Infraestrutura das creches e pré-escolas em Belo Horizonte: condições de oferta e distribuição territorial

Early childhood education infrastructure in Belo Horizonte: offer conditions and territorial distribution

 


Franceline Rodrigues Silva

Doutoranda na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

franceline.rodrigues30@gmail.com - https://orcid.org/0000-0003-0213-3192

 

Daniel Santos Braga

Doutorando na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

danielsantosbraga@gmail.com - http://orcid.org/0000-0001-5075-4570

 

Lívia Maria Fraga Vieira

Professora doutora na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

liviafraga59@gmail.com – https://orcid.org/0000-0002-9036-0151

 

 

Recebido em 04 de março de 2020

Aprovado em 09 de abril de 2020

Publicado em 31 de janeiro de 2021

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir as condições de oferta da educação infantil em Belo Horizonte em relação à sua estrutura física e distribuição territorial. Foram utilizadas como fontes de dados o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do ano de 2018 e o Atlas Brasil. A construção dos indicadores de adequação das condições de oferta foi feita por uma escala numérica contínua aferida para melhor se adequar aos propósitos deste estudo tendo como unidade de análise as escolas de educação infantil públicas e privadas (conveniadas ao poder público ou não) e sua relação com a Unidade de Desenvolvimento Humano à qual pertencia. O estudo permitiu constatar que muitas escolas de educação infantil de Belo Horizonte não apresentam todas as condições de infraestrutura em níveis satisfatórios. Por outro lado, evidenciou que a distribuição territorial das creches e pré-escolas corresponde satisfatoriamente à demanda, sendo que as escolas públicas estão presentes nas áreas com maiores necessidades de atendimento por parte do Estado.

Palavras-chave: Educação infantil; Condições de oferta educacional; Infraestrutura de escolas; Belo Horizonte

 

ABSTRACT

This article aims at discussing the offer conditions for early childhood education in Belo Horizonte concerning its physical structure and territorial distribution. The National Institute of Educational Studies and Research's 2018 School Census and Atlas Brasil were used as data sources. The construction of the supply conditions adequacy indicators was made by a continuous numerical scale measured to better fit the purposes of this study having as unit of analysis the public and private schools of infant education (convened to the public power or not) and its relationship with the Human Development Unit to which it belonged. The main findings of this study are the evidence of the Belo Horizonte' early childhood education precarious supply conditions schools, as well as their unequal territorial distribution, taking into account the needs of the population of regulatory age for this stage.

Keywords: Early childhood education; Educational offer conditions; School infrastructure; Belo Horizonte.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, são importantes marcos na trajetória histórica pela democratização do acesso à educação escolar no Brasil. Pela primeira vez na história do país, a educação é estabelecida como um direito público subjetivo, e o dever do Estado é afirmado e ampliado para a garantia deste direito.  Além disso, a educação escolar de crianças de zero a cinco anos, a educação infantil, é integrada aos sistemas de ensino, compondo com o ensino fundamental e médio, a educação básica. Os Planos Nacionais de Educação – PNEs de 2001 (Lei 10.172) e 2014 (Lei 13.005), aprovados conforme exigência da LDB, traçaram metas decenais para ampliação da oferta e do acesso a essa etapa da educação básica, buscando realizar as garantias constitucionais.

            Entretanto, estudos apontam que o país está longe de cumprir as metas estabelecidas pelos planos decenais (OCDE, 2017; OBSERVATÓRIO, 2018) permanecendo excluídas da educação escolar em 2017 um número significativo de crianças de quatro e cinco anos (cerca de 9,5% - 500 mil crianças) e um número maior de crianças de zero a três anos (cerca de 69,6% - déficit de 2,4 milhões de vagas). Ainda que nas últimas décadas tenha existido um esforço para superar os obstáculos da universalização da pré-escola e ampliação da oferta de creches, pesquisas revelam inúmeros desafios para a garantia do acesso à educação infantil.  (SILVA, 2017). O diagnóstico do PNE de 2001 já apontava que a maioria dos estabelecimentos não contava com profissionais qualificados e não dispunham de mobiliário, brinquedos e outros materiais pedagógicos adequados (BRASIL, 2001). Esse diagnóstico foi repetido quase que na íntegra no documento de referência do PNE de 2014, aprovado pela Conferência Nacional de Educação (BRASIL, 2010), sugerindo a permanência das dificuldades para a expansão da educação infantil.

            Belo Horizonte também foi palco de discussões sobre a oferta de educação escolar para crianças de zero a cinco anos no esteio da promulgação da Constituição de 1988 e da LDB/1996. Esses debates, nucleados pela elaboração da nova Lei Orgânica Municipal, se intensificaram no início dos anos de 1990 com a eleição de governos ligados aos setores do campo democrático-popular, que imprimiram um novo direcionamento de ações e políticas com vistas a atender às reivindicações de ampliação de vagas na escola pública. Em 1998, foi instituído o Sistema Municipal de Ensino (SME/BH) na capital de Minas Gerais, e criado o Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte (CME/BH), órgão de caráter deliberativo, normativo e consultivo, com o objetivo de assegurar aos grupos representativos da sociedade o direito de participar da definição das diretrizes da educação no âmbito municipal.

Com base nessas atribuições, em 2000, o CME/BH regulamentou a criação e o funcionamento da educação infantil no município. Assim sendo as instituições de cuidado e educação da criança de zero a cinco anos deveriam cumprir as normas estabelecidas pela Resolução CME/BH 01/2000 relativas à formação dos profissionais, aos espaços, instalações e equipamentos, à proposta pedagógica, à documentação, entre outras. As creches e pré-escolas precisavam estar de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação infantil, definidas pelo Conselho Nacional de Educação (2009), para estabelecer com autonomia as suas propostas pedagógicas.

A partir de 2003, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte iniciou a implementação das Unidades Municipais de Educação infantil (UMEIs), que se tornaram referência de qualidade na oferta de ensino dessa etapa. Assim, a educação infantil em Belo Horizonte passou a ser ofertada por diferentes tipos de instituições. As públicas, com as UMEIs, as pré-escolas municipais (antigos jardins municipais), as escolas de ensino fundamental com turmas de educação infantil. As privadas, sendo as creches e pré-escolas conveniadas com a prefeitura, além das particulares ou filantrópicas/comunitárias não conveniadas com o poder público municipal.

Diante de um contexto de grande déficit de vagas em escolas para crianças de zero a cinco anos, o PNE 2014-2024 estabeleceu em sua Meta 1 a universalização do acesso às pré-escolas e a ampliação da oferta nas creches, de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de zero a três anos até 2024. Além disso, a Meta 7 definiu o fomento à qualidade em todas as etapas da educação básica, incluindo a educação infantil. Uma das estratégias para esse esforço encontra-se na determinação de padrões mínimos de qualidade dos serviços da educação básica a serem utilizados como referência para infraestrutura das escolas, incluindo também recursos pedagógicos, entre outros insumos relevantes (estratégia 7.21).

Levando em conta a coexistência de distintas iniciativas e tipologias de estabelecimentos de educação infantil em Belo Horizonte, o objetivo deste artigo é analisar as condições de oferta das creches e pré-escolas no município. Para isso, foram utilizados os dados do Censo Escolar do ano de 2018 (formulário das turmas e das escolas), realizado sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O artigo foi dividido em duas partes. Na primeira, buscou-se apresentar uma discussão sobre a especificidade jurídica da educação infantil, assim como o seu desenvolvimento histórico no município de Belo Horizonte. Na segunda parte, foi traçado o perfil das condições de oferta da educação infantil no município de acordo com dois parâmetros: infraestrutura dos estabelecimentos e sua distribuição territorial.

A educação infantil e sua trajetória em Belo Horizonte

A educação infantil, hoje composta pelos segmentos de creches e pré-escolas, estabelecida no espaço escolar e no sistema educacional, é uma construção social e histórica.

O atendimento público na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME/BH) fora iniciado em 1957, quando da inauguração do Jardim Municipal Renascença (BELO HORIZONTE, 2016). De 1957 até o ano de 2003, o atendimento proporcionado às crianças pequenas na RME/BH se deu apenas para a faixa etária de quatro a seis anos, em horário parcial, nas escolas municipais de educação pré-escolar (chamadas de jardins municipais) e em escolas municipais do ensino fundamental, nas quais funcionavam turmas de educação infantil. As matrículas na rede municipal até o início dos anos 2000 não chegava a 5.000 crianças naquela faixa de idade.

Até 2004, as crianças de zero a três anos de idade não eram contempladas pela rede pública municipal de Belo Horizonte. Inicialmente, nas décadas de 1950 e 1960, esse atendimento realizava-se em poucas creches de origem filantrópica. No final dos anos de 1970, novas iniciativas foram vislumbradas com a emergência das creches comunitárias na região industrial de Belo Horizonte (SILVA, 2002; TERRA, 2008), motivadas pelo movimento de mães trabalhadoras que reivindicavam um lugar de guarda e educação para os seus filhos, para poderem trabalhar, sendo muitas delas as únicas responsáveis pelo sustento da família.  

A precariedade de políticas públicas educacionais para as crianças pequenas na cidade levou, pela mobilização de mulheres engajadas em grupos de apoio como as comunidades eclesiais de base e outros setores sociais, à criação do Movimento de Luta Pró-Creche (MLPC), que objetivava, em um primeiro momento, obter recursos financeiros para manutenção das creches (SILVA, 2008). Em 1983 foi assinado o primeiro convênio da Prefeitura de Belo Horizonte com essas creches, por intermédio da Secretaria de Saúde (VEIGA, 2005). A partir desta data esta política de convênios foi se consolidando no âmbito do município, passando a ser administrada pela área da assistência social. Persiste até os dias atuais. Administrada pela Secretaria de Educação, a partir de 2002, a política de convênios vem sendo sistematicamente fortalecida como uma das modalidades de oferta de educação infantil em Belo Horizonte, subsidiada com recursos públicos financeiros e técnicos.  

Dialogando com os avanços da legislação nacional em relação às creches e pré-escolas e em direção ao reconhecimento da educação infantil como uma etapa da educação básica, em 21 de março de 1990 é promulgada a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte e, posteriormente em 1998, é constituído o Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte (SME/BH), sancionado pela prefeito Célio de Castro com a Lei nº 7.543, de 30 de junho de 1998. Um impacto direto da criação do SME/BH na educação infantil foi a transferência do gerenciamento dos convênios com 176 creches da Secretaria Municipal de Assistência Social para a Secretaria Municipal de Educação, no ano de 2002 (TERRA, 2008).

O estabelecimento de novas bases para a política de educação infantil visando a melhoria das condições da oferta educacional nesta etapa da educação básica, incluindo a oferta pública de creches, se expressou na aprovação, em 11 de novembro de 2003, da Lei nº 8.679/2003. Por meio dessa lei são criadas as UMEIs e instituído o cargo de Educador Infantil (BELO HORIZONTE, 2003). Até essa data, a ampliação do atendimento às crianças na faixa etária da educação infantil efetuado pela Prefeitura de Belo Horizonte acontecia predominantemente por meio dos convênios com instituições comunitárias e filantrópicas (PINTO, 2009). As UMEIs, como indica a legislação municipal, foram criadas com a finalidade de garantir pleno atendimento educacional às crianças de até 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de idade. Neste intuito, foram também consideradas uma referência no país pelo projeto arquitetônico adotado, como se destaca a seguir:

[...] Isso se dá em função de que, pela primeira vez no município, uma equipe interdisciplinar (formada por arquitetos, engenheiros, pedagogos e outros profissionais) se reuniu para pensar, arquitetar e construir um padrão de instituição que fosse sensível às necessidades das crianças em termos de cuidado e educação. Exemplo maior da grandeza desse programa de construção de instituições de Educação infantil é o fato de que ele se tornou referência obrigatória no Ministério da Educação, tanto que o projeto arquitetônico das UMEIs de Belo Horizonte está presente nos Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação infantil como exemplo de construção para todo o país (SANTOS, 2017, n.p, grifos nossos).

Três anos antes da criação das UMEIs, o Conselho Municipal de Educação vota a Resolução CME/BH nº 01/2000, substituída, em 2015, pela Resolução nº 001/2015, fixando as normas para a criação e o funcionamento das instituições de educação infantil no Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte (BELO HORIZONTE, 2015). Ambas as resoluções trazem determinações relativas aos espaços físicos, instalações e equipamentos dessas instituições educacionais, apresentadas no Quadro 1 abaixo:

 

Quadro 1 –Determinações legais para os espaços, instalações e equipamentos de instituições de educação infantil de Belo Horizonte

Resolução CME/BH nº 01/2000 (art. 14)

Resolução CME/BH nº 001/2015 (art. 50)

Espaço para recepção;

 Recepção;

Sala de professores, para serviço administrativo-pedagógico e de apoio;

Sala própria para atividades administrativas e pedagógicas/ sala de professores;

Salas para as atividades das crianças, com ventilação adequada, iluminação natural e artificial e visão para o ambiente externo, com mobiliário e equipamentos adequados;

 Salas para atividade das crianças, com dimensões que garantam, no mínimo, 1m² (um metro quadrado) por criança, com ventilação direta e iluminação natural, que podem ser complementadas com a artificial;

Refeitório, instalações e equipamentos para o preparo de alimentos, que atendam às exigências de nutrição, saúde, higiene e segurança, nos casos de oferta de alimentação;

  Refeitório/ Instalações, equipamentos e condições para o preparo e/ou fornecimento de alimentos, que atendam às exigências de nutrição, saúde, higiene e segurança;

Disponibilidade de água potável para consumo e higienização;

Instalação de água potável para consumo e higienização, acessível às crianças;

Instalações sanitárias completas, adequadas e suficientes para atender separadamente crianças e adultos;

Banheiros infantis adequados às faixas etárias atendidas, com portas desprovidas de chaves e trincos, que garantam a proporção de: 1 (um) vaso sanitário para cada 20 (vinte) crianças; 1 (um) lavatório para cada 20 (vinte) crianças; chuveiros em quantidade suficiente para atender a rotina de banho definida pela instituição, tendo como parâmetro 1 (um) chuveiro para cada 20 (vinte) crianças;/ Banheiros, para uso exclusivo de adultos, com instalações sanitárias completas;/

 Área com incidência direta de raios de sol ou espaço externo que atenda a essa necessidade;

Mobiliário e equipamentos adequados às atividades pedagógicas, em quantidade suficiente e tamanho proporcional à faixa etária atendida, não se constituindo em obstáculo nem cerceamento à liberdade de movimento das crianças/ Banheiro infantil equipado para atender crianças com deficiência ou adaptações nos banheiros existentes;

Área de serviço, lavanderia;

 Área de serviço/lavanderia devidamente equipada com tanque; depósito de material de limpeza e armário para guardar vassouras, rodos e similares, adequados e em bom estado de conservação e segurança; local adequado para depósito de lixo, que não permita o acesso das crianças;

Área coberta para atividades externas compatível com a capacidade de atendimento, por turno, da instituição.

 Espaço externo organizado com:

a) área com incidência direta de raios solares;

b) área coberta;

c) área verde;

d) parque infantil.

 

Berçário provido de berços individuais, com espaço mínimo de meio metro entre eles, dentro das normas de segurança específicas para este mobiliário, com área livre para movimentação das crianças, locais para amamentação e para higienização de utensílios, com balcão e pia, espaço próprio para banho das crianças;

__

__

Sala multiuso destinada a atividades diferenciadas, planejadas de acordo com a proposta pedagógica, com equipamentos e acessórios adequados;

__

 Biblioteca ou cantinhos de leitura nas salas de atividade ou sala multiuso.

__

Materialidade, jogos e brinquedos adequados à faixa etária atendida, em boas condições de uso e segurança incluindo os que valorizem a diversidade étnico racial.

ESPAÇOS PRÓPRIOS PARA INSTITUIÇÃO QUE ATENDER CRIANÇAS DE 0 (ZERO) A 2 (DOIS) ANOS DE IDADE

___

Ambiente para repouso provido de berços individuais ou similares, que respeitem a distância mínima de 50 (cinquenta) centímetros entre eles e as paredes;

___

Ambiente que possibilite a movimentação e estimulação das crianças;

___

Solário próprio ou área livre para o banho de sol

___

Local para banho e de troca de roupa das crianças, com lavatório para utilização dos adultos;

___

Local para guardar os materiais de higiene de uso individual das crianças;

___

Lactário;

___

 Materialidade e brinquedos adequados à faixa etária atendida, em boas condições de uso e segurança incluindo os que valorizam a diversidade étnico racial.

 

 

Fonte: Elaboração própria a partir das informações disponíveis nas Resoluções do Conselho Municipal de Educação (2000, 2015).

 

 

Percebe-se que as resoluções (2000, 2015) compartilham a maior parte dos espaços físicos enumerados e considerados básicos para atender funções que são próprias das creches e pré-escolas, a saber: recepção, sala de professores, de serviço administrativo-pedagógico, sala para atividade das crianças, refeitório, água potável para consumo e higienização, banheiros adequados às crianças e para uso exclusivo dos adultos, jogos, brinquedos, lavanderia, área para atividade externa (coberto, área verde, parque infantil). Na Resolução CME/BH nº 001/2015 são arrolados ainda os espaços de multiuso, biblioteca ou cantinhos de leitura, bem como, espaços próprios para as instituições que atendem crianças de 0 a 2 anos de idade, como ambiente de repouso provido de berços ou similares, solário, local para banho, para guardar materiais de higiene, bem como brinquedos e materialidade adequada à faixa etária.

O respeito a tal normativa do CME/BH (2015) pelas instituições de educação infantil do Sistema Municipal de Ensino de Belo Horizonte não poderia ser mera formalidade ou uma alternativa a ser seguida pelas escolas a fim de evitar as sanções da sua inobservância. O espaço escolar é elemento-chave a ser observado no planejamento do desenvolvimento integral da criança, uma forma silenciosa de ensino. O espaço físico é um ingrediente que potencializa (ou restringe) a expressão da criança, bem como revela a pedagogia adotada pelas instituições escolares (NASCIMENTO; FIRME; CUNHA, 2015). É também um dos elementos que compõem as condições de trabalho dos profissionais da educação.

Infraestrutura e distribuição territorial das escolas de educação infantil em Belo Horizonte

Para mensurar a infraestrutura das escolas de educação infantil em Belo Horizonte, foram utilizados os dados do Censo Escolar de 2018. O Censo é uma pesquisa declaratória realizada anualmente pelo INEP e que abrange todas as escolas do país. Os gestores das escolas preenchem quatro formulários informando aspectos das escolas, das turmas, dos alunos e dos profissionais que atuam naquele estabelecimento (BRASIL, 2018). No formulário das escolas constam elementos como o atendimento de serviços públicos de alimentação, água, luz e saneamento básico; arquitetura do prédio e suas diversas dependências; e equipamentos para o desenvolvimento de práticas didático-pedagógicas. Informações como sexo, idade, cor/etnia dos estudantes matriculados no ano do recenseamento integram o formulário das matrículas. A pesquisa se utilizou desses componentes para avaliar a adequação das condições de oferta das escolas de educação infantil de Belo Horizonte quanto à infraestrutura.

Para delimitar a espacialidade dentro do município, a pesquisa se utilizou das Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH) catalogadas pelo Atlas Brasil, a partir de dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. A UDH é um recorte espacial construído com o objetivo de captar a diversidade de situações relacionadas com o desenvolvimento humano no interior dos espaços intrametropolitanos, especialmente em seus grandes municípios (ATLAS, 2014). Foi proposta uma configuração desses espaços intrametropolitanos, respeitando os critérios e exigências do IBGE, os quais deveriam ser os mais homogêneos possíveis, em termos socioeconômicos (homogeneidade), contíguos (contiguidade) e que fossem reconhecidos por parte da população residente (identidade) (ATLAS, 2014). O município de Belo Horizonte constava, em 2010, com 277 UDH. Como descrito acima, as fronteiras das UDH não coincidem com as dos bairros uma vez que seus autores desejavam agregar características mais homogêneas das regiões.

Belo Horizonte, no Censo Escolar de 2018, contava com 873 escolas ativas com oferta de educação infantil. Destas, 833 atendiam crianças de zero a três anos e 830 atendiam crianças de quatro e cinco anos. Ambos os segmentos, creches e pré-escolas, estavam presentes em 90% delas.

Quanto à dependência administrativa, as escolas estavam distribuídas da seguinte forma:

 

Tabela 1 - Distribuição de frequência das escolas de educação infantil em Belo Horizonte quanto à dependência administrativa, 2018

Dependência Administrativa

Frequência

%

Municipal

186

21,3%

Privada

687

78,7%

Total

873

100%

Fonte: Censo Escolar/INEP, 2018

 

Dessa maneira, 21,3% das escolas de educação infantil em Belo Horizonte eram públicas, sendo mantidas pela rede municipal de ensino. Das 186 escolas municipais, 131 eram UMEIs e 14 eram escolas que atendiam exclusivamente educação infantil, mas que não eram classificadas como UMEIs. Quarenta e duas eram escolas multietapas que atendiam tanto segmentos da educação infantil quanto do ensino fundamental: dezenove escolas ofertavam os anos iniciais e 23, os anos finais dessa etapa. 22 escolas ainda contavam com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

As escolas privadas eram distribuídas quanto ao tipo da seguinte forma:

 

Tabela 2 - Distribuição das escolas privadas de educação infantil de Belo Horizonte quanto à categoria, 2018

Categoria

Frequência

%

 

Particular

456

66,4%

Filantrópica

151

22,0%

Comunitária

73

10,6%

Confessional

7

1,0%

Total

687

100%

Fonte: Censo Escolar/INEP, 2018

 

As escolas privadas ainda podem ser classificadas quanto à presença de convênio com o poder público, sendo a distribuição de frequência em Belo Horizonte, em 2018, disposta da seguinte forma:

 

Tabela 3 - Distribuição das escolas privadas de educação infantil de Belo Horizonte quanto à presença de convênio, 2018

Convênio

 

Frequência

%

Não conveniada

483

70,3

Conveniada

204

29,7

Total

687

100

Fonte: Censo Escolar/INEP, 2018

 

As escolas públicas e privadas de educação infantil de Belo Horizonte atendiam, naquele ano, 49.641 crianças em creches e 51.129 nas pré-escolas. Esse número de matrículas (100.770) representava 64,5% de crianças entre zero e cinco anos de Belo Horizonte em 2018, de um total de 156.111 com essa idade. Nesse sentido, o município ainda não havia cumprido a primeira parte da Meta 1 do PNE, prevista para 2016, de universalizar o acesso às pré-escolas dado que aproximadamente 19,1% das crianças de quatro e cinco anos não estavam matriculadas em nenhuma instituição de educação infantil. Por outro lado, quanto à segunda parte da Meta 1, da ampliação de oferta de creches para crianças de zero à três anos de forma a atender, no mínimo, 50% até 2024, Belo Horizonte alcançou a taxa de atendimento de 53,4% já em 2018.

A rede privada respondia pela maioria das matrículas da educação infantil no município (54,2%), sendo que a proporção era maior no segmento das creches (56,7%). Da mesma maneira, mais da metade das matrículas nas escolas conveniadas eram destinadas às crianças de zero a três anos (54,6%). Já as matrículas municipais da educação infantil estavam concentradas nas pré-escolas, perfazendo 53,4% do total.

Ao contextualizar as informações do número de escolas e matrículas nas UDH da cidade (Figura 1), a sua distribuição territorial acompanhava a população em idade escolar para a educação infantil. Ou seja, com poucas exceções, o número de escolas era maior nas UDH com maior população de zero a cinco anos. Em 111 UDH não existia nenhuma escola de educação infantil em 2018, embora existisse nessas unidades, número significativo de crianças em idade correspondente.

 

Figura 1 - Mapa temático de Belo Horizonte da população de 0 a 5 anos e do número de escolas por UDH

Fonte: Censo Escolar/INEP, 2018; Atlas Brasil, 2014

 

Quando consideradas apenas as escolas públicas, estas estavam equitativamente distribuídas territorialmente, podendo ser encontradas em todas as nove regionais da capital de Minas Gerais. Com poucas exceções, o maior número de escolas públicas em uma UDH também coincidia com as UDH da cidade com maior população de zero a cinco anos. Sua localização também estava distribuída em consonância com a renda per capita na cidade, estando mais presentes em áreas de maior vulnerabilidade social, como pode ser visto na Figura 2.

 

Figura 2 - Mapa temático de Belo Horizonte de localização de escolas públicas em relação à renda per capita em R$ (deflacionada) por UDH

Fonte: Censo Escolar/INEP, 2018; Atlas Brasil, 2014

 

Em relação à infraestrutura das escolas de educação infantil, a pesquisa considerou uma escala construída por Duarte, Gomes e Gotelipe (2019), de medição da adequação da escola. Nessa escala, os critérios estabelecidos para a construção das variáveis de referência objetivaram ponderar a qualidade da infraestrutura a partir da articulação de itens presentes no Censo Escolar (DUARTE; GOMES; GOTELIPE, 2019).

No formulário das escolas, os autores selecionaram 32 variáveis, que foram agrupadas em três conjuntos: i) atendimento de serviços públicos (água, energia, saneamento e alimentação); ii) instalações físicas e; iii) equipamentos de uso administrativo e/ou pedagógico. Após a ponderação pela complementaridade dos itens, os valores atribuídos geraram 16 variáveis de referência numéricas, discretas e ordinais (DUARTE; GOMES; GOTELIPE, 2019). Com a aplicação da análise fatorial, pelo método das componentes principais, com rotação ortogonal (varimax) e método de k-médias, os pesquisadores obtiveram três fatores para explicação de variância, sendo que o primeiro, por responder por 44,2% da variância foi utilizado como índice de avaliação da infraestrutura.

No entanto, a escala elaborada por Duarte, Gomes e Gotelipe se referia ao ensino fundamental, o que levou os autores a excluírem itens específicos de outras etapas, como os relativos à educação infantil. Nesse sentido, esta pesquisa adaptou a escala para analisar aspectos da educação infantil, tais como presença de banheiros específicos para educação infantil e parques infantis, a partir dos elementos presentes no artigo 50 da Resolução CME/BH nº 001/2015. Da mesma forma, foram desconsiderados itens que, apesar de poderem fazer parte dos processos da educação infantil, não são fundamentais para que ele ocorra, não constando, por exemplo, nos Parâmetros básicos de infraestrutura do Ministério da Educação e na Resolução CME/BH nº 001/2015, tais como aparelhos de televisão, som e outros. Assim, foram selecionadas dez variáveis de interesse para a pesquisa.

As variáveis de interesse, bem como a combinação de itens considerados no Censo estão apresentadas nos Quadros 1 e 2. Também são apresentados os valores atribuídos às combinações, sendo 2 (dois) pontos para infraestrutura do item considerada “adequada”; 1 (um) para “básica”; e 0 (zero) para “abaixo da básica”.

 

Quadro 2 – Agrupamento de itens quanto aos serviços públicos

Variáveis de interesse

Combinação das variáveis primárias

Valor atribuído

(1)

Abastecimento de água

Água filtrada de rede pública de abastecimento

2

Água filtrada sem rede pública de abastecimento

1

Água não filtrada

0

 (2)

Energia elétrica

Por rede pública de energia

2

Outra forma de obtenção de energia

1

Energia elétrica inexistente

0

 (3)

Saneamento básico

Por rede pública e coleta periódica ou reciclagem

2

Outras formas de destinação do lixo e esgoto

1

Sem rede pública, coleta periódica ou reciclagem

0

(4)

Alimentação

Alimentação*, cozinha e refeitório

2

Alimentação conjugado com cozinha ou refeitório

1

Alimentação sem cozinha e refeitório

0

Fonte: Duarte, Gomes e Gotelipe, 2019 (adaptada).

* Para as instituições privadas, não foi considerada oferta de alimentação escolar.

 

Em relação às condições de infraestrutura do atendimento de serviços públicos, o fornecimento de água, energia elétrica e saneamento foram as variáveis de interesse que representaram o maior percentual de adequação de infraestrutura das instituições de educação infantil belo-horizontinas. Todas as 873 escolas da capital tinham o fornecimento de água e energia em níveis adequados. Apenas três instituições privadas apresentaram saneamento básico insatisfatório, sendo que duas delas não eram atendidas por rede pública de esgoto, funcionando com fossas sanitárias; e uma delas não recebia serviço de coleta periódica de lixo.

Do primeiro agrupamento de itens, somente a variável de interesse 4 (Alimentação) apresentou níveis expressivos de desigualdades entre as escolas. Apesar da maioria das instituições (73,2%) ter, em 2018, instalações para o preparo e/ou fornecimento de alimentos, 234 escolas de educação infantil não estavam em condições adequadas no tocante a esse elemento. Onze das 42 escolas municipais multietapas, dez UMEIs e três das 14 escolas de educação infantil públicas não classificadas como UMEIs, bem como 173 escolas privadas (duas delas conveniadas) apresentavam somente uma das instalações – ou cozinha, ou refeitório, sendo sua condição de infraestrutura para a variável considerada “básica”. Trinta e sete escolas tiveram sua condição quanto à Alimentação considerada “abaixo da básica”: sete UMEIs registraram não terem cozinha e nem refeitório, o mesmo ocorrendo em 30 escolas privadas, sendo duas delas conveniadas.

A análise das instalações e dependências escolares (Quadro 3) revela maiores desigualdades entre as escolas de educação infantil de Belo Horizonte.

 

Quadro 3 – Agrupamento de itens quanto às instalações e equipamentos

Variáveis de interesse

Combinação das variáveis primárias

Valor atribuído

(5)

Local de funcionamento

Funciona em prédio próprio

2

Se o prédio é cedido ou alugado

1

Outros locais de funcionamento

0

(6)

Sanitários

Banheiros para adultos, crianças, deficientes e chuveiro

2

Banheiros específicos para adultos e crianças

1

Não ter banheiro ou para adultos ou para crianças

0

(7)

Dependências administrativas

Diretoria, Secretaria e Sala de professores

2

Pelo menos duas dependências administrativas

1

Apenas uma ou nenhuma dependência administrativa

0

(8)

Dependências complementares

Almoxarifado, despensa e lavanderia

2

Pelo menos duas dependências complementares

1

Apenas uma ou nenhuma dependência complementar

0

(9)

Áreas de recreação

Pátio, parque infantil e área verde

2

Pelo menos duas áreas de recreação

1

Uma ou nenhuma área de recreação

0

(10)

Atendimento Especializado

Dispõe de acessibilidade e sala de recursos

2

Ou acessibilidade ou sala de recursos

1

Sem acessibilidade e sem sala de recursos

0

Fonte: Duarte, Gomes e Gotelipe, 2019 (adaptada).

 

A maior parte das instituições de educação infantil da cidade, em 2018, funcionavam em prédios escolares. No entanto, 72 delas – todas privadas, sendo 16 conveniadas – apresentavam situação abaixo da básica quanto à variável. Desse total, duas funcionavam em salas de empresas, 19 funcionavam em templos de igrejas, três em casa de professores(as), duas em galpões e 46 em outros tipos de locais que não prédios escolares. Metade das escolas privadas funcionavam em espaços cedidos e/ou alugados (22,9% dessas eram conveniadas).

Em relação aos sanitários (variável de interesse 6), a maior parte das instituições de educação infantil (65,6%) apresentavam condições básicas de infraestrutura do item. Ou seja, tinham pelo menos banheiros para adultos separados de banheiros adaptados para crianças. Um quarto (201) das escolas apresentaram níveis adequados, segundo o artigo 50 da Resolução CME/BH nº 001/2015, contando com banheiros distintos para crianças e adultos, banheiros para crianças com deficiência e ainda chuveiro. A maioria das escolas nessa situação eram privadas (81,1% do total), sendo que as conveniadas representavam 14,1% do total de escolas com nível adequado de infraestrutura para a variável de interesse.

Quando consideradas apenas as escolas públicas, uma em cada dez UMEIs (10%) registraram não terem banheiros específicos para adultos. Uma em cada cinco (20,6%) responderam ao Censo do INEP informando não terem banheiros adaptados para crianças. Mais da metade das escolas multietapas também reportaram não terem banheiros específicos para crianças, perfazendo 52,4% do total desse tipo de escola. Em relação a banheiros adaptados para crianças com deficiência e chuveiro, respectivamente apenas 51,6% e 43% das escolas públicas contavam com o item em 2018.

As dependências administrativas e complementares (variáveis de interesse 7 e 8) compõem espaços e instalações voltadas para atividades diversas da escola, tanto para professores, gestores, secretaria e demais funcionários. Mais da metade das escolas contava com salas para os professores, diretoria e secretaria (56,1%). Enquanto o percentual de UMEIs em nível abaixo do básico, isto é, com apenas uma das dependências administrativas era de 12,2%, o mesmo era verdade para 19,9% de instituições privadas.

Das três dependências administrativas, a sala da diretoria era a menos presente nas UMEIs, existindo em pouco mais da metade delas (58%). Já salas para a secretaria e para os professores estava presente em 87,8% desse tipo de instituição. Nas instituições privadas, a dependência menos disseminada era a sala de professores, estando presente em 63,5% das escolas. Nesse tipo de instituição, 84,6% e 84,9% das escolas contavam em 2018 com salas para secretaria e diretoria, respectivamente. A sala de professores é considerada requisito que proporciona boas condições de trabalho, em pesquisas que buscam conhecer a percepção de docentes da educação básica sobre o trabalho docente. Constitui-se em elemento que expressa valorização profissional (OLIVEIRA, VIEIRA, 2012).

Metade dos prédios escolares de educação infantil de Belo Horizonte em 2018 (50%) não era equipado com almoxarifado, despensa e lavanderia. Quarenta e sete escolas públicas (sendo 46 UMEIs) não contavam com nenhuma das três dependências complementares, perfazendo 35% do total. O mesmo ocorria com 16,9% do total de escolas privadas, correspondendo, em números absolutos, a 116 escolas que não tinham nenhuma dependência complementar. Considerando apenas as escolas conveniadas, destas apenas 2% não tinham nem almoxarifado, despensa ou lavanderia. Das três dependências complementares, a mais disseminada era o almoxarifado, constando em 64,5% das escolas de educação infantil; e a menos presente era lavanderia, constando em 39,3% das instituições.

No tocante às áreas de recreação, a pesquisa verificou que 115 escolas municipais (61,8% do total de escolas públicas), sendo 89 UMEIs, não tinham todos os espaços previstos no artigo 50 da Resolução CME/BH nº 001/2015 (pátio, área verde e parque infantil). Apenas 4,8% das escolas públicas apresentaram níveis adequados nessa variável de interesse, ou seja, apenas nove escolas tinham os três espaços (seis UMEIs, duas escolas multietapas e uma escola exclusiva de educação infantil não classificada como UMEI). Os parques infantis eram as áreas de recreação mais disseminadas nas escolas municipais, presentes em 55,4% delas. Por outro lado, as áreas verdes só ocorriam em 21% das escolas públicas. Em 44,1% das escolas desse tipo se verificou presença de pátios.

Na variável acima, as escolas privadas, apresentaram maiores níveis de adequação, (40%), do que as públicas (4,8%). Pouco mais da metade das privadas (52,1%) contavam com pelo menos duas áreas de recreação. Apenas 39 escolas privadas de educação infantil contavam com somente um espaço de recreação e duas não tinham nem pátio, área verde ou parque infantil.

Por fim, a variável de interesse 10 avaliou a existência de espaços e acessos da escola adequados às crianças com deficiência ou mobilidade reduzida e sala de atendimento educacional especializado. Essa variável foi a que apresentou percentual mais baixo de adequação (2,4%). Duas em cada três escolas privadas (68,0% do total) não tinham recursos de acessibilidade e nem salas de recurso. Nas escolas públicas, o mesmo ocorria para 12,4% das escolas. Sobressai que em 82,4% das UMEIs havia espaços acessíveis para crianças com deficiência em 2018, o que somente era verdade para 36,2% das escolas privadas, e para 19,6% das escolas conveniadas.

Após a descrição das características de infraestrutura das escolas de educação infantil de Belo Horizonte a partir das dez variáveis de interesse, construiu-se um índice do Nível de Adequação de Infraestrutura (NAI), indo de 0 a 1. Ou seja, quanto mais o NAI de uma escola for próximo de 0 pior a infraestrutura dessa escola e quanto mais próximo de 1, melhor a infraestrutura. O NAI foi construído a partir da soma da pontuação em cada item, dividido por 20 (pontuação máxima). Dessa forma, foi possível estabelecer um grau de comparação entre as escolas de educação infantil de Belo Horizonte. A Tabela 4 revela que o grupo de escolas públicas, em seu conjunto, apresenta maior média de NAI em relação às escolas privadas.

 

Tabela 4 - Estatísticas descritivas do Nível de Adequação de Infraestrutura das escolas de educação infantil de Belo Horizonte, 2018

Escolas

n

amplitude

mínimo

máximo

Média

CV

Belo Horizonte (total)

873

0,60

0,35

0,95

0,6947

16,7%

Escolas Públicas

186

0,55

0,40

0,95

0,7075

13,9%

Escolas Privadas

687

0,72

0,25

0,97

0,6913

17,4%

Fonte: Censo Escolar/ INEP, 2018

 

Na comparação dos dados desagregados por tipo de escola pública (Figura 3), é possível verificar que, em 2018, a maior média de NAI é de escolas exclusivas de educação infantil que não eram classificadas como UMEIs. Apesar dessas escolas terem a mediana do NAI ligeiramente superior em relação a das escolas multietapas, não há diferença estatisticamente significativa entre elas (U=221,500; p>0,05). Dentre as escolas públicas, as UMEIs apresentam menor mediana, com diferença significativa dos demais tipos (U=1659; p<0,05 em relação às escolas multietapas e U=339; p<0,05 em relação as escolas de educação infantil não classificadas como UMEI). As UMEIs e as escolas multietapas apresentam maior variabilidade de NAI.

 

Figura 3 - Boxplot dos NAI das escolas públicas de educação infantil de Belo Horizonte por tipo, 2018

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Escolar/ INEP, 2018.

 

Uma possível explicação para esse resultado é que as escolas multietapas compartilham a infraestrutura do ensino fundamental, que historicamente teve políticas focalizadas por mais tempo. Já as escolas de educação infantil não classificadas como UMEIs podem apresentar melhor NAI devido também ao fato de terem organização e prédios similares aos do ensino fundamental.

A comparação entre escolas não conveniadas e conveniadas (Figura 4) aponta que estas têm maiores níveis de adequação de infraestrutura e menor desigualdade interna.

 

 

Figura 4Boxplot dos NAI das escolas privadas de educação infantil de Belo Horizonte por situação de convênio, 2018

 

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Escolar/ INEP, 2018.

 

 

As médias das NAI das escolas de educação infantil das redes pública e privada estão territorialmente distribuídas da seguinte maneira:

 

Figura 5 - Mapa temático de Belo Horizonte de Nível de Adequação de Infraestrutura das escolas de educação infantil públicas e privadas por UDH, 2018

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Escolar/ INEP, 2018.

 

A dispersão territorial das NAI de escolas de educação infantil nas representações gráficas de Belo Horizonte não permite afirmar concentração de piores ou melhores indicadores de infraestrutura espacialmente na cidade.

Considerações finais

Por quase cinco décadas, de 1957 a 2003, as matrículas municipais da educação infantil em Belo Horizonte restringiam-se à faixa etária de quatro a seis anos, em horário parcial. Eram distribuídas entre as escolas municipais de educação infantil, as escolas municipais de ensino fundamental com turmas pré-escolares. Pode-se acrescentar também o atendimento prestado por instituições comunitárias e filantrópicas conveniadas com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, pois recebedoras de recursos públicos. No que diz respeito à estrutura física, essas instituições apresentavam situações distintas, o que se pode conhecer por alguns estudos e documentos oficiais (IRHJP/SMDS, 1993; VIEIRA, 1998; DALBEN et al., 2002; BELO HORIZONTE, 2016). Verificou-se a existência de espaços improvisados e inapropriados, com ventilação e iluminação insuficientes, ausência de materiais pedagógicos e brinquedos, comprometendo as condições de trabalho, a proposta pedagógica e o bem-estar das crianças.

Com os avanços no campo normativo, que integraram creches e pré-escolas aos sistemas de ensino, e o aumento da demanda educacional para bebês e crianças pequenas, é possível verificar mudanças positivas nas condições de oferta pública de educação infantil em Belo Horizonte. A criação das UMEI propiciaram a expansão da oferta pública de educação infantil, deram o início da oferta pública de creches, para crianças de zero a três anos, e inauguraram um investimento marcante em construção de prédios escolares, considerados como referência em Minas Gerais, e no país, ao buscar contemplar, no desenho arquitetônico de uma instituição escolar, as necessidades de desenvolvimento, de aprendizagens, de brincar e interagir das crianças pequenas.

No entanto, a análise de dados do Censo Escolar 2018, no que se refere à infraestrutura escolar, nos permitiu aceder a alguns resultados que preocupam e que demandam a continuidade da investigação. De maneira geral, apenas no tocante aos serviços públicos (abastecimento de água, eletricidade, esgoto e saneamento básico) as creches e pré-escolas de Belo Horizonte, públicas e privadas, alcançam níveis satisfatórios de adequação. Problemas de infraestrutura se manifestam na permanência do atendimento de crianças em templos de igreja, casa de professores, galpões e outros tipos locais que não prédios escolares. Da mesma forma, grande parte das escolas carecem de espaços de leitura, parques infantis, áreas verdes e banheiros adaptados para as necessidades das crianças. A disponibilidade de recursos para o atendimento de crianças com deficiência também é insuficiente na maioria das escolas privadas, embora esteja significativamente presente nas UMEIs, que também são as instituições com maior presença de sala de professores. 

Os resultados encontrados com a aplicação do índice do Nível de Adequação de Infraestrutura (NAI) contrariam algumas expectativas iniciais. Por exemplo, as escolas do tipo públicas multietapas são as que apresentam o maior NAI, isto é, a melhor infraestrutura. Todavia, sabe-se que um dos questionamentos em relação a essas instituições é justamente não apresentarem uma estrutura adequada às necessidades de desenvolvimento das crianças pequenas, dado a sua característica de atender outras etapas de ensino além da educação infantil e crianças com idades acima de cinco anos. As UMEIs por sua vez, conhecidas como instituições referência, inclusive pelo Ministério da Educação, apresentam o menor NAI dentre as escolas públicas, tendo também o maior grau de variação entre as instituições públicas, revelando que no universo das UMEIs há desigualdades nas condições de infraestrutura, isto é, nem todas dispõem de uma estrutura adequada.

Mesmo considerando que a expansão da oferta da educação infantil no município de Belo Horizonte nas últimas décadas aconteceu na perspectiva de fortalecer o direito à educação das crianças pequenas, ainda é preciso um esforço por parte do poder público no sentido do cumprimento da Meta 1 do PNE/2014, sobretudo em se tratando das creches. Esse esforço se torna ainda mais evidente em relação à Meta 7, no que se refere às condições físicas de oferta de uma educação infantil de qualidade. Tendo em vista tais resultados, fazem-se necessários prosseguir nos estudos sobre a adequação da infraestrutura das escolas de educação infantil, sobretudo das UMEIs, a fim de se verificar in loco as condições de oferta, cotejando-se esses estudos com as informações fornecidas pelo Censo Escolar.

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