Professores iniciantes em cursos de licenciatura: história de vida, formação e desenvolvimento profissional

Teachers beginning in undergraduate courses: life history, training and professional development

 

Sebastião Silva Soares

Professor doutor na Universidade Federal do Tocantins. Palmas, Tocantins, Brasil.

sebastiaokenndy@yahoo.com.br - http://orcid.org/0000-0002-5572-014X

 

Selva Guimarães

Professora Titular na Universidade de Uberaba. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

selva.guimaraes@uniube.br -  http://orcid.org/0000-0002-8956-9564

 

Recebido em 04 de outubro de 2019

Aprovado em 08 de julho de 2020

Publicado em 31 de janeiro de 2021

 

RESUMO

O trabalho teve por objetivo compreender a constituição das trajetórias formativas de professores formadores iniciantes em instituições federais de Educação superior na região Norte do Brasil. A abordagem metodológica foi vinculada ao campo da história oral de vida. Os colaboradores foram seis formadores, em fase inicial da carreira docente na universidade, atuantes em  cursos de licenciatura em História, Pedagogia e Educação do Campo, de duas instituições de Educação superior. Empregou-se a entrevista narrativa, abordando a história de vida, a formação e o desenvolvimento profissional dos professores. Para a análise das narrativas, utilizou-se uma leitura Interpretativa-Compreensiva. As experiências narradas revelaram que a fase inicial na docência universitária foi compreendida pelos professores como um tempo de validação dos aprendizados apreendidos no decorrer da trajetória formativa de vida e profissional. Compreendeu-se no estudo que a constituição das trajetórias formativas dos formadores iniciantes atuantes nos cursos de licenciatura estava diretamente relacionada às histórias de vida, à formação e à profissão.

Palavras-chave: Histórias de Vida; Trajetórias Formativas; Professor Formador Iniciante.

 

ABSTRACT

The goal of this work was to understand how is constituted the formative trajectories of beginning teacher educators in federal institutions of Higher Education in the Northern region of Brazil. The methodological approach was linked to the field of oral life story. The collaborators were six teacher’s trainers, in the initial phase of the teaching career in the university, acting in teaching training courses of Pedagogy, History and Field Education, of two institutions of Higher Education. The narrative interview was used, addressing teachers’ life story, training and professional development. For the narrative analysis we used an Interpretative-Comprehensive reading. The experiences reported revealed that the initial phase in university teaching was taken by the professors as a time of validation of the learning apprehended during the formative life and professional trajectory. It was understood that the formation of the beginning teacher in the teaching training courses studied was directly related to life experiences.

Keywords: Life Stories; Formative trajectories; Teacher Trainer Beginner.

Introdução

Os primeiros anos da carreira docente são considerados fundamentais na construção da identidade profissional[1] do professor. É uma fase de mudanças de papéis em que a pessoa vivencia a transição de discente para a função de professor (GARCIA, 1999; DOMÍNGUES; ESTEPA; GARCIA, 2019). É o início de um ciclo marcado por sentimentos de alegria, conquistas, desafios e medos. As memórias[2] e as experiências[3] narradas por professores, nesse momento da carreira docente, demonstram múltiplas dimensões, sentimentos como a sensação de dúvida, insegurança inabilidade para    organização didática e pedagógica da sala de aula.

Estudos e pesquisas, tanto em âmbito internacional quanto nacional como, (IMBERNÓN; SHIGUNOV NETO; FORTUNATO, 2019) evidenciam que a inserção/iniciação à docência pode ser uma travessia, (tempo e espaço) de descobertas, encantos e choque da realidade para o professor iniciante, pois o docente busca, nesse início do exercício profissional, validar os conhecimentos obtidos na vida  escolar e acadêmica, ao assumir uma sala de aula e demais funções que são lhe atribuídas.

Huberman (1992, p. 39) analisou o ciclo de vida dos professores, ressaltando que os primeiros anos de docência são marcados por crises. O autor, ao longo de anos de pesquisas, caracteriza o desenvolvimento dos professores por meio de ciclos profissionais, dentre os quais a fase inicial, de entrada na carreira, como um estágio de sobrevivência e de descobertas.

Para Tardif (2014, p. 51), o início da carreira docente é um marco de superação ou desistência do professor em relação ao trabalho desempenhado, isso porque o docente procura demonstrar a si próprio e ao outro que é capaz de exercer o trabalho designado, evidenciando “traços da personalidade profissional”. No entanto, nem sempre tal desejo é realizado, provocando no profissional o sentimento de frustração, além da desmotivação diante do bloqueio ocasionado (CUNHA, 2014).

As pesquisas de Veenman, citado por Garcia (1999), demonstram que a fase inicial da docência é como um choque de realidade, pois nesse momento o professor se depara com dificuldades no que tange à formação pedagógica. Por sua vez, Garcia (1999; 2008) salienta que, nos primeiros anos da docência, o professor iniciante busca construir uma identidade pessoal e profissional entre insegurança na prática pedagógica e a transição de papel de aluno para docente.

Em âmbito nacional, Ayres (2015) investigou as tensões e aprendizagens do professor bacharel iniciante em uma instituição privada de Educação superior. Foi evidenciada a necessidade da formação pedagógica dos professores em início da carreira docente na instituição. O estudo enfatizou a importância dos saberes docentes na construção da docência. Assim, a fase de início/inserção na docência ocorreu de forma inesperada pelos professores, ocasionando tensões e dilemas pessoais e profissionais.

Moreira (2014) examinou as necessidades pedagógicas dos professores iniciantes em uma universidade pública de Educação superior no estado da Bahia.  Segundo a autora, o processo de inserção dos professores na instituição foi marcado por desafios e descobertas. Os dados demonstraram a relevância da formação dos professores no espaço universitário, como também caminhos e alternativas desenvolvidas para superar as lacunas formativas, em relação aos saberes da vida e profissão, em especial o planejamento do ensino, carências cognitivas dos estudantes, gestão da sala de aula e a relação professor-aluno.

Toledo (2011) analisou o trabalho de docentes iniciantes em um curso superior de formação tecnológica. O autor concluiu que o desenvolvimento profissional dos professores no início da docência foi caracterizado por dúvidas e insegurança, em particular pela insuficiência de conhecimentos pedagógicos para o trabalho no contexto da educação profissional e tecnológica, inexperiência profissional docente.

Coelho (2009) verificou, por sua vez, a constituição da docência universitária de professores iniciantes na Educação superior em uma instituição privada da cidade de Londrina/PR. A pesquisa revelou traços e características importantes do início da carreira docente, como a necessidade dos professores em superar a insegurança da inexperiência profissional, administrar e gerir a sala de aula, habilidade na organização didática e pedagógica, maior interação e socialização entre os pares de trabalho,  e a formação necessária para lidar com a heterogeneidade das turmas.

Wiebusch (2016) investigou os desafios e enfrentamentos que os professores atuantes em uma universidade pública, localizada na região do sul, vivenciam no início da docência superior. Os dados indicaram lacunas formativas dos docentes ao ingressarem na docência universitária, a necessidade de compreensão da cultura organizacional da universidade, como espaço de trabalho, bem como o fraco apoio institucional, infraestrutura física e aspectos das condições de trabalho pedagógico, como número de aulas e excessiva carga horária. Conforme a autora, a fase inicial da docência foi entrelaçada por sentimentos de dúvidas, insegurança e a exiguidade de um trabalho coletivo, repercutindo diretamente no desenvolvimento profissional dos docentes.

Especificamente, no campo das licenciaturas, Cunha (2014) analisou como as experiências de profissionais de um curso de licenciatura são configuradas como formadoras quando se tornam docentes na Educação superior. Os resultados evidenciaram que o início da carreira docente na universidade foi marcado por sentimentos conflitantes de permanência ou não na área.

Silva (2014) investigou o perfil do formador iniciante do curso de Licenciatura em Matemática e Nunes (2011) explorou a mobilização de saberes dos professores iniciantes substitutos na prática educativa. Esses autores chegaram à conclusão, de modo semelhante, em seus estudos, que a fase inicial na docência para os professores pesquisados se caracterizou como um momento de tensão e descobertas, sobretudo em relação aos saberes que precisaram mobilizar e a necessidade de trabalho coletivo com os professores veteranos nas instituições.

Em contribuição aos estudos até então realizados, como parte integrante de uma pesquisa de Doutorado[4], a questão norteadora deste artigo é: como são constituídas as trajetórias formativas dos professores formadores[5] no início da carreira docente na universidade? Destarte, nosso objetivo foi analisar a constituição dos percursos formativos de professores iniciantes em cursos de licenciatura, em duas instituições de Educação superior, localizadas na região Norte do Brasil, a partir das suas histórias de vida, formação e desenvolvimento profissional[6].

 A abordagem metodológica do trabalho se vincula ao campo da pesquisa qualitativa em educação (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Apoiamo-nos nos procedimentos metodológicos da história oral de vida (GUIMARÃES, 2006), pois esta valoriza as  histórias de vida dos sujeitos que, na maioria das vezes, não são reconhecidos ou valorizados pela história tradicional.  As histórias de vida“[...] centram na memória humana e sua capacidade de rememorar o passado enquanto testemunha do vivido” (MATOS; SENNA, 2011, p. 2). A história de vida, nos permite analisar a vida do professor com a história da sociedade, “[...] esclarecendo, assim, as escolhas, contigências e opções com que se deparam o indivíduo” (GOODSON, 1992, p. 75).

Os colaboradores deste estudo foram seis professores formadores[7] iniciantes, sendo um do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com até cinco anos[8] de trabalho na Educação superior, das licenciaturas em Pedagogia, História e Educação do Campo em IFES situadas na região Norte do Brasil. O estudo focaliza, portanto, a fase de entrada na carreira docente na Educação superior, visto que se trata de um tempo que pode ser “ponte” de sucesso, incertezas ou dúvidas para o professor quando se encontrar nas outras etapas do ciclo profissional (HUBERMAN, 1992; GARCIA, 1999).

A construção das narrativas docentes se deu por meio de entrevistas orais, a partir de eixos norteadores que serviram de estímulo e provocação aos colaboradores.  As entrevistas orais foram elaboradas em torno de questões que emergiram do tema em estudo, como trajeto pessoal, formação escolar e acadêmica, desenvolvimento profissional, saberes docentes e prática pedagógica.

Após o registro das narrativas orais, foi realizada a transposição do texto oral para o escrito a partir dos referenciais metodológicos da história oral (GUIMARÃES, 2006). A análise interpretativo-compreensiva foi utilizada na produção e organização das narrativas. De acordo com Souza (2004, p. 120), essa abordagem considera “[...] o tempo de lembrar, narrar e refletir sobre o vivido”. Os colaboradores atuam em duas Universidades Federais em Cursos de Licenciatura em Pedagogia, História e Educação do Campo. Nesse texto foram identificados com pseudônimos, no sentido de garantir a privacidade e os princípios éticos da pesquisa, conforme apresentado na biografia a seguir:

Cássia – é natural do estado do Paraná, 32 anos, é casada e possui um filho. Licenciou-se em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e cursou o mestrado na área da História pela mesma instituição, além de ter trabalhado no contexto do ensino público no Paraná. No momento da pesquisa, cursava o doutorado em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É docente do curso de História.

Clarissa – é de Santa Catarina, tem 33 anos de idade e é casada. Graduou-se em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (URGS), possui doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestrado na mesma área Educação pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Já trabalhou como professora e coordenadora na Educação Básica. É docente do curso de Educação do Campo.

Eliana – nasceu em Rondônia, tem 32 anos e é casada. É bacharel em Engenharia Agrônoma pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), tem doutorado em Ciências do Solo pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e desenvolveu o mestrado pela Universidade Federal do Acre, na área da Agronomia. É professora do curso de Educação do Campo. Não possuía, no momento de realização deste estudo, experiência como docente na Educação Básica.

Elisa – é natural do Rio Grande do Sul, possui 48 anos de idade, é casada e mãe de quatro filhos. Cursou o mestrado em Educação pela Universidade de Pelotas (UFPel). Formou-se em Pedagogia pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e em Geografia pela UFPel. A formadora possui práticas profissionais na Educação Básica e Educação superior – inclusive, é professora do curso de Pedagogia.

Mariana – é do estado de Minas Gerais, possui 34 anos e é casada. Desenvolveu estudos acadêmicos em Artes e Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), cursou o mestrado em Artes pela mesma instituição e possui um segundo mestrado na área de Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A formadora tem experiência profissional no contexto da educação informal, atuando em Organizações não Governamentais (ONGs), e foi professora substituta na Educação superior. É docente do curso de Educação do Campo.

Ronaldo – é natural do estado da Bahia, possui 53 anos, é casado e tem quatro filhos. Formou-se em Música pela UFRGS e em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador (UCSal). É professor do curso de Educação do Campo. Ele possui experiência profissional como docente na educação básica e Educação superior.

Delineando os perfis dos formadores[9] por meio de uma leitura cruzada, realçamos que a oportunidade de escutar os professores iniciantes possibilitou criar um mosaico de marcadores da vida e profissional dos docentes. Buscou-se não apenas  compreender a prática pedagógica, como também registrar as maneiras como se constituem e (re)constroem significados das próprias trajetórias formativas e experiências, ao atuarem nos cursos de licenciatura.

Em contribuição, D’Avila e Sonneville (2012) afirmam que investigar histórias de vida caracteriza a valorização do sujeito da pesquisa, pois o objetivo do estudo é compreender e registrar as vozes dos indivíduos que, naquele contexto, são autores e personagens da própria história, o que indica mais do que a narração dos acontecimentos. As narrativas assumem um caráter de formação e investigação, pois, no exercício do reviver as lembranças do passado, o sujeito tem condições e oportunidade de (re)construir saberes, onde o passado faz-se presente.

Nesses termos, a pesquisa se justifica pela relevância social e científica do território ainda restrito e ocupado pelo tema da docência na Educação superior, comparativamente aos demais estudos sobre a formação de professores, conforme observado nos estudos de Cunha (2014); Silva (2014) e Nunes (2011), dentre outros. Ao estudar histórias de vida de formadores iniciantes no contexto dos cursos de licenciatura, a partir da história de vida almejamos construir conhecimentos que auxiliem na promoção e valorização do docente da Educação superior, especialmente de formadores de professores, no início da carreira, na universidade. Na próxima seção, analisamos os elementos constitutivos de vida, formação e desenvolvimento profissional dos docentes da pesquisa.

Percurso escolar e acadêmico

O itinerário escolar dos professores da pesquisa foi circunscrito por movimentos construídos e habitados nos âmbitos familiar e social. Os ensinos fundamental e médio foram relevantes na socialização primária e na construção da identidade dos docentes. A respeito disso, Dubar (2005) afirma que a infância é a fase na qual a identidade do sujeito se constitui particularmente na incorporação ou recusa de valores e costumes do próprio grupo.

As narrativas dos professores perpassam e demarcam a infância como uma fase significativa de formação das suas personalidades. É possível perceber nos relatos e capturar como as singularidades, vivências e histórias no transcorrer da escolarização básica nos constituem como seres sociais e narrativos (BOLÍVAR, 2016), como narrado pelo formador Ronaldo: “A minha trajetória na escolarização básica teve início na zona rural [...]. Lembro-me que o processo de ensino era rígido, daquele estilo antigo, ainda mais porque o colégio era religioso”.

Para a professora Clarissa, um traço da escolarização foi a turma multisseriada, em que cursou os anos iniciais: “Estudávamos numa classe multisseriada, composta de duas turmas na mesma sala, um quadro de um lado da sala e outro quadro do outro lado”. Evidencia-se a precariedade, a necessidade de investimento na escola do campo, e o papel do professor. Os formadores descreveram situações que consideraram significativas, em se tratando das práticas pedagógicas dos antigos mestres, principalmente a figura dos professores, a dimensão didática e os cuidados com os estudantes (DOMINICÉ, 2010), como aparece nos excertos a seguir.

Minha professora sempre realizava um círculo na cozinha da escola, pois a professora cozinhava, limpava tudo, não havia nenhuma outra funcionária na escola (Professora Clarissa).

Tive uma professora, a partir da 5ª série que me incentivava à leitura, o que foi uma coisa bacana. Era uma professora de Português e, todas as semanas, ela levava livros para a sala de aula, que não tínhamos acesso em casa (Professora Elisa).

Lembro-me que, no ensino fundamental, as professoras do campo eram sempre queridas, quase como mães dos alunos (Professor Ronaldo).

Os excertos narrativos revelaram sentidos atribuídos pelos formadores às figuras dos antigos mestres – “[...] marcantes, inesquecíveis e ideais” (CASTANHO, 2001, p. 153). Ronaldo, por exemplo, narrou elementos atinentes à relação afetiva com as professoras dos anos iniciais da escolarização, caracterizada por ele como quase mães. Na narrativa do colaborador, fica evidente o carinho e a afetividade das docentes dos anos iniciais, edificadas na dimensão professor-aluno, postura que marcou a vida escolar e constitui sua memória afetiva. As lembranças são carregadas de adjetivações, evidências dos processos de escolarização e socialização, constituintes da identidade pessoal e profissional de cada um (BOLÍVAR; DOMINGO, 2014).

Os itinerários formativos dos professores, durante a graduação e a pós-graduação, foram caracterizados por desejos, sonhos, desafios e superações. As narrativas explicitaram as formas de seleção de determinados cursos de graduação, saberes, e práticas consolidadas nesses itinerários. Os significados atribuídos à fase inicial na Educação superior se relacionavam à falta de opção ou dificuldades financeiras para se dedicar, de maneira integral, ao curso desejado na Graduação (GATTI; BARRETO, 2009) ou como estratégia de mobilidade social e econômica.

Inferimos que a licenciatura foi a porta de acesso e garantia de estabilidade financeira, para que a maioria dos formadores buscasse, a posteriori, a formação em uma área que correspondesse aos anseios e necessidades pessoais. Os docentes sublinharam que a maioria de seus formadores foi profissional, com larga experiência na Educação superior. As memórias de Cássia e Mariana evidenciaram momentos com os docentes iniciantes, o desenvolvimento pedagógico desses profissionais no itinerário da graduação, como narrados a seguir:

Alguns docentes estavam iniciando a carreira; eram, no caso, celetistas, quando, porventura, a instituição liberava alguém para fazer doutorado ou mestrado. Nesse caminho ingressavam, na instituição, professores com uma experiência menor na Educação superior (Professora Cássia).

[...] encontrei professor de todo tipo. Tive alguns professores substitutos – esses eram nítidos. Percebíamos que eles ainda estavam ali, construindo alguma coisa na didática, e apresentavam algumas dificuldades (Professora Mariana).

As narrativas ratificam alguns traços característicos e não únicos dos docentes ingressantes na carreira[10]. Nesse caso, o processo inicial de trabalho do professor é circunscrito por incertezas, conflitos e dificuldades no processo pedagógico, e a inserção na cultura institucional (GARCIA, 1999; CEREZER, 2015; ESTEPA, 2016) – tal leitura é compartilhada por Mariana, durante o período em que cursou a graduação. A fase inicial da docência é um tempo de aprendizagem, socialização e (re)construção de identidades – esses processos, em grande parte, podem ser fator de permanência ou abandono do trabalho docente (BOZU, 2010).

Outra dificuldade vivenciada por professores iniciantes – e enfatizada por Cássia em seu relato – é a inserção do jovem profissional no mercado de trabalho, via concursos públicos ou processos seletivos, o que demanda, muitas das vezes, desse profissional participar de seleções para docentes substitutos em instituições, departamentos e cursos. Isso porque muitos dos concursos e processos seletivos para professores da Educação superior exigem do candidato, experiência profissional, produção (publicações cientificas) acadêmica.

Trajetória profissional na docência

Ao narrarem sobre a escolha pela docência, tanto em âmbito da Educação Básica, quanto na Educação superior, os professores não destacaram a influência direta da família por essa opção. Com base nas narrativas, houve incentivo familiar na valorização e estímulo aos estudos. Em relação a outro fator motivador para a opção pela carreira docente, concerne ao espaço geográfico de moradia. Portugal e Souza (2013, p. 298) argumentam que “[...] à medida que o sujeito se apropria e se relaciona com o espaço, torna esse espaço um lugar e confere sentido à narrativa”.

Nesse caso, podemos citar o relato da professora Clarissa: “Morávamos no interior, em um município distante de tudo, onde predomina a agricultura familiar, no estado de Santa Catarina. Ser professora era a perspectiva que predominava naquela época na região”. O fragmento nos demonstra como a dimensão sócioespacial de  vida e pertencimento influenciou, de certa maneira, o ingresso da professora na docência, pois não existiam outros polos profissionais na região em que viveu, salvo o trabalho na produção agrícola.

As narrativas dos docentes evidenciam que o ingresso na docência não foi uma mera escolha, mas sim uma oportunidade de trabalho, visando à estabilidade financeira, à melhoria da qualidade de vida e ao desenvolvimento profissional. O magistério constituiu uma porta de entrada no mercado de trabalho, fator de mobilidade socioeconômica. Apesar de Eliana e Mariana não terem experiência profissional como professoras na Educação Básica formal à época da pesquisa, os  percursos formativos dos docentes demonstraram, em grande medida, a importância do começo da docência na Educação Básica, no território brasileiro e os dilemas na fase inicial da carreira docente (NONO, 2005; CEREZER, 2015; RODRIGUES, 2010). 

 A inserção na docência de Cássia, Clarissa e Elisa evidenciou desafios e  condições de trabalho observadas por muitos professores iniciantes, tais como: contratação temporária, dificuldade de aprovação em concursos públicos, necessidade de complementação da carga horária de trabalho em diversas escolas, deslocamento geográfico para atender às demandas pedagógicas em variados ambientes de atuação e o traquejo pessoal e profissional para enfrentar  os interesses políticos construídos no seio das instituições de ensino.

Assim, embora Mariana não possuísse experiência formal em escolas de educação Básica, sua narrativa nos leva refletir sobre a importância dos espaços não escolares para a formação e as práticas dos professores, “[...] constituindo o espaço fundamental para o exercício da docência” (VEIGA; QUIXADÁ VIANA, 2012, p. 21). A formadora expressou as práticas desenvolvidas no papel de voluntária, em ações educativas em ONGs: “[...] essa foi a minha experiência, era a minha motivação (mais esse trabalho de inclusão com o público da periferia do que a Educação Básica regular)” (Professora Mariana). Nesse sentido, para a docente as aprendizagens não estão restritas à escola e à sala de aula.

Por outro lado, acreditamos que os aprendizados no contexto da Educação Básica podem contribuir sobremaneira para a prática dos formadores em sala de aula, em particular quando os professores atuaram nesse contexto (AMBROSETTI; CALIL, 2016). A maioria dos formadores ressaltou o significado dos conhecimentos como professores da Educação Básica, fonte de aprendizagem e atuação na docência universitária, como o respeito à autonomia e a responsabilidade dos alunos no trato das atividades estudantis.

O ingresso de Ronaldo na educação foi marcado por duas vias de atuação. Primeiro, o docente realizou um estágio remunerado como educador social em um ambiente socioeducativo durante a graduação. Uma marca desse período diz respeito ao trabalho com jovens recolhidos pela instituição: “Posso dizer que foi desgastante. Eu era jovem e isso me causou, não uma depressão, mas muita tristeza de ver aqueles jovens sem nenhuma saída e ninguém poder fazer nada” (Professor Ronaldo).

Nesse caso, tornaram-se perceptíveis as dificuldades observadas na fase inicial da docência, sobretudo em virtude das tensões de conviver em uma realidade social que não conseguia transformar de fato. Inferimos, portanto, que o professor vivenciou o chamado “choque de realidade” (GARCIA, 1999; TARDIF, 2014). Diferentemente das histórias das professoras formadoras investigadas, visualizamos elementos possíveis na narrativa do Ronaldo que corroboraram a ideia de uma “estabilização docente” (HUBERMAN, 1992) no percurso  desse sujeito, uma vez que ingressou no serviço público como professor efetivo no começo da carreira docente.

Para os professores, a inserção na docência universitária foi motivada por diferentes fatores e necessidades. Os relatos demonstraram que a entrada no magistério na Educação superior ocorreu por meio de convites, contratos, seleções públicas e concursos. Constatamos que esse processo foi constituído por desafios, sonhos, desejos, descobertas, interesses e preocupações. Em cada narração são perceptíveis as singularidades de vida, de formação e do desenvolvimento profissional em torno da docência, sejam como escolha ou necessidade pessoal e profissional.

Acredito que tenham sido esses limites e pressões quanto ao mercado de trabalho, a desvalorização como docente na educação básica, porque, mesmo com o mestrado, não consegui aulas no ensino fundamental e nem no médio. Eu não tinha muitas perspectivas futura (Professora Cássia).

[...] o que me motivou a ser professora universitária foi a experiência na pós-graduação, pois convivemos com muitos alunos de iniciação científica e, mesmo não estando em sala de aula, nos laboratórios, estamos sempre em contato, ensinando, o que nos desperta, também, para a docência (Professora Eliana).

As vivências acadêmicas dos professores formadores na pós-graduação se tornaram fontes de estímulo para a inserção na docência universitária e a busca pela estabilidade profissional, via concursos nas universidades públicas.

Processo de socialização[11]

Os formadores expressaram que a socialização, na fase de inserção na docência universitária, foi construída mais por relações individuais que coletivas. Pelos excertos, identificamos que ocorreu, geralmente, entre os próprios colegas da instituição. Não evidenciamos nos relatos a existência de apoio institucional na recepção aos professores, bem como políticas ou programas de formação para a docência superior nas IES investigadas, corroborando estudos de (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; MIZUKAMI, 2005-2006; ALMEIDA, 2012).

 Constatamos que o processo de socialização, em se tratando da inserção na docência universitária dos formadores, não aconteceu conforme os aspectos essenciais voltados para o profissional no começo da carreira, com programas de imersão e trocas de saberes (RUIZ, 2008, DOMÍNGUES; ESTEPA; GARCIA, 2019). Assim, o saber-fazer, no começo da docência universitária, para os professores, ocorreu pela busca de informações sobre os processos pedagógicos e administrativos no âmbito da universidade, do que propriamente por iniciativas promovidas pelas instituições e o trabalho coletivo entre os pares.

Em relação ao apoio dos colegas na instituição, nesse começo de carreira, posso dizer que as coisas não são muito fáceis, mas acredito que isso acontece em todos os cursos, em todos os departamentos. Sou inexperiente para falar, porque nunca trabalhei em outro departamento. Mas, quando cheguei, eu e a colega que assumiu comigo, tivemos muito trabalho, pois não sei se “plantaram” na nossa mente, ou na minha, a questão do “fantasma do estágio probatório” que deveria ser cumprido (Professora Cássia).

Acredito que eu seja a única docente que nunca teve uma experiência na Educação superior, pois “cheguei aqui crua”, não tinha noção do que era uma universidade e da vivência como professora universitária (Professora Eliana).

No caso da socialização, acho que temos muitos limites no campus. Há ações que percebo por ser uma atitude minha, por exemplo, quando aprendo algo e, se chega alguém novo no curso, já socializo, mas noto que isso não acontece muito aqui (Professora Elisa).

Com base nos relatos, foi possível identificar a fragilidade do trabalho colaborativo entre os membros dos cursos, ocasionada por dilemas das relações interpessoais, deficiência de entrosamento e individualismo (FONTANA, 2010), da ausência de espaços de diálogo entre as áreas que compõem o corpo docente e a instituição. Wiebusch (2016) observou que os professores iniciantes vivem um processo de isolamento entre pares, dificultando o desenvolvimento do trabalho institucional. Entendemos que o trabalho do professor, sobretudo o do iniciante, não pode ser realizado “[...] apenas individualmente, mas, sim, no contexto coletivo e em parceria, concreta e intencional” (BARAÚNA; ÁLVARES, 2006, p. 35).

Nesse sentido, os formadores salientaram que a universidade, como espaço de conhecimento e formação, representou um lócus, uma “ilha” de solidão pessoal e profissional, pois as ações dos pares ficaram mais restritas às questões individuais, pautadas em disputas internas e políticas que ao trabalho coletivo propriamente dito. Tal situação, a nosso ver, impacta diretamente no processo de socialização e a inserção na cultura organizacional de um novo profissional docente, sobretudo do professor em começo de carreira, a exemplo dos colaboradores do estudo. Em outras palavras, a socialização possibilita compreender as demandas institucionais para a superação dos dilemas enfrentados pelos docentes, contribui para construção identitária e o desenvolvimento pessoal e profissional dos formadores.

No campo do ensino, as narrativas dos docentes distinguiram aspectos acerca da socialização e interação com os alunos na universidade. Os professores demonstraram ter boa relação com as turmas em que atuavam, mas grande parte ressaltou dificuldades na fase inicial da docência superior, em específico o cumprimento e a responsabilidade dos discentes no que tange às atividades acadêmicas.

Sinto um pouco disso aqui na instituição, porque há uma carência de leitura por parte dos alunos. Mas, entra nessa análise uma questão que é contraditória e complexa, relacionada ao perfil dos acadêmicos que são trabalhadores, fato que precisamos levar em consideração (Professora Cássia).

Tento deixar essas coisas bem claras, pois entendo que é a partir do entendimento sobre formas de avaliação que ocorrem os problemas entre alunos e professores na sala de aula (Professora Eliana).

 

Sobre a minha relação com os alunos em sala de aula, acredito que seja tranquila. Às vezes, saio com a cabeça “desse tamanho”, com raiva (Professora Elisa).

Sobre o meu relacionamento com os alunos, assim que cheguei, foi muito bom. Depois, você vai entrando no ritmo e, às vezes, eles começam a abusar demais (Professora Mariana).

Em outro ângulo, os relatos expressaram diversas facetas que compõem a tessitura da docência universitária como atividade social e complexa, como a questão da inclusão, políticas de acessibilidade, a dimensão multicultural nas instituições formativas, conforme demonstrou Cerezer (2015), em especial, as fragilidades formativas das propostas curriculares de cursos de formação de professores.

Ser professor iniciante na universidade: desafios, dilemas e possibilidades   

Nos relatos dos professores ressoaram sentidos e significados que assinalaram a fase inicial na docência universitária como um tempo de descobertas, alegrias, entusiasmo, conquistas, dilemas e dificuldades (BOZU, 2010). No começo da docência superior, os professores vivenciaram sentimentos de identificação ou ressignificação da profissão professor. É possível refletir que a fase inicial da docência na Educação superior, por parte dos formadores, ultrapassou os dilemas característicos dos professores iniciantes no âmbito acadêmico (RUIZ, 2008).

Os desafios e as possibilidades do começo da docência universitária desvelaram olhares singulares e coletivos que, ao mesmo tempo, aproximaram e se distanciaram da constituição da docência universitária, seja pelas lacunas da formação, pela realidade e pelas condições de trabalho dos professores.

Trabalhava um pouco com a pesquisa e a história da África, conteúdo último que não havia estudado no meu processo de formação. [...] acredito que outro desafio aqui, para mim, não sei se também é para os outros, é justamente a precária infraestrutura da universidade – o curso é novo, de 2009, e vivenciamos processos de greve (Professora Cássia).

A narrativa da colaboradora ecoou marcas e significados da fase inicial da docência universitária vivenciada por muitos professores, particularmente a necessidade de completar a carga horária de trabalho,  a habilidade pedagógica e de conhecimento em determinadas áreas/temáticas, e solidão pedagógica (CUNHA, 2014). De acordo com a autora citada, muitas dificuldades relatadas pelos professores iniciantes na Educação superior correspondem às responsabilidades pedagógicas e administrativas, diante das quais nem sempre estão aptos ou habilitados a assumir e resolver.

Outro dilema narrado pela professora formadora iniciante concerne aos problemas estruturais da instituição de ensino e às condições de trabalho, como laboratórios e uma biblioteca universitária adequada. Tal questão foi confirmada pelos demais professores, sobretudo por conta da escassez de recursos, observada nas instituições em virtude das reformas financeiras e de cortes de recursos, problemas estruturais, sobrecarga de trabalho e demandas não relacionadas ao ensino, à  pesquisa e à extensão.

Diferentemente de Cássia, a narrativa de Clarissa demonstrou desafios iniciais na docência universitária, como a habilidade e domínio de turmas. Este último aspecto se articula às dificuldades na organização e no desenvolvimento pedagógico, pois enfrentou empecilhos no processo de ensino e aprendizagem ao propor determinado exercício em classe. Ademais, a imersão na cultura organizacional da universidade foi caracterizada por ela como uma instância burocrática e hierarquizada.

Em relação aos desafios e dificuldades encontradas no início da carreira, na Educação superior, posso destacar a questão do domínio de turma, porque, como estudei em uma turma que era formada por pessoas de movimentos sociais e estou na Educação do Campo, eu tinha certa ilusão de que a experiência seria parecida. E não é! Não sei se é pela região, mas acho que não. [...] No primeiro semestre, encontrei dificuldade na explicação do conteúdo: por exemplo, encaminhei o trabalho para a classe e os alunos não compreenderam o que era para realizar (Professora Clarissa).

Eliana discorreu sobre os desafios relacionados ao espaço da sala de aula e à aula em si, como lugares estranhos (CEREZER, 2015; GARCIA, 1999; BOZU, 2010), em razão do desconhecimento pedagógico para atuar na Educação superior (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005). No caso de Elisa, as dificuldades percebidas por ela nos primeiros anos da docência universitária estavam relacionadas com o fazer pedagógico e a cultura organizacional:

Acerca dos desafios e dificuldades vivenciados na docência da Educação superior, como professora iniciante, percebo a questão da desinformação; é “um calo muito grande”, porque estava costumada com outra relação. Quando chegamos à universidade, somos novatos, não sabemos os trâmites, e nós nos “quebramos tanto” para descobrir alguma coisa que alguém poderia dizer: “ó, faz assim” (Professora Elisa).

Estepa (2016, p. 64) afirma que a socialização na cultura organizacional pode ser uma alternativa, no desenvolvimento permanente dos professores que estão iniciando a carreira, para superar o individualismo da profissão, promover “[...] o desenvolvimento e fortalecimento do trabalho coletivo entre os docentes” e, consequentemente, o aperfeiçoamento do fazer pedagógico. No caso da formadora Mariana, o maior desafio da fase inicial na docência na Educação superior correspondeu ao trato pedagógico dos alunos com o processo de aprendizagem e as dificuldades de inserção no campo da pesquisa. Por outro lado, ficaram evidentes que os desafios percebidos pelo professor Ronaldo no início da docência na universidade correspondiam diretamente à proposta curricular e metodológica do curso, fora da  área de formação e de atuação.

Nesse ínterim, salientamos que os formadores avaliaram positivamente as vivências e aprendizagens proporcionadas, ao longo do período inicial na docência universitária, seja para a compreensão da própria universidade como espaço de trabalho, a relação professor-aluno ou na busca constante de conhecimento e desenvolvimento profissional. Todavia, acreditamos que tal entendimento não nos permite inferir que os professores tenham superado e esquecido obstáculos, dilemas e medos vivenciados nesse período da docência, como marcas negativas do ser e fazer docente na universidade, como muitos formadores enfatizaram, retomaram e ratificaram as narrativas. Cada professor apresentou, de modo particular, um estilo profissional do início de ingresso/inserção à docência a partir da sua história de vida, pois “a trajetória profissional constitui-se como substrato do processo de contextualização da docência, revelando os significados e os sentidos da profissão” (BOLZAN; POWACZUK, 2019, p. 76).

Em outra análise, os professores expressaram diversas expectativas sobre o Curso e o desenvolvimento do ofício de formadores. Há preocupação da maioria em contribuir para a formação dos estudantes e o desenvolvimento social, enquanto outros expuseram os dilemas e as incertezas da docência universitária. Pelos relatos, vimos que as expectativas dos colaboradores com o curso de atuação e a função de formadores convergiam para a necessidade de ampliação e revisão das práticas pedagógicas realizadas no âmbito da docência universitária.

Os docentes desejavam construir um movimento de busca permanente no desenvolvimento da carreira universitária, embora a maioria dos professores reconhecesse que tal processo apresenta limitações e incertezas, principalmente no tocante à redução dos investimentos públicos no campo do ensino e da pesquisa nas instituições, evidenciaram expectativas positivas no desenvolvimento pessoal e profissional de si e dos outros.

Considerações finais

Os relatos dos professores evocaram experiências produzidas nas relações familiares, sociais e profissionais. Por meio do exercício da memória, nos levaram a compreender a infância como uma fase significativa na constituição da personalidade. Notamos que o interesse pela docência por parte dos colaboradores foi incentivado por aspectos como espaço de vivência, inserção no mercado de trabalho e a influência de professores marcantes, e não propriamente pela influência familiar.

Verificamos que o processo de escolarização básica foi marcado por necessidades, oportunidades e desafios que entrecruzam suas histórias de vida. As narrações destacaram os conteúdos aprendidos, as dificuldades de aprendizagem e as relações com professores e colegas. Vale salientar que, embora alguns deles não possuíssem experiência no âmbito educacional, foi explicitada a relevância de outros contextos e estilos de aprendizagens na formação e no desenvolvimento da carreira.

As motivações para o ingresso dos professores na docência universitária foram guiadas por valorização e qualificação profissional, qualidade de vida e transformação social. Tornou-se evidente a desvalorização dos docentes atuantes nos níveis básicos. Com isso, encontraram na docência universitária estabilidade profissional e o reconhecimento da profissão.

Os professores no início da docência vivenciaram sentimentos de angústia, solidão pedagógica e institucional, incertezas, carência de informações, choque de realidade, estratégias de sobrevivência e descobertas da/na docência. As práticas dos professores estavam integradas na unidade formativa (ensino, pesquisa, extensão e gestão), conforme arcabouço jurídico da carreira do magistério superior nas IFES. Ademais, os relatos externaram as precárias condições de trabalho, de estrutura física, restrições do quadro de pessoal e financeiro das instituições investigadas no Norte do país, o desinteresse e desmotivação de estudantes em atividades relacionadas à formação docente. Foram desvelados os cenários, situações e personagens que explicitam os condicionantes históricos, sociopolíticos ou culturais recorrentes nas políticas de educação e nas instituições educacionais.

Realidade que exige, a nosso ver, estudos sobre as propostas didático-pedagógicas adotadas pelos docentes da Educação Básica, e as implicações no processo de aprendizagem dos estudantes, particularmente, nas instituições de ensino situadas no meio rural. Entendemos, nesse caso, que a Educação do Campo requer aprofundamento de estudos teóricos, metodológicos e pedagógicos, superando a lógica da “Educação Rural”, caracterizada como proposta educativa alicerçada no ideário de uma classe dominante no setor agrobrasileiro tradicional. Diante dessas questões, compartilhamos ações e estratégias formativas, sendo algumas desenvolvidas por IES. A intenção é contribuir para a formação e o desenvolvimento profissional dos formadores iniciantes atuantes em cursos de licenciatura na universidade:

·       Criar políticas institucionais de formação e desenvolvimento profissional dos professores de modo permanente, principalmente para os formadores iniciantes, tanto presencial quanto a distância com plataformas de aprendizagem;

·      Ampliar ações formativas aos professores a partir das suas necessidades de formação frente aos desafios da docência universitária e temas geradores de debates;

·      Estimular e fortalecer a criação de espaços colaborativos entre docentes e discentes, no sentido de fortalecer a relação dialógica professor-aluno; por meio de fóruns (presencial e on-line), rodas de conversa, comunidades de aprendizagem mediadas por práticas colaborativas dos Colegiados de curso, Núcleo Estruturante (NDE), Projeto Pedagógico Institucional (PPI), dentre outros; 

·      Desenvolver e ampliar as políticas institucionais existentes de acolhimento e acompanhamento psicossocial aos professores iniciantes, em particular de formadores de professores, em razão do deslocamento territorial, bem como a perda dos vínculos familiares e sociais frente às condições de trabalho que enfrentam; com apoio de equipe multiprofissional.

·      Articular a criação de redes de aprendizagem entre a universidade e o espaço escolar, como ambientes de formação permanente para os formadores, professores da educação básica e futuros professores; dentre as quais destacamos a socialização dos membros em programas de valorização à docência como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e o Residência Pedagógica.,

·      Fortalecer processos formativos que integram a unidade ensino, pesquisa, extensão e gestão no desenvolvimento profissional docente;

·      Oferecer melhores condições de trabalho aos formadores de professores, no âmbito pedagógico, quanto na cultura organizacional;

·      Reforçar políticas de mobilidade nacional e internacional para os formadores sobre práticas exitosas ou inovadoras de ensino e aprendizagem à luz da interculturalidade

·      Mapear e propor ações que valorizem a história de vida dos professores universitários, como agentes de saberes na formulação das políticas institucionais e formativas, por meio de canais que promovam a interlocução sobre o exercício da docência, a produção científica e profissional dos professores.

            As proposições sintetizam algumas dimensões e elementos significativos evidenciados pelas narrativas dos professores sobre o início/inserção à docência, compreendidos como elementos multifacetados e tecidos na história de vida. A investigação sinaliza a importância de novos estudos, pesquisas e interrogações sobre as  histórias de formadores iniciantes, atuantes na universidade pública brasileira, principalmente no momento de contingenciamento do investimento público nas universidades federais e a fragilidade do reconhecimento social de representantes políticos e setores da população acerca do papel da ciência e da universidade, e os impactos na formação dos sujeitos sociais, no compromisso com os direitos humanos e a democracia.

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Notas



[1] Partimos da ideia que a construção da identidade docente “é baseada numa revisão constante dos significados sociais da profissão, da revisão das tradições, como também das práticas já consagradas” (PIMENTA, 2002, p. 19).

[2] Segundo Bosi (1994, p. 55), consideramos que “a memória não é sonho, é trabalho”. Se a memória é trabalho, ela implica em movimentos psíquicos de ligações e religações numa nova construção.

[3] Para Larrosa (2002, p. 21), “[...] a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”.

[4]O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

[5]O professor formador é compreendido como profissional responsável pela mediação da aprendizagem da docência do futuro professor ou do professor atuante em sala de aula (MIZUKAMI, 2005-2006).

[6] Neste estudo “o desenvolvimento profissional e formação entrelaçam-se em um intrincado processo, a partir do qual o docente vai se construindo pouco a pouco” (ISAIA,2006, p.375).

[7] Após o aceite de participação, os professores formadores assinaram a carta de cessão de acordo com os critérios da pesquisa com a história oral (Guimarães, 2006) e os padrões éticos da pesquisa.

[8]Apoiando em Cerezer (2015), considera-se iniciantes os professores com até cinco anos de experiência profissional no magistério.

[9] Os dados foram construídos por meio da análise documental do currículo Lattes dos professores, pontos das entrevistas, das notas no caderno da pesquisa de campo, realizada entre os anos de 2017-2018, nos estados de Rondônia e Tocantins.

[10] Compreendemos que o fazer docente é complexo, histórico e social, o que exige do professor, iniciante ou não, conhecimentos e habilidades que superem uma perspectiva linear de ações e modelos pedagógicos.

[11] A partir das ideias de Dubar (2005, p. 23) entendemos, neste estudo, que a “[...] a socialização não é apenas transmissão de valores, normas e regras, mas desenvolvimento de determinada representação do mundo. É um processo de identificação, de construção da identidade, ou seja, de pertencimento e de relação”.