A construção dos relatórios dos estágios supervisionados nas licenciaturas: indagações e desafios da experiência docente-discente
The elaboration of practicum reports in pre-service teaching courses: inquiries and challenges of the teacher-student experience
Construcción de los informes de pasantía supervisada en cursos de licencia: dudas y retos de la experiencia profesor-estudiante
Osmar Hélio Alves Araújo
Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.
osmarhelio@hotmail.com - http://orcid.org/0000-0003-3396-8205
Ivan Fortunato
Professor doutor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Itapetininga, São Paulo, Brasil.
ivanfrt@yahoo.com.br - https://orcid.org/0000-0002-1870-7528
Recebido em 07 de abril de 2020
Aprovado em 17 de agosto de 2020
Publicado em 30 de setembro de 2021
RESUMO
Neste artigo, buscou-se discutir a construção dos relatórios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura a partir de quatro indagações e desafios postos aos docentes-discentes no contexto dos estágios. A primeira indagação proposta busca justamente investigar os motivos para se registrar a experiência de estágios. Em seguida, buscou-se compreender como a construção desses relatórios pode colaborar para que licenciandos se inscrevam na docência. Na terceira indagação, tomou-se como ponto de partida o entendimento de que a construção dos relatórios exige criatividade, materiais e estratégias diversas bem como um arsenal teórico-epistemológico construído e (re)elaborado ao longo do curso de licenciatura. Por fim, a quarta indagação diz respeito a uma necessária articulação fundante entre ensino e investigação no contexto dos estágios supervisionados e a construção dos relatórios. Ao final, espera-se suscitar uma interlocução crítica e contributiva para a construção de uma relação muito mais íntima entre a elaboração dos relatórios de estágio supervisionado e a formação dos licenciandos pela integração entre docência, pesquisa e reflexão.
Palavras-chave: Formação de professores; Estágio Supervisionado; Prática de escrita.
ABSTRACT
This paper sought to discuss the construction of reports on supervised practicum in pre-service teaching courses based on four questions and challenges posed to teacher-students in the context of internships. The first question proposed seeks precisely to investigate the reasons for registering the practicum experiences. Then, it sought to understand how the construction of these reports can collaborate for undergraduate students to enroll in teaching. In the third question, the starting point was the understanding that the construction of reports requires creativity, different materials and strategies, as well as a theoretical-epistemological arsenal built and (re)elaborated throughout the preservice teaching course. Finally, the fourth question concerns the necessary fundamental link between teaching and research in the context of supervised practicum and the construction of reports. In the end, it is expected to raise a critical and contributory dialogue for the construction of a much more intimate relationship between the preparation of supervised practicum reports and the training of undergraduate students through the integration between teaching, research and reflection.
Keywords: Teacher education; Practicum; Writting practice.
RESUMEN
En este artículo, buscamos discutir la construcción de informes sobre pasantías supervisadas en cursos de pregrado a partir de cuatro preguntas y desafíos planteados a los docentes-alumnos en el contexto de las pasantías. La primera pregunta propuesta busca precisamente investigar las razones para registrar la experiencia de las prácticas. Luego, buscamos entender cómo la construcción de estos informes puede colaborar para que los estudiantes de pregrado se inscriban en la docencia. En la tercera pregunta, el punto de partida fue la comprensión de que la construcción de informes requiere creatividad, diferentes materiales y estrategias, así como un arsenal teórico-epistemológico construido y (re)elaborado a lo largo de la carrera. Finalmente, la cuarta pregunta se refiere al nexo fundamental necesario entre docencia e investigación en el contexto de las prácticas supervisadas y la construcción de informes. Al final, se espera suscitar un diálogo crítico y contributivo para la construcción de una relación mucho más íntima entre la elaboración de informes de prácticas supervisadas y la formación de estudiantes de pregrado a través de la integración entre docencia, investigación y reflexión.
Palabras-clave: Formación de profesor; Pasantía supervisionada; Práctica de escritura.
Introdução
Este texto nasce de dúvidas a respeito da docência, particularmente sobre a realização de uma das etapas obrigatórias da formação inicial: o estágio supervisionado. No Brasil, nos cursos de formação inicial para os profissionais do magistério para a Educação Básica, em nível superior, mais precisamente nos cursos de graduação de licenciatura, na maioria das instituições, há a exigência de um relatório final após a realização de cada estágio[1] supervisionado. Nos referidos cursos, há 400 (quatrocentas) horas destinadas aos estágios supervisionados, na área de formação e atuação na Educação Básica, contemplando, ainda, outras áreas específicas conforme o projeto de curso da instituição (BRASIL, 2015).
Por meio de um exame dialógico, trilhamos a produção deste artigo que tem como objetivo discorrer sobre a construção dos relatórios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura a partir de indagações e desafios postos aos docentes-discentes no contexto dos estágios. A atuação docente efetiva-se face a face com um quadro de incertezas e imprevisibilidades, afinal, professores não sabem tudo, mas, mesmo assim, precisam decidir e agir. Isso exige dos professores reflexões que permitam responder a cada situação concreta. Em síntese, ensinar é aprender, por excelência, a permanecer na incerteza, na imprevisibilidade e a decidir em contextos de mudança (NÓVOA; VIEIRA, 2017; LÓPEZ CARRETERO, 2019).
Trata-se de perguntar (-se) a respeito daquilo que emerge das vivências concretas na escola e que pode se tornar elemento de reflexão sobre os caminhos da docência. Assim, os questionamentos nos permitem dialogar conosco e com o mundo, possibilitando mudanças, muitas vezes necessárias. Não titubeamos em afirmar que precisamos assumir honestamente nossas dúvidas e nos (re)construirmos diariamente como professores. Conforme nos ensina Nóvoa (2015, p. 14), “[...] a certeza é a distância mais curta para a ignorância. É preciso ter dúvidas”.
Nessa linha de pensamento, situamos a conexão entre a docência e a indagação-reflexão crítica acerca da própria prática docente, a qual nunca está isenta de dúvidas. Essas, por sua vez, emergem e se alimentam de vivências pessoais, ou de outros, no exercício da docência. Deste modo, as práticas pedagógicas docentes não podem se alimentar de certezas, mas precisam ser contaminadas de indagações, análises minuciosas, invenção, curiosidade, criação e reflexão. Como insiste Freire (2007), a curiosidade é fundamental porque, sobretudo, nos faz perguntar, conhecer, atuar e (re)conhecer.
Este estudo, ao contemplar a análise do visto-vivido de forma consciente e crítica pelos professores formadores, torna-se relevante por nos possibilitar pesquisar, refletir e transformar as nossas próprias práticas pedagógicas, além de aproximar-nos das práticas construídas, estranhá-las, compreendê-las e nos levar a pensar em meios de transformá-las (FRANCO, 2019). Sadalla e Sá-Chaves (2008) explicam que, na medida em que o docente é auxiliado a refletir sobre sua prática, a ressignificar suas teorias, a compreender as bases de seu pensamento, ele se torna pesquisador de sua ação, o que o permite modificá-la com mais propriedade.
Parafraseando Franco (2019), compreendemos que este estudo nos permite olhar para a formação que acontece hoje nas licenciaturas e analisar o vivido de forma consciente e crítica para, deste modo, nos constituirmos como pesquisadores de nós mesmos.
Neste artigo, retomamos alguns dos textos e conceitos produzidos nas duas últimas décadas acerca da formação de professores baseada na investigação e na prática reflexiva para que, a partir das contribuições desses estudiosos e pesquisadores, possamos refletir e ensaiar, quem sabe, possíveis perspectivas para a reconfiguração das práticas de registrar o visto-vivido nos estágios supervisionados a partir dos relatórios. Há quase duas décadas, Monteiro (2002) afirmava que o estágio, na formação de professores, resumia-se a um processo de aprendizagem profissional a partir de observações feitas sobre as práticas de ensino de variados tipos, sem tempo e espaço, às vezes, para a reflexão e a crítica. Tal prática levava os estudantes a reproduzirem vícios, preconceitos e obstáculos epistemológicos. O quadro evidenciado pela autora pode ser considerado ainda vigente, o que traz implicações, por certo, na construção dos relatórios pelos estudantes e ajuda a explicar o insucesso, muitas vezes, dos estágios na formação docente.
Em decorrência do quadro exposto, justificamos este estudo, haja vista a necessidade de questionarmos a forma como os relatórios veem sendo frequentemente tratados na formação dos professores. Aliás, é de fundamental importância a escrita na formação inicial docente, especialmente quando orientada por um docente formador, pois esta permite reconhecer o conhecimento em construção de uma forma crítica sobre o que se (pensa) conhecer (FORTUNATO; PORTO, 2018).
Assim, concordando com Monteiro (2002), consideramos que a elaboração do relatório permite aos estudantes articularem os vários saberes para explicar a prática observada ou construída, justificarem as opções e decisões tomadas, assim como avaliarem os resultados alcançados. Esse instrumento expressa e possibilita, assim, a produção de saberes acerca da docência, contribuindo para o desenvolvimento profissional dos estudantes.
Queremos ainda dizer que, neste texto, o que interessa é o diálogo em que conversamos conosco e, ao mesmo tempo, nos dirigimos ao outro, ainda que seja um outro imaginado. A partir daí, rememoramos o visto-vivido, problematizamos visando encontrar os sentidos ali presentes e, por isso, ousamos dizer que a análise das experiências vividas, de modo consciente e crítico, constitui-se a verdadeira âncora dos saberes pedagógicos. Essa ideia é baseada na convicção de que os saberes pedagógicos “[...] só se instal[a]m de dentro para fora; nas reflexões, atividades cognitivas, interpretações e vivencias do sujeito! E de preferência dialogados coletivamente” (FRANCO, 2018, p. 53).
Assim, a relação estabelecida com os estudantes das licenciaturas, a partir do ensino de Didática e dos estágios supervisionados, levou-nos a esta reflexão sobre a construção dos relatórios dos estágios. Essa atitude dialógica com os estudantes tem por base as reflexões de D’Ávila (2015), quando afirma que:
Ouvir os alunos, futuros mestres, suas representações sobre o ato de ensinar e de aprender, sobre prática de ensino, ser professor, planejamento, disciplina, etc., é uma maneira de nos aproximarmos da classe e de conhecermos mais de perto essas pessoas. (D’ÁVILA, 2015, p. 223).
Comungamos com as considerações da autora e, por isso, as relações que temos construído com os estudantes fazem emergir as seguintes indagações: (1.) por que e para que registrar o visto-vivido nos estágios supervisionados? (2.) Em que medida a construção dos relatórios dos estágios supervisionados pode colaborar com a inscrição na docência? (3.) É possível construir os relatórios dos estágios supervisionados, em uma perspectiva reflexiva, sem um arsenal teórico-epistemológico? (4.) Faz-se necessário uma articulação entre ensino e investigação no contexto dos estágios e a construção dos relatórios?
Ao discutir essas indagações, como desdobramento, enfatizamos quatros principais desafios que emergem aos docentes-discentes no contexto dos estágios. Dessa forma, para dar uma organização pedagógica ao conteúdo deste texto, dividimos as reflexões nessas quatro indagações que, paulatinamente, foram se interligando, complementando-se entre si. Desta feita, tais reflexões possibilitaram a construção deste debate e, possivelmente, provocarão rupturas no nosso modo de ver, entender e mediar as práticas de escrita sobre o visto-vivido nos estágios supervisionados. Certamente elas se interrelacionam e exigem um exercício analítico e capaz de qualificar a formação dos professores. Não temos a intenção de esgotar o tema; muito pelo contrário. Esperamos provocar outras possibilidades de análise que o complementem ou contestem as questões aqui discutidas.
Por que e para que registrar o visto-vivido nos estágios supervisionados?
A reconfiguração dos estágios supervisionados na formação dos estudantes das licenciaturas, face aos desafios que as sociedades contemporâneas colocam à formação e à profissão docente, exige necessariamente abordagens pedagógicas que assegurem o desenvolvimento da consciência crítico-reflexiva dos estudantes como condição indispensável à realização dos estágios e, por consequência, para a produção escrita de textos a partir do visto-vivido nesses estágios.
É preciso, por isso, pensar sobre os estágios como experiências mais coerentes com os princípios que precedem à formação de um profissional capaz de compreender e transformar o fenômeno educativo. Isso porque, como nos conta Morgado (2011), os desafios que hoje se colocam à educação exigem professores com capacidades de iniciativa e de decisão no que concerne à gestão curricular, domínio da concepção e realização de projetos, utilização de recursos e metodologias inovadoras adequadas às características, motivações e ritmos de aprendizagem dos alunos com que trabalham.
Partilhamos do pensamento de que o estágio é o contexto, por excelência, para os estudantes das licenciaturas compreenderem o fenômeno educativo, estabelecerem diálogos com os pares, com seus professores e com os professores da Educação Básica, e construírem análises críticas acerca do magistério (PIMENTA; LIMA, 2017; ARAÚJO; MARTINS, 2019; ARAÚJO, 2019b; LIMA, 2019). Esse entendimento, de certo modo, articula-se com as contribuições de Nóvoa e Vieira (2017) que afirmam, ao tratarem do desenvolvimento profissional docente, que:
A bagagem essencial de um professor adquire-se na escola, através da experiência e da reflexão sobre a experiência. O que dá sentido à formação é o diálogo entre os professores, a análise rigorosa das práticas, a procura coletiva das melhores formas de agir. (NÓVOA; VIEIRA, 2017, p. 25).
Temos, também, defendido que a Pedagogia e a Didática são subsídios para a construção dos estágios como práxis, como processos pedagógicos e instrumentos de ensino e de apreensão da profissão docente, tendo como princípio a produção do conhecimento a partir da leitura crítica da realidade (ARAÚJO, 2019). Lima (2019) corrobora essas ideias ao defender que o estágio e a Didática se fundem na mesma finalidade: fomentar a socialização de experiências de pesquisas e a construção do conhecimento pedagógico, fundamentadas teoricamente em estudos e pesquisas.
Considerando, assim, os estágios como práxis e alicerces fundamentais para a construção da identidade docente dos estudantes, à medida que, por meio deles, vão estabelecendo relações e compreendendo a si mesmos como profissionais do magistério em formação, bem como o fenômeno educativo, é preciso indagar: por que e para quê registrar o visto-vivido no estágio supervisionado?
É importante destacar que a questão dos estágios como práxis (ação reflexiva-emancipatória) não tem, muitas vezes, uma clara definição nos currículos dos cursos de licenciatura (ARAÚJO, 2019a), nem sempre estando evidente para os estudantes o porquê e para quê registrar o visto-vivido nos estágios supervisionados. Abre-se, nesse processo, a necessidade de um movimento que venha clarificar teoricamente a compreensão pedagógica dessa atividade.
Este fato exige, antes de tudo, a compreensão de que a formação de um profissional para o magistério capaz de compreender e transformar o fenômeno educativo exige, no contexto das licenciaturas, que os estudantes sejam instigados a escreverem não apenas comentando ou refletindo sobre o que leram, viram e vivenciaram nos estágios, mas articulando o que leram ao visto-vivido no contexto dos estágios. Em outras palavras, nos estágios, espera-se que os estudantes deem conta, por escrito, de refletir acerca da realidade vivenciada (REZENDE, 2010).
Sobre a escrita no contexto da formação dos professores, Nóvoa e Vieira (2017) admitem que “as questões da escrita são decisivas como forma de inscrição de cada um na profissão e como forma de inscrição pública da profissão na sociedade”. Além disso, ainda para os autores, é nesse processo de escrita que se começa a ensaiar uma vivência com a profissão que, possivelmente, influenciará o modo como cada estudante se tornará professor e se comportará profissionalmente.
As contribuições de Nóvoa e Vieira (2017) nos permitem perspectivar a escrita, no contexto dos estágios, como um elemento de formação que, simultaneamente, desafia os estudantes a transpor por escrito a experiência vivida e a projetá-la no exercício da profissão, assim como é instrumento de reflexão que exige lucidez profissional (ZABALZA, 2004; REZENDE, 2010). É nesse sentido que se pode compreender o porquê e para quê registrar o visto-vivido nos estágios supervisionados. Por outro lado, temos nos deparado, no contexto das licenciaturas, com um primeiro desafio: levar os estudantes a registrar o visto-vivido na experiência dos estágios em uma perspectiva reflexiva, em detrimento de uma postura fortemente tecnicista, na qual cumprem as “orientações” e as normas que normalmente não discutem e os tornam, muitas vezes, prisioneiros de meras obrigações acadêmicas.
Paniago e Sarmento (2015), em relação aos estágios nas licenciaturas no Brasil, advertem que eles se constituem, muitas vezes, como atividades fragmentadas, consubstanciadas em um processo burocrático e sintetizadas no preenchimento de fichas, assim como perpassadas por uma desarticulação entre teoria e prática que tornam os estágios, por vezes, um processo formativo baseado na racionalidade técnica.
Franco (2018) endossa o exposto argumentando que temos acompanhado, no Brasil, uma formação docente numa perspectiva aplicacionista e muito arraigada num tecnicismo, fundamentando a prática de formar com receitas já prontas, prescrevendo o trabalho docente sem reflexão a respeito do vivido nas escolas. Ainda segundo a autora, a ausência da reflexão, o tecnicismo exagerado e as desconsiderações aos processos de contradição e de diálogo anulam o sujeito que constrói e reconstrói, podendo resultar em espaços de engessamento das capacidades de discutir, propor, mediar concepções didáticas e fundamentalmente mobilizar os saberes pedagógicos. Lima (2019) adverte, em uma mesma perspectiva, que os estágios não se reduzem à “hora da prática”, ao contrário, são contextos de construção de relações dialógicas dos estudantes e dos espaços de trabalho dos profissionais do magistério.
A partir das considerações das autoras, reiteramos nosso entendimento de que, no Brasil, no contexto dos estágios, usam-se os relatórios, muitas vezes, como uma peça técnica visando construir práticas de escrita sobre o visto-vivido nos estágios supervisionados. Nesse sentido, inovar na produção escrita de textos a partir do visto-vivido nos estágios é, mais do que nunca, construir uma formação centrada nas dimensões teórica e prática, perspectivando a formação de um professor como intelectual, pesquisador, crítico, reflexivo e investigador da sua atividade docente, como nos ensina Lima (2019).
Nesse contexto, compreendemos, ainda, que inovar na produção escrita de textos sobre as experiências dos estágios é criar as condições para a profissionalização de sujeitos autônomos, crítico-reflexivos e implementadores de mudanças que concorram para uma educação de qualidade na Educação Básica (ANDRÉ, 2015). Afinal, a autonomia e a reflexão devem estar presentes durante a formação dos estudantes, haja vista que, mais tarde, muitas vezes, eles reproduzem as práticas e as vivências da sua formação. Logo, essa realidade exige uma maior coerência no que concerne à formação de profissionais autônomos (NÓVOA; VIEIRA, 2017).
É nessa perspectiva adotada por Nóvoa e Vieira (2017) que defendemos que, ainda que os estudantes aprendam muito com os estágios, apreendem mais ainda sobre a docência quando, diariamente, o registro do visto-vivido nessa experiência é um ato consciente, contínuo, partilhado e a partir do qual a dimensão intrapessoal se fortalece na interação com o outro. Dito de outro modo, trata-se da necessidade de dar à escrita, no contexto da construção dos relatórios dos estágios, um sentido novo e uma maior autonomia para quem escreve (apreende a docência).
Em que medida a construção dos relatórios dos estágios supervisionados pode colaborar com a inscrição na docência?
Os relatórios (ora também referidos como diários de bordo ou diários reflexivos) são instrumentos capazes de proporcionar aos estudantes a reconstrução dos caminhos percorridos na apreensão da ação de ensinar (apreender a docência). Apesar disso, muito temos ainda a apreender a respeito da construção dos relatórios nos estágios supervisionados, especialmente quando são tomados apenas como um registro superficial do que foi visto-vivido (ou apenas visto, como amiúde ocorre na formação docente), tornando-se um documento que atesta o cumprimento mínimo das horas exigidas para a conclusão da licenciatura.
De um modo ou de outro, a falta de motivação de muitos estudantes pelas licenciaturas e por seguir na docência como futura profissão parece ser um elemento que os impedem, por vezes, de desenvolver um protagonismo que, de certo modo, os levem, com ousadia e criatividade, a (re)descobrir caminhos na apreensão da docência. Temos visto grande evasão dos cursos de licenciatura, além da presença de licenciandos que não se inserem efetivamente na formação e na profissão docente, permanecendo no curso em busca de outras perspectivas, como a pesquisa base (cf. ARAÚJO; FORTUNATO, 2020).
A esse respeito, os dados da pesquisa de Paniago e Sarmento (2015) são pertinentes e corroboram o exposto ao explicitarem que no Brasil:
[...] a docência nem sempre é a primeira opção profissional; muitos jovens ingressam nas licenciaturas após inúmeras tentativas, sem sucesso, de inserção em outros cursos de mais elevado status social, como a medicina, o direito, as engenharias, entre outros (PANIAGO; SARMNETO, 2015, p. 85).
Ao comungar com as considerações expostas, queremos evidenciar o segundo desafio vivenciado, frequentemente, no contexto das licenciaturas: levar os estudantes a entenderem que as práticas de escrita sobre o visto-vivido no estágio supervisionado, como instrumentos formativos, exigem criatividade e utilização de materiais e estratégias diversas – principalmente os licenciandos que menosprezam a docência como caminho profissional.
Não obstante, devemos refletir profunda e seriamente sobre esse quadro exposto, pois “a desvalorização social da profissão docente e o preconceito com o magistério ficam evidentes, tanto pelos alunos quanto pelos próprios professores do curso” (LIMA, 2019, p. 134). Logo, essa ausente motivação dos estudantes pela docência, como campo de formação e futura profissão, os levam à adoção de práticas de escrita empobrecidas e que nem sempre estão ao lado da qualidade da sua formação.
Queremos, com isso, argumentar que a motivação em relação ao curso é condição básica para a construção dos relatórios como um ato consciente e, assim, novas possibilidades para se desenhar novos rumos para a formação dos estudantes nas licenciaturas e para o futuro dos estágios. Diríamos, ainda, que a partir da produção dos relatórios como uma prática consciente, contínua e partilhada, é possível fazer emergir o Professor – produtor de si e do outro – que cada estudante é capaz de ser.
O relatório dos estágios supervisionados, como corpo teórico que exige criatividade, materiais e estratégias diversas de elaboração, e guarda o visto-vivido nos estágios pelos estudantes, não é um aglomerado de páginas mortas, mas pode (e deve ser) construído a partir de múltiplos olhares e relações desenvolvidas pelos estudantes, que alicerçam a sua identidade pessoal-profissional. Neste sentido, recorremos novamente a D’Ávila (2015) para enfatizar que a identidade docente só se consolida no exercício da profissão. Entretanto, é no seio da Didática – e da nossa parte, acrescentamos os estágios supervisionados –, que encontraremos o seu gene fundamental para o processo de identificação e futura identidade profissional.
No registro do visto-vivido nos estágios, o que interessa é a relação que cada estudante estabelece consigo, com os pares e com outros sujeitos que também já exploraram os mesmos caminhos: é a busca dos sentidos presentes na experiência construída. Queremos realçar que uma das tarefas dos estudantes é refletir, profundamente, sobre a observação e a imersão na realidade dos sistemas de ensino. Assim, a tarefa dos estudantes é refletir criticamente – o que não se reduz a simplesmente “falar” ou “opinar” – ao interpretar as múltiplas relações existentes no contexto escolar. O registro do visto-vivido nos estágios perde sua eficácia pedagógica se for apenas transmissão de informações e dados. Ao contrário, assim como a própria experiência dos estágios deve ser práxis, agir criativo e transformador, a prática de escrever precisa constituir-se como âncora dos saberes pedagógicos.
Ao proporcionar essa produção de relatórios criativos e consubstanciados, tem-se a intenção de contribuir não apenas com a formação técnica e científica dos licenciados. Ao contrário, ao direcionar o foco para o cotidiano vivido nas escolas e para a percepção de que é possível (e necessário) intervir na Educação Básica, fica a esperança de que os estudantes percebam e reconheçam a importância de se tornar professor.
É possível construir os relatórios dos estágios supervisionados em uma perspectiva reflexiva sem um arsenal teórico-epistemológico?
Desde já, afirmamos não ser possível pensar sobre a construção dos relatórios dos estágios supervisionados desligados de um arsenal teórico, político e epistemológico que os sustentem, como se se erguessem no vazio. Sobressai-se, assim, a importância da construção dos relatórios dos estágios integrados a atitudes de investigação e práticas de leitura que assegurem, essencialmente, um manuscrito voltado para a reflexão e a crítica. Para Pimenta (2019):
[...] o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais ocorre sua atividade docente, para nele intervir, transformando-os. (PIMENTA, 2019, p. 31).
O argumento da autora, trazido para o espaço do estágio supervisionado aliado aos estudos de Therrien (2015), nos conduz a pensar a construção dos relatórios dos estágios no seio de um coletivo reflexivo e crítico, como uma práxis crítica e transformadora por relacionar teoria e prática a partir de um contexto situado. Neste sentido, reconhecemos os estudantes como sujeitos reflexivos que têm condições de explicitar as premissas que sustentaram suas experiências nos estágios, assim como a construção e o direcionamento crítico da sua práxis.
No processo de descoberta de um sentido pedagógico para os relatórios dos estágios, as práticas de leitura e escrita andam juntas e constituem-se como atos continuados que possibilitam desfragmentar o ato de registrar o visto-vivido nos estágios e os conhecimentos da literatura da área de formação dos estudantes. As práticas de leitura da literatura especializada ocupam, assim, lugar de destaque no ato de escrever sobre as experiências vividas nos estágios. Isso porque, por um lado, não há investigação, descoberta e criação sem o ato da leitura. Por outro lado, não podemos pensar nos relatórios dos estágios como atividades cognitivas que, por isso, abrigam as interpretações e vivências dos estudantes sem um profícuo diálogo com o conhecimento já produzido. Nesses termos, como nos ensina Nóvoa (2015, p. 15): “É preciso ler, ler muito, ler devagar, coisas diversas, coisas inúteis. É preciso pensar, pensar muito, conquistar o tempo de pensar. Se não gostas de ler nem de pensar [...] não serás um bom investigador” (p. 15).
As contribuições do autor nos permitem trazer para o debate mais um dos principais desafios no contexto das licenciaturas: levar os estudantes a buscar os sentidos presentes nas experiências vivenciadas nos estágios e, a partir daí, construir uma melhor compreensão dessas experiências para, então, buscar os caminhos de (trans)formação de si e do outro.
Destacamos as ideias de André (2016, p. 34) quando apresenta as seguintes indagações em relação aos pós-graduandos, as quais aplicamos aos estudantes no contexto dos estágios: “como ensinar o aluno a problematizar a realidade? Como ensiná-los a defender um ponto de vista? A argumentar?”. Para essa difícil tarefa é fundamental a leitura de materiais diversos, artigos e relatos de pesquisas, como: livros; capítulos de livros; resenhas; revisões de literatura; dentre outros. Assim como André (2016), no contexto da pós-graduação, e aqui acrescentamos o campo das licenciaturas, faz-se necessário, muitas vezes, além de ensinar os estudantes a ler e a selecionar materiais diversos, a também registrar, fazer fichamentos, apresentar e construir um texto relacionando as fontes consultadas. A isso se somaria, no caso dos relatórios de estágio, as experiências vividas durante sua prática.
Nesse sentido, os professores orientadores dos estágios precisariam assumir a tarefa de ajudar os estudantes a identificar as suas principais constatações sobre o fenômeno educativo no contexto da Educação Básica a partir dos estágios. Essa tarefa implica na seleção de palavras-chave para fazer o levantamento bibliográfico que os permitam, minimamente, articular o visto-vivido nas vivências dos estágios com o conhecimento da literatura especializada.
Parafraseando Franco (2019), somos conscientes de que levar os estudantes a buscar os sentidos presentes nas experiências vivenciadas nos estágios, em uma perspectiva reflexiva, não ocorre de uma hora para outra nem de forma espontânea e deslocada de um campo teórico-epistemológico que os possibilitem desvelar o contexto social e humano (construir a práxis), que constituem a matéria prima do fenômeno educativo. Corroborando essa posição, Franco (2019, p. 104) afirma “[...] que a apreensão aligeirada do conceito reflexão tem dificultado a práxis decorrente e sua utilização tem sido banalizada”.
O desafio exposto nos faz pensar que, desde a inserção dos estudantes nas licenciaturas, é necessário que desenvolvam uma atitude de pesquisador e o compromisso crítico com realidade que os cercam. Torna-se necessário, então, fomentar nos estudantes a prática de buscar os sentidos presentes nas experiências dos estágios e, a partir daí, buscar os caminhos de (trans)formação de si e do outro. Trata-se, portanto, de pensar a construção dos relatórios em uma perspectiva reflexiva como uma possibilidade de se redesenhar e concretizar alternativas de (trans)formação para a docência.
Como se observa, trata-se do entendimento dos relatórios como instrumentos reflexivos e críticos que permitem aos estudantes problematizar a realidade que os cercam, buscar discutir teorias, fazer escolhas teórico-metodológicas e consubstanciá-los em um corpo teórico-epistemológico capaz de desdobrar-se em (trans)formação, de si e do outro. Pensar sobre a construção dos relatórios dos estágios, por essa ótica, exige que:
[...] o formador encoraje a dúvida como método, questione e desafie os formandos sem os julgar, integre e relacione ideias aparentemente dispersas, introduza elementos novos em função do diálogo em curso, respeite diferentes perspectivas sem prescindir da sua... Em suma, terá de colocar o seu conhecimento ao serviço da produção coletiva de novo conhecimento. (VIEIRA, 2013, p. 606).
E nós ainda realçamos que o modo como formamos e apoiamos os estudantes na sua formação para a docência é de vital importância para o futuro da profissão. Trata-se de atribuir à formação inicial dos professores a mais alta qualidade, de erguer os relatórios dos estágios a partir de um sólido arsenal sobre a Pedagogia e as demais ciências que auxiliam o fenômeno educativo.
Faz-se necessário uma articulação entre ensino e investigação no contexto dos estágios supervisionados e a construção dos relatórios?
Como já apresentado neste debate, não podemos tomar os relatórios dos estágios supervisionados como uma atividade mecânica e reprodutiva; uma prática técnica e voltada a finalidades imediatas. Ao contrário, considerando a conexão que há entre docência e pesquisa, faz-se necessário pensarmos uma maior articulação entre ensino e investigação no contexto dos estágios, bem como a construção dos relatórios. Trata-se, como nos ensina Lima (2019), de pensarmos os estágios com e como pesquisa. Isso vai ao encontro do que tem sido proposto pela literatura, conforme explica André (2015):
[...] a pesquisa tem um importante papel na formação de sujeitos críticos e autônomos, pois lhes dá possibilidade de desenvolver ideias próprias, e de refletir sobre a prática profissional, identificar o que pode ser aperfeiçoado de modo a contribuir com o processo de emancipação das pessoas. (ANDRÉ, 2015, p. 153).
Nessa mesma direção, relacionando docência e pesquisa, Zabalza (2019) admite que:
[...] a conexão entre docência e pesquisa adquire todo sentido quando a pesquisa está relacionada com o ensino (o professor pesquisa ao mesmo tempo que ensina) e/ou quando o próprio processo de ensino se contamina dos processos que constituem componentes relevantes da pesquisa (documentação, análise de fontes, análise minuciosa de dados, reflexão, etc.). (ZABALZA, 2019, p. 22).
As contribuições dos autores nos permitem compreender que a pesquisa subjaz a estrutura teórica e prática dos estágios supervisionados e, por consequência, as práticas de escrita sobre o visto-vivido nos estágios. É, aliás, na construção dos estágios como contexto de ensino-aprendizagem com e como pesquisa, enquanto interface da relação docência e pesquisa, que conferimos uma identidade própria aos estágios e aos relatórios. Estes sendo entendidos como instrumentos que trazem os ensaios teórico-metodológicos dos estudantes, assim como as contingências das situações reais das suas práticas profissionais, enquanto aprendiz da profissão docente nos estágios. Vale, então, aqui o quarto desafio: transformar os estágios nas licenciaturas – aprender a ensinar ensinando, ensinar investigando.
Os desafios para transformarmos os estágios nas licenciaturas pedem outra compreensão das finalidades ultimadas aos estágios e, por consequência, aos relatórios, como contextos, constituintes da profissionalização docente. Ousamos dizer que precisamos redesenhar os estágios e os instrumentos que os constituem enquanto componentes curriculares centrados na profissionalização docente e, por isso, construídos pelos estudantes que aprendem-ensinam-investigam com vistas a sua inserção e realização na profissão docente. Trata-se, aliás, do desafio de transformar os estágios nas licenciaturas para a construção de novas relações de pertença entre os estudantes e a profissão docente, assim como entre os próprios professores formadores e a formação docente. Com isso, se pudermos considerar os estágios como práticas de aprender a ensinar ensinando, ensinar investigando, poderemos então construir uma maior articulação entre ensino e investigação no contexto dos estágios e da construção dos relatórios.
Do ponto de vista exposto, trata-se de buscarmos uma visão expandida acerca das práticas de registar o visto-vivido nos estágios supervisionados e sua interdependência da relação entre docência e pesquisa. Isso exige, necessariamente, uma arquitetura conceitual e metodológica para os relatórios que instale uma reflexão, pelos estudantes, acerca das suas experiências nos estágios, de “dentro para fora e de fora para dentro; da prática para a teoria e vice-versa; do empírico para o conceitual; do particular para a totalidade” (FRANCO, 2019, p. 99). Não se trata, entretanto, de prescrever normas de mera regulação, prescrição ou manipulação da construção dos relatórios como mera atividade acadêmica.
Recorremos novamente a Morgado (2011) para realçar que os estudantes não podem se limitar a construir seus relatórios como corpos teóricos reprodutores de ideias e prescrições alheias. Ao contrário, precisam se empenhar na construção de um produto científico e pedagógico que articule os problemas vividos, as aprendizagens e descobertas ao longo de todo o processo, assumindo-se como profissionais em formação autônomos e capazes de posicionarem-se como estudantes-pesquisadores permanentes e protagonistas na sua formação. É nessa perspectiva, apoiados, ainda, nas contribuições de André (2015), que compreendemos que a pesquisa deve levar os estudantes a desnaturalizar conteúdos e práticas vividas; conhecer resultados de pesquisas; acessar conhecimentos didáticos e educativos e posicionar-se como sujeitos da prática (aprender a ensinar ensinando, ensinar investigando) para melhor compreendê-las e transformá-las. Neste processo, seguindo com André (2015), os professores orientadores dos estágios poderão fomentar o diálogo constante; a discussão coletiva dos textos lidos e produzidos, a socialização das experiências vividas e as aprendizagens construídas, procurando, na medida do possível, fornecer feedback ao grupo e, sobretudo, respeitar o ritmo, o tempo e a produção de cada estudante.
Essa relação dialógica com os estudantes exige, por um lado, levá-los a compreender que “não há texto perfeito, nem definitivo” (NÓVOA, 2015, p. 17); por outro, como diz Meirieu (2006), sermos exigentes conosco mesmos e com os estudantes. Aplicando, ainda, as contribuições do autor, consideramos que precisamos envolver os estudantes em procedimentos exigentes de busca de qualidade para que eles possam, continuamente, aprender aquilo que o ofício docente nos exige. Entretanto, não estamos a defender a inserção dos estudantes em um contexto de “trabalho alienado, a um produtivismo acadêmico que está a destruir o melhor da cultura universitária” (NÓVOA, 2015, p. 15). Ao contrário, é a exigência de e pela qualidade da formação dos estudantes que vale a pena e é o que justamente o nosso ofício, como professores formadores, nos obriga a efetivar.
Assim, é tempo de darmos maior atenção à investigação científica na formação inicial dos professores, começando pela efetivação de mudanças nos modos de conceber os estágios e correspondentes mudanças nas práticas de registrar o visto-vivido nesses processos. É tempo de criar as oportunidades de inserção dos estudantes nos contextos de trabalho do magistério e disponibilizar diversos recursos que os permitam, com a qualidade que a sua formação exige, e em uma perspectiva reflexiva, mobilidade para reconstruir os percursos formativos ao longo dos estágios. Mobilidade, neste contexto, deve ser sinônimo de qualidade e diversidade de instrumentos oferecidos aos estudantes no contexto dos estágios.
Considerações finais
Neste artigo, buscamos discutir a construção dos relatórios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura a partir de indagações e desafios que emergiram da nossa experiência como professores formadores no contexto das licenciaturas. Assim, a discussão empreendida permite compreender que há espaço para a construção de uma relação muito mais íntima entre os estágios e, por consequência, a construção dos relatórios, em uma perspectiva reflexiva, bem como a formação dos estudantes como e com pesquisa. Isso exige, como argumentamos, que os estudantes possam usufruir e explorar um corpo teórico, político e epistemológico que dê base e sustentação às suas experiências vividas nos estágios e registradas nos seus relatórios. Isso significa, também, que continuamente os estudantes precisam ser encorajados a adotar uma cultura de reflexão, baseando-se naquilo que, de fato, se passa no contexto da sua formação na universidade e nas salas de aula da Educação Básica.
A investigação e a reflexão crítica, a partir do que se passa nas salas de aula, constituem, assim, as tessituras dos relatórios dos estágios. Construir com os estudantes os estágios como uma prática dialógica é pensar a construção dos relatórios a partir da reflexão do próprio sujeito que age, (trans)forma e forma-se.
Entendemos que este estudo cumpriu seu papel de contribuir para a adoção da perspectiva dos relatórios dos estágios como um corpo teórico de análise, reflexão e de debate, devidamente articulado a um conjunto bibliográfico sobre as experiências vivenciadas nos diferentes espaços de atuação dos profissionais do magistério. Espera-se que, a partir das ideias aqui ventiladas, surjam novas e mais profundas perspectivas de reconfiguração dos estágios e os elementos que os constituem.
Percebemos, portanto, que os desdobramentos da adoção dos relatórios dos estágios como um corpo teórico de análise, reflexão e de debate, devidamente articulado a um diálogo com a literatura, favorece possibilidades de mudanças profundas na formação docente. Nesses termos, desenham-se estratégias de formação que passam, necessariamente, pela voz crítico-reflexiva dos estudantes face às práticas construídas na universidade e na Educação Básica e por tempos e espaços coletivos e comprometidos com uma formação e profissão docente reflexiva.
Em suma, a partir da ideia dos relatórios dos estágios como um corpo teórico de análise, reflexão e de debate, devidamente articulado a um conjunto bibliográfico, vai se concretizando a formação de um professor como intelectual, pesquisador, crítico, reflexivo e investigador da sua atividade docente. Assim, ensaiamos aqui apenas algumas ideias, mas esperamos que essas motivem a reflexão sobre o importante lugar dos relatórios dos estágios na formação dos professores de hoje e de amanhã.
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Notas
[1] Como exemplo, sublinhamos os cursos de licenciatura em Física e de licenciatura em Letras Português/Inglês do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)/Campus Tianguá (BRASIL, 2013; BRASIL, 2017).