Usos das avaliações externas em larga escala em escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas: relações com a Avaliação Institucional Participativa

Uses of the large scale external evaluation in schools of Campinas Municipal Teaching Network: the relation with the Participatory Institutional Evaluation

Luana Ferrarotto

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Bragança Paulista. Bragança Paulista, São Paulo, Brasil.

luanaferrarotto@yahoo.com.br - https://orcid.org/0000-0002-2861-2127

 

Recebido em 02 de julho de 2020

Aprovado em 29 de julho de 2020

Publicado em 04 de novembro de 2021

 

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa que teve por objetivo analisar as repercussões da política de Avaliação Institucional Participativa (AIP) no uso das avaliações externas em larga escala por escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas (RMEC). Quatro escolas, com diferentes cenários de enraizamento da política de AIP, foram acompanhadas e as observações efetuadas seguiram o enfoque descritivo-analítico. Houve, ainda, a análise dos Projetos Pedagógicos (PP) e a realização de entrevistas semiestruturadas com os Orientadores Pedagógicos e professores dos anos escolares avaliados pela Provinha Brasil e pela Prova Brasil. Tais entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo. Desse modo, as análises desenvolvidas consideraram as informações presentes no PP, os tempos e espaços destinados para a discussão das avaliações externas e as práticas pedagógicas de cada instituição. Articulando os diversos dados, percebe-se que mesmo na escola com processos mais potencializados de AIP, as avaliações externas em larga escala direcionaram algumas das práticas realizadas, sinalizando que o uso crítico e propositivo dessas avaliações ainda é uma aprendizagem a ser desenvolvida.

Palavras-chave: avaliação externa em larga escala; avaliação institucional participativa; projeto pedagógico.

 

ABSTRACT

This article presents a research that aimed to analyze the repercussions of Participative Institutional Assessment (AIP) policies in the use of large scale external evaluation by schools of the Municipal Education Network of Campinas (RMEC). Four schools with different rooting scenarios of AIP policies were followed, and the observations had a descriptive-analytical focus. There was also an analysis of the Pedagogical Projects (PP) and semi-structured interviews with Pedagogical Advisors and teachers from grades evaluated by Provinha Brasil and Prova Brasil. These interviews were submitted to a content analysis. This way, the developed analysis considered the information on PP, the times and spaces destined to discuss external evaluations and the pedagogical practices of each institution. Articulating these diverse data, it can be noticed that even in schools with the most empowered AIP process, the large scale external evaluation directs some of the practises, signalizing that the critical and purposeful use of those valuations still is a learning to be developed.

Keywords: Large scale external evaluation; participatory institutional evaluation; pedagogical project.

Introdução

As avaliações externas em larga escala[1] se consolidaram no cotidiano das diferentes redes de ensino. Elas são o fio condutor de grande parte das políticas em curso, utilizadas, portanto, como ferramenta na implementação das reformas educacionais (DIAS SOBRINHO, 2010). Reformas que, muitas vezes, não decorrem de necessidades localmente percebidas. Ao contrário, estão conectadas à lógica da composição de uma agenda global para a educação (DALE, 2004). Nessa esteira, está o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sobretudo a partir da criação da Prova Brasil e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que trazem em seu cerne as propostas da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Conforme explica Pereira (2016, p. 189),    

 

[...] por meio do Pisa, a OCDE busca adaptar os sistemas educacionais dos países, a fim de que estes possam atender às demandas oriundas do processo de reestruturação produtiva do capital consignadas na lógica das competências e habilidades. Para isso, induz a determinado tipo de gestão dos sistemas educativos, ancorado em metodologias de verificação/avaliação externa em larga escala que têm como objetivo a aferição dos resultados almejados pelo Mercado. 

 

Muitos estudos têm demonstrado como as avaliações externas podem induzir a organização do trabalho pedagógico. Entre os seus achados, estão o ensino centralizado nos conteúdos das matrizes das avaliações externas e o treino para os testes padronizados (RAVITCH, 2013; MENEGÃO, 2016), práticas que não potencializam o processo de formação ampliada e humana dos estudantes[2]. Tais ações ocorrem em um cenário de políticas avaliativas que atribuem à instituição escolar e ao professor a responsabilidade pela medida final de desempenho dos estudantes (TURNIPSEED; DARLING-HAMMOND, 2015).

Nessa lógica, com frequência os resultados obtidos nos testes padronizados são tomados como expressão única do trabalho desenvolvido pela escola, sem que outras variáveis sejam chamadas a compor o conjunto de informações que, associadas, podem contribuir para o entendimento da realidade educacional. Por essa via, processos de responsabilização se constituem, em um sentido vertical, atingindo os atores escolares (FREITAS, 2013).

Para Cabrito (2009, p. 197), comparar a qualidade das escolas sem considerar fatores contextuais “revela má-fé do avaliador e serve para, no mínimo, reproduzir as diferenças e as assimetrias entre governantes e governados, entre ricos e pobres, entre burgueses e operários, de forma intencional”. Nessa direção, Shiroma e Evangelista (2011) enfatizam que ao serem tomados isoladamente, os resultados são apresentados como fetiche. A falta de discussão sobre as condições objetivas das escolas encobre sua materialidade, “produzindo sobre ela[s] informações ‘científicas’, por métodos ‘científicos’ que, envoltos em números, parecem corresponder à objetividade e explicá-la” (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p. 144, grifos dos autores).

Diante dos efeitos descritos sobre os usos das avaliações externas em larga escala, vale refletir: As avaliações externas devem ser ignoradas? Há uma saída alternativa para a utilização dos seus resultados que caminhe na contramão da responsabilização verticalizada[3]?

Assim como Sordi e Ludke (2009), entendemos que a saída não está na negação das avaliações externas e de seus resultados. As autoras defendem uma reação politicamente consequente, o que implica “buscar as evidências que sustentam as informações do relatório e assumir a titularidade de discuti-las à luz da realidade local, de forma contextual e histórica” (SORDI; LUDKE, 2009, p. 326).

Para tanto, diversos indicadores devem ser observados, compreendendo a escola em sua multidimensionalidade, de modo a construir/aprimorar a qualidade social da instituição. Silva (2009) destaca a necessidade de abarcar tanto os fatores socioeconômicos e socioculturais da comunidade, o financiamento público adequado e o compromisso dos gestores centrais com as condições de trabalho dos educadores, como os elementos que competem às escolas, por exemplo, a organização do trabalho pedagógico e as práticas efetuadas. E, nesse processo de construção de um olhar multidimensional para escola, os resultados das avaliações externas devem ser um material privado e de consulta dos segmentos que compõem a comunidade escolar, com possibilidade de análise compartilhada com o poder público sem, contudo, conduzir a iniciativas de julgamento de instituições e seus professores (RAVITCH, 2013).

Ao compartilharmos dessa perspectiva, advogamos um olhar amplo para a escola que contemple sua complexidade e os fatores internos e externos que nela incidem, anunciados pela voz dos que nela vivem (gestores, professores, estudantes, funcionários, familiares), em um movimento de avaliação institucional. Assim como Betini (2009, p. 56), entendemos a avaliação institucional como um “momento em que a escola olha para si mesma, projeta, implementa e repensa as suas ações, mudando ou não, de percurso”. As avaliações externas, por sua vez, integram e se articulam aos processos de avaliação institucional.  

 

A avaliação institucional permite, pois, ao coletivo das escolas e aos gestores do nível central que se beneficiem completamente dos dados da avaliação para construírem um sistema de monitoramento dos problemas que se propõem equacionar numa linha de tempo e no âmbito de suas competências. Isso contribui para que as prioridades possam ser revistas e reposicionadas a partir das demandas do Projeto Político Pedagógico e também permite o controle social sobre as decisões que afetam políticas públicas tão importantes quanto as da educação (FREITAS et al., 2009, p. 38). 

 

Na avaliação institucional, nota-se que a referência é o Projeto Político Pedagógico (PPP) por trazer a história da escola, com suas fortalezas e vulnerabilidades, bem como os seus objetivos que são o ponto de partida do processo avaliativo. O ciclo se fecha no retorno ao PPP para que novos pactos ocorram, com a “implicação de todos os atores, inclusive dos governantes, com aquilo que lhes compete assegurar para que a qualidade educacional ultrapasse a dimensão discursiva e se construa levando em conta as condições objetivas intra e extraescolar” (SORDI, 2017, p. 94).

Na intenção de promover e potencializar os processos de avaliação institucional, a Rede Municipal de Ensino de Campinas (RMEC), em 2008, deu início à implementação da política de Avaliação Institucional Participativa (AIP) (RESOLUÇÃO No 05/2008)[4]. Para tanto, cada escola conta com uma Comissão Própria de Avaliação (CPA), constituída por representantes dos diferentes segmentos da comunidade escolar, que se reúne periodicamente para organizar os dados existentes na escola e criar condições para que seus membros discutam sobre eles, a fim de esclarecer aspectos acerca da realidade escolar e negociar encaminhamentos[5].

Em 2018[6], finalizamos uma pesquisa, desenvolvida na referida rede de ensino, cujo objetivo foi descrever e analisar as percepções e os usos dos resultados das avaliações externas em larga escala em escolas da RMEC e compreender suas relações com a política de AIP. Dito de outro modo, considerando que a RMEC possui como política pública a Avaliação Institucional Participativa, buscamos identificar como a existência de tal política repercute nos usos das avaliações externas em larga escala, de modo a possibilitar (ou não) usos diferenciados daqueles já anunciados pela literatura da área.

 Descrição do percurso da pesquisa

Para contemplar o objetivo anteriormente anunciado, ou seja, analisar as possíveis repercussões da política de AIP no uso das avaliações externas em larga escala em escolas da RMEC, optamos por acompanhar quatro escolas com diferentes cenários de enraizamento da Avaliação Institucional Participativa. Essa decisão metodológica foi tomada uma vez que tínhamos como hipótese que em escolas com processos mais potencializados de AIP, diferentemente das demais, poderíamos encontrar um olhar mais alargado para as avaliações externas. Explicando melhor, acreditávamos que nessas escolas o uso dos dados das avaliações externas em larga escala seria divergente daquele já anunciado por outros estudos, cujo enfoque está nos componentes curriculares que compõem as matrizes dessas avaliações e o treino para os testes padronizados. 

Para selecionar escolas com diferentes cenários de enraizamento da AIP, consideramos as indicações feitas em entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, 1987) realizada com os membros da Assessoria de Avaliação Institucional Participativa bem como os dados obtidos na análise dos materiais produzidos pelas escolas da RMEC para a Reunião de Negociação de 2014[7]. Vale dizer que a Assessoria de AIP estava vinculada à Secretaria Municipal de Educação e além de auxiliar na implementação da política de Avaliação Institucional Participativa, coordenava a aplicação das avaliações externas e a socialização de seus resultados. Esses membros possuíam cargos efetivos na RMEC e integraram a Assessoria de AIP entre os anos de 2008 a 2014. O Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento (TCLE) foi assinado pelos quatro membros entrevistados.

Nas escolas selecionadas, acompanhamos os tempos e espaços coletivos de trabalho (Comissão Própria de Avaliação - CPA, Trabalho Docente Coletivo - TDC, Reunião de Planejamento e Avaliação Institucional - RPAI[8], Conselho de Classe), realizamos a leitura do Projeto Pedagógico (PP)[9] e das atas das reuniões de CPA, TDC, RPAI. As observações, a partir do enfoque descritivo-analítico (GIL, 2008), foram registradas em diário de campo; já as informações obtidas com a leitura dos documentos foram descritas e condensadas para facilitar consultas posteriores.

Recorremos, ainda, à entrevista semiestruturada, partindo de “questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses” (TRIVIÑOS, 1987, p. 127), para obter informações junto aos Orientadores Pedagógicos (OP) e professores. Os OPs foram entrevistados por serem os articuladores da CPA, conforme a Resolução 05/2008. Quanto aos docentes, optamos por entrevistar aqueles responsáveis pelos anos escolares avaliados pela Provinha Brasil e pela Prova Brasil. Quando a escola possuía mais de uma turma de 2º, 5º ou 9º ano, entrevistamos o docente com mais anos de trabalho na instituição por entendermos que este poderia trazer maiores elementos sobre o contexto da instituição. Todos os entrevistados concordaram em participar da pesquisa e assinaram o TCLE. Essas entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo que consiste no emprego de “procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 1977, p. 38).

Ao acompanharmos as escolas por, aproximadamente, dez meses estivemos atentos aos processos de avaliação institucional desenvolvidos em cada instituição, considerando, para tanto, elementos que, dentro das discussões da área, aparecem como pilares da AIP, a saber: composição da CPA e o calendário de suas reuniões; a existência do OP como articulador da CPA; histórico da AIP na escola; a presença de assuntos pedagógicos na pauta de trabalho da CPA; relação dos problemas listados com a aprendizagem dos alunos; levantamento de demandas à SME e à escola; cultura de avaliação centrada na participação dos atores escolares. Tais elementos estão entre aqueles observados em pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Observações e Estudos Descritos (Loed), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2013[10].

Assim, caracterizamos as escolas selecionadas da seguinte forma:

·         Escola Sueli Carneiro e Escola Nísia Floresta Augusta[11] – processos frágeis de AIP – pouca representatividade/participação dos diferentes segmentos, reuniões que não eram regulares ou sem um tempo e espaço específico para a CPA, debates esporádicos acerca de questões pedagógicas e sobre as demandas internas e externas à escola para o compartilhamento das responsabilidades;

·         Escola Maria Firmina dos Reis – processo transitório de AIP – movimento de revitalização da CPA, com o chamamento dos diferentes segmentos para sua composição e construção de um calendário regular das reuniões que, em alguns momentos, abarcavam questões pedagógicas e levantavam demandas internas e externas à instituição;

·         Escola Maria Amélia de Queiroz – com processo potencializado de AIP – encontros quinzenais que, em sua maioria, contaram com representação e participação dos diversos segmentos da comunidade escolar na discussão sobre múltiplos assuntos, incluindo projetos e ações desenvolvidas pela escola, além de levantamento de demandas internas e externas à instituição.    

A AIP na RMEC: repercussões nos usos das avaliações externas em larga escala?

Considerando que os Projetos Pedagógicos (PP) são referência para os processos de avaliação institucional, observamos como cada escola realizava a análise das avaliações externas em seus PPs. Procuramos identificar, ainda, quais tempos e espaços eram destinados para a discussão das avaliações externas, esperando que, para além dos TDCs – reunião semanal que conta apenas com a presença de professores e gestores – esse tema fosse abordado de forma ampla, com todos os segmentos da comunidade escolar, de modo a potencializar as análises. Outro aspecto que consideramos foi a utilização das avaliações externas pelos docentes, a fim de compreender como tais avaliações podem influenciar (ou não) suas práticas pedagógicas.  

Quanto aos PPs, nas duas escolas cujas CPAs se encontravam em um momento em que seus processos de avaliação institucional estavam fragilizados, as avaliações externas em larga escala foram associadas ao trabalho pedagógico desenvolvido pela instituição, sem articulação com os demais fatores que ecoam sobre o contexto escolar e/ou que são de responsabilidade de outras instâncias da rede municipal (poder público). Assim, as análises realizadas voltaram-se para o interior da escola, de modo a conceber os resultados obtidos como responsabilidade exclusiva da instituição e de seus docentes (FREITAS, 2013; TURNIPSEED; DARLING-HAMMOND, 2015).

Nessa direção, o PP da Escola Sueli Carneiro apresenta o Ideb e a Provinha Brasil e após constatar avanços nos resultados, ressalta que a equipe decidiu dar continuidade ao trabalho desenvolvido, cujo eixo é a leitura, escrita e o raciocínio lógico-matemático (PP da Escola Sueli Carneiro, 2015). Destaca, ainda, que “os resultados das avaliações externas atuam como um instrumento complementar que vem auxiliar no replanejamento das ações pedagógicas” (PP da Escola Sueli Carneiro, 2015, p. 1). Também no PP, encontramos que as avaliações externas demonstram como a “escola está situada com as demais e o que precisamos trabalhar com os nossos alunos” (PP da Escola Sueli Carneiro, 2015, p. 2), o que nos leva a inferir sobre a existência de um olhar comparativo, a partir dos resultados obtidos nas avaliações externas.

No PP da Escola Nísia Floresta Augusta, há rápida menção à Provinha Brasil, sem apresentação de seus resultados e das demais avaliações externas em larga escala. Os dados da Provinha Brasil são apontados como “importantes para análise, reflexão e possível replanejamento das ações a serem desenvolvidas dentro da sala de aula [...]” (PP da Escola Nísia Floresta Augusta, 2015, p. 4). Na sequência, há uma cópia da ata do TDC de 6 de abril de 2014 que registra a discussão sobre práticas que repercutem no desempenho dos estudantes, a saber: práticas de leitura; trabalho integrado entre docente; apoio da direção; formação em serviço; atendimento aos alunos com dificuldade; acompanhamento das turmas pelo mesmo professor; envolvimento da comunidade escolar; Programa Mais Educação (PP da Escola Nísia Floresta Augusta, 2015).

No quadro com os problemas identificados, consta a necessidade de diminuir os índices de evasão e retenção, a partir do “levantamento e análise dos dados das avaliações internas e externas em TDCs e RPAIs” (PP Escola Nísia Floresta Augusta, 2015, p. 1). O PP também menciona que Carga Horária Pedagógica (CHP)[12] deve priorizar “as áreas de Português e de Matemática” (PP da Escola Nísia Floresta Augusta, 2015, p. 1), componentes curriculares que, como sabemos, constituem a matriz das avaliações externas.

Já no PP da Escola Maria Firmina dos Reis, que estava em um processo de revitalização de sua CPA, encontramos uma análise um pouco mais circunstanciada das avaliações externas em larga escala. São apresentados os resultados da Provinha Brasil e o Ideb, ressaltando que é necessário “contextualizar os dados e recuperar o que vem sendo trabalhado nos últimos anos para compreender o que significam estes números, quem são os seres humanos que estão por trás de cada um destes índices e o que eles representam” (PP da Escola Maria Firmina dos Rei, 2015, p. 1). Nesse sentido, algumas dificuldades são elencadas: equipe gestora incompleta em anos anteriores; falta de funcionários; quantidade de estudantes por turma; desmotivação e indisciplina dos alunos (PP da Escola Maria Firmina dos Reis, 2015).

No entanto, apesar de identificar aspectos de responsabilidade das outras instâncias da SME (como a contratação de funcionários) que precisam ser considerados na análise desses dados, ainda há associação entre qualidade do ensino e avaliação externa, com realce para os componentes curriculares que as constituem e um olhar direcionado para seus instrumentos. Assim, a melhoria dos resultados aparece entre as metas da escola, com as ações e os responsáveis por sua realização, como, por exemplo, estudo dos descritores e das habilidades da Prova Brasil, Provinha Brasil e ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização) nos momentos de TDC e, ainda, a discussão dos resultados com a CPA. Outra meta citada é a elevação dos níveis de aprendizagem, especialmente em Português e Matemática (PP Escola Maria Firmina dos Reis, 2015).

Encontramos uma análise mais ampla das avaliações externas justamente no PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, com processos potencializados de AIP. Sobre os resultados dos anos iniciais do ensino fundamental, o PP menciona que há superlotação das turmas de primeiro ano, pouco espaço para o desenvolvimento de atividades extraclasse, além de salas de aula com problemas estruturais, contudo, segundo a análise presente no PP, a coesão e competência do corpo docente ajuda a explicar o crescimento nos índices. Em relação aos anos finais, há destaque para a falta de professores de Língua Portuguesa no ano de 2011, fato considerado na reflexão sobre a queda nos resultados obtidos.

Diferentemente, em 2013, houve melhoria nos índices, ano em que escola já contava com um projeto para auxiliar nos exames seletivos das escolas técnicas de Campinas “o que, sem dúvida, também colaborou para a preparação dos alunos para a realização da Prova Brasil” (PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, 2015, p. 101). Também sobre as avaliações externas em larga escala, o Projeto Pedagógico da Escola Maria Amélia de Queiroz ressalta que os “alunos e alunas vivenciam experiências e aprendem muitas coisas das quais nem todas podem ser avaliadas e medidas em provas e testes” (PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, 2015, p. 103). Há, ainda, uma reflexão sobre qualidade da educação e a importância do compartilhamento de responsabilidades, um dos pilares da AIP (SORDI, 2017).

 

Comparar? Medir? Criar um ranking? Mas é isso mesmo que queremos? [...] não é isso que queremos e não é esse significado que damos aos resultados que vem de fora. [...] acreditamos e nos propomos a trabalhar por uma educação de qualidade. Mas não é a qualidade de mercado, a qualidade do capitalismo, da venda. Pensamos e trabalhamos numa outra direção. Em direção de uma qualidade social. [...] Por uma qualidade que depende de muitas mãos, de muitos fatores e de muitos atores. [...] Neste sentido, existem muitas situações possíveis. Uma delas é sentar, chorar e atribuir a culpa às outras instâncias superiores. Outra - e esta é a nossa opção - é analisar a situação, planejar - na perspectiva da Avaliação Institucional Participativa - e distribuir as responsabilidades em relação às demandas, agindo quando o que se tem a fazer é de incumbência da escola e indo pra cima (no sentido da cobrança, do acompanhamento e de demandar a quem é de direito) quando a responsabilidade é de outro órgão que interfere diretamente em nosso cotidiano (PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, 2015, p. 100).

           

No entanto, paradoxalmente a reflexão sobre qualidade e AIP, encontramos uma referência à busca pelos resultados de outras escolas e redes de ensino, indicando uma possível comparação entre os índices obtidos nas avaliações externas pelas diferentes instituições. No PP há, ainda, a descrição de uma prova com questões de múltipla escolha, que contempla todos os componentes curriculares, destinada às turmas de 6º ano ao 9º ano. Os objetivos dessa avaliação são: construir um indicador interno para um processo de autoavaliação longitudinal (PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, 2015) e “ensinar a responder questões de múltipla escolha, avaliar questões aprendidas ao longo do semestre e nos certificarmos sobre a compreensão e a produção de textos a partir de temas combinados pelo coletivo” (PP da Escola Maria Amélia de Queiroz, 2015, p. 116).

Assim, percebemos que conforme as escolas se apropriam dos processos de avaliação institucional passam a considerar, na análise dos resultados das avaliações externas apresentada em seus PPs, fatores que não se limitam ao trabalho desenvolvido em sala de aula pelos docentes, entretanto, ainda observamos o registro de ações que, assim como já sinalizado por outros estudos, demonstram certo alinhamento com as avaliações externas em larga escala, como o estudo das matrizes e seus descritores e/ou a realização de atividades de múltipla escolha.

Quanto aos tempos e espaços de discussão coletiva sobre as avaliações externas, como já mencionamos, nas duas escolas em que os processos de avaliação institucional estavam fragilizados, os resultados das avaliações externas foram concebidos como responsabilidade exclusiva da instituição. Por conseguinte, a discussão acerca das avaliações e seus resultados se restringe a docentes e a gestão escolar, não estando entre os temas amplamente debatidos com a CPA. Nos PPs, os TDCs foram apontados como tempo e espaço para a discussão desses dados. Em entrevista, docentes e Orientadores Pedagógicos dessas escolas também mencionaram as reuniões de TDC para a análise das avaliações externas.

 

[...]geralmente, a gente trabalha todos os resultados no TD [TDC], né? E, às vezes, a gente trabalha na minha sala, eu e as meninas que aplicaram a prova, naquele ano. E, no começo do ano, logo no comecinho, a gente fala dos resultados como foram e do que a gente precisa fazer este ano para que o desempenho dos nossos alunos melhore, entendeu? (OP, Escola Sueli Carneiro).

 

Sim, é mais em TD porque é bem mais específico, né? [...] Então, a gente conversa mais em TD ou chama-se o professor e conversa [...] Então, diante disso, a gente faz um levantamento do que foi acertado, do que eles tiveram mais dificuldade e tenta fazer uma adequação. Essa adequação, geralmente, ela é passada pela Orientação Pedagógica, pela OP da escola ‘olha, teve um percentual melhor ou maior ou menor, nesse quesito, nesse enunciado’, né? (Prof. 5º ano, Escola Sueli Carneiro).

 

Então, a gente tem que passar nesse TDC. [...] Nesse momento, então, tem discussões... tem aquele professor que é contra, tem aquele um que é a favor, né? Mas a gente tenta passar sim os resultados (Prof. 2º ano, Escola Nísia Floresta Augusta).

 

Às vezes, chega algum relatório que é discutido em TD, mas geralmente esses relatórios aparecem no ano seguinte, relativo aos anos anteriores (Prof. de 9º ano, Escola Nísia Floresta Augusta).

 

Vale dizer que a CPA foi mencionada como tempo e espaço para discussão das avaliações externas por uma das OPs da Escola Nísia Floresta Augusta. No entanto, em 2015, as reuniões da CPA ocorrem concomitante ao TDC. Assim, os docentes eram a maioria representada e com eles estava o protagonismo na fala e nas análises.

Nos PPs das escolas Maria Firmina dos Reis e Maria Amélia de Queiroz, a CPA também foi citada como momento para discussão das avaliações externas. No entanto, a partir das falas dos entrevistados, notamos que essas discussões são pontuais, focalizadas nos resultados e/ou instrumentos, com pouca articulação com os dados das avaliações desenvolvidas pelos professores em sala de aula e com aspectos relacionados à realidade institucional.  

 

Pesquisadora: Então o tempo e o espaço que vocês mais usam para ver essas provas, esses resultados, é o TDC? Entrevistada: É o TDC. Este ano, eu acho que nós vamos conseguir... tem as reuniões de CPA também, tá? Essa discussão tem sido trazida para as reuniões de CPA também [...] (OP, Escola Maria Firmina dos Reis).

 

[...] a gente, inclusive, apresentou na CPA os resultados para as famílias [...] Dentro da sala, quantas crianças acertaram essa questão, levei, né? Fiz uma apresentação, levei, tirei a foto da questão, mostrei qual era a habilidade e quantas crianças acertaram ou erraram, né? [...] E, aí, trabalhei um pouco com as famílias, apesar que vieram muito poucas famílias, foi sobre a questão da leitura que tinha sido, na época, a questão que eles tinham mais dificuldade. Foi a última questão, né? Trabalhar leitura em casa, trabalhar leitura por compreensão e tal, a gente deu uma conversada com as famílias. [...] interessaram no resultado. ‘Quanto meu filho fez?’; ‘quanto meu filho acertou?’, né? A gente até divulgou para quem veio à reunião, aí foi divulgado individualmente no papelzinho quanto o filho acertou. [...] Aí, no dia seguinte, o pessoal começou a ligar que não tinha vindo que queria saber o resultado (Prof. 2º ano, Escola Maria Firmina dos Reis). 

 

Pesquisadora: E na CPA, como que vocês abordaram isso?  Entrevistada: De mostrar os dados, mostrei a prova porque as pessoas tinham curiosidade, né? [...] Eu trouxe a prova [Provinha Brasil], as pessoas viram, aí a gente trouxe os dados mesmo, da quantidade de acertos e tal. Mesmo os dados do Ideb, a gente mostra também. [...] Da última vez, o último resultado eu acho que a gente olhou em TDC também, comentou um pouco (OP1, Escola Maria Amélia de Queiroz).

 

Em entrevista, professores e OPs da Escola Maria Amélia de Queiroz, com processos potencializados de avaliação institucional, destacaram que a instituição raramente discute as avaliações externas. No período em que acompanhamos a escola, observamos que as avaliações externas foram mencionadas, apenas, em um dos encontros da CPA, quando ocorreu a discussão sobre as metas do Plano Municipal de Educação. Ao contemplar a sétima meta (qualidade da educação básica/Ideb), a OP rapidamente explicou que o Ideb mostra o desempenho e o fluxo dos estudantes e que a escola vem trabalhando para melhorar a qualidade. Não ocorreu a divulgação dos índices da instituição aos membros da CPA.

 

[...] a gente não trabalha tudo que poderia ser trabalhado, isso não mesmo. É uma falha. [...] A gente até já olhou um pouquinho na CPA, mas dizer que a gente se debruça e trabalha com afinco, mentira [...] acabo olhando quando é um movimento. Por exemplo, quando saiu o último resultado, a rede inteira parou para olhar. Aí, eu também acabei olhando. Até porque no assessoramento a gente chegou a olhar, nem lembro agora. Aí você acaba olhando também porque está todo mundo falando naquilo, senão eu acabaria esquecendo completamente. [...] Acho que lá [orientações para Reunião de Negociação], numa das questões estava ‘falar sobre o Ideb’ e nesse momento, com certeza, eu trabalhei aqui. (OP1, Escola Maria Amélia de Queiroz).

 

É, eu acho que eles [gestão da escola] nunca chamaram a gente para discutir, para conversar, para fazer uma formação ‘ah, vamos conversar com os professores do 2º ano’, nunca aconteceu isso (Prof. 2º ano, Escola Maria Amélia de Queiroz). 

 

[...] eu não vejo elas [avaliações externas] com muito valor aqui na escola, eu não vejo elas muito utilizadas. Não é o que a gente se debruça sobre elas. [...] Então, são conhecimentos que a gente tem que são muito soltos, né? Quando você para para ler alguma coisa. Então, não é algo muito organizado dentro da escola que eu trabalho. [...] Pesquisadora: Nem quando sai o resultado, por exemplo, do Ideb? Entrevistada: Não, não. Na escola não é discutido o resultado dela (Prof. 5º ano, Escola Maria Amélia de Queiroz).

 

A ausência de discussões coletivas sobre as avaliações externas em larga escala, por sua vez, não impediu que essas avaliações influenciassem as práticas pedagógicas dos docentes da Escola Maria Amélia de Queiroz. Embora com menor intensidade em relação às demais escolas, observamos que os docentes recorrem às avaliações externas quando planejam algumas de suas atividades. Nessa direção, um dos OPs citou o acordo existente na escola para a realização de algumas atividades de múltipla escolha para os estudantes vivenciem instrumentos com esse formato.  

 

Eu uso a Provinha Brasil para eu conhecer os meus alunos porque, assim, como vem o material com letras de forma maiúsculas que a gente já está acostumado a trabalhar, então, assim, é uma estética de um material que vem bem preparado. [...] um pouco a gente acaba ‘ah, tinha tal questão, foi legal, vamos colocar’, mas não que seja um trabalho, assim, baseado ‘vou fazer uma avaliação tipo Provinha Brasil’. (Prof. 2º ano, Escola Maria Amélia de Queiroz).

Já utilizei assim, algumas avaliações externas como atividades que eu achei que eram importantes, que agregavam uma outra forma de apresentar um determinado conteúdo [...] Eu uso mais o Saresp, na verdade. Saresp eu já usei várias vezes. [...] Eu gosto da forma de como ele é estruturado. Eu acho que ele liga um assunto ao outro, que ele é bem completo. [...] o nível de complexidade vai crescendo ao longo da prova. [...] Pesquisadora: Mas não seria uma preparação para quando essas avaliações externas que serão aplicadas? Entrevistada: Não, não. Mesmo porque o Saresp nem é aplicado aqui. É mais como questão metodológica mesmo, que eu acho que a questão é legal, é bem feita, aí eu aproveito algumas. (Prof. 5º ano, Escola Maria Amélia de Queiroz).

 

E, na verdade, num determinado momento, a gente meio que combinou até isso ‘vamos fazer?’ Porque tem aluno que nunca experimentou isso e que é um conhecimento importante também, você poder tomar sua decisão diante de várias respostas, né? [...] Tanto de aprender a trabalhar mesmo com múltipla-escolha porque precisa, né? Eu não consigo garantir que todos os professores trabalhem com isso (OP1, Maria Amélia de Queiroz).

 

Como já apresentado, o PP da Escola Maria Amélia de Queiroz menciona a existência de uma prova de múltipla escolha, contemplando todos os componentes curriculares, para os estudantes de 6º ao 9º ano. Um “provão” semelhante acontece em mais duas escolas: Escola Nísia Floresta Augusta[13] e Escola Maria Firmina dos Reis. Além do “provão”, outras práticas pedagógicas foram relatadas pelos entrevistados. A partir dos relatos e considerando os momentos em que acompanhamos as escolas, essas práticas caminham na direção da valorização das avaliações externas (sua estética, o modo como as questões são elaboradas e seus descritores) e/ou demonstram certa preocupação com seu instrumento, mais especificamente com as questões de múltipla escolha, como podemos observar nas falas a seguir:

 

[...] ele ilustra muito bem, os descritores, cada momento que a criança está e o que eu tenho que fazer para estar articulando melhor esse aprendizado [...] O que agora me fez ficar mais preocupada de uns anos para cá, [...] foi exatamente isso que como a Provinha Brasil ela é objetiva, eu acabei inserindo no meu planejamento algumas atividades para criança até tomar contato com isso. [...] agora eu estou inserindo algumas coisas objetivas porque, às vezes, chega a Provinha e eles começam a fazer x em tudo quanto é quadradinho. (Prof. 2º ano, Escola Sueli Carneiro).

 

Porque, muitas vezes, a criança não entende um enunciado, não consegue fazer uma atividade, uma questão, em função do enunciado, né? [...] o conteúdo, às vezes, ela sabe, mas a forma do enunciado, muitas vezes a criança sente dificuldade. [...] Então, o que que a gente faz? A gente busca avaliações anteriores e tal. O padrão quase que se repete na cobrança e a gente trabalha esses conteúdos. (Prof. 5º ano, Escola Sueli Carneiro).

 

Realmente há uma preparação das crianças para essa prova. [...] é essa, vamos dizer, revisão das questões com os alunos e antes da prova, a gente aplica uma espécie de prova mesmo, né? [...] Então, assim, às vezes, o aluno não vai bem porque não sabe ler essas questões de prova. Então, acaba que você foca muito em como ler uma prova [...] Eu tenho conversado com elas isso, para gente continuar fazendo isso de pegar as questões antes, né? (OP1, Escola Nísia Floresta Augusta).

[...] mas para que a gente faça a adequação seria só no sentido mesmo de formar... não é formar, no sentido de... do aluno decorar aquilo, não um conhecimento ampliado porque como são provas objetivas, então não precisa ter um conhecimento ampliado da coisa, né? Então, aí a gente teria que trabalhar exclusivamente em cima daquilo e fazendo, tipo assim, vamos ver a do ano passado, a do ano retrasado e reforçando, reforçando, reforçando... Pesquisadora: E isso vocês fazem? Entrevistada: Fazemos. Pesquisadora: Traz a prova dos outros anos? Entrevistada: E fazemos novamente. [...] só que nesse momento, a gente teve uma certa dificuldade de colocar para o aluno porque o aluno deste ano não é o aluno do ano passado que fez a prova, entendeu? Porque se fosse o aluno do ano passado, por exemplo, o mesmo aluno que fez, o mesmo aluno que errou, a gente conseguiria trabalhar ‘olha você’... ele mesmo, né? Se autoavaliava ‘eu errei aqui’. Ele iria perceber, mas são outros alunos, então a gente vai treinar, na verdade, o outro, é um treino, né? (OP2, Escola Nísia Floresta Augusta).

 

[...] toda vez que eu dou uma prova, uma avaliação, pelo menos uma questão é [de múltipla escolha], mas uma. [...] Uma, porque eu acho que eles têm que vivenciar isso, mas eu não acho que uma questão de múltipla escolha mostra tudo que eles sabem. [...] Então, logo após a aplicação do teste 1, a gente... eu dediquei uma semana, quase duas, né? Todos dias eu trazia uma questão que eles tiveram dificuldade, pedi que eles falassem o que eles sentiram, o que eles acharam, qual foi a dificuldade maior deles e tal. Então, por umas duas semanas, assim, a gente trabalhou. (Prof. 2º ano, Escola Maria Firmina dos Reis).

 

Pesquisadora: Então você acha que as avaliações internas precisam estar um pouquinho mais ajustadas às externas? Entrevistada: Eu acho que sim. Ou ao contrário, depende do que a gente vai fazer essa análise, esse estudo, né? Eu acho que as questões das avaliações externas são muito bem elaboradas, elas exigem mais o raciocínio lógico e eu não sei se na sala de aula isso vem dessa forma ou se vem de uma forma mais bitolada, acho que a gente tem que discutir muito essas questões ainda. (OP, Escola Maria Firmina dos Reis).

 

A partir das falas acima, notamos, assim como Menegão (2016), o caráter fortemente indutor das avaliações externas em larga escala. Dito de outro modo, os testes de múltipla-escolha induzem a realização de atividades nesse formato e acabam por criar tradições ao dirigir o olhar dos docentes e gestores escolares (FREITAS et al., 2012). Na visão de alguns entrevistados, os estudantes sabem o conteúdo, mas encontram dificuldades com as questões de múltipla escolha. Percebemos, ainda, que para alguns entrevistados as avaliações externas são tomadas como superiores àquelas que poderiam ser construídas pelo próprio corpo docente e, por sua vez, livres de erros/problemas em sua elaboração.

Vale ressaltar, todavia, que apesar das práticas descritas, observamos, nas quatro escolas, uma variedade de atividades, bem como de instrumentos utilizados nos momentos de avaliação. Conforme doze entrevistados mencionaram[14], ocorre uma mescla nas atividades e avaliações, com propostas diversificadas intercaladas à aplicação de questões de múltipla escolha. Foram relatados trabalhos coletivos, cruzadinhas, confecção de jornal, análise de imagens, dentre outros. Desse modo, embora haja maior influência das avaliações externas em algumas escolas (Escola Sueli Carneiro, Escola Nísia Floresta Augusta e Escola Maria Firmina dos Reis) do que em outras (Escola Maria Amélia de Queiroz), isso não significa que as práticas pedagógicas dessas instituições se limitem aos testes padronizados e suas matrizes.

Parece-nos, assim, que por não conseguirem ser indiferentes aos resultados (MENEGÃO, 2016), os docentes alinham-se às avaliações externas em larga escala e, ao mesmo tempo, buscam outras vias para que seus propósitos formativos sejam alcançados. É como se o professor estivesse diante de uma bifurcação: ou desenvolve atividades das mais variadas formas, de modo a contemplar os conteúdos estabelecidos a partir dos objetivos vinculados à formação ampliada dos estudantes; ou recorre aos testes e, por conseguinte, volta-se aos conteúdos que são possíveis de serem assim abordados, os quais estão em sintonia com as finalidades formativas que, em grande parte, limitam-se ao saber-fazer “em detrimento do saber-fazer-pensando” (PEREIRA, 2016, p. 165). A “saída” encontrada, como vimos, é por eles chamada de mescla, ora desenvolvem atividades diversificadas, ora utilizam aos testes e suas matrizes.  

Frente ao exposto, percebemos que as avaliações externas em larga escala ecoam sobre a organização do trabalho pedagógico, induzindo algumas das práticas desenvolvidas mesmo pela escola que apresentava processos mais potencializados de AIP. Assim, a AIP, ao menos nas escolas acompanhadas, ainda não favoreceu o pleno uso crítico e propositivo das avaliações externas, sendo essa uma aprendizagem a ser desenvolvida. Para tanto, defendemos que o tema precisa estar na pauta das discussões coletivamente realizadas. A pluralidade de vozes na discussão sobre os diferentes modos de conceber as avaliações externas, bem como as práticas que delas decorrem, pode trazer à superfície as tensões e os conflitos que permeiam o cotidiano escolar, de modo que haja um movimento de reflexão que proporcione a (des)construção de concepções a fim de potencializar os processos formativos promovidas pela escola.

Considerações finais

Neste texto buscamos descrever e analisar as percepções e os usos das avaliações externas em larga escala em quatro escolas da RMEC, considerando os diferentes cenários de enraizamento da AIP. Percebemos que nas escolas em que os processos de avaliação institucional estavam fragilizados, os resultados das avaliações externas em larga escala foram vinculados, nos PPs, ao trabalho desenvolvido pela instituição e, como consequência, os TDCs aparecem como tempo e espaço privilegiado para a sua discussão.

Já nas escolas em que os processos de avaliação institucional estavam em revitalização ou potencializados, as análises presentes nos PPs, acerca das avaliações externas, trazem elementos que não se limitam às práticas da escola, sobretudo dos docentes, e, assim, aspectos que são de responsabilidade do poder público, como infraestrutura e falta de funcionários/professores, foram mencionados. Nessas escolas, a CPA, para além do TDC, aparece como tempo e espaço de discussão sobre as avaliações externas, contudo, observamos que são debates pontuais e, quando ocorrem, voltam-se para os resultados e seus instrumentos. Assim, embora transcenda o tempo e espaço próprio dos docentes e gestores, ainda não há uma análise que articule os múltiplos fatores que incidem sobre a realidade escolar e as vozes dos diferentes atores que integram a CPA. 

Quanto às práticas pedagógicas realizadas a partir das avaliações externas, quando são desenvolvidas, ocorrem devido à valorização dos instrumentos e/ou pela necessidade de habituar os estudantes às questões de múltipla escolha. Observamos que tais práticas são menos intensas na Escola Maria Amélia de Queiroz, com processos mais potencializados de AIP e que não discute com frequência as avaliações externas, entretanto, elas não são inexistentes. Vale dizer, ainda, que nas quatro escolas, presenciamos docentes e gestores problematizando ou criticando práticas voltadas às avaliações externas e, em outros momentos, realizando ações a elas direcionadas.

Como podemos notar, “a avaliação é uma categoria pedagógica polêmica” e “permeada por contradições” (FREITAS et al., 2009, p. 7). As polêmicas e contradições que cercam a avaliação reforçam a necessidade de colocá-la em discussão, a fim de que os diferentes olhares sobre ela sejam evidenciados, em direção à criação de novos caminhos. Como afirmam Freitas et al. (2009, p. 33), “sem o concurso do conjunto da escola [...], limita-se muito a possibilidade de transformação dos processos escolares”. Nesse sentido, a avaliação institucional, por contar com a representação dos diferentes segmentos da comunidade escolar, amplifica as análises, lançando luz nas contradições que permeiam a organização do trabalho pedagógico.

Acreditamos que analisar as avaliações externas de modo coletivo e plural significa contemplar seus aspectos técnicos (como o seu instrumento), mas, para além disso, as questões políticas que sustentam a sua elaboração. Significa, ainda, discutir as suas aproximações e os distanciamentos do projeto de formação da instituição, questionando os fins e os meios de sua utilização. Precisamos nos apropriar das avaliações externas em larga escala para que, abastecidos de informações e reflexões, possamos tecer críticas e nos posicionarmos nesse campo de disputa, colocando a avaliação a serviço da qualidade social da instituição (SILVA, 2009).

Entendemos que a Escola Maria Amélia de Queiroz está em processo de aprimoramento da constituição do olhar multidimensional para a sua realidade educacional que, por sua vez, pode estar vinculado aos processos de avaliação institucional desenvolvidos por sua comunidade. Como afirmou um dos OPs, “a escola tem vários outros mecanismos de avaliação institucional. Ela é uma escola que está sempre se pensando e repensando”. No entanto, a ausência de discussões mais aprofundadas sobre as avaliações externas em seus tempos e espaços de avaliação institucional tem impedido a problematização das influências dessas avaliações na organização do trabalho pedagógico. E, desse modo, é preciso refletir: Por que atividades alinhadas às avaliações externas são desenvolvidas? Essas ações estão em consonância com os objetivos presente no PP?

Trata-se de um processo trabalhoso e que demanda tempo, uma vez que é preciso caminhar na contramão da lógica das avaliações externas em larga escala que, em grande parte, a partir da leitura fria e apressada dos resultados, classifica as escolas, reduzindo toda sua gama de trabalho a esses números. Acreditamos que apesar das dificuldades que possam haver nos processos de avaliação institucional, são eles que proporcionam reflexões potentes que podem conduzir à construção de respostas às políticas públicas sustentadas pela perspectiva da responsabilização vertical, cujo cerne são os testes padronizados. 

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Notas



[1] De acordo com Menegão (2016), a avaliação externa em larga escala é assim denominada por ser elaborada fora da escola (externa) e possuir abrangência (em larga escala). Neste texto, trataremos avaliação externa em larga escala e avaliação externa como sinônimos.

[2] Assim como Frigotto (2003, p. 32), entendemos que a formação humana compreende as “condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser humano (condições omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produção dos valores de uso em geral como condição de satisfação das múltiplas necessidades do ser humano no seu devenir histórico”.

[3] A responsabilização vertical se volta, preferencialmente, para os atores do processo educacional, de cima para baixo (FREITAS, 2013). Em outras palavras, os índices obtidos a partir dos testes padronizados passam a ser atrelados, em grande parte, ao trabalho das escolas e, em especial, dos docentes.

[4] Sobre a construção e implementação da política de AIP na RMEC, ver Betini (2009) e Mendes (2011).

[5] De acordo com a Resolução 05/2008, a CPA deverá ser constituída por no mínimo um representante de cada segmento da comunidade escolar (gestão, docentes, funcionários, estudantes e famílias). Os docentes membros da CPA são remunerados por meio de horas-projeto. Já os funcionários, participam dos encontros da Comissão dentro de sua jornada de trabalho. Vale dizer que em cada escola há uma organização dos encontros da CPA quanto aos horários e a periodicidade.  

[6] Projeto de pesquisa submetido ao Comitê de Ética e aprovado em julho de 2015. Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 44673915.0.0000.5404. Neste texto, apresentamos um recorte da pesquisa. Para mais detalhes, ver Ferrarotto (2018).

[7] As Reuniões de Negociação estão entre as ações da política de AIP da RMEC. São momentos de diálogo e negociação entre as CPAs e o poder público para a posterior construção de pactos bilaterais.

[8] Reunião que acontece no início e no final de cada ano letivo, prevista em calendário da RMEC. Não conta, necessariamente, com a representação dos diversos segmentos da comunidade escolar.

[9] Na RMEC, o Projeto Político Pedagógico (PPP) é chamando de Projeto Pedagógico (PP). Assim como Veiga (2002), entendemos que um Projeto Pedagógico é um Projeto Político Pedagógico, sem neutralidade e, portanto, com intencionalidade nas ações voltadas à formação dos discentes. Neste texto, consideraremos PPP e PP como sinônimos.

[10] Pesquisa intitulada A Qualidade da Escola Pública: Um Estudo Longitudinal para Sustentação da Responsabilização Partilhada em uma Rede de Ensino. Em relatório, os pesquisadores descrevem a construção dos critérios para a seleção das escolas, de modo a identificar os diferentes estágios de adesão à política de AIP (LOED, 2013, p. 38). Sobre esses critérios, os pesquisadores do Loed (2013, p. 38) ressaltam: “Para selecionar as escolas diretamente envolvidas na investigação em sua fase etnográfica, nos aproximamos da concretude do processo de implementação do programa de AIP envolvendo as 44 escolas da rede municipal por meio da observação in loco de uma reunião da CPA por considerar este espaço como estratégico para a implementação da política. [...] Construímos pari passi e de modo consensuado, um conjunto de indicadores que espelhasse aspectos considerados altamente desejáveis na política de AIP, que passamos a tomar como matriz para análise dos registros qualitativos obtidos junto às escolas. De posse dos elementos compilados nesta fase exploratória, o grupo estabeleceu um juízo de valor acerca do possível estágio de adesão vivido pelas diferentes escolas visitadas tomando por referência a matriz consensuada”. O processo teve como produto uma matriz com 31 elementos constitutivos que orientaram a seleção das escolas para o referido estudo.

[11] Nomes fictícios atribuídos às escolas para manter o sigilo das mesmas e atender aos preceitos éticos da pesquisa cientifica.

[12] CHP são horas-aula em que o docente deve desenvolver projetos pedagógicos voltados para o ensino-aprendizagem.

[13] Na Escola Nísia Floresta Augusta, o provão é chamado de avaliação diagnóstica e sua aplicação é trimestral.

[14] Um OP e os três professores da Escola Maria Amélia de Queiroz (a professora do 2º ano e o professor do 9º afirmaram que utilizam mais questões dissertativas). Duas professoras da Escola Sueli Carneiro. OP e duas professoras da Escola Maria Firmina dos Reis. Uma OP e duas professoras da Escola Nísia Floresta Augusta.