do sistema nervoso, especialmente do cérebro; 2. Os conhecimentos neurocientíficos avançaram muito nas últimas décadas e chegaram ao público leigo por meio da divulgação científica. Os educadores se reconheceram como mediadores das mudanças neurobiológicas que caracterizam a aprendizagem; 3. As neurociências e a educação são áreas autônomas do conhecimento, ainda que possam ter interfaces comum; 4. As neurociências não propõem uma nova pedagogia e nem prometem solução para as dificuldades de aprendizagem, mas ajudam a fundamentar a prática pedagógica que já se realiza com sucesso e orientam ideias para intervenções, demonstrando que estratégias de ensino que respeitam a forma como o cérebro funciona tendem a ser mais eficientes. 5. Na interface entre educação e neurociências emergem desafios como a divulgação adequada das neurociências para os educadores e o público em geral, o estudo dos mecanismos de aprendizagem em indivíduos com dificuldades educacionais especiais e a inclusão das neurociências na formação inicial do educador. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 146).
Assim, as Neurociências podem contribuir para o âmbito educacional, uma vez que pesquisas nessa área já apresentam resultados consideráveis para a sala de aula, destacando que: a emoção reforça os caminhos neurais; o sono auxilia na aprendizagem; a neuroplasticidade favorece a aprendizagem; a organização do ambiente educacional favorece as interações (THOMAZ, 2018). Além disso, auxilia no cotidiano do educador saber sobre a organização e as funções do cérebro, os mecanismos da memória e atenção, as relações entre motivação, emoção e aprendizado, as eventuais limitações de aprendizagem (nem todos aprendem da mesma forma) e as possibilidades de intervenção (COSENZA; GUERRA, 2011). Sendo assim, ao planejar uma aula é importante que o educador leve essas informações em consideração, com o objetivo de buscar maiores avanços em relação a aprendizagem.
Entretanto, é importante ter os devidos cuidados ao relacionar conhecimentos das Neurociências com a Educação, visto que o entusiasmo em estabelecer esta aproximação pode trazer consequências preocupantes, como a possibilidade de prejudicar o aprendizado ao invés de beneficiá-lo, por meio de “neuromitos” ou de conclusões das neurociências que não levam em consideração o espaço sociocultural e as condições das instituições educacionais. Consequentemente, para que hajam avanços nessa interface, se faz necessário ter cautela e analisar os desafios para se estabelecer essa relação e refletir sobre as possibilidades de melhoria neste possível diálogo. Segundo Tommerdahl (2010), as três principais dificuldades para que as Neurociências tragam maiores contribuições ao processo de ensino e aprendizagem são: (i) alto grau de complexidade, tanto do estudo do cérebro pelos neurocientistas, quanto do estudo do ensino e da aprendizagem por educadores; (ii) as limitações de equipamentos de imagem cerebral; e (iii) as descobertas realizadas em ambiente laboratorial pelos cientistas não podem ser diretamente aplicadas em sala de aula. Isso porque as salas de aula apresentam um contexto distinto e muito mais amplo daqueles controlados em laboratório (FERREIRA; GONÇALVES; LAMEIRÃO, 2019).
Assim, relacionar os conhecimentos das Neurociências com a Educação de forma precipitada pode gerar equívocos e generalizações grosseiras, sendo um deles os denominados “neuromitos”, que são colocações equivocadas sobre conhecimentos das Neurociências. Como exemplo, pode-se citar aquele de que somente 10% do cérebro é utilizado e que em cada hemisfério cerebral predomina o controle de determinadas atividades. Tais informações não contribuem para subsidiar essa interface com a Educação, considerando que se mostram evasivas, pouco assertivas, além de não trazerem os devidos subsídios para aprimorar as práticas educativas (DEKKER, 2012; GALVAGNO; ELGIER, 2018).
Além disso, para que as contribuições das Neurociências sejam mais evidentes em sala de aula, é preciso incentivar a transdisciplinaridade, de forma que as diferentes áreas de conhecimento dialoguem na busca por solucionar as inúmeras questões desafiadoras que a Educação vivencia nos tempos atuais. Sendo assim, uma forma de aprimorar essa relação seria criar interfaces com os programas de pesquisa das duas áreas e também motivar a escrita de trabalho conjunto, estabelecendo um objeto de pesquisa em comum (FERREIRA; GONÇALVES; LAMEIRÃO, 2019). Portanto, evidencia-se a importância de publicar trabalhos científicos que envolvam essa interface entre as Neurociências e a Educação, visando uma ampliação do acesso desse conhecimento e um diálogo mais assertivo baseado em evidências.
Segundo Grossi, Lopes e Couto (2014), as Neurociências apresentam seis diferentes abordagens, sendo elas: (i) a Neurociência molecular, que investiga as moléculas essenciais ao funcionamento do sistema nervoso; (ii) a Neurociência celular, que considera os diferentes tipos de células presentes no sistema nervoso e suas respectivas funcionalidades; (iii) a Neurociência sistêmica, que tem como foco o estudo das regiões do sistema nervoso, dando ênfase aos processos associados ao pensamento, a atenção, a percepção e ao discernimento; (iv) a Neurociência cognitiva, que se dedica aos processos mais complexos como memória, aprendizagem, planejamento, linguagem; (v) a Neurociência clínica, cujo o foco são as patologias do sistema nervoso; e (vi) a Neurociência comportamental, que diz respeito à interação entre os sistemas que influenciam o comportamento humano, evidenciando as capacidades mentais que se relacionam às emoções, sono, sensações visuais, dentre outros.
Devido a expressiva abrangência das Neurociências, a sua relação com a Educação pode se dar em diferentes âmbitos. Entretanto, o presente estudo buscou trazer uma maior ênfase aos aspectos que permeiam as questões emocionais e comportamentais, considerando que elas se repercutem diretamente nos processos educativos. Assim, neste tópico buscamos explorar aspectos da Educação em diálogo com o Ensino de Ciências, considerando que as Neurociências apresentam o potencial para favorecer reflexões sobre as relações de ensino e aprendizagem, ajudando os professores a compreenderem a importância de aproximar os diferentes conteúdos da realidade dos alunos e de explorar os vários recursos metodológicos disponíveis. Além disso, ajuda a compreender a relevância dos aspectos motivacionais e socioemocionais para favorecer o processo educativo e a aquisição de novos conhecimentos (SEDANO; CARVALHO, 2017; THOMAZ, 2018).
Pensando em toda essa discussão, é importante apontarmos também que sentimentos como frustração, desgaste e desânimo têm sido comuns entre os professores de Ciências, sobretudo frente ao desinteresse dos alunos, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Além dessa falta de interesse, verifica-se que muitos não conseguem aprender Ciências, tendo em vista as dificuldades para compreenderem conceitos básicos apresentados de forma descontextualizada (POZO; CRESPO, 2009).
Nesse sentido, muitos professores destacam frequentemente as atitudes passivas de seus alunos frente ao conhecimento e a pouca disposição em se engajarem nas práticas inovadoras articuladas em sala de aula. Apesar de ser um dos aspectos que precisa nitidamente ser mudado, os currículos de Ciências, principalmente nos anos finais do Ensino fundamental e no Ensino Médio, priorizam majoritariamente os conteúdos conceituais. Além disso, o sistema avaliativo atual intensifica isso, pois reforça que mais vale a reprodução de uma resposta com o mesmo padrão de resolução trazido no livro didático ou pelo professor para alcançar um determinado valor quantitativo correto do que um comportamento investigativo, curioso e de admiração pelas questões científicas (POZO; CRESPO, 2009). Concordamos com Hoffmann (2018) que a avaliação deve ser um instrumento de inclusão e não de exclusão no sistema educativo. Segundo esta autora,
inclusão pode representar exclusão sempre que a avaliação for para classificar e não para promover, sempre que as decisões levarem em conta parâmetros comparativos e não as condições próprias de cada aluno, o princípio de favorecer-lhe oportunidade máxima de aprendizagem, de inserção na sociedade, em igualdade de condições educativas. Essa igualdade nada tem a ver com a visão padronizada da avaliação, como uma exigência de igualar-se aos colegas, de corresponder às exigências de um currículo fixo ou às expectativas de um professor. (HOFFMANN, 2018, p. 39-40).
No sentido contrário a uma abordagem tradicional, que tem demonstrado pouca efetividade para a aprendizagem, pesquisas no campo do ensino de Ciências destacam a importância de se articular uma formação mais integrada, problematizadora e investigativa, que busca o envolvimento dos alunos em práticas investigativas (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011; CARVALHO, 2013; SASSERON, 2015; SEDANO; CARVALHO, 2018; SANTANA; CAPECCHI; FRANZOLIN, 2018). Nesse sentido, Carvalho (2011) aponta para a necessidade de um ensino de Ciências que seja planejado, de modo a:
[...] ir além do trabalho com conceitos e ideias científicas: é preciso que a escola ofereça condições para que a cultura da Ciência seja conhecida pelos estudantes. É necessário introduzir os alunos no universo das Ciências, isto é, ensinar os alunos a construir conhecimento fazendo com que eles, ao perceberem os fenômenos da natureza sejam capazes de construir suas próprias hipóteses, elaborar suas próprias ideias, organizando-as e buscando explicações para os fenômenos. Ao ensinarmos Ciências por investigação estamos proporcionando aos alunos oportunidades para olharem os problemas do mundo elaborando estratégias e planos de ação. Desta forma o ensino de Ciências se propõe a preparar o aluno desenvolvendo, na sala de aula, habilidades que lhes permitam atuar consciente e racionalmente fora do contexto escolar. (CARVALHO, 2011, p. 253).
A educação científica pode ajudar o aluno a entender a Ciência como um processo construtivo associado à sua vida, por isso, é importante aprendê-la buscando compreender os múltiplos significados atribuídos a tais conhecimentos e não apenas reproduzindo conceitos sem uma efetiva compreensão. Outro fator que merece destaque no processo de ensino e aprendizagem seria a motivação, que Pozo e Crespo (2009) destacam em grupos de alunos caracterizados como curioso, consciencioso, sociável e que busca êxito.
Além disso, algumas metodologias utilizadas em sala de aula com o objetivo de engajar determinados grupos de alunos podem ser fatores de desmotivação para outros. Sendo assim, despertar um amplo interesse por aquilo que se ensina representa algo complexo e desafiador frente a grupos heterogêneos. Sobretudo porque isso demanda contemplar diferentes aspectos de ordem cognitiva e socioemocional que precisam ser considerados no processo formativo.
Nesse sentido, a Teoria das Inteligências Múltiplas do psicólogo Howard Gardner discute essa questão, propondo caracterizar incialmente sete diferentes tipos de inteligência: Lógico-matemática, Linguística, Musical, Interpessoal, Intrapessoal, Corporal-cinestésica e Espacial (GARDNER, 1995). Posteriormente ainda foram acrescentadas mais duas: Naturalista e Existencialista. Ressaltamos a relevância dessa proposta para se pensar em contextos formativos que primam pela diversidade, mas os fundamentos dessa teoria não serão abordados aqui por não ser o foco deste trabalho. Entretanto, reconhecemos que os indivíduos apresentam, em diferentes graus, aproximações com essas inteligências. Consequentemente, os estímulos e motivações no processo de ensino e aprendizagem são variáveis, o que reafirma a necessidade de mediações diversificadas a fim de atender os diferentes modos de aprender e motivar alguém para se envolver com um dado conhecimento, atribuindo sentido a ele (ALMEIDA; CRISPIM; SILVA; PEIXOTO, 2017).
Entretanto, sabe-se que o professor precisa estar preparado para entender os diferentes desafios postos frente a mediação da aprendizagem e das emoções em sala de aula. Sendo assim, é importante conhecer o perfil da turma para buscar mobilizar estratégias pedagógicas que poderão favorecer de forma eficiente a motivação, além de ser fundamental alternar as metodologias utilizadas, considerando a multiplicidade de estilos existentes.
Diante desse e de outros desafios que as Ciências de forma geral apresentam aos alunos, fica clara a relevância dos aspectos socioemocionais no processo de aprendizagem, sendo importante o professor ter consciência das dificuldades da disciplina e compreender as possíveis limitações dos alunos, a fim de oferecer formas de estimulá-los. Os professores que não levam esses fatores em consideração podem desmotivar os estudantes, gerando preconceitos e barreiras para o aprendizado das Ciências em geral. Além disso, conhecimentos das Neurociências evidenciam a influência da emoção para a consolidação da memória e da aprendizagem (SOUSA; GABRIEL, 2009; COSENZA; GUERRA, 2011). Se o aluno tiver experiências que causam medo ou insegurança ao aprender determinado assunto, provavelmente o seu desempenho terá prejuízos, podendo ter situações em que nem ocorra a aprendizagem.
Nesse sentido, apontamos o trabalho de Novais e Fernandez (2017), que aborda duas possibilidades para entender a influência das emoções no Ensino de Ciências: (i) na formação inicial de professores, destacando o modo como os licenciandos lidam com os estímulos externos/pressões ao longo do curso e de que forma isso repercute na relação deles com o objeto de conhecimento em estudo; e (ii) na prática docente efetivamente, em termos do autocontrole e autoconhecimento de suas emoções no planejamento e mediação do saber, na condução das atividades, na atuação em sala de aula. Ambas as esferas podem ser determinantes para o desenvolvimento profissional dos professores, principalmente daqueles no início da carreira, quando se deparam com situações que podem não saber mediar, tendo que lidar com diferentes experiências desafiadoras no âmbito das emoções.
Portanto, para que os professores aprendam a lidar com as emoções em sala de aula é necessário que, antes de tudo, eles tenham desenvolvido capacidades de autorregularem suas próprias emoções, abordando essas questões desde o processo de formação inicial. Consequentemente, estudos dedicados a investigar os aspectos socioemocionais devem ser mais estimulados não só durante a atuação docente, mas também na formação inicial dos professores (NOVAIS; FERNANDEZ, 2017).
Por fim, é possível inferir, com base no exposto anteriormente, que as Neurociências podem trazer relevantes contribuições à Educação, permitindo aos profissionais desta área reflexões sobre as práticas pedagógicas, com um embasamento científico que permita aprimorar as ações docentes. Dessa forma, o presente trabalho buscou analisar o panorama de publicações que abordam a relação entre as Neurociências e a Educação, conforme será descrito em detalhes a seguir.
Aspectos metodológicos da pesquisa
A presente pesquisa pode ser classificada como exploratória, tendo sido feito um levantamento bibliográfico em um determinado período, cuja finalidade foi proporcionar maior familiaridade com o objeto investigado. A formulação de uma questão de pesquisa é fundamental para planejar as etapas da investigação. A partir desta questão, ou mesmo um conjunto de questões, é possível estabelecer o planejamento para executar a pesquisa. Não ter esse cuidado pode comprometer o desenvolvimento e os resultados, de tal forma que, quanto maior a clareza do problema, maior a adequação e precisão nas tomadas de decisão do pesquisador. Contudo, o ponto de partida pode ter ainda uma intenção imprecisa, mas que ao ser melhor desenvolvida e detalhada, trará mais confiabilidade nas decisões posteriores. Por outro lado, são inegáveis o processo dinâmico e a peculiaridade das pesquisas. Sendo assim, é necessário um equilíbrio entre a rigidez de um processo metodológico e as eventuais e necessárias reformulações durante a investigação (LUNA, 1997).
Dessa forma, diante do problema inicial que buscou investigar os estudos relativos à interface entre as Neurociências e a Educação, com os possíveis impactos na formação de professores, foi necessário realizar inicialmente uma Pesquisa Bibliográfica sobre trabalhos que abordam essa temática, com um recorte de tempo pré-estabelecido. Isso visando entender o panorama geral dessa interface e discutir os resultados encontrados em diálogo com o Ensino de Ciências. Cabe destacar, então, que a Pesquisa Bibliográfica se relaciona a um trabalho exploratório que, segundo Martins e Theóphilo (2016),
[...] procura explicar e discutir um assunto, tema ou problema com base em referências publicadas em livros, periódicos, revistas, enciclopédias, dicionários, jornais, sites, CDs, anais de congressos etc. Busca conhecer, analisar e explicar contribuições sobre determinado assunto, tema ou problema. A pesquisa bibliográfica é um excelente meio de formação científica quando realizada independentemente – análise teórica – ou como parte indispensável de qualquer trabalho científico, visando à construção da plataforma teórica do estudo. (MARTINS; THEÓPHILO, 2016, p. 52).
Nesse sentido, a realização da Pesquisa Bibliográfica é fundamental para conhecer e analisar as principais contribuições teóricas sobre um determinado tema ou assunto. Köche (1997) aponta que este tipo de pesquisa pode ser realizada com diferentes finalidades, de modo a: (i) ampliar os conhecimentos sobre uma determinada área, permitindo ao investigador compreender ou delimitar melhor um problema delineado; (ii) apreender o conhecimento disponível e utilizá-lo como base para elaborar um modelo teórico explicativo para algum problema; e (iii) sistematizar o Estado da Arte referente a um determinado tema ou problema, de modo a descrever e apresentar um panorama da produção acadêmico-científica que se busca investigar. Considerando o exposto, podemos caracterizar esta pesquisa como sendo um Estado da Arte relativo às publicações que abordam as interfaces das Neurociências com a Educação.
Sendo assim, objetivou-se aqui fazer um levantamento no Portal de Periódicos da CAPES e no Google Acadêmico dos trabalhos relacionados às Neurociências e a Educação que foram publicados recentemente, tendo as interfaces com o Ensino de Ciências, área em que os autores deste trabalho têm formação e pesquisam. Assim, como primeira etapa da Pesquisa Bibliográfica que realizamos, foram definidas as palavras-chaves de modo que a primeira busca fosse mais ampla e a segunda mais específica em termos de resultados gerados. Para isso, as palavras-chaves utilizadas em cada busca foram:
▪ Busca 1: neurociências e educação;
▪ Busca 2: neurociências e ensino de ciências;
As plataformas selecionadas foram o Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) e o Google Acadêmico. O intervalo de tempo pesquisado foi definido para contemplar um panorama atual sobre a temática explorada. Assim, definimos como amostra os dois últimos triênios (2014 a 2019), considerando que teríamos um panorama mais fiel das pesquisas realizadas recentemente, sobretudo a partir da última década quando a discussão sobre Neurociências parece ganhar maior notoriedade no campo da Educação, como verificado no trabalho de Cosenza e Guerra (2011).
A próxima etapa da pesquisa foi a leitura de todos os resumos dos trabalhos que estavam dentro da amostra definida e, a partir dessa verificação, cada um dos trabalhos foram avaliados, classificando-os como alinhados ou não com a busca realizada. Os critérios utilizados para classificar os trabalhos como alinhados para cada uma das buscas estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 – Critérios para classificar os trabalhos como alinhados com o foco da pesquisa.
Buscas |
Critérios de alinhamento utilizados |
“Neurociências e educação” |
Trabalhos que abordam temas sobre as neurociências com o foco em trazer benefícios para a educação, auxiliando professores, pais e/ou alunos no processo de ensino e aprendizagem. |
“Neurociências e ensino de Ciências” |
Trabalhos que abordam sobre as neurociências com o foco em trazer benefícios ao ensino de Ciências em geral, auxiliando professores, pais e/ou alunos no processo de ensino e aprendizagem. |
Fonte: Autoria própria (2021).
Os trabalhos que não atendiam rigorosamente aos critérios apresentados no Quadro 1 foram classificados como “não alinhados”. É importante ressaltar que essa classificação foi validada por meio da triangulação entre os pares, permitindo que todos os dados fossem organizados e discutidos entre os pesquisadores, de modo a conferi-los e validá-los. De acordo com Günther (2006), a triangulação implica na utilização de abordagens múltiplas para evitar distorções e enviesamentos da pesquisa em função de um método, uma teoria ou um pesquisador.
Desta maneira, todos os trabalhos foram avaliados utilizando tais critérios de alinhamento e os resultados encontrados a partir da classificação foram apresentados e discutidos. Os trabalhos classificados como “não alinhados” foram categorizados segundo o referencial de Bardin (2011), a fim de identificar e analisar quais foram os enfoques daqueles trabalhos que, apesar de terem sido resultados das buscas, não abordavam o que estava sendo efetivamente pesquisado. Portanto, foi realizada a análise de conteúdo, sendo esta uma metodologia para o tratamento de dados qualitativos. Neste instrumento analítico interpretativo, o resultado da busca foi descrito por meio de três procedimentos sistemáticos, a saber: (i) leitura inicial dos dados coletados para uma análise preliminar; (ii) análise mais aprofundada do material, de modo a organizar os dados em classes de respostas (categorias); e (iii) interpretação dos dados obtidos.
Resultados e Discussão
Assim, os resultados das buscas realizadas nas plataformas selecionadas (CAPES e Google Acadêmico) estão apresentados nas Tabelas 1 e 2 a seguir.
Tabela 1 – Resultados das buscas realizadas no Google Acadêmico*.
|
Sem Limites |
1999-2019 |
2004-2019 |
2009-2019 |
2014-2019 |
Busca 1a |
23.400 |
15.500 |
15.500 |
15.500 |
15.700 |
Busca 2b |
17.600 |
15.200 |
15.300 |
14.600 |
13.300 |
a Neurociências e Educação; b Neurociências e ensino de Ciências. *Dados obtidos no dia 07 de abril de 2020.
Tabela 2 – Resultados das buscas realizadas no Portal de Periódicos da CAPES*.
|
Sem Limites |
1999-2019 |
2004-2019 |
2009-2019 |
2014-2019 |
Busca 1a |
149 |
147 |
144 |
135 |
104 |
Busca 2b |
56 |
56 |
53 |
52 |
44 |
a Neurociências e Educação; b Neurociências e ensino de Ciências. *Dados obtidos nos dias 06 e 07 de abril de 2020.
A partir dos resultados, verificou-se que a plataforma do Google Acadêmico retornou números significativamente maiores do que o Portal de Periódicos da CAPES, o que já era esperado dado as diferenças nas abrangências das buscas em cada uma delas. Assim, seria inviável analisar individualmente todos os trabalhos encontrados no Google Acadêmico. Consequentemente, decidiu-se que os trabalhos a serem avaliados qualitativamente seriam apenas os do Portal de Periódicos da CAPES. Além disso, por meio das Tabelas 1 e 2 também é possível verificar que a primeira busca obteve mais resultados, enquanto a segunda mostrou valores menores. Essa observação pode ser constatada nas duas plataformas utilizadas e em todos os intervalos de tempo avaliados.
Outro aspecto importante que contribuiu para a definição da amostra foi verificar qual o recorte de tempo seria mais adequado para a avaliação dos trabalhos. Uma vez que os resultados do Google Acadêmico já estavam descartados para essa próxima etapa da pesquisa, dada a sua dimensão, foram avaliados os recortes apenas do Portal de Periódicos da CAPES. Constatou-se que o quantitativo encontrado no intervalo de 2014 a 2019 seria o mais apropriado para uma avaliação pormenorizada dos trabalhos. A partir deste recorte, todos os demais trabalhos da amostra passaram por uma análise qualitativa, sendo classificados como “alinhados” ou “não alinhados”, de acordo com os critérios apresentados no Quadro 1.
Na Busca 1, avaliaram-se 104 trabalhos, sendo que 28 foram classificados como alinhados e 76 como não alinhados. Na Busca 2, houve um total de 44 trabalhos analisados, sendo apenas sete classificados como alinhados e 37 como não alinhados. Entretanto, é importante destacar que desse total, 30 foram repetições da Busca 1, sendo apenas 14 efetivamente relacioandos à Busca 2. Dentre os sete trabalhos classificados como alinhados, seis foram também encontrados na primeira busca, sendo apenas um deles exclusivo da Busca 2. Já em relação aos 37 trabalhos que não estavam alinhados, 24 também foram identificados na busca anterior, sendo apenas 13 encontrados somente na segunda busca.
A compilação dos resultados das duas buscas juntas e a respectiva classificação entre trabalhos “alinhados” ou “não alinhados” está apresentada no Gráfico 1 a seguir.
Gráfico 1 – Resultado da classificação de alinhamento dos trabalhos, considerando as duas buscas no Portal de Periódicos da CAPES.
De acordo com os resultados, verificou-se que nas duas buscas o quantitativo de trabalhos alinhados foi significativamente menor que os não alinhados. Consequentemente, pode-se inferir que os valores dos resultados encontrados em uma busca nem sempre são confiáveis, uma vez que podem ter resultados incoerentes com o que está sendo procurado. Ou seja, a priori, considerando apenas os valores encontrados nas buscas, poderíamos concluir que há um relevante número de trabalhos publicados que estabelecem uma relação entre as Neurociências e a Educação/ Ensino de Ciências. Entretanto, ao fazer uma aferição mais cuidadosa, realizando uma análise qualitativa dos resultados encontrados em um determinado período de tempo, verifica-se que muitos dos trabalhos não contemplavam o que estava sendo buscado. Sendo assim, fica nítida a importância dessa etapa da Pesquisa Bibliográfica, pois por meio da análise qualitativa foi possível traçar um panorama geral do objeto investigado de forma mais assertiva e confiável em um espaço temporal, verificando que apesar de obter inicialmente um total de 148 trabalhos como resultados (considerando as duas buscas), apenas 36 abordavam de fato o assunto pesquisado.
Em relação aos trabalhos classificados como não alinhados, eles foram categorizados de acordo com suas temáticas, por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), o que permitiu o agrupamento daqueles com temáticas semelhantes. As categorias emergentes e o quantitativo dos trabalhos encontrados em cada uma delas, sem considerar as repetições, foram: Medicina (26); Educação (21); Psicologia (10); Educação Física (10); Saúde (8); sem identificação de categoria (2); Ciências Sociais (2); Esporte (2); Sustentabilidade (1); Comunicação (1); Neuromarketing (1); Neuromarketing e Neuroeconomia (1); Biologia (1); Fisioterapia (1); Arte (1) e Ciências (1). Na sequência, realizou-se a análise desse resultado, constatando que dentre os trabalhos não alinhados, a grande maioria abordava assuntos focados somente em Medicina (26) ou somente em Educação (21), sem estabelecer uma relação efetiva dos aspectos neurológicos com as teorias educacionais.
Além disso, destacamos a expressiva incompatibilidade de dois trabalhos que, devido a falta de relação com a busca, foram categorizados como “sem identificação de categoria”. Esses trabalhos se relacionavam a: (i) Siglas, termos e expressões (Revista Brasileira de Pós-Graduação); e (ii) Suplemento – Trabalho de Conclusão de Curso Unificado e I Mostra Pró-Saúde. PET-Saúde UNIFOR/SMS - CORES-6 e Encontro Estadual Pró-saúde / PET-Saúde – Ceará (Revista Brasileira em Promoção da Saúde). O primeiro representa um arquivo com diferentes siglas e seus respectivos significados. Já o segundo remeteu aos Anais de Trabalhos de Conclusão de Curso. Podemos inferir que ambos foram encontrados possivelmente porque tinham algumas das palavras de busca, como “neurociências” e/ou “educação”. Ao analisar tais incoerências, verificou-se que o arquivo de Siglas tinha a palavra “educação” em várias partes. Já no segundo, apareceu a palavra “neurociências” nas referências de alguns trabalhos.
Quanto aos trabalhos identificados como alinhados, analisou-se a relação entre os anos de publicação de cada um deles. Nos Gráficos 2, 3 e 4 estão apresentados os resultados dessa relação entre os anos de 2014 e 2019.
Gráfico 2 – Quantitativo de trabalhos alinhados à Busca 1, de acordo com o ano de publicação.
Gráfico 3 – Quantitativo de trabalhos alinhados à Busca 2, de acordo com o ano de publicação.
Gráfico 4 – Trabalhos alinhados em todas as buscas, de acordo com o ano de publicação.
A partir da análise dos gráficos, verificou-se que em relação a Busca 1 houve um decréscimo de publicações ao passar dos anos, sendo que a diminuição mais brusca ocorreu em 2016. Em relação à Busca 2, verificou-se esse decréscimo em 2016 e 2017, mas no ano de 2018 há o mesmo número de publicações que nos anos iniciais da amostra. O Gráfico 4, por sua vez, apresenta uma análise geral das duas buscas realizadas, verificando também um decréscimo mais acentuado nos anos de 2016 e 2017, enquanto no ano de 2018 ocorreu um aumento, que se manteve em 2019.
Com base nos dados, verificou-se que nos anos iniciais houve os maiores números de publicações, até que em 2016 teve um decréscimo que persistiu em 2017. Quanto ao comportamento verificado no ano de 2018, deve ser realizada uma análise mais cautelosa, pois para a Busca 1 os resultados mostraram que a menor quantidade de trabalhos foi nesse ano. Em contrapartida, na Busca 2 verificou-se que em 2018 houve uma recuperação, igualando-se ao quantitativo dos anos iniciais. Já o Gráfico 4 demonstrou que em 2018 tiveram mais publicações que nos anos de 2016 e 2017, mas menos do que os anos iniciais da amostra.
Podemos inferir sobre alguns dos possíveis fatores que contribuíram para a baixa quantidade de trabalhos publicados nos anos de 2016 e 2017. Contudo, é importante ressaltar que o intervalo de tempo analisado não foi tão expressivo para que constatações seguras sejam feitas a respeito desse período com poucas publicações no campo de estudo aqui recortado. Sobretudo porque há questões multifatoriais a serem consideradas, com destaque para o menor investimento em pesquisas verificados no período analisado, relacionado a crise política que o país atravessou, a retração da pós-graduação em algumas áreas, dentre outros. Tudo isso pode refletir progressivamente na diminuição das publicações, sendo este um reflexo de uma pós-graduação afetada pelo contingenciamento de recursos. Assim, os resultados podem ter como uma de suas causas os cortes em Ciência e Tecnologia que o Brasil enfrentou especialmente em 2015, tendo repercussões nos anos seguintes. Portanto, não é possível apontar uma causa única com assertividade, mas diante dos resultados é necessário refletir sobre esse fato e sugerir algumas possibilidades plausíveis que possam justificar essa redução verificada em 2016 e 2017.
De maneira geral, constatamos ainda que a quantidade de publicações que buscam estabelecer uma ponte entre as Neurociências e a Educação poderia ser mais expressiva, considerando a relevância da temática, sobretudo para a formação inicial e continuada de professores na atualidade. Assim, há muito para progredir, sobretudo para alcançar o objetivo de estabelecer o diálogo entre essas duas grandes áreas. Isso porque quando as Neurociências dialogam com a Educação, o professor tem a possibilidade de tomar consciência dos diversos fatores que interferem no ensino e na aprendizagem e, a partir daí, entender que enquanto mediador desse processo, ele pode articular diferentes ações metodológicas. Dessa forma, reconhecemos a importância de as Neurociências fazerem parte da formação dos professores, uma vez que estes precisam ter mais consciência da complexidade que perpassa o processo de ensino e aprendizagem em termos neural, social e cognitivo, para conseguirem expandir suas possibilidades de atuação enquanto educador (ROZAL; SOUZA; SANTOS, 2017).
Ademais, cabe destacar que as neurociências têm demonstrado que os aspectos cognitivos e socioemocionais estão intimamente relacionados, indicando que eles são inerentes ao processo de racionalidade. Atualmente essa contribuição se faz essencial, uma vez que ainda existem muitos ambientes educacionais que insistem em se limitar apenas na relação tradicional de transmissão-recepção de informações desconexas, deixando as questões socioemocionais de lado. Em contrapartida, uma educação holística busca contemplar a totalidade do aluno, de modo a desenvolver todas suas potencialidades humanas, tais como os aspectos: intelectuais, emocionais, sociais, físicos, artísticos, criativos e espirituais (GRANJA; COSTA; REBELO, 2011).
Neste sentido, pode-se entender que o professor apresenta um papel fundamental, em que por meio de estratégias adequadas é possível desenvolver um processo de ensino mais dinâmico e capaz de favorecer o estabelecimento de novas conexões sinápticas (aprendizagem), influenciando o funcionamento cerebral de maneira efetiva e permanente (CONSENZA; GUERRA, 2011; ROZAL; SOUZA; SANTOS, 2017). Com isso, é notória a importância de aproximar cada vez mais as Neurociências da Educação. Para tal, acreditamos ser necessário articular estratégias que busquem consolidar essa relação entre os profissionais envolvidos, buscando: (i) uma maior divulgação sobre essa temática em escolas e universidades; (ii) o aumento de pesquisas na área que validem essa interface e ofereçam maior aplicabilidade para os educadores; e (iii) a inclusão de disciplinas sobre as Neurociências nas matrizes curriculares dos cursos voltados à formação de professores.
Conclusões e possíveis implicações do trabalho para o Ensino de Ciências
De maneira geral, podemos concluir, com os resultados, que, no intervalo de tempo analisado (2014-2019), houve mais publicações em 2014 e 2015, seguida de uma queda nos anos de 2016 e 2017, o que poderia estar associada a diferentes fatores, sendo difícil apontar com a devida assertividade apenas uma justificativa para essa constatação. Inclusive porque avaliamos que esse tipo de conclusão poderia ser equivocada, considerando o pequeno recorte longitudinal da amostra, que contemplou os últimos seis anos. A partir de 2018 verificou-se uma sutil recuperação no quantitativo de publicações, mas nada tão expressivo que apontasse para o crescimento no interesse pela área ou em maiores investimentos na pesquisa.
Nesse sentido, constatou-se que a quantidade de publicações ao longo dos anos poderia ser mais expressiva, apesar de muitos dos trabalhos analisados e discutidos aqui apontarem para o aumento no interesse de investigar as relações estabelecidas entre as Neurociências e a Educação. É importante reconhecer também que de fato esse é um campo de pesquisa amplo e promissor, mas que ainda precisa ser explorado em toda a sua magnitude. Isso poderia trazer contribuições determinantes às práticas formativas nas Escolas e Universidades, ajudando os professores a pensarem nos desafios que perpassam o processo de ensino e aprendizagem como um todo e a sua complexidade.
A partir das discussões trazidas aqui, constatamos que as Neurociências têm o potencial para apresentarem relevantes contribuições à Educação, inclusive para o Ensino de Ciências, foco deste trabalho. Entretanto, o presente estudo se limitou a tentar compreender o panorama das publicações recentes envolvendo essa relação. Verificou-se ainda a necessidade de um maior estímulo a estudos dessa natureza, gerando publicações que tentem estabelecer uma ponte entre essas duas áreas. É importante destacar que existem diferentes possibilidades de as Neurociências dialogarem com a Educação e com o Ensino de Ciências, abrindo a perspectiva para novos estudos que abordam os aspectos socioemocionais, além de questões relacionadas à afetividade e motivação. A área do ensino de Ciências carece de pesquisas abordando tais perspectivas de investigação mais humanísticas, que avaliam a importância de os professores mobilizarem em sala de aula conhecimentos além daqueles relacionados aos conteúdos específicos.
Por fim, o campo de estudo das Neurociências já traz algumas contribuições a respeito das implicações para o processo de ensino e aprendizagem das questões socioemocionais, motivacionais e afetivas, valorizando o respeito, a colaboração, as trocas, a confiança e a empatia em sala de aula. Entretanto, avalia-se que tais aspectos são pouco debatidos e investigados nos ambientes educacionais, sobretudo na formação inicial e continuada dos professores, que ainda prioriza o conhecimento técnico, desenvolvendo práticas baseadas apenas no modelo de transmissão-recepção de informações em sala de aula, sem uma efetiva interação como as múltiplas faces do conhecimento. Entendemos que uma das formas de buscar maior visibilidade e valorização desses aspectos relacionados às Neurociências é com futuras pesquisas educacionais que possam investigar esta problemática, trazendo resultados que permitam aos professores repensarem nos muitos desafios que perpassam o processo educativo como um todo.
Referências
ALMEIDA, Rodrigo da Silva; CRISPIM, Maria Sônia da Silva; SILVA, Dionísio Souza da; PEIXOTO, Sandra Patrícia Lamenha. A teria das inteligências múltiplas de Howard Gardner e suas contribuições para a educação inclusiva: construindo uma educação para todos. Ciências Humanas e Sociais, Alagoas, v. 4, n. 2, p.89-106, novembro. 2017.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Ensino e aprendizagem de Ciências: referenciais teóricos e dados empíricos das sequências de ensino investigativas (SEI). In: LONGHINI, Marcos Daniel (Org.). O uno e o diverso na educação. Uberlândia: EDUFU, 2011, p. 253-266.
CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino por Investigação. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 18, n. 3, p. 765-794. 2018.
CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investigativas. In: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de (Org.). Ensino de Ciências por Investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013, p. 1-20.
CARVALHO, Regina Simplício; CARVALHO, Marcelo Simplício. A linguagem na perspectiva de Jonh Locke: Interseções com a neurociência e uma possível contribuição para o Ensino de Ciências. The Journal of Engineering and Exact Sciences, v. 4, n. 2, p. 202-206. 2018.
COSENZA, Ramon Moreira; GUERRA, Leonor Bezerra. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre (RS): Artmed, 2011.
DEKKER, Sanne; LEE, Nikki C.; HOWARD-JONES, Paul; JOLLES, Jelle. Neuromyths in education: prevalence and predictors of misconceptions among teachers. Frontiers in Psychology, v.3, n. 429. 2012.
FERREIRA, Hercio da Silva; GONÇALVES, Tadeu Oliver; LAMEIRÃO, Soraia Valéria de Oliveira Coelho. Aproximações entre Neurociências e Educação: uma revisão sistemática. Revista Exitus, Santarém (PA), v. 9, n. 3, p. 636-662, jul-set. 2019.
GALVAGNO, Lucas G. Gago; ELGIER, Ángel M. Trazando puentes entre las neurociencias y la educación. Aportes, límites y caminos futuros en el campo educativo. Psicogente, v. 21, n. 40, p. 476-494, Julio-Deciember. 2018.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.
GRANJA, Ana Maria Andeiro; COSTA, Nilza; REBELO, José. A Escola: (também) um espaço de afectos. Revista Lusófona de Educação, v. 18, p. 141-153. 2011.
GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro; LOPES, Aline Moraes, COUTO, Pablo Alves. A neurociência na formação de professores: um estudo da realidade brasileira. Revista da FAEEBA-Educação e contemporaneidade, Salvador (BA), v. 23, n. 41, pag. 27-40, jan-jul. 2014.
GÜNTHER, Hartmut. Pesquisa Qualitativa versus Pesquisa Quantitativa: Esta é a questão? Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 22, n. 2, p. 201-210. 2006.
HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. 17ª ed., Porto Alegre: Mediação, 2018.
KÖCHE, José Carlos. Fundamentos de metodologia científica: Teoria da Ciência e iniciação à Pesquisa. 20ª Edição (revista e atualizada), Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1997.
LUNA, Sergio Vasconcelos. Planejamento de Pesquisa: uma introdução. São Paulo: Educ, 1997.
MARTINS, Gilberto Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. 3ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2016.
NOVAIS, Robson Macedo; FERNANDEZ, Carmen. Dimensão afetiva da docência: a influência das emoções na prática e na formação de professores de Química. Revista Educação Química em Punto de Vista, v. 1, n. 2, p. 82-96, dezembro. 2017.
POZO, Juan Ignacio; CRESPO, Miguel Ángel Gómez. A aprendizagem e o Ensino de Ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5ª Edição. Porto Alegre (RS): Artmed, 2009.
ROZAL, Edilene Farias; SOUZA, Ednilson Sergio Ramalho; SANTOS, Neuma Teixeira. Aprendizagem em matemática, aprendizagem significativa e neurociência na educação dialogando aproximações teóricas. Revista REAMEC, v. 5, n. 1, p. 143-163, julho. 2017.
SANTANA, Ronaldo Santos; CAPECCHI, Maria Cândida Varone de Morais; FRANZOLIN, Fernanda. O ensino de ciências por investigação nos anos iniciais: possibilidades na implementação de atividades investigativas. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 17, n. 3, p. 686-710. 2018.
SASSERON, Lúcia Helena. Alfabetização Científica, Ensino por Investigação e argumentação: Relações entre Ciências da Natureza e Escola. Ensaio, v. 17, n. especial, p. 49-57. 2015.
SEDANO, Luciana; CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Ensino de Ciências por Investigação: Oportunidades de Interação Social e sua importância para a Construção da Autonomia Moral. Alexandria, v. 10, n. 1, p. 199-220. 2017.
SOUSA, Lucilene Bender; GABRIEL, Rosângela. Fundamentos Cognitivos para o ensino da leitura. Signo, v. 34, n. 57, p. 47-63, jul/dez. 2009.
THOMAZ, Estrella Marlene da Silva. Neurociências e seus vínculos com Ensino, aprendizagem e formação docente: percepções de professores e licenciandos da área de ciências da natureza. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2018.
TOMMERDAHL, Jodi. A model for bridging the gap between neuroscience and education. Oxford Review of Education, v. 36, n. 1, p. 97-109. 2010.
ZÔMPERO, Andreia Freitas; LABURÚ, Carlos Eduardo. Atividades Investigativas no Ensino de Ciências: Aspectos históricos e diferentes abordagens. Ensaio, v. 13, n. 3, p. 67-80. 2011.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)
Nota
[1] Optou-se por utilizar Neurociências no plural, considerando a abrangência multidisciplinar dessa área de conhecimento e a busca por estabelecer diálogos com as diferentes áreas científicas, necessitando assim de distintos conhecimentos oriundos da Biologia, Física, Química, Medicina, Psicologia etc. para contemplar um entendimento de toda a sua complexidade. Desta forma, compreende-se aqui que as neurociências buscam, dentre outras possibilidades, entender os processos de tomada de decisões dos diferentes sujeitos e as ações mediacionais nas suas múltiplas abrangências, considerando o cérebro como sendo um órgão complexo que recebe e decodifica estímulos distintos, processados de acordo com as vivências de cada indivíduo. Isso gera impulsos instintivos, que são respostas às diferentes situações nas quais as pessoas são submetidas, permitindo-as agir em conformidade com as demandas sociais, educacionais etc.