Práticas escolares no Ginásio Dom Bosco (1937-1945): em estudo o periódico escolar O Ginásio
School practices at the Ginásio Dom Bosco (1937-1945): the school newspaper O Ginásio is under study
Jéssica
Lima Urbieta
Doutoranda na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.
jessicabieta@gmail.com - https://orcid.org/0000-0003-4626-8101
Jacira Helena do Valle Pereira Assis
Professora doutora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.
jpereira.dou@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0002-4539-6462
Recebido em 31 de março de 2020
Aprovado em 26 de julho de 2020
Publicado em 31 de julho de 2021
RESUMO
Palavras-chave: Práticas escolares; Impressos escolares; Ensino salesiano.
ABSTRACT
The present study aims to analyze the school practices of the Ginásio Dom Bosco, a Salesian institution in Campo Grande, in the south of the old Mato Grosso between the years 1937 to 1945, present in the publications of the school newspaper O Ginásio. The temporal delimitation of the research comprises the chronological mark of the editorial action of the Salesian school print. The bibliographic and documentary investigation led to a dialogue with studies in the area of the History of Education and the sub-area of School Leaflets. The analyzes relied on Pierre Bourdieu's theoretical-methodological contribution, in an attempt to achieve an understanding of how the relationship between the school structure and its agents was mentioned, with regard to the production and reproduction of school practices. The results showed that school practices were linked to the development of an education concerned with the integral formation of youth, mainly due to the religious educational model of the Preventive System. The Salesian school press developed as an instrument for pedagogical changes in a period of greater student participation in the educational process. The print emerged, in this scenario, as a school practice in which students, teachers and managers expressed the ideals of the school in sections and columns with emphasis on the educational proposal, its methods, its activities, its desires and its achievements.
Keywords: School practices; School Leaflets; Salesian teaching.
Introdução
Os periódicos escolares[1] têm sido uma temática abordada em diversas pesquisas educacionais e histórico-educacionais (BARDUNI FILHO, 2017; BISERRA, 2019; SANTOS, 2018; WEIDUSCHADT, 2012) por sua característica particular e, ao mesmo tempo, plural no âmbito do fenômeno cultural, comunicativo e, principalmente, educativo. Empenhado em veicular e transmitir aos seus leitores interesses formativos e preocupações educativas próprios de um sistema educacional, esses impressos, com o decorrer dos anos, ganharam publicações associativas, sindicais e científicas. Com a sua evolução, a imprensa escolar teve espaço na conjuntura da comunicação, quando tratou da relação desencadeada entre sistema escolar, estabelecimentos educacionais e comunidade escolar.
A imprensa escolar trata de resultados de uma experiência pedagógica autônoma de estudantes de escolas primárias, secundárias e universidades, particulares ou não, como ferramenta do processo educacional desses estabelecimentos educacionais e como oportunidade de desenvolver vocações literárias, poéticas e narrativas dos agentes que a compõem. Além disso, a imprensa escolar tem grande espaço de construção em estabelecimentos educacionais comandados por congregações religiosas e, por esse viés, traz consigo maior ênfase e apreciação da escola, sua filosofia educativa, seus métodos, suas atividades, suas ambições e suas conquistas (HERNÁNDEZ DÍAZ, 2015). No entanto, o campo de estudos com essa fonte é pouco explorado frente as diferentes possibilidades de problematizações advindas de sua leitura e, quando são, não ocupam uma posição central ou relevante nas análises.
O estudo em destaque tem por objetivo compreender as práticas escolares do Ginásio Dom Bosco, no período delimitado de 1937 a 1945, a partir da análise do periódico escolar intitulado O Ginásio, elencado para o estudo como fonte principal de análise.
O marco cronológico da pesquisa delineia-se diante do período em que se constata a profusão de publicações desses materiais impressos por estabelecimentos educacionais e, principalmente, compreende o marco cronológico da ação editorial do impresso escolar O Ginásio, por meio do Ginásio Dom Bosco, em Campo Grande, sul do antigo Mato Grosso[2]. Este momento histórico coincide com reformas educativas[3], que garantiram maior participação dos educandos no processo político e educacional do país e consolidaram a importância das publicações de materiais oficiais provenientes de instituições de caráter formativo e do aparelho do Estado.
Recentemente tematizada, a historiografia da educação tem privilegiado pesquisas que ofereçam um corpus documental referente aos meios de comunicação, os quais veiculam textos impressos, por meio de periódicos, jornais, manuais, boletins e revistas (AMARAL, 2003; ARAÚJO; GATTI JÚNIOR, 2002; CAPELATTO, 1988; CASASANTA, 1939; CATANI; BASTOS, 1997; HERNANDEZ DÍAZ, 2015; OSCAR; OLIVEIRA, 2013; SCHELBAUER; ARAÚJO, 2007). Esse é o caso da imprensa escolar que difundiu escritos escolares e ganhou grande manifestação entre os anos de 1930 a 1960.
Ao identificar que, nos trabalhos encontrados, as produções escolares de instituições de ensino vêm corroborando para pesquisas que buscam aproximar-se desses espaços e de seus elementos internos de promoção da cultura escolar, a presente proposta analisa as práticas escolares do Ginásio Dom Bosco, veiculadas nas páginas do impresso escolar da instituição, em um debate teórico-metodológico com a Teoria da Prática[4].
A teoria e os conceitos formulados por Pierre Bourdieu auxiliam na compreensão dos diferentes objetos, à medida que permitem a observância de elementos das relações sociais, a constituição de um habitus[5], a obtenção de capitais[6], a estrutura de um espaço social e o jogo nesse campo[7]. Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2007) compreendem que o pesquisador deve submeter as suas problematizações à interrogação sociológica, pois atestam que estes entendam as questões que orientam seu objeto, não somente no fator teórico, mas também aos movimentos com o grupo e espaço social que pretendem analisar.
Em Bourdieu, o trabalho científico adota uma sequência operacional que tem a função de delimitar o campo de investigação e possibilitar uma análise comprometida com as reais condições do que se passa no interior desse espaço social, isto é, o objetivo da investigação volta-se para conhecer as estruturas que determinam as ações desse campo e como essas estruturas são determinadas pelas relações internas de um segmento social (THIRY-CHERQUES, 2006). O método bourdieusiano consiste em analisar o campo de interesse com a aplicação de conceitos extraídos desse contexto e pertinentes à investigação, de modo a desvelar as práticas de reprodução social sustentadas por um habitus e que explicam a lógica interna do campo.
Para operar esse estudo com a teoria de Pierre Bourdieu, adotou-se o percurso epistemológico proposto por ele e sistematizado por Thiry-Cherques (2006), que envolveu o trabalho nas seguintes etapas: 1) delimitação do campo de interesse; 2) delimitação do objeto na estrutura à qual pertence; 3) reconhecimento das características significativas do sistema de posições desse campo; 4) análise das relações objetivas do campo; 5) análise das disposições subjetivas do campo; 6) organização relacional dos dados da articulação entre as posições do campo; e, por fim, 7) síntese da problemática geral do campo.
Com efeito, com o referencial teórico-metodológico elegido, pretendeu-se desenvolver uma abordagem histórico-educacional que se justifica pela necessidade de extrair do corpo documental do periódico escolar O Ginásio“ os aspectos internos ao sistema de ensino salesiano do Ginásio Dom Bosco, articulado com a sociedade, com o seu tempo e com o campo em que está inserido. Além disso, há o reconhecimento que, nos impressos, “as diferenças na apresentação física e estruturação do conteúdo não se esgotam em si mesmas” (LUCA, 2010, p. 132) e, portanto, oferecem indícios sobre a função assumida pelo impresso no período de sua veiculação.
Com base nesses pressupostos, organizou-se um conjunto com onze exemplares para compor o corpus documental. Os exemplares do periódico escolar, fontes dessa investigação, encontram-se disponibilizados no acervo de obras raras da biblioteca da Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, quais sejam: n. 3, equivalente ao mês de dezembro do ano de 1936; n. 4, 5 e 9, correspondentes aos meses de abril, maio, junho, novembro e dezembro de 1937; n. 16 a 18, dos meses de maio a setembro de 1939; n. 21 de fevereiro e março do ano de 1940; n. 31, representado pelos meses de setembro e outubro de 1941; e, por fim, n. 37 e 40, dos meses de março a abril e novembro a dezembro de 1943.
Para incursionar na análise do impresso escolar O Ginásio, a técnica utilizada foi a de análise de conteúdo, que se manifesta na pesquisa como composta de procedimentos sistemáticos que auxiliam o levantamento de dados e permitem, ao final, a interferência e a interpretação desencadeadas pelo pesquisador diante de seus questionamentos e hipóteses (BARDIN, 2016).
Com a análise de conteúdo, as atenções foram direcionadas para a leitura dos periódicos, a fim de identificar os materiais que seriam aproveitados. A organização das informações foi desenvolvida por um levantamento, no qual foram extraídas informações sobre periodicidade, circulação, edição, tipografia, disposição das páginas, conteúdos e seções para composição de um banco de dados, submetido e adaptado às análises, que resultaram nos seguintes dados:
Quadro 1 – Agrupamento das seções e conteúdos do impresso O Ginásio
Seções |
conteúdo |
“Impressões de visitas” |
Relato da comunidade externa |
“Discurso” |
Pronunciamento cívico |
“Jovem!” |
Conduta dos educandos |
“Crônicas do Ginásio” |
Acontecimentos cotidianos |
“O método educativo de Dom Bosco” |
Procedimentos educativos |
“O Ginásio” |
Imprensa escolar |
“Centro Literário José de Anchieta” |
Atividades escolares |
“Quadro de honra” |
Destaque de resultados |
“Crônica desportiva do Ginásio” |
Ocasiões solenes |
“Secção Recreativa” |
Atividades extraclasse |
Fonte: Elaborado pelas/os autoras/es com base nas fontes de O Ginásio (2020).
Os dados sistematizados retratam as seções mais recorrentes e os respectivos conteúdos nas páginas do periódico escolar, por esse motivo compõem o quadro de análise. A interpretação configurou-se com base em textos variados, tais como: notícias, artigos de opinião, propagandas, contos, crônicas, boletins de serviço, relatórios, atas, dados estatísticos, que aproximaram-se das questões principais do presente estudo.
Elegeu-se o periódico escolar O Ginásio, publicação dos alunos ginasianos, professores e dirigentes do Ginásio Dom Bosco, diante da lacuna presente na escrita da história educacional do estabelecimento e como possibilidade de, a partir do uso da fonte supramencionada, explorar novas abordagens para a compreensão das práticas escolares ligadas ao sistema de ensino salesiano.
Em conformidade com a proposta do estudo, o presente trabalho, organizado em dois tópicos, divide-se em: 1) compreender o Ginásio Dom Bosco como lócus da produção do periódico O Ginásio; e 2) apresentar o impresso da instituição como fonte e instrumento de análises, a fim de extrair elementos indicadores para a compreensão das práticas escolares empreendidas e reproduzidas no Ginásio.
O Ginásio Dom Bosco: consolidação da imprensa escolar salesiana em Campo Grande
Um dos exercícios iniciais do estudo que adota como fonte e objeto um produto que foi consumido e classificado em determinado período e espaço, conforme a teoria de Pierre Bourdieu, compreende a marcação de seu segmento social, isto é, do campo de sua produção e consolidação, por meio da problematização dos mecanismos sociais que envolveram a sua composição.
Nesse sentido, para aproximação da questão principal deste estudo, inclui-se, no momento, a necessidade de apresentar o lócus da produção do periódico escolar, qual seja: o Ginásio Dom Bosco, instituição pioneira do ensino secundário no sul do antigo Mato Grosso e uma das precursoras da imprensa escolar salesiana em Campo Grande. O objetivo, portanto, é trazer elementos do campo educacional brasileiro no período, principalmente da região em destaque, no intento de compreender a formação e consolidação da educação salesiana e da imprensa escolar do Ginásio.
Sobre o campo educacional da região, observa-se que, com a ausência de Ginásios públicos no sul do antigo Mato Grosso, a iniciativa privada impulsionou a educação no estado nas primeiras décadas do século XX. Foram criadas instituições de ensino como o Instituto Pestalozzi[8] em 1915, em Aquidauana, o qual, a convite da prefeitura, foi transferido para Campo Grande, em 1917, e passou a ser reconhecido como Ginásio Municipal de Campo Grande.
O Ginásio foi o marco da educação salesiana no sul do antigo Mato Grosso, pois, a partir dele, iniciou-se a oferta de ensino regular para as crianças e jovens que não gozavam de condições financeiras para ingressar seus estudos na capital do estado Cuiabá, no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Como destaque de sua importância no contexto educacional do período, Bittar e Ferreira Júnior (1999) reconheceram-no como um dos colégios mais tradicionais de Campo Grande para o período.
Os salesianos tiveram papel pioneiro na criação de instituições de ensino no estado, onde fundaram, em 1899, na cidade de Cuiabá, o Liceu Salesiano São Gonçalo e, em Corumbá, o Colégio Salesiano de Santa Teresa e o Colégio Imaculada Conceição. Em Campo Grande, as Irmãs Filhas de Maria Auxiliadora fundaram o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora no ano de 1926. O Ginásio Dom Bosco era destinado e atraía, principalmente, os filhos das classes mais abastadas, proprietários de terra, funcionários públicos, comerciantes, que viam a escolarização na instituição como sinônimo de boa educação religiosa e status social (BRITEZ, 2014).
O estabelecimento salesiano surgiu como uma das escolas pioneiras de iniciativa privada, desenvolvendo-se mais tarde como uma das instituições modelos para o ensino em Campo Grande. Observa-se o valor educacional que a referida instituição teve para a instrução no sul do antigo Mato Grosso, distinta pelo papel de oportunizar às famílias das classes intermediárias condições de proporcionar aos seus filhos uma escolarização secundária, tendo em vista que essa etapa de ensino nos centros urbanos não era acessível a todos.
A formação educacional da instituição era pautada nos princípios religiosos com a adoção do Sistema Preventivo8, prática educativa criada por Dom Bosco como resposta aos problemas desencadeados pelo processo de industrialização no século XIX. A prática surgiu para propiciar aos jovens a oportunidade de inserir-se em uma sociedade mais equitativa, como resposta ao contexto social e econômico do período (BRITO; ARRUDA, 2007).
Considerando o recorte temporal do presente estudo, o momento histórico reconhecido como Estado Novo envolveu o período de novembro de 1937 a outubro de 1945 e teve a liderança e condução do presidente Getúlio Vargas. Este regime foi instituído mediante golpe de estado, no qual Pandolfi (1999) destaca a centralização política e intervenção estatal como características de regimes autoritários para consolidar a interferência do estado diretamente na economia do país, controle que envolveu também as questões sociais e educacionais.
No período, o papel da escola perpassava a necessidade de instruir e passou a ter a preocupação com uma educação de modo a formar e preparar homens cumpridores fiéis de seus deveres da vida cívica, doméstica e profissional. As iniciativas do então ministro da educação Francisco Campos, segundo Horta (2012), estimulavam uma concepção autoritária com a implementação de mecanismos de reforço a autoridade e disciplina nos espaços educativos. O ministro ressaltava que a educação aliada a religião constituiria um meio de recuperar valores ligados à pátria e à família.
Como assinala Bomeny (1999), o governo do país teria que manter boa relação com a igreja católica pois, nesse período, o Brasil apresentava número escasso de escolas oficiais, enquanto nas escolas privadas, em grande maioria compostas de caráter confessional, a presença da igreja católica apresentava fator relevante em sua administração.
O sistema de cooperação desencadeada por Estado e Igreja alinhavam os interesses da seguinte forma: o governo ajudaria financeiramente a igreja a manter seus estabelecimentos em território nacional e em troca, por meio do alcance e poder de influência sobre os fiéis, a igreja se manifestaria explicitamente em favor da ideologia empreendida pelo governo da época (NEVES; SILVA, 2019).
Entre os novos mecanismos de promoção desses ideais, a imprensa escolar, principalmente aquelas ligadas às instituições escolares confessionais, passam a dar visibilidade as beneficies do regime empreendido pelo país. Esse fator influenciou na composição da revista O Ginásio, com uma escrita baseada em temáticas religiosas, patrióticas e disciplinares, com destaque as comemorações cívicas e discursos de autoridades políticas da região sobre o Ginásio Dom Bosco.
Os discursos que eram comuns nessas ocasiões ganhavam destaque nas diversas publicações do ginásio, pois, como destaca Castro (2014, p. 717): “sendo tempo de ditadura e de guerras, o patriotismo estava em alta”. Reflexões estas que auxiliam na compreensão da posição política e social que o ensino do período ocupava no país e, principalmente, dos interesses e das ideologias que estruturaram as ações e as produções simbólicas no campo educacional do país.
No debate educacional, o período foi marcado pelo movimento da Escola Nova, e os ideias de Dom Bosco como educador começaram a ser debatidos nesse contexto. Os aspectos de sua atuação apresentavam-se como um ideal moderno, de desenvolvimento social pelas atividades extracurriculares, em defesa da disciplina sem castigos físicos, para que os sentimentos de liberdade e responsabilidade pelos educandos fossem alcançados em um ambiente de confiança e cordialidade entre os pares envolvidos no processo de ensino.
Eventualmente, a produção e a profusão de impressos escolares estavam ligadas a um contexto histórico e social, e não apenas constituíram-se por meio de práticas fechadas. Localizam-se os impressos escolares a partir do final do século XIX e primeiras décadas do século XX, considerando-os então, como inovação das práticas escolares.
entre as instituições complementares ou associações auxiliares à escola, estimuladas pelos protagonistas da Escola Nova desde as primeiras décadas do século 20, destaca-se o jornal escolar elaborado pelos alunos, como atividade de sala de aula ou extraclasse. Pode-se assinalar que, na segunda metade do século 19, já se encontram vestígios de jornais infantis e escolares no Brasil. (BASTOS, 2013, p. 7).
Houve, contudo, manifestação dos atores estudantes na produção de impressos escolares com circulação em várias cidades brasileiras entre as décadas de 1930 e 1960. A imprensa no período “representava um espaço fundamental como meio de comunicação social” (AMARAL, 2003, p. 123) e a explicação para profusão desses materiais impressos estava no fator de crescente participação social e política dos estudantes no período acenado.
A imprensa fortalecia-se como meio de comunicação social fundamental a serviço dos mais diversos interesses de instituições escolares e grupos sociais. Com esse cenário, o período que coincide com a profusão de publicações de impressos escolares advém com a influência do escolanovismo e do regime político instaurado no país.
Compreende-se que os impressos escolares, em geral, desenvolveram um papel simbólico importante, seja para as discussões educacionais, ou para assuntos políticos e culturais da época. Bourdieu (1989) entende as produções simbólicas relacionando-as diretamente com os interesses particulares a um conjunto determinado de grupo. A escola como sistema simbólico no campo educacional, utilizou-se da imprensa escolar como instrumento da legitimação de seus anseios e como exercício inovador da formação educacional dos jovens.
O surgimento das ações empreendidas nesse campo decorreu da manifestação do tempo e do espaço social, à medida que a sua estrutura consolidou-se e dela demandou produções simbólicas para interferir no comportamento dos seus agentes. Surgiram, então, como estratégia para a legitimação, pois: “os agentes certamente têm uma apreensão ativa do mundo. Certamente constroem sua visão de mundo. Mas essa construção é operada sob coações estruturais” (BOURDIEU, 2004, p. 157).
Eventualmente, os impressos escolares, em circulação entre os anos de 1930 a 1960, estavam ligados a uma estética que objetivava dar destaque ao cotidiano educacional e seu pensamento pedagógico, por meio de uma linguagem veiculada em temas debatidos dentro e fora do ambiente escolar, ligados aos acontecimentos e práticas advindas dele.
Os impressos escritos nas escolas foram instrumentos presentes na escolarização desses jovens de ensino secundário no estado de Mato Grosso entre os anos de 1930 a 1960, em que se destacam além do O Ginásio, as seguintes publicações:
Quadro 2 – Impressos escolares no estado de Mato Grosso (1930-1960)
Título |
Instituição de ensino |
Cidade |
Ecos Juvenis |
Colégio Nossa Senhora Auxiliadora |
Campo Grande |
Vida Escolar |
Internato de Osvaldo Cruz |
Campo Grande |
Vida Escolar |
Colégio Visconde de Taunay |
Campo Grande |
O mensageiro do alumno |
Colaboração dos estudantes da cidade |
Cuiabá |
A Juventude |
Colaboração dos estudantes da cidade |
Cuiabá |
Folha Juvenil |
Liceu Cuiabano |
Cuiabá |
O Estudante |
Liceu Cuiabano |
Cuiabá |
ABC Literário |
Ginásio Osvaldo Cruz |
Dourados |
Fonte: Elaborado pelas/os autoras/es a partir de dados coletados na Superintendência de Arquivo Público de Mato Grosso – SAP-MT, Cuiabá (2020).
Alguns estudos já vêm privilegiando impressos escolares como fonte de investigação de pesquisas histórico-institucionais do sul do antigo Mato Grosso (CASTRO, 2014; MOREIRA; PASSONE-RODRIGUES, 2017; SILVA; MOREIRA, 2014; TRIBILIANO; MARTINS, 2010), nesses há abordagem da relação entre escola, sociedade e estudantes.
Por certo, os estudos empreendidos sobre a imprensa escolar salesiana em Campo Grande aproximam da extensão de elementos que podem surgir para a discussão sobre práticas escolares do Ginásio Dom Bosco, haja vista, o periódico escolar O Ginásio, o qual contempla, em suas colunas e seções, o processo educativo da instituição e do pensamento de Dom Bosco por diferentes contornos textuais.
O material referente à instituição permite uma abordagem sobre o fenômeno educacional, pois veicula uma ideologia, ideais de seus estudantes, professores e da educação no período compreendido. Nunes (1992, p. 51) sugere que: “este velho objeto de investigação, as instituições educacionais, pode tornar-se novo aos nossos olhos na medida em que soubermos trazer à tona, aspectos antes ignorados ou secundarizados”.
Destarte, este tópico buscou evidenciar o campo educacional com a finalidade de compreender sobre a formação e a consolidação da educação salesiana e da imprensa escolar do Ginásio Dom Bosco, o que permite conferir que o periódico O Ginásio foi moldado por meio de características próprias dos interesses educacionais daquele momento e daquele espaço em questão. Some-se a isto que o material provê inúmeras possibilidades de leitura das várias extensões da vida escolar do estabelecimento, notadamente, em relação aos agentes e aos seus hábitos no espaço acenado.
Práticas escolares na instituição salesiana – Ginásio Dom Bosco
Neste tópico, busca-se analisar os principais temas veiculados pelo periódico escolar O Ginásio, os quais evidenciam os aspectos internos da instituição, sobretudo, no que se refere a composição de seu currículo como mediador das práticas escolares do Ginásio Dom Bosco na promoção da escolarização da juventude sul-mato-grossense entre os anos de 1937 a 1945.
Cabe ressaltar que, após conhecer o campo de produção do impresso escolar O Ginásio e situá-lo em relação a estrutura à qual pertence, o passo seguinte compreende a necessidade de decompor as características significativas desse campo, ou seja, os condicionantes objetivos e subjetivos desse espaço social. Para esse exercício, em um primeiro momento, busca-se dar visibilidade ao impresso em questão por meio de uma caracterização do material adotado como fonte de análise. Posteriormente, pretende-se analisar os principais pontos veiculados pelo impresso sobre a atuação educacional do Ginásio Dom Bosco, isto é, suas práticas escolares.
Diante disso, o marco da produção da revista O Ginásio, segundo Castro (2014), correspondeu ao ano de inauguração da construção do prédio do Ginásio Dom Bosco na Avenida Mato Grosso, em Campo Grande, no ano de 1935. O impresso surgiu com inconstância no número de produções[9] e manteve sua circulação no período de uma década.
A sua linguagem, segundo Castro (2014), espelhou o jornalismo do período, pois indicava um parâmetro literário que seguia os moldes do parnasianismo. Com essas características, o impresso constituiu-se,no período de circulação, como um órgão de comunicação tipicamente salesiano com a defesa da sua identidade religiosa e do processo educativo do Sistema Preventivo.
Diante da disposição heterogênea que compôs as páginas do periódico, realizou-se um levantamento com o objetivo de identificar quais seções e conteúdos eram mais recorrentes nas publicações, dados que foram sistematizados no Quadro 1. Por meio desse levantamento, foi possível identificar e analisar as temáticas de cada texto, o que resultou nos seguintes núcleos temáticos selecionados para o desenvolvimento do presente tópico:
Quadro 3 – Núcleos temáticos do impresso O Ginásio
núcleo TEMÁTICO |
unidades |
Conteúdos religiosos e doutrinários |
Regimento interno |
Disciplina |
|
Método educacional |
|
Conteúdos de cunho ideológico |
Civismo |
Ocasiões solenes |
|
Conteúdos lúdicos |
Atividades recreativas |
Programas |
|
Conteúdos sobre a relação redação-leitor |
Grêmio estudantil |
Revista escolar |
Fonte: Elaborado pelas/os autoras/es com base em Weiduschadt e Fischer (2018) e nas fontes de O Ginásio (2020).
Observa-se que o impresso escolar elencado estruturou-se em formato de revista, com uma estética que seguiu um padrão de formatação, periodização e de finalidades que o diferenciava de outros veículos de informação, como jornal e livros. O periódico escolar O Ginásio, no decorrer dos anos de sua publicação, manteve um formato que comportava características acentuadas ligadas às questões religiosas, doutrinárias, culturais, morais e cívicas. Apesar de aderir escritos de diversos colaboradores da instituição e representantes dela, o periódico apresentava-se com edição e organização dos estudantes do Ginásio Dom Bosco.
Em seu aspecto físico, as capas do impresso sinalizavam entre uma figura religiosa e uma imagem que representasse a fachada do prédio do Ginásio Dom Bosco em destaque, como ilustra a Figura 1. As capas seguiam por uma contracapa composta por cabeçalho com data e local da publicação e revelavam uma periodicidade inconstante, sendo as produções mensais, bimestrais, trimestrais e, até mesmo, quadrimestrais.
Figura 1 – Capas do periódico O Ginásio: n. 3, de 1936; n. 17, de 1939 e n. 40, de 1943
Fonte: Biblioteca Central – Acervo de obras raras/UCDB.
Em seções destinadas a resposta dos leitores ao impresso, compreendeu-se que o tipo de circulação não era destinada apenas aos envolvidos diretamente com a instituição, pois exemplares eram distribuídos a personalidades religiosas, políticas e para parte da imprensa geral do estado, para que houvesse retorno do público externo sobre as publicações, como destaca a nota do jornal Do Campograndense, de imprensa geral da cidade de Campo Grande, sobre o impresso:
Ora, então, que haveríamos de dizer sobre uma obra de moços intelectuais? Que essa revista, sempre bem cuidada intelectualmente e bem-feita materialmente é o espirito agudo e refulgente da juventude, que polariza pelas boas letras, a moral, a ordem, a disciplina e o intelectualismo emanados do Ginásio Dom Bosco. “O Ginásio” é órgão oficial do Grêmio Padre José de Anchieta, um viveiro de moços inteligentes e estudiosos autênticos projetos dos nossos grandes homens do futuro. (O GINÁSIO, 1939, p. 34).
Eventualmente, o corpo editorial da revista era composto pelos integrantes do Grêmio Literário José de Anchieta, grupo estudantil mobilizado por estudantes do Ginásio, na tentativa de elevarem os seus níveis de ensino. Sobre a confecção do material, as narrativas desse grupo indicavam a preocupação da época: “era preciso um veículo de nossas ideias e de nossos pensamentos. Não tardou. Aparece, então, para boa orientação do Centro, a modesta revista: “O Ginásio”, a Voz de Anchieta, e o fruto da nossa iniciativa!” (O GINÁSIO, ano 1, nº 5,1937, p. 9). O periódico foi apresentado como um instrumento para veicular os ideais desses educandos, mais precisamente dos que compunham o quadro do Grêmio Literário José de Anchieta e que atuavam na confecção do material.
Por meio da caracterização desses exemplares, foi possível ponderar, inicialmente, que o impresso constituía-se como um material simbólico da instituição para veiculação de um quadro predeterminado de conteúdos, elaborados e editados por um grupo específico, destinados a um público geral e autorizados a circular com a mensagem desse campo dominado pelos diversos interesses, mas, principalmente, ligados aos interesses de ordem educacional e religiosa.
A luta que nos foi apresentada nesse campo pode ser compreendida como uma luta por excelência simbólica para a conservação ou transformação do mundo social mediante a publicação do impresso escolar. Os agentes editores ou responsáveis envolvidos nesse jogo produziram estratégias capazes de mobilizarem os agentes leitores, todavia, a lógica da produção dos juízos que circundaram as páginas do material estava subordinada à lógica da aquisição do poder, que segundo Bourdieu (2004), é a da mobilização do máximo de agentes no campo.
Notadamente, para a construção da lógica desse campo, o agente, conforme sua posição, internalizava – em suas vivências e conforme as regras do jogo – estruturas cognitivas e avaliatórias e, por meio delas, reorganizava suas práticas no sentido de superar ou manter sua posição no espaço social em questão (BOURDIEU, 2004).
Em consonância com a caracterização desse material, os pontos que compõem o seu conteúdo auxiliam na compreensão dos aspectos internos da instituição salesiana e aproximam-se da análise da lógica desse campo. Para essa análise, é viável destacar que as instituições salesianas no país adaptaram-se às novas exigências da educação do período, mas mantiveram suas práticas educativas voltadas ao atendimento dos princípios do Sistema Preventivo de Dom Bosco. De tal modo que para os educandos estava reservado o direito de liberdade nos espaços do educandário, passeios, jogos, festividades, grêmios literários, já que aos superiores estava destinado o dever de prevenir com vigilância, sem castigos corporais, pois, ao entendimento do sistema, “na medida em que os educadores fossem amados e respeitados, bastaria um simples olhar ou uma palavra para que os alunos tomassem consciência de suas faltas e já se sentissem castigados” (AZZI, 1982, p. 102).
Das práticas advindas do sistema empreendido por Dom Bosco, observou-se que os salesianos ancoravam-se em três eixos centrais na ação educativa, quais sejam: a religião, a razão e o carinho. Esses elementos deveriam estar sempre presentes nas atividades desempenhadas no estabelecimento salesiano de ensino, ao passo que o objetivo estava ligado à formação de cidadãos úteis e bons cristãos para a sociedade (BRITO; ARRUDA, 2007).
Na consulta ao periódico supramencionado, reuniram-se elementos para conjecturar sobre a composição de um currículo educativo atrelado às práticas religiosas, práticas cívicas e práticas morais da instituição salesiana. Essa base de práticas buscadas para compor o Sistema Preventivo angariou ações do Ginásio Dom Bosco para que seus estudantes tivessem contato direto com os mais variados conhecimentos científicos, religiosos, físicos e morais.
O currículo do referido Ginásio contava com a união entre os diferentes ramos disciplinares, que iam desde exercícios espirituais, os quais contemplavam a ação religiosa, exercícios artísticos com atividades musicais, atividades teatrais, exercícios literários e exercícios esportivos. A adesão pelo paralelismo das ações educacionais ganhava destaque nos eventos propostos pela instituição, como indica o trecho: “este conjunto artístico-musical tem-se já exibido nas festas sociais e religiosas do Ginásio, recebendo justos aplausos das pessoas presentes e da imprensa local” (O GINÁSIO, 1939, p. 30). As atividades variadas em suas áreas de conhecimento estavam a serviço do desenvolvimento educacional do Ginásio, ligadas às ações artísticas e atreladas as ocasiões sociais e religiosas.
As atividades desenvolvidas no Ginásio Dom Bosco ganharam destaque nas páginas do impresso por constituírem-se como integrantes das ações da instituição, principalmente direcionadas ao trabalho com o corpo discente. Também foi possível perceber a maior participação dos jovens na composição dos exercícios propostos, com a integração de grupo literário, atividades teatrais, encontros literários, sessão musical, jogos esportivos, e, até mesmo, na publicação de seções no periódico da instituição.
No trecho que trata sobre a “Sessão Litero-Musical e recreativa”, notou-se o envolvimento do Ginásio com programas que auxiliavam no processo educacional de seus estudantes, tal como as sessões extraclasses:
Não se podem encarecer bastantemente as vantagens do teatrinho nos colégios salesianos, onde, além da honesta e apreciada diversão que é oferecida a todos, os jovens atores exercitam em variadas exibições de curtos dramas, comédias, farsas, diálogos, recitativos, cantos, sonatas etc., e assim adquirem o precioso desembaraço para mais tarde discursas em público e pôr em bela amostra a cultura que possuem, o que é indubitavelmente um fator valioso de êxito pela vida afóra, sempre mais áspera e cheia de competições. (O GINÁSIO, 1937, p. 19).
Observou-se que tais práticas desencadeavam-se para promover a complementação educativa dos jovens estudantes, para que, assim, obtivessem propriedades nos diferentes campos do conhecimento e para agirem preparados nos desafios propostos dentro e fora do ambiente escolar. Assim, os programas podem ser compreendidos como preparo comportamental dos jovens, com o propósito de adquirirem repertório diversificado para as próximas etapas da formação educacional.
As práticas escolares veiculadas pelo impresso eram revestidas de complexidade de relações, de escolhas, influências e determinantes externos que orientavam as publicações da imprensa escolar da instituição. É, nesse campo educacional, que o agente estudante, o agente editor ou o agente leitor incorporava disposições que moldavam sua maneira de pensar e agir, esses condicionantes definiam as suas ações, estruturavam a sua subjetividade e orientavam suas práticas.
As práticas são, contudo, as ações desempenhadas e reproduzidas pelos agentes de determinado grupo e espaço social, que podem ser modificadas, transmitidas e configuradas conforme as suas experiências. O habitus nesse movimento é definido como um: “‘sentido do jogo’, uma ‘razão prática’, uma obediência não consciente a regras tácitas, resultado de um longo processo de inculcação” (LAPLANE; DOBRANSZQY, 2002, p. 61).
Nesse movimento, as atividades transcritas pelos impressos sinalizaram momentos pensados para introduzir ações que possibilitassem o maior envolvimento dos estudantes com o processo educacional e, consequentemente, para a formação de um habitus salesiano, isto é, um estado estabelecido do caráter moral e religioso, capaz de orientar as condutas do educando mediante a doutrina imposta. Além disso, estimulavam a busca por conhecimentos dos mais variados âmbitos, sem fugir dos preceitos normativos da instituição.
Ademais, o periódico O Ginásio exercia um papel de estímulo entre os estudantes, a fim de garantir as boas implicações da instituição aos olhos daqueles que o lessem, por meio de condecorações daqueles que estiveram em destaque positivo no processo educativo, medido pela instituição pelo cumprimento dos deveres exigidos e participação com êxito nas atividades propostas. Assim, além de prêmios por aproveitamento do ano letivo, identificou-se os prêmios de “Música vocal; Música instrumental e Declamação e palco” (O GINÁSIO, 1943, p. 35).
Além disso, o Sistema Preventivo de Dom Bosco não deixava de chamar a atenção sobre como o espaço educacional por completo interferia diretamente na ação educativa e nos resultados esperados. Neste sentido, o estabelecimento apontava preocupação quanto aos espaços de trocas, tal intenção podia ser identificada na seguinte passagem extraída do periódico: “ao passar pela portaria, ao ingressar nas aulas, nos pórticos, pátios, e demais repartições, o jovem nota que a disciplina e a ordem reinam; criando assim um ambiente propicio para o amor ao estudo” (O GINÁSIO, 1940, p. 17).
Como resultado dessa prática, os espaços das escolas ocupavam-se por caráter de importância no processo educacional dos estabelecimentos salesianos e nas páginas do impresso escolar. Os dormitórios, o pátio, a sala de aula, os laboratórios, a capela, os banheiros, todos os lugares tinham uma função a ser desempenhada no ensino e deveriam representar um ambiente agradável de segurança, higiene, saúde, moralidade e conforto. Por esses motivos tinham destaque nas publicações as matérias que exaltavam os espaços formativos da instituição, como, por exemplo, o laboratório de física e o Cineteatro da Figura 2.
Figura 2 – Espaços educacionais do Ginásio Dom Bosco no periódico O Ginásio n. 9, de 1937, e n. 21, de 1940
Por meio dessas publicações, notou-se que o Ginásio salesiano comportava uma ampla estrutura física com a promoção de ambientes que perpassavam a sala de aula, com destaque ao seu laboratório de física, pátio, refeitório, dormitório, consultório médico e enfermaria. Os espaços, portanto, tornaram-se um dos fatores condicionantes das práticas escolares do Ginásio Dom Bosco, pois incorporavam elementos educativos que auxiliavam na composição do processo educacional proposto pela instituição.
Com o rigor pensado para os espaços educativos, o estudo com esse foco emana apreender aspectos sobre o interior das instituições escolares, espaços compreendidos como sistemas que têm um poder simbólico de possibilitar aos agentes a aquisição de esquemas de percepção e apreciação do real e as estruturas objetivas de um determinado conhecimento legítimo, pois esse poder é capaz de “confirmar ou transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 14).
Em sua obra intitulada A economia das trocas simbólicas, Bourdieu (2011) aproxima-se do contexto escolar para explicitar como processam-se as ações nesse meio. As instituições escolares carregam consigo um poder simbólico capaz de proporcionar condições para apropriação dos bens produzidos, consumidos e classificados desse espaço social. Há a possibilidade de os agentes incorporarem as estruturas objetivas, capazes de, além disso, reestruturar o habitus por meio da apropriação simbólica de determinado campo.
Para o referido autor, toda a história do campo social está presente em cada momento histórico na sua forma reificada, ou seja, instituições e serviços permanentes e, na forma incorporada, como atitudes dos agentes que fazem funcionar essas instituições. Assim, restringir os agentes à função de executantes e coniventes da política desses aparelhos é permitirmo-nos, como pesquisadores, fugir à observação das práticas (BOURDIEU, 2011).
Em virtude disso, a escola age como autora da produção e reprodução da cultura e da ideologia da estrutura de classes, contudo, reproduz as relações sociais por meio de seus agentes e, mais precisamente, de seus interesses. Nesse movimento, é presente uma ação que remonta um sistema de pensamentos que auxilia na criação do habitus, isto é, cria elementos para despontarem no agente a tendência de agir conforme determinados códigos e condutas, capazes de caracterizá-los como pertencentes a um grupo.
Esses fatores podem ser identificados na composição das páginas do impresso escolar O Ginásio, já que a instituição promotora desse material transferiu seus interesses na condição de estabelecimento educacional confessional para seu público leitor.
Em contraste, o periódico posiciona-se diante de uma gama de práticas escolares que são consolidadas por meio de atividades, que envolveram elementos educacionais, religiosos e doutrinários, mas que também foram influenciadas por fatores externos ao estabelecimento de ensino, como questões ligadas à política e ao regime da época. Essas questões foram selecionadas para compor o impresso, à medida que a imprensa escolar salesiana consolidou-se como instrumento simbólico na promoção da lógica desse campo e do habitus salesiano para a juventude sul-mato-grossense.
Considerações finais
Esse estudo teve por objetivo analisar as práticas escolares da instituição salesiana Ginásio Dom Bosco, no sul do antigo Mato Grosso, entre os anos de 1937 a 1945, a partir do impresso escolar intitulado O Ginásio. A investigação de caráter bibliográfico e documental empreendeu um diálogo com estudos da História da Educação e subárea de Impressos escolares, a fim de incursionar uma abordagem histórico-educacional do Ginásio. Para tal, foi eleita como aporte a teoria empreendida por Pierre Bourdieu, no intento de extrair das páginas do impresso os aspectos internos ao sistema de ensino salesiano e o papel desempenhado pelo impresso no fomento das práticas escolares do Ginásio.
O estudo adotou como objeto um tipo específico de impresso: o periódico escolar O Ginásio. Entendeu-se que o formato da revista abrangeu características próprias que incluíam assuntos que procuravam atingir determinado público leitor e, portanto, cumpria um papel estratégico na difusão de valores e modo de vida católica, mais especificamente, salesiana. Nesse sentido, a sua caracterização e a sua análise foram aliadas as nuances existentes na circulação da revista, pois as propostas estéticas e culturais do impresso estiveram atreladas a lutas e a perspectivas sociopolíticas do seu espaço de produção e circulação, isto é, ligadas aos interesses do campo educacional do período.
O contexto de sua produção e circulação envolveu um período de grandes debates educacionais e reordenação das práticas educativas com o regime ditatorial do Estado Novo e o movimento escolanovista. Esses marcos influenciaram e demandaram dos espaços educacionais atitudes renovadoras para a formação da juventude brasileira, situação que abriu caminho para a consolidação da imprensa escolar, principalmente, daquela aliada a participação ativa da comunidade discente. A imprensa escolar não apresentou um padrão de publicação, mas se adequou aos condicionantes editoriais das instituições a qual pertenciam e, com isso, elevou as ações das escolas a um novo nível de participação educacional e social.
Com a possibilidade de produção educacional proposta pela ação da imprensa e, acima de tudo, da sua relação com a escola, as práticas escolares fizeram-se presentes na composição das páginas do periódico escolar O Ginásio. Essas ações tiveram como princípio geral um processo educacional pautado nos preceitos do Sistema Preventivo de Dom Bosco, o qual moldou sua estrutura sob a égide de um processo religioso, combinado aos aspectos disciplinares, cívicos, constituidores de um método educacional característicos de suas propostas, processo esse que foi legitimado pela instituição por meio da veiculação de temáticas ideológicas na composição da revista.
A construção desse periódico escolar demandou questões de ordem autoral, como o modo de pensar salesiano e exposição de conteúdos que auxiliavam no fomento das práticas escolares empreendidas e almejadas pelo Ginásio Dom Bosco. Os responsáveis editoriais lidaram com representações do quê e de como deveriam comportar as páginas do impresso e, com isso, puderam tornar-se também criadores de novas práticas e representações a serviço do Ginásio. Logo, a construção desse produto cultural e simbólico foi condicionada às práticas próprias desse campo e auxiliou na consolidação e efetivação de novas práticas escolares e de comportamentos baseados na conduta religiosa, doutrinária, cívica, mas sem perder de vista o caráter educacional.
Esses aspectos enfatizaram as formas e condições que o periódico foi disponibilizado a seus leitores, a saber: uma disposição física voltada a exaltação educacional e religiosa por meio de imagens dos espaços educacionais do Ginásio; um corpo editorial composto por integrantes envolvidos no Grêmio Estudantil e Centro Literário da instituição, isto é, textos redigidos pelos estudantes escritores e leitores; e conteúdos sobre o lado positivo e os bons resultados do processo educacional e cotidiano escolar do Ginásio Dom Bosco.
Destarte, a lógica desse campo pautou-se na efetivação de um produto simbólico como aliada na defesa do sistema educacional preventivo e propagação de suas ações, mas que também fosse voz dos aliados e apoiadores da instituição em Campo Grande, sul do antigo Mato Grosso, entre os anos de sua circulação. Essas fontes agruparam agentes em torno de ideais, crenças e valores da época e da instituição, o que tornou esse empreendimento um projeto coletivo empenhado em difundir os interesses e as práticas escolares empreendidas pelo Ginásio por meio da escrita do periódico escolar.
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Notas
[1] Diante da gama de denominações em pesquisas emanadas pelos impressos produzidos no âmbito escolar (periódico estudantil, periódicos pedagógico, periódico de professores e etc.), adotou-se a definição de periódico escolar por compreender O Ginásio como material elaborado com a participação dos diferentes agentes escolares do Ginásio Dom Bosco, em Campo Grande, antigo Mato Grosso, que contam com a participação de professores, diretores, estudantes, personalidades políticas, religiosas e demais convidados a escrever para o público leitor do impresso.
[2] Compreendem-se ao longo da pesquisa o estado de Mato Grosso unificado, visto que a sua divisão foi concretizada pelo governo Ernesto Geisel em 1977. Com a separação, a região sul passou a denominar-se Mato Grosso do Sul, e Campo Grande tornou-se a capital do novo estado.
[3] O período delimitado abrange alguns movimentos significativos na constituição da educação no país, a fim de constituir uma escola pública de qualidade, gratuita, laica nos moldes republicanos. Segundo Veiga (2007) o período compreende etapas da organização administrativa, estrutura organizacional, debates políticos e teóricos em defesa da educação moderna, com reformas educacionais guiadas pelos princípios da Pedagogia Nova.
[4] A Teoria da Prática trata de entender as relações desenvolvidas em determinada estrutura social pelos agentes nela envolvidos.
[5] A noção de habitus é um dos elementos essenciais da Teoria da Prática de Pierre Bourdieu, ao passo que, ele direciona a ação dos integrantes no campo. O agente, diante das suas condições no espaço social, adquire disposições que configura seu perfil frente ao grupo.
[6] O fator que motiva a posição social dos agentes, frente ao jogo, são os capitais (econômico, cultural, social, escolar etc.) que estes detêm. O que determina e classifica os agentes desse meio social é o valor econômico carregado, o cultural e o social, que não se restringem ao plano do objetivo, mas que se desenvolve nas relações implicadas pela luta no campo.
[7] Os campos são espaços sociais no qual os agentes estão situados e jogam com os capitais que possuem para se manterem no jogo. Por sentido de jogo, compreendemos que nesse espaço de posições sociais, bens simbólicos e materiais são produzidos, consumidos e classificados que geram o sentido de tensões para a manutenção, produção e legitimidade de espaço e reconhecimento para si mesmos (BOURDIEU, 1983).
[8] Frente às diferentes denominações que a instituição recebeu, é importante salientar que a origem do Colégio Dom Bosco foi o Instituto Pestalozzi, fundado em Aquidauana, em 1915, transferido para Campo Grande em 1917, no qual passou a ser reconhecido como Ginásio Municipal de Campo Grande (por ser subvencionado pela Prefeitura). Em 1930 a Missão Salesiana adquiriu a escola, mudando seu nome para Ginásio Municipal Dom Bosco. Reconhecida por Decreto Federal de 1934, passou a ser denominado no ano de 1948 como Colégio Dom Bosco, por meio de novo decreto federal.
[9] Durante a coleta e catalogação das fontes não se teve acesso a todos os exemplares, e por esse motivo não foi identificada a quantidade exata de impressos confeccionados e distribuídos.