Pensamento pedagógico-geográfico de professor e a autonomia docente

Pedagogical-geographical thinking of teacher and autonomy teaching

 

Carina Copatti

Universidade Federal da Fronteira Sul. Chapecó, Rio Grande do Sul, Brasil.

c.copatti@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0003-0485-388X

 

Recebido em 13 de fevereiro de 2020

Aprovado em 23 de agosto de 2021

Publicado em 30 de setembro de 2021

 

RESUMO

O artigo apresenta como proposta debater o conceito de pensamento pedagógico-geográfico de professor como constructo do profissional necessário à autonomia docente. Parte-se da seguinte questão: de que maneira, na formação do professor de Geografia, o Pensamento Pedagógico-Geográfico é constituído e como contribui à autonomia docente? Este artigo resulta de um recorte da tese de doutorado e propõe um debate teórico que relaciona referenciais teóricos e elementos originados da pesquisa empírica realizada com professores que atuam na educação básica, anos finais do ensino fundamental. Utilizou-se a entrevista semiestruturada como recurso e a Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011) como metodologia de análise dos dados para a construção das categorias, as quais foram interpretadas a partir da Teoria Crítica e da Hermenêutica. Resulta, nesse processo, um movimento inicial de reflexão sobre pensamento geográfico e pensamento geográfico de professor e, posteriormente, reflexões sobre o conceito de Pensamento Pedagógico-Geográfico como uma estrutura necessária à construção da autonomia docente do professor de Geografia.

Palavras-chave: Formação de professores; Autonomia docente; Pensamento Pedagógico-Geográfico.

 

ABSTRACT

The article presents as a proposal to debate the concept of pedagogical-geographic thinking of teachers as a construct of the professional necessary for teaching autonomy. It starts with the following question: in what way, in the formation of the Geography teacher, is Pedagogical-Geographic Thinking constituted and how does it contribute to teaching autonomy? This article results from an excerpt of the doctoral thesis and proposes a theoretical debate that relates theoretical references and elements originated from the empirical research carried out with teachers who work in basic education, the final years of elementary school. The semi-structured interview was used as a resource and the Content Analysis by Laurence Bardin (2011) as a methodology for data analysis for the construction of the categories, which were interpreted from the Critical Theory and Hermeneutics. In this process, an initial movement of reflection on geographic thinking and geographic thinking of the teacher results, and, later, reflections on the concept of pedagogical-geographic thinking as a necessary structure for the construction of the teaching autonomy of the Geography teacher.

Keywords: Teacher training; Teaching autonomy; Pedagogical-geographical thinking.

Introdução

Utilizar a linguagem como interlocutora de diálogos e para compreender estruturas de pensamento foi um movimento construído nos percursos que constituem as proposições trazidas ao debate neste artigo, o qual é originário de um recorte da tese de doutorado, defendida em 2019. A partir da pesquisa desenvolvida foi possível tecer interpretações e construir significações por meio da comunicação com professores que atuam na educação básica.

Estas reflexões potencializam o debate sobre a dimensão de formação em Geografia e os aportes necessários para a docência em âmbito escolar, finalidade principal da formação de professores nessa área do conhecimento. Nesse sentido, o debate centra-se na construção de elementos basilares a esse processo, o qual entende-se como um modo de pensar geográfico que pressupõe um modo de abordar a Geografia no contexto do ensino escolar, a partir do que denominamos de Pensamento Pedagógico-Geográfico (PPG).

Nesse debate, a questão central intenta responder: de que maneira, na formação do professor de Geografia, o Pensamento Pedagógico-Geográfico é constituído e como contribui para a autonomia docente? O objetivo, a partir dessa questão problematizadora, é debater o conceito de Pensamento Pedagógico-Geográfico, compreendido como constructo do profissional, um processo necessário ao desenvolvimento da autonomia do professor para a docência.

Propõe-se, assim, um debate que relaciona referenciais teóricos e a pesquisa empírica, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com professores de Geografia que atuam nos anos finais do ensino fundamental em distintas redes de ensino públicas e/ou privadas de oito municípios situados no norte do estado do Rio Grande do Sul. As entrevistas foram realizadas entre setembro e novembro de 2018, em encontros individuais com cada professor.

A escolha dos participantes foi feita com base na indicação realizada por coordenadores de cursos de Geografia de três universidades (públicas e privadas). Dessa forma, foram contatados os três professores indicados por cada instituição, totalizando nove professores, agendando datas, horários e locais indicados pelos participantes. No entanto, um destes profissionais optou por não participar, sendo mantidos, assim, oito participantes. Além deles, foram realizados pré-testes com dois outros professores convidados no intuito de verificar se as perguntas propostas estavam claras e adequadas à pesquisa. Dessa forma, manteve-se o total de dez participantes. Os entrevistados foram identificados como Pt (pré-teste: 1 e 2, referindo-se aos dois primeiros entrevistados e os demais professores são identificados a partir da sigla P (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7 e P8).

A estrutura das entrevistas foi organizada em três momentos: escolha da profissão, inserção profissional e interpretação de imagens pelo olhar geográfico. Inserem-se, neste artigo, especificamente aspectos sobre pensamento geográfico e pensamento geográfico de professor, cujos dados foram interpretados a partir da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011).

A Análise de Conteúdo constitui um conjunto de técnicas que mostram aquilo que aparece indiretamente nas falas relativamente espontâneas dos entrevistados. A partir disso foram gerados dados “brutos”, integralmente transcritos. Depois foi realizada a decifração estrutural, ou seja, a compreensão do material a partir de três etapas: 1) pré-análise; 2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A pré-análise, segundo Bardin (2011), compreende a escolha dos documentos para análise. Nesse processo se utiliza a leitura flutuante (conhecimento dos documentos), a escolha dos documentos (define-se o que utilizar do material), a formulação de hipóteses e objetivos (afirmações provisórios a partir da análise), a referenciação dos índices e elaboração de indicadores (escolha de índices em razão das hipóteses, e sua organização em indicadores); e, por fim, a preparação do material (organizado para interpretação).

Segundo Bardin (2011), a segunda etapa se refere à exploração do material, e consiste em operações de codificação, decomposição ou enumeração dos dados. A etapa seguinte abarca o tratamento dos resultados e a interpretação, quando o material é codificado, o que corresponde à transformação dos dados brutos, que, por meio de recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo. Nessa fase são produzidas categorias considerando elementos de um conjunto agrupados por diferenciação, depois reagrupados por analogia.

As categorias foram originadas a partir da análise e interpretação das informações, compondo três grupos principais: a) dimensão profissional; b) dimensão formativa subjetiva e pessoal; c) dimensão social; cada uma apresentando subcategorias.

As interpretações realizadas foram tecidas sob aportes da Teoria Crítica e da Hermenêutica. A Teoria Crítica propõe pensar aspectos da realidade para propor outras possibilidades. O método hermenêutico procura interpretar o texto tentando encontrar nele a alegoria presente. Sob este viés, a reflexão crítica acentua a diferença, e o contraste constitui-se, basicamente, como instrumento para detectar a ruptura do sentido; a reflexão hermenêutica enfatiza a identidade, buscando nos muitos sentidos a unidade perdida. Ambas operam por processos reflexivos complementando-se no entendimento da realidade (STEIN, 1986; KUHN, 2016).

Apresenta-se, num primeiro momento, o debate sobre pensamento geográfico e pensamento geográfico de professor. Posteriormente, propõe-se reflexões a partir do conceito de Pensamento Pedagógico-Geográfico, considerado basilar para a construção da autonomia docente.

Pensamento Geográfico e a construção de um pensamento geográfico de professor

A partir do pensamento, a espécie humana pôde avançar na compreensão do conhecimento sobre distintos aspectos, dentre eles em relação ao espaço habitado. Nós somos resultado de muitos pensamentos, ações e construções que permitiram à humanidade desenvolver-se e estruturar-se do modo como a concebemos em suas diversas formas e singularidades. Nessa construção, imersas no mundo, as diferentes sociedades humanas criaram distintas formas de pensamento geográfico, de forma não sistematizada, mas que contribuíram significativamente para inúmeros conhecimentos que foram construídos ao longo do tempo.

O pensamento geográfico resulta destes processos que possibilitaram, pela complexificação do pensamento, construir e reconstruir interpretações e tecer proposições sobre distintas análises realizadas sobre o espaço. Esse movimento possibilitou, ao longo do tempo, ir além das experiências no espaço próximo (espaço vivido), teorizando e complexificando a relação também com outros espaços. A partir da imaginação e da reflexão a partir do experenciado com relação aos espaços ausentes, foi possível construir teorias e, ao longo do tempo, avançar para novas e diferentes formas de interpretar o espaço geográfico e as relações nele constantemente realizadas.

À medida que os grupos humanos foram conhecendo o espaço, passaram a atuar sobre ele a partir de distintos aspectos: pela subjetividade, pelas interpretações e, ainda, pelo conhecimento teórico. Gomes (2017) cita diferentes domínios que envolvem a interpretação espacial: a) pela subjetividade/sensibilidade; b) pelas interpretações/classificações; c) pelo conhecimento teórico – a ciência geográfica. É sob este último aspecto que perpassam as ideias centrais debatidas na pesquisa, considerando a dimensão científica que os estudos do espaço geográfico possibilitaram.

O pensamento geográfico foi moldando-se pelo entrelaçamento entre a percepção espacial/pensamento espacial (suas dinâmicas, estrutura e escalas de análise), pela análise da realidade (das relações que ocorrem no espaço) e pelo raciocínio geográfico, relacionando-se a partir de determinados parâmetros – modos de compreensão – que serviram para a interpretação do espaço e das interações que nele são vivenciadas. Estes aspectos, relacionados entre si e abrangendo o modo de interpretação de cada autor, contribuíram para formar o arcabouço teórico-conceitual que constitui a Geografia. (COPATTI, 2019).

 

Figura 1 - Ilustração dos elementos que constituem o pensamento geográfico

Fonte: Copatti, 2019.

 

A percepção espacial refere-se à interação com o espaço, que requer que se possa questioná-lo, problematizá-lo e, com ele, interagir de modo consciente. Com base em Sturza (2005), entende-se que a percepção é um processo dialético que envolve sujeito (homem) e objeto (lugar), considerando as relações/interações entre ambos e as interfaces objetivas e subjetivas, expressas ou obscurecidas, entre a dimensão da totalidade e as individualidades. Nesse constructo são consideradas vivências, memórias e percepções de grupos e indivíduos que contribuem para a construção de saberes geográficos permeados pelo imaginário social na interpretação do espaço geográficos. A análise do contexto e da realidade implica relacionar as dimensões do espaço e suas multiescalaridades a partir do processo de constituição espaço-temporal. O raciocínio/desenvolvimento teórico se refere à dimensão que aproxima a percepção espacial e a análise do contexto sob um viés de pensamento teoricamente fundamentado, que foi sendo construído ao longo do tempo e possibilita análises e raciocínios geográficos sob um determinado processo de pensamento geográfico.

Esse exercício de construção de um modo de pensar geográfico abarca as ideias e proposições de diferentes pensadores que, alicerçados em uma dimensão espacial, tecem novas teorias com base na percepção espacial e nas análises dos diferentes contextos e realidades. Isso possibilita que construam modos de raciocinar geograficamente, os quais, quando bem-estruturados, convergem à expansão e aperfeiçoamento do pensamento geográfico.

Esse conhecimento foi construído a partir do desenvolvimento do raciocínio, que se articula e envolve modos de pensar mais complexos, à frente do senso comum. Dessa forma, o pensamento geográfico abrange a sistematização de noções e conhecimentos que permitem interpretar o espaço e compreender relações nele construídas, para além da habilidade de se orientar e raciocinar sobre ele. Abarca a atividade intelectual estruturada sobre temas de preocupação com a realidade, buscando a complexificação pela interpretação científica e pela ciência geográfica, consolidando-se como o modo de pensamento específico desse campo do conhecimento.

O pensamento geográfico, pois, contempla um conjunto de conceitos, categorias, princípios e métodos que foram sistematizados e constantemente são retomados, debatidos, aceitos ou refutados no campo científico. Os conceitos e a formulação de teorias, a partir das percepções do espaço, contribuíram para construir concepções pela racionalidade e pela sensibilidade de cada autor. Em interlocução com esse processo de construção de modos de pensar, foi sendo construída a ciência geográfica sob teorias que se concatenam a um determinado método, adequado à análise e interpretação proposta.

Nesse sentido, há uma estrutura que vem sendo tecida ao longo do tempo, na qual se inserem os conhecimentos epistemológicos, teóricos e metodológicos, que abrangem o todo que denominamos Geografia. Assim, para que fosse construída a história da ciência geográfica, foi preciso mobilizar o pensamento por meio das interfaces e proposições de diferentes pesquisadores, que estabeleceram o conhecimento-base para sua consolidação científica.

Foi a partir de estudiosos alemães, no século XVIII, que o pensamento geográfico científico começou a ser sistematizado, levando em consideração contribuições de outros povos anteriores: gregos, principalmente, que sistematizaram os primeiros conhecimentos de cunho geográfico. Além destes, os árabes e os romanos contribuíram, posteriormente, a esse processo. Dessa forma, os conhecimentos geográficos ganharam um caráter mais expressivo por volta de 1754, quando a Geografia alemã abriu caminho para o status científico. Esse movimento constituiu-se em dois sentidos: a Geografia político-estatística, que prosseguiu metodologicamente a Geografia desde Estrabão (século I), ganhando impulso em Varenius (século XII), pela sistematização da demarcação territorial, e a Geografia pura, que impulsionou estudos sobre os limites naturais do território, tema que veio a despontar no final do século XIX nos estudos de Friedrich Ratzel (MORAES, 2002; MOREIRA, 2009). Apesar dos avanços pelo pensamento destes autores, não foram realizadas grandes transformações na Geografia, que, posteriormente, veio a ser sistematizada de modo mais conciso por Karl Ritter (1779-1859) e Alexander Von Humboldt (1769-1859), no século XIX, originando a Geografia científica (COPATTI, 2019).

Com as dinâmicas do mundo, principalmente a partir da expansão capitalista, outras distintas perspectivas de pensamento geográfico foram sendo consolidadas. Assim, a efervescência do pensamento geográfico tomou diferentes frentes. Surgiram concepções direcionadas a questionar as estruturas do desenvolvimento capitalista vigente e preocupadas com os problemas sociais que emergiam.

À medida que foram desenvolvidos estudos sobre os diversos temas que a Geografia abrange, tornou-se possível a existência de distintos modos de concebê-la e utilizá-la nas análises, sob variadas matrizes de pensamento que se consolidaram. Para Suertegaray (2005), as Geografias pós-modernas são as expressões desse movimento, numa filosofia plurifacetada, contraditória e dialógica; entendem o mundo pela discussão sempre latente entre metafísica e dialética, ordem/manutenção e movimento/criação, a partir de múltiplas interpretações. Sendo assim, convivemos com diferentes perspectivas de pensamento geográfico.

A compreensão dos aspectos que constituem as perspectivas epistemológicas dessa ciência, aliada aos desdobramentos do conhecimento teórico que fundamenta o ensino de Geografia, e relacionada a outras dimensões específicas da escola (também sob a dimensão didático-pedagógica) precisa ser levada em conta e constitui-se como uma interação a ser construída gradativamente nos estudantes em formação na área de Geografia, isso porque são essenciais na construção do conhecimento e do pensamento geográfico de professor.

Esse pensamento articula-se a partir de um conjunto de aspectos que, ao longo da formação acadêmica, vão sendo inseridos e abordados no sentido de contribuir ao entendimento do futuro professor. E, mais do que isso, para que se perceba protagonista na construção desse modo específico de pensar geograficamente, o qual é basilar à docência nessa área do conhecimento.

Diante disso, compreender o que é o pensamento geográfico para os professores e o que é essencial para a constituição de um pensamento geográfico de professor foi um movimento proposto a partir de entrevistas, cujos dados foram interpretados a partir da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). As questões foram propostas a professores de Geografia que atuam na educação básica, anos finais do ensino fundamental, conforme já mencionado anteriormente. As perguntas lançadas foram: 1. Como você definiria pensamento geográfico? 2. Existe um pensamento geográfico de professor?

A compreensão Hermenêutica possibilitou analisar aspectos que perpassaram as falas dos entrevistados e que dizem muito de “ser professor de Geografia”, aliando a isso a Teoria Crítica como um modo de reflexão sobre as ideias na tentativa de interpretar as relações observadas e contextualizar os fenômenos, sugerindo outras possibilidades que podem emergir dessas relações. Os aspectos mais significativos que surgiram das entrevistas abarcam um complexo conjunto de conhecimentos a serem considerados, tanto na construção de um pensamento geográfico, quanto para compreendê-lo e utilizá-lo com autonomia visando à Educação Geográfica.

Os dados obtidos nas entrevistas são apresentados a seguir, a partir dos fragmentos das falas dos professores já inseridos no debate proposto no texto.

Definição do pensamento geográfico pelos professores participantes

Os fragmentos contendo ideias oriundas de cada professor são apresentados e inseridos no texto na ordem das entrevistas realizadas.

A professora denominada como Pt1 salienta que o pensamento geográfico vai além da sala de aula. Possibilita ao professor refletir sobre o mundo e analisar criticamente as mudanças, positivas ou não, naturais ou antrópicas. Segundo ela, “é um pensamento que possibilita olhar o meio com carinho e preocupação, que me torna cidadão ativo no mundo e não apenas um espectador”.

O professor denominado Pt2 comenta que são dois os aspectos essenciais na construção do pensamento: a) a construção acadêmica que se dá no início da faculdade com o conhecimento dos conceitos e com a observação, e que é natural em qualquer ciência. b) Conhecimento de senso comum, que está no instinto, porque “Você aprende a se localizar: instinto primitivo: a localização, isso é um fazer geográfico”.

A professora P1 não respondeu a esta questão. A professora P2, compreende o pensamento geográfico como “aquilo que os professores aplicam na interpretação dos fatos. A forma como analisam o meio parte do pensamento geográfico, pois leva em consideração as vivências, crenças e como encaram a cidadania”.

A professora P3 considera que pensamento geográfico é “pensar a Geografia, como ela se caracteriza em cada momento. Evolução pensada e construída ao longo do tempo”. E compreende que existem diferentes períodos históricos relacionados com a Geografia. Assim, leva em conta a evolução do pensamento, como foi pensado em cada fase e como o ser humano construiu e usou a Geografia em cada momento histórico, desde que ela foi reconhecida como uma ciência. Salienta ainda que o pensamento geográfico:

 

É ver a forma como se faz o conhecimento geográfico em cada época. Precisa das diferentes escolas da Geografia para explicar as demais. Então ela foi mudando e conseguimos ver o pensamento geográfico em diferentes momentos, de diferentes formas.

 

A professora P4 entende que o pensamento geográfico:

 

É construído a partir da leitura da parte teórica, associada com a prática. É isso que dá embasamento para fazer análises. O que contribui é a leitura acadêmica, a leitura fora da academia, a leitura no geral, inclusive acadêmica como base. E aí outra, às vezes estudando também o próprio material didático que a gente recebe, associando ao acadêmico.

 

O professor P5 interpreta pensamento geográfico pela linha da Geografia enquanto ciência, como que ela foi evoluindo a partir do determinismo, o possibilismo, a Geografia crítica, mais recentemente:

 

É saber como que ela foi se modificando, deixando de ser uma mera descrição e tentando inserir sempre o homem. Atrelando o homem e as relações sociais, o avanço das interpretações na relação com a natureza. É o estudo da própria Geografia.

 

A professora P6 entende que o pensamento geográfico:

 

É trabalhado desde o início da graduação, quando começam estudos da Geografia física, de olhar para essa questão das paisagens, da mudança delas, da interferência, a ideia da relação sociedade-natureza que ao longo do tempo vai sendo construída, primeiro na exploração dos recursos naturais depois de outras formas de ocupação, das mudanças ao longo do tempo em diferentes espaços, entendendo o objeto de estudo, o conceito.

 

E considera que a Geografia é muito complexa, pois “vemos tudo, mas nada tão aprofundado, mas vai muito além do que outras áreas veem”. Segundo ela, a Geografia estuda o espaço geográfico, não o espaço pelo espaço, mas o estudo pelas relações, como isso se organizou, como processo, até a forma atual, a realidade.

A professora P7 interpreta o pensamento geográfico como aquele pensamento que não é só da academia:

 

 

Você faz uma leitura do espaço, e pode ser tanto numa pessoa que nunca estudou Geografia, que tem uma visão espacial. Então é um pensamento, todo mundo pensa alguma coisa porque está no espaço. O pensamento geográfico também é o pensamento das pessoas sobre o espaço no seu cotidiano. E aí então a pessoa tem um saber geográfico e o professor de Geografia também tem. Todo mundo vai ter um pensamento geográfico, mas alguns são mais validados do que outros. Não é só a academia, mas ela também contribui.

 

E a professora P8 entende que o pensamento geográfico é fundamentalmente construído a partir das disciplinas da graduação, com uma compartimentação que permanece e aparece muito na divisão e subcategorização da Geografia:

 

O pensamento geográfico é uma capacidade de ver o mundo a partir de determinados conhecimentos. Talvez pensamento geográfico não seja o ensino em si de Geografia, existem em uma quantidade de conhecimentos que podem me levar à Geografia, porque o pensamento geográfico é muito mais amplo do que a Geografia que conhecemos enquanto ciência. O pensamento geográfico vem há muito mais tempo do que a Geografia científica, é maior do que a própria Geografia institucionalizada.

 

As ideias apresentadas pelos professores contribuem para que se possa lançar um olhar cuidadoso sobre os distintos aspectos que envolvem a construção do pensamento geográfico. Além destes, outros aspectos aparecem ao identificar especificidades do pensamento geográfico de professor, os quais são mencionados a seguir.

Definição de pensamento geográfico de professor

A compreensão dos docentes sobre o pensamento geográfico de professor é apresentada nos fragmentos das falas transcritas de cada participante.

A professora Pt1 afirma que o pensamento geográfico de professor se baseia na construção de valores e na formação acadêmica. Salienta que a construção de uma percepção crítica, a partir da Geografia crítica, que contesta a ação do homem sobre o seu meio, foi importante nesse processo de constituição do seu pensamento. E salienta que alguns professores traziam essa visão. Também leva em conta o contexto familiar como essencial nesse processo.

Para o professor Pt2, a construção do pensamento vai se aprimorando com o tempo. E explica: “Eu tenho dois contatos: é o contato de vida com o lugar e o meu contato com a ciência geográfica do cotidiano da escola, o meu olhar clínico sobre assuntos de política, de assuntos que caibam na Geografia”.

Para a professora P1, a construção do pensamento geográfico de professor ocorre em um processo. A mesma considera, para isso, a formação inicial, a formação continuada e a relação com a vivência, com a realidade em que atua.

A professora P2 interpreta que existe um pensamento geográfico de professor e ele é mais complexo que a visão que o estudante vai ter do meio. Para a entrevistada “o professor não é um ser neutro, e nem existe neutralidade, porque somos resultado de experiências. Então, cada professor tem sua própria forma de analisar os fatos, a partir daquilo que aprendeu, vivenciou e vivencia na sua trajetória acadêmica”.

A professora P3 afirma, sobre o pensamento geográfico de professor, que:

 

Na prática você não fica fazendo separação [referindo-se às perspectivas de pensamento geográfico], mas quando prepara um material de aula é muito nítido isso; de alguma forma utiliza essas escolas, e vê como se relacionam. Mas não é uma coisa explícita para o aluno. Está no material que você está trabalhando, te dá a base.

 

A professora P4 entende que o pensamento geográfico do professor auxilia a compreender a interação entre o ser humano e a natureza. “Está na lógica de buscar entender o que o ser humano faz no ambiente onde ele vive, no espaço natural, como interage. A partir dessa interação constrói o pensamento geográfico”.

O professor P5 interpreta que:

 

O professor tem um pensamento geográfico, embora não determine, não se especifica os elementos, não denomina como pensamento geográfico. Não é como uma disciplina na graduação (exemplo: história do pensamento geográfico), que a gente tem na formação. [...] não falamos do histórico, mas inserimos elementos de modo diluído na sala de aula através do que os alunos vivenciam.

 

Dessa forma, entende que o professor, considerando isso e a realidade, vai delineando esses conhecimentos, construindo conceitos que estariam dentro do pensamento geográfico (paisagem, natureza, território, lugar), inserindo nas necessidades de cada conteúdo. E vai, ao longo das aulas, diluindo aos poucos, de modo crítico esse conhecimento. Afirma ainda que:

 

O que contribuiu para fazer isso foram os professores, que contribuíram na formação do pensamento de professor, o trabalho de pesquisa, produzindo, desde a iniciação científica as leituras fundamentais, principalmente na graduação, e a experiência de sala de aula, que vai ajudando a aprimorar, reconstruir.

 

A professora P6 considera que a Geografia nos proporciona um olhar amplo perante a sociedade para ver como essas relações acontecem, desde o meio natural até os aspectos inerentes aos processos de transformação e relacionadas às causas e consequências dessas relações. Isso foi sendo construído ao longo do tempo dentro da graduação, nos trabalhos de campo, não só em sala de aula, pela teoria, mas também relacionando com a realidade.

A professora P7 considera o pensamento geográfico:

 

Um conjunto de coisas, pelas trocas com outras pessoas ao longo do trabalho, da formação, na família, com os orientadores, das coisas que a gente escuta dos alunos, do que dizem ou não dizem para nós, das coisas que lemos de outras áreas, sobre um espaço distante, nos filmes de outros países, das artes, da poesia, do cinema, da literatura que aproximam de realidades mais distantes.

 

A professora P8 salienta que existem vários conhecimentos importantes, os quais podem tornar possível chegar a determinadas conclusões a partir do pensar e sobre pensar o que é o pensamento geográfico. Segundo ela:

 

Na escola procuramos fomentar esse tipo de pensamento com experiências mais objetivas, como professor de Geografia. Enquanto o ser humano se pensa geograficamente, tem determinadas capacidades, determinados conhecimentos. O professor é um promotor de conhecimentos e um produtor de conhecimento, mas não se fala isso, não se tem atribuído aos professores [referindo-se aos professores da educação básica], apenas aos professores da academia. Se valoriza muito mais os pesquisadores, mas os professores de Geografia [da escola] também possuem a capacidade de construir conhecimento geográfico.

 

Como se pode observar a partir das compreensões oriundas de cada professor participante, existem distintos aspectos que, relacionados, constituem o pensamento geográfico sistematizado ao longo do tempo no que se define como ciência geográfica. Da mesma forma, existe um emaranhado de elementos que convergem para a construção de um modo de pensamento específico dos professores de Geografia e que se constitui na ciência geográfica, na sua dimensão pedagógica e no conjunto de conhecimentos e saberes inerente à escola.

Os aspectos que emergem das falas constituem dados importantes para a discussão proposta, apresentados, a seguir, na forma de categorias construídas por meio da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), interpretados sob o olhar da Teoria Crítica e da Hermenêutica.

Interpretações sobre pensamento geográfico e pensamento geográfico de professor

Nas interpretações, as categorias emergem da estrutura de pensamento demonstrado pelos professores, o que tornou possível identificar diferentes dimensões necessárias à sua constituição. As categorias elencadas são: a) Dimensões profissionais (a ciência geográfica; a identificação de si e da ciência); b) Dimensões formativas subjetivas/pessoais (a construção acadêmica; o conhecimento de senso comum); c) Dimensões sociais e o contexto (a realidade/cotidiano; o contexto).

a) Dimensões profissionais: essa categoria abarca elementos que influenciam na construção de conhecimentos a partir da formação acadêmica inicial.

– A ciência geográfica: compreende o olhar de profissional em relação a temas que caibam na Geografia. Envolve pensar como a Geografia estrutura-se como ciência ao longo do tempo, em diferentes momentos históricos e sob diversas formas (P3). Considera a ciência (sua estrutura e realidade) para trabalhar conceitos dentro do pensamento, diluindo estes conceitos ao longo da abordagem dos conteúdos (P5). É pensar, também, a evolução como ciência a partir de distintas perspectivas das escolas do pensamento, que foram se modificando.

Essas dimensões auxiliam a fazer observações, perceber interações sociedade-natureza. Possibilita conseguir analisar causas e consequências das relações (P6). Não se refere, portanto, apenas à ciência geográfica e a ensinar Geografia; é algo mais amplo que surgiu antes disso e que perpassa outras dimensões de modo diferente (P8). Na Geografia é uma forma de subsidiar o profissional para fazer as análises (P4).

A maioria dos professores traz à tona a consciência de que a ciência geográfica está imersa no pensamento geográfico que expressam e utilizam no desenvolvimento de suas reflexões e do seu trabalho. Interpretam as variações e transformações que são constituintes dessa ciência, como fazem Pt2, P7 e P8.

– A identificação de si e da ciência: se refere à compreensão da própria formação, indicando a partir de que perspectiva de pensamento atua e propõe reflexões, e que estrutura da Geografia abarca.

O professor vai ampliando essa construção, aprimorando com o tempo por meio de diferentes atividades (Pt2, P6). Na prática não é um pensamento definido. Ele aparece no que o professor utiliza e faz (P3); é, então, um determinado modo de ver o mundo sob certo conhecimento (P8). Esse pensamento não é especificamente de uma disciplina, mas precisa perpassar o todo (P5) e serve para compreender a interação ser humano-natureza (P4). Nessa interação constrói o pensamento (a ciência fornece essa base ao professor). Nesse sentido, a relação da ciência estudada na academia com a sala de aula ajuda-o a construir-se (P5). Há, então, uma intencionalidade nesse estudo que permite desenvolver um olhar amplo perante a sociedade (P6) e que proporciona que promova conhecimentos e também os produza (P8).

As reflexões realizadas trazem um amplo espectro de ideias do que seja a relação que envolve o professor e o conhecimento de Geografia, perpassando, também, pela sensibilidade pedagógica em diluir gradativamente ao longo do processo de ensino, os elementos que contribuem para a construção de um conhecimento geográfico no aluno.

b) Dimensões formativas subjetivas/pessoais: essa categoria abrange as percepções de si em relação à construção do conhecimento que organiza e mobiliza no fazer docente.

– A construção acadêmica: ocorre desde o início da formação acadêmica inicial com o conhecimento dos conceitos e com a observação. Para a maioria dos professores a academia é o espaço em que esse pensamento se consolida (Pt1, Pt2, P4, P5). Essa construção acontece por intermédio de leituras teóricas e também de materiais didáticos, e pela contribuição dos professores com base em um modo de conduzir a formação. Também ocorre pela construção de conceitos e pelo desenvolvimento da capacidade de tecer observações e estabelecer um “olhar clínico” que embase as análises (Pt2).

A pesquisa, a iniciação científica e as leituras acadêmicas são essenciais nesse processo. Essa construção, porém, não ocorre apenas na academia. Nela há um saber que é sistematizado e validado ao longo do tempo (P7). Fundamentalmente aparece nas disciplinas acadêmicas, mas de forma compartimentada e subdividida (P8). Sendo assim, entende-se que, se não ocorrer uma construção de pensamento que consiga, ao mesmo tempo, integrar e relacionar essas estruturas, gera dificuldades ao professor para fazer isso, posteriormente, no seu trabalho.

A compreensão de que há uma construção acadêmica essencial, mas não apenas isso, é importante. Requer continuidade e precisa ser alimentada constantemente, no sentido de ampliar o conhecimento do professor e tornar mais significativas as suas proposições.

– O conhecimento de senso comum: considerado aquele que existe em todas as pessoas, de modo geral. Segundo Pt2, é apreendido instintivamente, iniciado ao se localizar no espaço, que é um fazer geográfico, aprimorado com o tempo. Não existe apenas o conhecimento da academia com uma estrutura delimitada, o que se aproxima da interpretação de P7, o qual considera que a leitura do espaço pode ser feita por qualquer pessoa, tendo uma visão espacial.

É importante saber que, embora possa existir em todas as pessoas um modo de pensamento geográfico, nem todas elas conseguem utilizar essa estrutura para ir além de se localizar, estabelecendo relações mais complexas com o espaço. Isso pode ocorrer pela escassez de momentos de reflexão sobre a relação com o espaço e o uso dessas estruturas para além do uso comum e do cotidiano da vida.

c) Dimensões sociais e o contexto: concebidas como conexas e complementares, essas dimensões levam em conta as interações sociais, seja no espaço vivido localmente ou num contexto mais amplo de região, estado, país, ou de modo totalizante, pela leitura e interação no mundo.

– A realidade (cotidiano): abarca as dinâmicas cotidianas que se relacionam ao mundo da vida, das relações e vivências do dia a dia. Aparece de modo pouco expressivo nas falas dos professores entrevistados. Surge a ideia de um pensamento crítico construído não apenas na academia, mas também sob influência familiar (Pt1), o que nos leva a pensar que o cotidiano das relações também pode influenciar determinadas formas de análise e reflexão sobre o espaço. O contato de vida com o lugar, as experiências que obteve e obtém pelas relações vivenciadas, também são um fator a ser considerado (Pt2).

Outro aspecto refere-se ao estudo das especificidades da Geografia para interpretar a realidade, os processos, a forma/organização atual (P6), perspectiva que não desconsidera a ciência na relação com o mundo da vida, o que pode ser potencializado na relação entre teoria e realidade por meio da metodologia de trabalho de campo, por exemplo.

Essa dimensão envolve um conjunto de elementos construídos pelas relações com as pessoas, seja no trabalho, na família, na formação, no contato com o orientador, com aquilo que lemos e entendemos de outras realidades (P7). Ao tecer um pensamento geográfico que fomente leituras de mundo e problematize-as, não é possível desconsiderar a realidade.

– O contexto: abarca as dimensões social, cultural e histórica que envolvem o profissional. Advém da cultura do lugar, da forma como se estrutura a sociedade e pelo contexto histórico que constitui determinadas experiências sociais. Esse aspecto aparece apenas em um depoimento. P6 compreende que é um conhecimento contextualizado, por permitir o olhar amplo perante a sociedade para ver como as relações acontecem. É interessante pensar essa questão que perpassa o pensamento da ciência geográfica na academia e na escola.

O contexto está sempre presente, interferindo na construção do conhecimento e nos diferentes modos de ver, interpretar e atuar no mundo. É uma dimensão pouco evidente, mas que merece ser compreendida, como faz a Geografia nos estudos sobre as relações dos seres humanos no espaço geográfico.

Como se pode observar pelas respostas, a construção do pensamento geográfico de professor perpassa um conjunto de elementos que vai desde os aportes teóricos, metodológicos e pedagógicos às influências de ser professor e de conhecer sobre o mundo e as diferentes realidades. Essa construção, para alguns professores, possui fragilidades, e isso se relaciona, em grande medida, com o modo como ocorreu a formação inicial, considerada o fator preponderante para o desenvolvimento da autonomia docente.

Nesse sentido, percebe-se que quanto maior o distanciamento entre o contexto acadêmico e escolar, maior é a complexidade de tecer reflexões que aproximam e relacionam o discurso teórico e prático. É importante considerar que existe uma forma de construção de conhecimento geográfico na academia e uma forma de construção de conhecimento no contexto escolar que precisam ser compreendidos e relacionados para construir a Educação Geográfica, definida, segundo Castellar (2005), como uma forma de conhecimento que supere aprendizagens repetitivas e arbitrárias e adote práticas de ensino que invistam nas habilidades: análises, interpretações e aplicações em situações práticas.

Ter clara a epistemologia da Geografia, a relação entre a dimensão acadêmica e escolar dessa ciência e sua dimensão pedagógica são atributos essenciais que, pela trama do desdobramento entre os conhecimentos construídos pelo professor, trazem aportes ao trabalho docente. Existem, entretanto, ainda, fragilidades e distanciamentos entre o modo de pensar e o modo de abordar geográfico. Essa fragilidade aparece em determinados momentos, quando a relação entre a dimensão teórico-conceitual, específica da Geografia, não está devidamente articulada à dimensão didático-pedagógica, esta que se relaciona à forma como o professor conduz a ação docente e as abordagens que pretende desenvolver.

Sobre como compreendem o pensamento geográfico, os professores mencionam a ciência base – a Geografia – como um dos elementos, além de uma construção acadêmica aliada a uma dimensão de saber comum, relacionado ao cotidiano e ao contexto. Eles possibilitam também pensar estas relações que precisam construir na caminhada da docência, perpassando pela dimensão profissional, social e subjetiva, que constitui sua identidade de professor.

Tais elementos convergem na construção da identidade docente. A perspectiva de identidade aqui defendida se embasa nas reflexões de Habermas (1990), ao considerar que a identidade do Eu se constitui por meio da linguagem. Nesse sentido, conforme Angelico (2015, p. 9):

 

A identidade dos indivíduos socializados constitui-se ao mesmo tempo por intermédio do entendimento linguístico com os outros, bem como por intermédio do entendimento intrasubjetivo. Em suas interações comunicativas, os atores podem desenvolver suas identidades por meio da troca argumentativa que realizam uns com os outros. O sujeito se desenvolve e se autocompreende a partir de reconhecimentos recíprocos por meio dos quais os indivíduos definem as suas identidades.

 

 Considerando a identidade de professor de Geografia procura-se tecer reflexões sobre a existência de um Pensamento Pedagógico-Geográfico de Professor (PPG), que sustenta essa identidade haja vista que, de acordo com Souza, Souza e Carneiro (2021), a construção da identidade docente também constitui um processo de desenvolvimento indissociável da identidade pessoal, que perpassa estágios na própria trajetória escolar ao campo de atuação, recorrente da intersubjetividade e reafirmação da docência.

 

A constituição de um Pensamento Pedagógico-Geográfico de Professor e a autonomia docente

 

A defesa é de que deva ser construído um modo de pensamento articulando a especificidade da Geografia científica e a dimensão escolar, pois constituem o profissional professor de Geografia. Nesse sentido, compreende-se que construir-se professor remete a uma dimensão teórico-metodológica e epistemológica, mas, também, envolve a dimensão pedagógica e as subjetividades que são, também, aspectos necessários ao processo de educar.

Os conhecimentos geográficos e pedagógicos constituem no professor algo que não é apenas um pensamento geográfico de professor, mas um modo de pensar peculiar, denominado Pensamento Pedagógico-Geográfico que, além de sustentar um modo de pensar geograficamente se refere a um modo de abordar geograficamente (COPATTI, 2019).

O Pensamento Pedagógico-Geográfico de professor (PPG) possibilita refletir sobre o modo como se constitui professor e como ensina Geografia, sobre que estruturas manipula mentalmente, como complexifica seu pensar a partir de elementos basilares à docência que, em interação, sob um processo contextualizado, (res)significado e, desde a argumentação, têm novos sentidos e constituem, também, novos conhecimentos.

Compreende-se que existem processos internos e processos externos que contribuem para a formação de um modo de pensamento de professor de Geografia. Existem especificidades do conhecimento científico e escolar, que constituem a base para a formação e a atuação do professor. Existem também outros conhecimentos implicados nesse processo e, ainda, um conjunto de aspectos da dimensão social e das subjetividades que confluem na trajetória de vida de cada professor, a partir de suas experiências, e que interferem na construção desse pensamento.

A consciência da existência de fatores externos e internos que envolvem a mobilização de processos mentais, de ações e intenções contribui para que se pense como é organizada essa estrutura no pensamento do professor, nos raciocínios que realiza, nas análises que propõe.

Para realizar o trabalho docente desde o seu planejamento inicial, o caráter específico da ciência, neste caso geográfico, precisa estar articulado com outros conhecimentos necessários para o ensino na escola. Nesse sentido, o Pensamento Pedagógico-Geográfico (PPG) constitui-se como uma forma sistematizada mentalmente pelo professor, com base em um conjunto de conhecimentos e saberes docentes, que tornam possível articular uma estrutura de elementos que envolve o que é especificamente geográfico (da ciência Geografia, suas estruturas de linguagem e método, suas especificidades acadêmicas e escolares) que, ao serem mobilizados sob a dimensão pedagógica dos processos de ensino e aprendizagem, contribuem para trabalhar determinado tema/conteúdo a partir do raciocínio e das análises geográficas.

O PPG, composto por distintos conhecimentos e dimensões, contribui à ação comunicativa e à possibilidade de os professores, como sugere Mario Osorio Marques (2006), poderem dizer a própria palavra e superar o pensamento igual. Essa construção possibilita atuar social e politicamente nas tomadas de decisões que lhe digam respeito como profissional que constrói conhecimentos e lida com a dimensão socioespacial. Nessa direção, defende-se que, a partir de um Pensamento Pedagógico-Geográfico (PPG) bem consolidado e compreendido pelo professor criam-se condições de potencializar a autonomia docente, tecendo um pensamento poderoso na relação com os alunos, ao interagir com o currículo, com os conteúdos, ao construir propostas de aulas.

Refletir sobre o PPG e o seu papel ante as dinâmicas da educação e, especificamente, diante da necessidade de uma Educação Geográfica, constitui-se como um movimento de construção contínua, protagonizado a partir da autonomia que esse profissional constrói e que o permite interagir com os desdobramentos e a qualidade que o processo educativo pressupõe.

A autonomia docente depende muito mais de aspectos que envolvem a construção do conhecimento sob diversos vieses (formação teórica, participação em cursos e eventos, pesquisa, leitura complementar, compreensão/interpretação das políticas educacionais, etc.), do que o próprio tempo de docência medida em anos. Nesse sentido, estar em sala de aula por muito tempo não é fator determinante para uma efetiva autonomia de pensamento e como garantia de qualidade na abordagem geográfica. A profissão professor requer que seja construído um conhecimento poderoso de professor, cujos aspectos, em interconexão, possibilitam que, ao realizar análises e interpretações, atue de modo consciente, embasado teórico e conceitualmente.

O professor carrega dentro de si toda uma tradição, mas precisa aperfeiçoar-se e complexificar os entendimentos que constrói na relação com o mundo e com os conhecimentos geográficos que comportam sua função docente. Com base no pensamento complexo de professor, é capaz de construir possibilidades de responder com qualidade às indagações do aluno em relação a um fato ou fenômeno sempre que isso se fizer necessário, articulando distintos conhecimentos e modos de problematização das diversas temáticas que compõem a ciência geográfica. É um sujeito que interage constantemente com o entorno, processa informações sobre as situações de ensino e pensa continuamente sobre o que fazer no momento do processo educativo.

Para Marcelo García (1992), o que o professor pensa sobre o ensino influencia a sua maneira de ensinar, e este pensamento constitui um aspecto necessário de ser analisado. Nesse processo, realiza uma mediação cognitiva, agindo como sujeito racional que toma decisões durante a realização de sua tarefa profissional para resolver problemas e tomar decisões. Esse processo remete à autonomia docente.

A autonomia docente, segundo Contreras (2002), foge da perspectiva que tem sido vista de uma aplicação técnica de conhecimentos, em que o professor apenas executa um planejamento externo a partir de soluções instrumentais. A autonomia requer o domínio técnico a partir dos saberes teóricos, aliado à compreensão da prática educativa como compromisso social, processo em que diversas relações são construídas.

Esse caminho dá forma ao movimento processual de construção da identidade docente, que perpassa as experiências de aprendizagem, as trocas, os diálogos com os pares e conduz à gradativa ampliação da autonomia. De forma semelhante, Callai (2013) enfatiza a necessidade de que o professor saiba operar com a dimensão técnica e sua dimensão pedagógica, e que tenha em si essas dimensões, perceba-as e as compreenda. Entende-se que isso potencializa que amplie a autonomia, tanto no pensar geograficamente, quanto no modo de abordar esse conhecimento em sala de aula.

A partir da noção de autonomia docente, entra em cena a ideia do potencial do professor. Sem essa autonomia, ele é incapaz de protagonizar e fica no mesmo patamar que o aluno, submetido a um ordenamento de conteúdos sem relação entre si e sem uma aprendizagem significativa. Britto (2002) interpreta a autonomia docente como uma ação em que os professores e alunos, envolvidos no processo pedagógico, possam efetivamente tomar decisões e agir com independência. Não constitui um aspecto individual e abstrato. É um fator político-social e supõe um conjunto de condições de exercício profissional.

A autonomia constitui-se, portanto, pela construção processual dos conhecimentos para a docência, mas, também, relacionada à subjetividade e à dimensão histórico-cultural, ética, estética e política, que se relacionam a fim de tecer as tramas que o professor, como profissional do ensino, precisa desenvolver e aprimorar continuamente, sob uma racionalidade que comporte, segundo Marques (2006) a dimensão instrumental, hermenêutica e crítico-social.

É possível afirmar que a partir dos diferentes conhecimentos que constituem o PPG, o professor tende a desenvolver maior autonomia, tanto em relação a um pensamento sistematizado quanto com relação ao processo de ensinar. Isso reverbera na consolidação de um pensamento de professor que se desdobra entre as demandas que a Educação Geográfica requer. Portanto, o PPG é essencial desde a formação inicial de professores de Geografia, possibilitando contribuir para que os profissionais neste campo do conhecimento sejam melhor qualificados e consigam, no fazer docente, efetivar a Educação Geográfica, processo essencial à formação dos sujeitos para atuar no mundo da vida com maior consciência e significado.

Considerações finais

As entrevistas realizadas possibilitaram perceber que, dentre a maioria dos professores, existe uma compreensão clara sobre os elementos basilares ao pensamento geográfico de professor. Isso se observa com base no conjunto de aspectos mencionados pelos entrevistados. Entretanto, alguns destes aspectos não perpassam todos os entrevistados, o que nos leva a perceber que ainda existem elementos considerados por alguns que não são mencionados por outros. Nesse sentido, defende-se a necessidade de tomar como centralidade o Pensamento Pedagógico-Geográfico de Professor pela importância de definir aspectos essenciais de serem construídos na formação dos professores de Geografia.

Ao relacionar o pensamento geográfico a partir da Geografia científica em suas versões (na academia e na escola), e a dimensão pedagógica inerente à educação escolar, procura-se avançar na defesa da clarificação da estrutura do Pensamento Pedagógico-Geográfico, considerando que essa sistematização tende a possibilitar que se construa um modo de abordar a Geografia relacionada diretamente ao pensar a partir dessa ciência.

Sob o PPG, o professor contempla os distintos conhecimentos e saberes (epistemológicos, teórico-metodológicos, didático-pedagógicos, além de considerar especificidades da escola e da legislação que a regulamenta), inerentes a toda e qualquer análise e interpretação de fatos e fenômenos geográficos a serem abordados no ensino escolar, contemplando seja a realidade local ou espaços ausentes da vivência dos estudantes.

As compreensões dos professores entrevistados nos permitem afirmar que, para além de sabermos dizer que elementos são essenciais à construção do pensamento geográfico e do pensamento geográfico de professor, é preciso que saibamos articulá-los e perceber as interações que estes tecem no momento em que deles nos utilizamos para ensinar Geografia, para construir conhecimentos geográficos.

Sob o aporte do PPG estruturado no professor, os modos de abordar a Geografia tornam-se mais claros e organizados, contribuindo, também, para a clarificação de como realizar interpretações geográficas e resolver problemas do mundo da vida sob o olhar geográfico; possibilita o entendimento sobre quais elementos toma como basilares à argumentação que desenvolve, à problematização que propõe. Contribui, ainda, para que este profissional construa, gradativamente, sua autonomia docente, compreendida não somente como a liberdade para atuar em sala de aula, mas tendo claros os elementos a serem tomados como basilares à construção da sua professoralidade e que constituem parte da sua identidade docente.

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