Impactos da formação superior em Educação do Campo no perfil socioeconômico e profissional de egressos
The Impacts of Higher Education in Rural Education in graduates’ socioeconomic and professional profile
Jailson Batista dos Santos
Mestrado na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.
jaylsonbatysta@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-5669-2566
Edineide Jezine
Professora Doutora na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.
edjezine@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-0180-0347
Recebido em 15 de junho de 2019
Aprovado em 27 de julho de 2020
Publicado em 25 de setembro de 2020
RESUMO
O artigo aborda os impactos da Formação Superior em Educação do Campo no perfil socioeconômico e profissional de egressos desse nível de ensino (2014-2017). Trata-se de uma pesquisa de Mestrado, de abordagem qualitativa do tipo exploratória, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Objetiva-se discutir a formação oferecida pelo Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo, da UFPB, para apreensão de seus impactos na vida de seus egressos. A análise apoia-se em dados do perfil socioeconômico, obtidos por meio de questionário e entrevistas aplicadas junto aos sujeitos interlocutores da pesquisa. Fundamenta-se em diretrizes do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso à luz da teoria do Capital Cultural (BOURDIEU, 2002), dentre outras fontes bibliográficas e documentais. Os resultados evidenciam que o perfil socioeconômico dos egressos apresenta características comuns ao curso investigado, sendo composto por um público majoritariamente feminino, autodeclarado preto/pardo e de baixa renda. Conclui-se que a formação em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo, de modo geral, apresenta impactos significativos ao perfil dos profissionais formados, tais como a continuidade da carreira acadêmica, a atuação profissional exercida na mesma área da formação e a relação teoria e prática consonante com a realidade campesina. Ademais, o curso traz novos direcionamentos aos egressos, fazendo com que eles passem a ter uma visão crítica sobre o mundo, bem como sobre a própria Pedagogia pautada no projeto de Educação do Campo.
Palavras-chave: Formação superior; Educação do Campo; Egressos.
ABSTRACT
The article sets up Higher Education impacts in Rural Education in socioeconomic and professional profile of recent graduates (2014-2017). This is a Master’s degree research, of qualitative approach and exploratory type, developed at the Post-Graduate Programme in Education (PPGE), of Universidade Federal da Paraíba (UFPB), financed by CAPES (Coordination for Higher Education Staff Development)The aim is to discuss the formation offered by Pedagogy course– Rural Education widening area, of UFPB, to comprehension of its impacts over graduate lives. The analysis is based on socioeconomic profile data obtained by questionnaire and interviews applied with the research’s subject interlocutors. It rests on the course political-pedagogic project (PPP) directives in view of Cultural Capital Theory (BOURDIEU, 1998), among others bibliographical and documental sources. The results evidences that the graduate socioeconomic profile presents characteristics, which are common to the course investigated, being composed primarily by a female public, self-declared black/brown and of low income. In conclusion, the Pedagogy formation with widening area in Rural Education, generally, presents significant impacts on the graduate profile, such as the academic career continuity, the professional performance applied in the same formation area and the relationship between the theory and practice in keeping with the rural reality. In addition, the course brings new directions to the graduates, leading them to have a world critical view, as in the very Pedagogy based on the Rural Education Project.
Keywords: Higher Formation; Rural Education; Graduates.
Introdução
Quando se nasce preto, pobre e favelado, não se tem tempo para pensar na possibilidade de cursar uma universidade porque existem outras prioridades, sendo que a sobrevivência é uma delas. Fazer parte de um grupo social[1] periférico, em um país marcado pela desigualdade socioeconômica como o Brasil, não é uma tarefa fácil. A experiência de cursar uma universidade representa, nesse contexto, uma “exceção à regra", tendo em vista que muitos jovens da periferia, historicamente, não tiveram/têm essa mesma oportunidade. Trata-se de um fenômeno que envolve a articulação entre as experiências vivenciadas na formação e as expectativas sobre o futuro, carregando em si, múltiplos significados (TEIXEIRA, 2002).
A temática que envolve a formação superior em Educação do Campo e seus impactos no perfil socioeconômico dos egressos desse nível de ensino constitui-se relevante, porque chama à atenção para o debate acerca do compromisso social que a universidade se propõe (SANTOS, 2020). Além disso, são raros os estudos que tratam do acompanhamento de egressos de cursos de graduação, realizados pelas Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil (ANDRIOLA, 2014). Tal relevância pauta-se, também, na importância da luta por uma Educação do Campo transformadora e uma formação que atenda os objetivos a ela propostos pelos sujeitos interlocutores desse processo.
Em face do exposto, destaca-se para este estudo o caso dos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo, da UFPB, tendo em vista que muitos desses sujeitos, durante o último período de permanência no curso, apontaram grandes expectativas sobre o futuro profissional (FELINTO, 2015; SANTOS, 2017). Parte-se do pressuposto de que a experiência de cursar uma universidade pode gerar impactos significativos na vida de grupos sociais em situação desfavorável socioeconomicamente. Nessa direção, apresenta-se, para esse contexto, a seguinte problematização: Quais os impactos da formação oferecida pelo Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo (UFPB) para o perfil socioeconômico e profissional de seus egressos?
Em atendimento a problemática apresentada, buscou-se como objetivo discutir sobre a formação oferecida pelo referido curso, para apreensão de seus impactos na vida dos profissionais formados. Concomitante a isso, a discussão se fundamenta em diretrizes do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso (UFPB, 2009) à luz da teoria do Capital Cultural (BOURDIEU, 1983; 1998; 1999; 2002); e em dados do perfil socioeconômico e profissional, obtidos junto aos interlocutores participantes da pesquisa; dentre outras fontes bibliográficas e documentais.
A metodologia deste estudo é de base qualitativa em educação, de caráter exploratório. Trata-se de um recorte de uma pesquisa[2] maior, que se encontra em processo de publicação pela instituição na qual foi desenvolvida. Utilizaram-se como instrumentos um questionário on-line e entrevistas semiestruturadas. O questionário tem como principal finalidade atender a um maior número de pessoas ao mesmo tempo, com vistas à qualificação precisa de opiniões dos participantes interlocutores da pesquisa (GRAY, 2012). Já, o uso de entrevistas semiestruturadas se justifica pela possibilidade de obtenção de informações sobre o/a entrevistado/a de maneira mais livre e espontânea, uma vez que as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas fechadas (MANZINI, 2003).
Sobre o questionário utilizado, fora aplicado por meio do “Formulário Google”, composto por 22 perguntas, do tipo múltipla escolha, relacionadas ao perfil socioeconômico dos egressos do curso. Para o momento, destacaram-se as seguintes variáveis: situação da conclusão, idade; sexo, cor/raça, continuidade da carreira acadêmica, situação ocupacional, destino profissional, renda familiar/individual, instrução da mãe e instrução do pai. Esse questionário foi enviado a um total de 167 concluintes do curso de Pedagogia – Educação do Campo, dos anos 2014; 2015. 2016 e 2017, e ficou disponível entre o período de 09 de agosto de 2019 a 09 de outubro de 2019. Nesse período de sua aplicação foram obtidas 35 respostas, que corresponde à amostra da presente pesquisa.
Do questionário aplicado resultaram 4 (quatro) egressos do curso, que se propuseram participar das entrevistas semiestruturadas. Essas entrevistas foram realizadas seguindo um roteiro com 5 (cinco) perguntas relacionadas aos impactos da formação oferecida pelo curso de Pedagogia – Educação do Campo para os campos pessoal e profissional de seus egressos. Assim, a interpretação dos resultados ocorrera de forma dinamizada, uma vez que foram cruzados os dados do questionário com os relatos obtidos nas entrevistas junto aos participantes interlocutores da pesquisa.
O texto se encontra estruturado em cinco tópicos, a contar com a introdução, seguindo pelos quais: Estudos com egressos da Educação Superior: algumas aproximações; O Curso de Pedagogia - Área de aprofundamento em Educação do Campo e as diretrizes do PPP para o perfil do licenciado; Impactos da formação em Pedagogia-Educação do Campo no perfil socioeconômico e profissional de seus egressos; e as considerações finais.
Desta feita, considera-se que a análise dos dados possa contribuir para a reflexão sobre a formação superior e os seus impactos na sociedade, bem como à percepção de processos de superação dos sujeitos com histórico de desprivilegio social.
Estudos com egressos da Educação Superior: algumas aproximações
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (2017), o sujeito egresso é definido como “todo discente que tenha frequentado um curso em instituição de ensino superior, tendo ou não concluído seus estudos” (p. 38). Para o presente trabalho, adota-se esse conceito como fundamental, uma vez que os egressos da Licenciatura em Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo são os sujeitos participantes interlocutores da pesquisa.
Nos últimos anos, observa-se um grande interesse de estudiosos em desenvolver pesquisas em nível de mestrado e de doutorado no Brasil, tendo a problemática da formação superior e seus impactos frente à vida dos egressos desse nível de ensino como principal objeto de análise. Tal interesse decorre da constatação de que são raros os estudos realizados pelas IES brasileiras, que visem ao acompanhamento desses sujeitos após conclusão de cursos de graduação (ANDRIOLA, 2014).
Segundo afirmam Cabrera, Weerts e Zulick (2005), os estudos sobre egressos tiveram sua origem nos Estados Unidos (USA), aproximadamente nos anos 1930, e possuíam como foco principal as perspectivas de ex-estudantes acerca da progressão na carreira. A partir de então, esses estudos se difundiram em diversos países ao longo das décadas posteriores, incorporando novas dimensões de análise, como a preocupação com os processos educacionais, passando a considerar as competências em contexto marcado pela emergência da economia no fim dos anos 1990 (SEABRA; LEITE; DIAS, 2017).
No caso do Brasil, as primeiras aproximações sobre o referido tema ganham maior repercussão a partir da década de 1990, período este que, segundo Alves e Portes (2017), foi marcado por reformas educacionais, sobretudo no âmbito da Educação Superior. A partir de então, os estudos sobre egressos do nível superior de ensino passaram a ser reconhecidos como estratégia relevante para obtenção de informações que quantifiquem e qualifiquem a eficácia da formação oferecida, com vistas à adequação às novas exigências do mercado de trabalho (ANDRIOLA, 2014).
Em um panorama geral, no âmbito dos cursos de graduação, os estudos que abordam os sujeitos egressos da Educação Superior como principal objeto de investigação, evidenciam que a formação pode gerar impactos significativos para o campo pessoal e profissional dos sujeitos egressos desse nível de ensino (SANTOS, 2020). No caso do curso de Pedagogia que têm a Educação do Campo como área de aprofundamento, muitas pesquisas (SAGAE, 2015; TRINDADE, 2016; BRITO, 2017; SANTOS, 2018) apontam à compreensão de que as experiências adquiridas com essa formação geram contribuições significativas à prática dos profissionais formados.
As reflexões apresentadas por Sagae (2015), por exemplo, tiveram como pano de fundo as condições conjunturais da vida no campo e a necessidade de se pensar a educação dentro dessa realidade. A referida autora parte do pressuposto de que a formação superior em Educação do Campo traz, na materialidade de origem, a formação de professores de nível superior, para atuarem tanto nos espaços escolares quanto na gestão de processos comunitários (SAGAE, 2015). Já Trindade (2016) acrescenta a este debate, a compreensão de que os egressos demonstram certo reconhecimento sobre a importância da Licenciatura em Educação do Campo na região em que estão inseridos, uma vez que a formação obtida, em certa medida, supera as expectativas desses sujeitos.
Para Brito (2017), destaca-se a Educação do Campo como sendo um projeto de formação de professores emancipador, que se constitui como um novo paradigma educacional pautado na Epistemologia da Práxis, carregado de mudanças e contradições. As análises de Santos (2018) trazem para este debate as representações sociais de egressos da licenciatura em Educação do Campo como elemento importante à temática em foco. Segundo a referida autora, tais representações extrapolam o conceito geográfico, constituindo-se pelo viés de território simbólico, político e ideológico (SANTOS, 2018).
Conforme percebido, os estudos supracitados vêm se conectando a partir da hipótese de que os impactos da formação superior em Educação do Campo gerados à vida dos egressos desse nível de ensino estão intrinsecamente relacionados a fatores sociais, econômicos e culturais. Logo, espera-se que as experiências adquiridas com a formação em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo tragam contribuições significativas à vida dos que passaram por essa formação.
O Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo e as diretrizes do PPP para o perfil do licenciado
A Educação do Campo constitui-se como um projeto político, pedagógico e social, construído a partir de muitas lutas e reivindicações de movimentos sociais do campo, por uma educação básica de qualidade no campo, do campo e para o campo (FERNANDES; MOLINA, 2004). Nesse contexto, destaca-se o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) como uma política pública importante no processo de fortalecimento do projeto de Educação do Campo.
Criado em 1998, o PRONERA é considerado como um dos programas pioneiros na criação de projetos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), estabelecendo parcerias importantes com Universidades Federais, na criação de cursos superiores (BRASIL, 2010). É nesse contexto que nasce a ideia de construção de uma Formação Superior em Pedagogia que toma a Educação do Campo como área de aprofundamento.
O Curso de Pedagogia - Área de aprofundamento em Educação do Campo, da UFPB, nasce como resultado dessas lutas dos movimentos sociais do campo, tendo como principal objetivo proporcionar a formação de professores/as de nível superior para atuar em projetos educativos nas áreas rurais e de assentamentos dos movimentos sociais (UFPB, 2009). O referido curso tem sua base ancorada “na proposta da Pedagogia da Terra, de construir uma Educação do Campo para formar educadores e educadoras do campo para atuação em diferentes espaços educativos” (MENDES; ROCHA 2015, p. 35).
Aprovado pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), da UFPB, sob a Resolução nº 47/2009, o curso de Pedagogia – Educação do Campo consiste em uma proposta formativa crítica e emancipadora, com vistas à preparação de professores/as em exercício na rede pública de educação básica para atuação na educação infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na EJA das escolas do campo (UFPB, 2009). Ademais, destaca-se que o referido curso teve a primeira turma iniciada no período de 2009.2 e os primeiros concluintes no ano de 2014.
Conferindo as finalidades destacadas para uma formação pedagógica de atendimento aos sujeitos oriundos do campo, o referido curso estruturou o currículo a partir de disciplinas teóricas e práticas que buscassem apreender a realidade social e cultural dos sujeitos, quais sejam: “Fundamentos Sócio-Históricos da Educação do Campo”, que apresenta como ementa a contextualização sócio-histórica da luta pela terra e por educação, problematizando o conceito de Educação do Campo, suas concepções teóricas e práticas educativas; “Pesquisas e Práticas na Educação do Campo”, a qual introduz a pesquisa científica, relacionando os aportes teóricos e pedagógicos da Educação do Campo, proporcionando a relação teoria-prática de forma interdisciplinar; e a disciplina intitulada “Projeto de Pesquisa e Extensão no Campo”, que tem como ementa a elaboração e execução de proposta de intervenção, integrando ensino, pesquisa e extensão nas diversas práticas educativas no/do campo; dentre outras. Essas disciplinas contemplam à estrutura teórico-metodológica do curso em consonância com os princípios da Educação Popular.
A estruturação do perfil do Licenciado em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo, da UFPB, ocorre por base no que é determinado para qualquer docência na Educação Básica; com vistas à garantia de conhecimentos teóricos sólidos e a uma variedade de práticas e conceitos e organizados no decorrer de sua formação. Assim, esse perfil é constituído de forte alicerce generalista, crítico e ético, de modo a contemplar a realidade campesina, em face à preocupação com a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem dos sujeitos pertencentes a essa realidade (UFPB, 2009).
Nessa direção, espera-se que esse profissional da educação domine certos conteúdos e tenha o entendimento crítico sobre o que leciona e de como age ao ensinar determinados conteúdos. Para tanto, dentre as orientações que estão nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Pedagogia com ênfase em Educação no Campo, destacam-se a seguintes:
Promover o desenvolvimento e aprendizagem de crianças do Ensino Fundamental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria; Aplicar modos de ensinar diferentes linguagens, Matemática Ciências, História e Geografia; Estabelecer relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade; Realizar pesquisas, que proporcionem conhecimentos sobre os educandos, os processos de aprendizagem, o currículo, a organização do trabalho educativo e a prática pedagógica; Apropriar-se de processos de construção do conhecimento científico e pedagógico (UFPB, 2009, p. 1).
Nesse contexto, o profissional formado em Pedagogia com ênfase na Educação do Campo deve ser além de pedagogo, um pesquisador, tendo conhecimentos científicos e pedagógicos sobre as realidades socioculturais e educacionais, com percepção crítica e reflexiva, bem como respeito às diversidades em geral.
Tendo em vista o perfil profissional em destaque, identifica-se que os seus fundamentamos baseiam-se na reparação das demandas geradas pelas desigualdades sociais que atingem essa parcela da população, especialmente, no que tange à lacuna da educação integral, como pode ser confirmado nas diretrizes que direcionam o curso:
Identificar problemas socioculturais e educacionais, propondo alternativas, que demonstrem postura investigativa, pensamento lógico e crítico, em face da complexa realidade, com vistas a superar a exclusão social; Demonstrar consciência ecológica, étnico-racial e respeito à diversidade nas suas dimensões, por exemplo, de gêneros, classes sociais, culturas, religiões; Reconhecer e respeitar as manifestações cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas; Reconhecer e respeitar a realidade do campo e a diversidade das culturas e sujeitos que habitam o espaço rural (UFPB, 2009, p. 1).
Percebe-se que essas diretrizes se apresentam como uma construção coletiva que considera em sua proposta educativa as necessidades específicas da realidade campesina. Logo, entende-se que o perfil traçado para o profissional que atua nessa esfera é norteado pela prática pedagógica que objetiva a colaboração com as políticas públicas em atendimento às demandas de grupos sociais desfavorecidos socioeconomicamente.
Além do perfil profissional abordado, no PPP do Curso de Pedagogia com ênfase em Educação do Campo, são especificados o âmbito e os seus ramos em que o licenciado em Pedagogia pode atuar. Dentre estes, estão à docência em diversas áreas; a Gestão Educacional; a produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional; a atuação pedagógica junto as comunidades rurais e atuação em espaços escolares e não escolares.
No âmbito da docência, o licenciado em Pedagogia poderá exercer a profissão na Educação Infantil, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, no curso de Ensino Médio na modalidade Normal, na Educação de Jovens e Adultos, assim como em Educação Profissional. Quanto à Gestão Educacional, sob o viés democrático, abrange várias ações e atribuições referentes ao serviço pedagógico e aos procedimentos educacionais, sendo escolares ou não, são relacionadas, portanto, as atividades de: planejamento, administração, coordenação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas e institucionais no campo da educação.
Acerca da Produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional, o licenciado em Pedagogia em Educação do Campo também pode se dedicar a tarefa de realizar pesquisas científicas e contribuir para a propagação desse tipo de conhecimento, investigando a realidade das escolas ou até de outras instituições. Além disso, esse profissional, de maneira mais específica, pode trabalhar dentro das comunidades rurais, de forma que possa conhecer melhor esse contexto e saber intervir com projetos em conjunto com as famílias, grupos sociais, cooperativas, associações e movimentos sociais etc. Assim, fica clara a abrangência de áreas e funções em que o profissional formado em Pedagogia pode atuar, desde espaços escolares a não escolares, na intenção de promover a aprendizagem de indivíduos em períodos distintos do desenvolvimento, em etapas e categorias diversas do campo educacional.
Considerando toda a estrutura que compõe o curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo, enxergam-se grandes desafios acerca da profissão do Pedagogo; bem como seus embates por sua desvalorização expressa pela classe dominante. Segundo afirmam Felinto e Jezine (2013), a profissão docente se encontra categorizada como de menor status social, ou seja, um curso de baixo prestígio social. Essa característica, ao longo da história do curso está, em parte, vinculada à má remuneração que caracteriza o exercício do trabalho docente e à precariedade das condições de trabalho. Em contraponto a isso, o curso mantém seu compromisso social ao oferecer uma formação de qualidade, ao passo que possibilita, ao seu público, a aquisição do que Bourdieu (2002) chama de “capital cultural”, de modo a impactar diretamente na vida de seus egressos.
Segundo explica Bourdieu (2002), de modo geral, o capital cultural é compreendido como todas as ferramentas que um indivíduo possui, do ponto de vista da cultura, para utilizar socialmente como um símbolo de sua classe. Ainda, segundo o referido autor, esse capital se apresenta em três estados: incorporado, objetivado e institucionalizado. No estado incorporado, o capital não é instantâneo, ele é transmitido para o indivíduo pelos habitus de sua classe e gradativamente incorporado por ele. No estado objetivado, o capital cultural “detém certo número de propriedades que se definem apenas em sua relação com o capital cultural em sua forma incorporada” (BOURDIEU, 2002, p. 78). Já o estado institucionalizado do capital cultural encontra nas instituições a sua legitimação, sobretudo nas instituições de nível superior. Nesse âmbito, é conferido ao indivíduo provas de que ele detém determinado capital cultural. Títulos acadêmicos e certificados são exemplos desse estado.
Bourdieu (1999) parte do pressuposto de que o propósito das regras que compõem as estruturas sociais é manter uma condição hegemônica. Nesse contexto, os agentes que estão em posição de privilégio dentro do campo[3](espaço social de disputa e poder)buscam enrijecer o controle, para garantir a preservação do status quo e da sua condição de poder (BOURDIEU, 1999).Vale salientar que a concepção de campo, na perspectiva de Bourdieu (1983), é uma arena autônoma, independente de outros espaços sociais que envolvem outras disputas, como explica o referido autor:
Um campo, e também o campo científico, se define entre outras coisas através da definição dos objetos e disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputas e aos interesses próprios de outros campos (não se poderia motivar um filósofo com questões próprias dos geógrafos) e que não são percebidos por quem não foi formado para entrar neste campo [...] (BOURDIEU, 1983, p. 83).
Não é possível pensar o campo educacional sem a relação de poder entre os indivíduos, ou desassociado da perspectiva de Bourdieu (2002) sobre a ideologia dominante. Aponta-se que o campo possui regras específicas de sua dinâmica e ordenamento, assim como um acúmulo de disputas ao longo do tempo que se aglutina para construir uma hegemonia. Da mesma forma, tal concepção dentro do debate que envolve a Educação do Campo é compreendida também sob essa perspectiva educacional, haja vista que essa proposta educativa vai de contraponto a ordem dominante, constituindo campos de disputa, regras e poder.
Face ao exposto, pode-se encontrar certa correspondência entre a formação em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo e a perspectiva das estruturas sociais defendidas por Bourdieu (1998). Para o referido autor, a educação é o capital cultural, sendo esse tão importante quanto à instituição de ensino. Nessa lógica, o capital cultural integra-se ao capital social[4], passando a ser “elemento definidor das políticas sociais, com vistas a amenizar a pobreza e fortalecer a coesão social” (MENDONÇA; NEVES; PRONKO, 2009, p. 65). Nessa perspectiva, os sujeitos em situação desfavorável socioeconomicamente que passam pelo curso de Pedagogia com ênfase na Educação do Campo, em certa medida, adquirem “capital cultural” durante a formação, gerando grandes expectativas sobre a possibilidade de um futuro promissor.
Portanto, a formação oferecida pelo Curso de Pedagogia com Área de aprofundamento em Educação do Campo representa um campo de possibilidades viável à mobilidade e ascensão social dos sujeitos que passam por essa formação, podendo impactar de forma significativa a vida desses sujeitos.
Os impactos da formação em Pedagogia – Educação do Campo no perfil socioeconômico e profissional de seus egressos
Considerando a problemática central deste estudo, em consonância com as diretrizes destacadas no PPP do curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo, aqui se apresenta a caracterização do perfil socioeconômico de seus egressos. Busca-se a comparação entre os períodos de conclusão de curso e a atual situação desses egressos, para apreensão dos impactos do curso na vida dos seus egressos durante o período analisado (2014/2015/2016/2017 - 2019).
O primeiro dado obtido se refere à situação do egresso quanto ao tempo de integralização do curso. Assim, dos 35 egressos que responderam ao questionário, verificou-se que 60% concluíram o curso fora do prazo mínimo de integralização, que é de cinco anos, conforme ilustra o gráfico 01 a seguir.
Gráfico 01– Situação em que o egresso concluiu o curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo (2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Esses dados podem ser decorrentes das dificuldades de permanência no curso, que resultaram em muitos trancamentos, conforme constatado em pesquisas anteriores (FELINTO, 2015; SANTOS, 2017). Apesar disso, as pesquisas realizadas por Felinto (2015) e Santos (2017) evidenciaram que a maioria dos estudantes do curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo havia superado essas dificuldades, relacionando essa superação à forte identificação pelo curso.
Com relação à faixa etária dos egressos, observa-se que a maioria é composta por jovens entre 29 e 34 anos, conforme ilustrado no gráfico 02, logo a seguir. Vale destacar, que segundo consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a idade ideal para ingresso na Educação Superior é entre 18 e 21 anos (BRASIL, 1996).
Gráfico 02 – Idade dos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo (2019)
Fonte: Dados da pesquisa de Mestrado (SANTOS, 2020).
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Nos dados coletados, verifica-se, também, que a faixa etária entre 23 a 28 anos se apresenta com 26% do total; ou seja, para o que consta na LDB, esses estudantes ingressaram na universidade fora do tempo adequado. Essa constatação sobre a entrada tardia na universidade pode ser confirmada no caso de uma egressa entrevistada, que relatou sobre essa questão: “Eu demorei a entrar na universidade, entrei com 24 anos, fora da faixa etária, então entrar nesse espaço, concluir o curso foi uma grande realização” (EGRESSO-01, 2019). Apesar da entrada tardia, destaca-se a realização de ter concluído o curso como um fator positivo à formação.
No tocante à variável sexo, os dados do Gráfico 03, abaixo, indicam que a maioria dos egressos é do sexo feminino, com um percentual de 69%, contra 31% do sexo masculino. Esses dados reafirmam o fato de que “a profissão docente permitiu às mulheres o acesso a um dos espaços públicos anteriormente frequentado pelos homens” (SILVA, 2011, p. 34-35). Segundo ressaltado por Silva (2011), essa profissão se apresenta de modo similar ao trabalho do lar, que é “o cuidar das crianças”, uma vez que o curso de Pedagogia é considerado em sua totalidade como sendo um curso feminino.
Gráfico 03 – Sexo dos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo (2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Com relação à cor/raça, conforme ilustrado no gráfico 04, a seguir, a maioria que dos egressos do Curso se declarou pardos. Conforme percebido, o número de pretos e pardos é expressivo, de tal modo que se aproxima do percentual de brancos. Isso pode ser decorrente do REUNI[5] que, associado com as políticas de cotas, favoreceu o ingresso de grupos sociais com histórico de vulnerabilidade social nessa modalidade de ensino.
Gráfico 04 – Cor/raça dos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo (2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Esses dados sobre a cor/raça podem nos indicar que a luta dos movimentos sociais, sobretudo do movimento da Educação do Campo tem contribuído para a inserção da população negra, ainda que minimamente, na universidade.
Com relação à situação atual dos egressos, no que tange à questão da continuidade da carreira acadêmica, os dados revelam que os ex-estudantes do curso de Pedagogia –Educação do Campo seguiu variados caminhos.
Gráfico 05 – Continuidade da carreira acadêmica dos egressos (2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Segundo ilustrado no gráfico 05, acima, a maioria dos egressos procurou cursar uma especialização em mesma área da formação inicial. Além disso, alguns procuraram fazer mestrado e um deles chegou até ao doutorado, também, na mesma área da formação inicial.Tais dados revalidam os estudos realizados por Felinto (2015) e Santos (2017), em que foi verificado que esses estudantes, caracterizados em sua maioria como sujeitos com histórico de vulnerabilidade social, apresentaram expectativas de continuar a carreira acadêmica após a conclusão de curso.
Quanto à situação ocupacional, observa-se que, na comparação entre os períodos de conclusão de curso com o momento atual, houve uma pequena diminuição do número de egressos que não exerciam função remunerada e atualmente passaram a trabalhar, conforme ilustra o gráfico 06 a seguir.
Gráfico 06 – Situação ocupacional dos egressos (2014-2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Todavia, o percentual de egressos desempregados ainda se constitui maior (60%) em comparação com os que estão trabalhando (40%). Conseguir um emprego, após a conclusão de curso superior, é uma das principais preocupações dos formandos em período de conclusão. Isso pode ser percebido em alguns dos relatos expostos pelos egressos entrevistados em nossa pesquisa, conforme transcrição a seguir:
[...] as minhas expectativas no último período era terminar o curso e passar no concurso público para atuar como professora. Eu lembro que, ainda no quinto ou sexto período, eu comecei a fazer concurso público, só que não dava certo, pois passava nas provas objetivas, mas quando chegava à prova de título, como não tinha terminado ainda graduação, eu acabava caindo na pontuação. Mas a minha expectativa era passar num concurso público, sair da universidade e já ir atuar como professora (EGRESSO 01, 2019).
Nota-se, pelo exposto, um forte interesse na carreira docente como forma de trazer contribuições à melhoria da educação nas comunidades em que os egressos estão inseridos. Quando essa expectativa não é atendida, gera-se certa frustração por parte desses sujeitos, o que se caracteriza como um dos grandes desafios que vão para além dos impactos da formação obtida no curso.
Com relação ao destino profissional, a grande maioria dos egressos informou que está à procura por emprego (60%), o que reforça a constatação do desemprego expresso nos dados apresentados sobre a situação ocupacional, conforme expressam os dados do gráfico 07, apresentados na sequência.
Gráfico 07 – Destino profissional dos egressos (2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
No tocante a renda familiar, nos períodos correspondentes à conclusão do curso, 52% dos egressos ganhavam até 1 salário mínimo, no momento atual, 40% passaram a receber de 1 a 3 salário mínimos, conforme ilustrado no gráfico 08, a seguir.
Gráfico 08 – Renda familiar/pessoal dos egressos (2014-2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Pelos dados expressos, de modo geral, percebe-se que o Curso gerou pouco impacto no que tange a situação financeira dos egressos, uma vez que as mudanças foram pouco expressivas nesse aspecto. Esses dados permitem que se retomem os pressupostos de Bourdieu (1998) sobre o “capital econômico” que, segundo o referido autor, o sujeito se utiliza deste como fonte fundamental à sua sobrevivência. No caso acima, a pessoa que conclui um curso de nível superior espera, além de atuar na área para a qual se propôs estudar, ser bem remunerada pela dedicação a sua profissão.
Gráfico 9 – Grau de escolaridade da mãe dos egressos (2014-2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Com relação ao nível de escolaridade da mãe, os dados no gráfico 9, acima, mostram que, na média entre os períodos de conclusão havia um percentual elevado de mães que não frequentaram a escola (29%). Atualmente, esse percentual diminuiu para 14%, representando um avanço no seu nível de escolarização que, ao longo dos anos, chegou até ao ensino superior. No caso do nível de escolarização dos pais, percebe-se um nível mais baixo em comparação com o das mães, conforme ilustrado no gráfico 10, a seguir.
Gráfico 10 – Grau de escolaridade do pai dos egressos (2014-2019)
Fonte: Dados obtidos com o questionário on-line aplicado aos egressos do Curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo - UFPB (SANTOS, 2020).
Nota-se que, de modo geral, pais e mães não detêm de um nível de instrução elevado. Todavia, o nível de escolaridade das mães apresenta-se superior em comparação com o nível de escolaridade dos pais, isso porque há maior percentual de mães que estão no Ensino Superior (06%). Esses dados expressam o capital cultural indicando a referência e contexto dos alunos que carregam a herança de conhecimento herdado dos pais, que se constitui como uma herança influenciadora na vida escolar dos filhos (BOURDIEU, 1998). Tal herança acaba refletindo nos processos que envolvem as dificuldades desses sujeitos do ingresso à conclusão de curso de nível superior no tempo mínimo de integralização.
Os dados revelam, no perfil socioeconômico, características comuns ao curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo, que é composto por um público majoritariamente feminino, em maioria jovem, autodeclarado preto e pardo e de origem humilde. Verifica-se que, desde o período de conclusão de curso até o momento atual, a formação teve pouco impactos na vida de seus egressos quando analisadas as variáveis “renda” e “trabalho”, haja vista as dificuldades de conseguir um emprego após conclusão de curso.
No tocante ao conteúdo das entrevistas, destacam-se alguns elementos em comum amparados pelas respostas dos egressos do curso investigado, quando questionados sobre como estes avaliam a formação obtida quanto aos respectivos impactos nas suas vidas após conclusão de curso. Os elementos mais marcantes nas respostas da maioria dos entrevistados giram na questão do aprendizado adquirido e das mudanças de pensamento crítico sobre o mundo, bem como sobre a própria Pedagogia pautada no projeto de Educação do Campo. Conforme o caso do entrevistado Egresso-03, que relata sobre significativas mudanças proporcionadas pela experiência da formação obtida no curso em questão:
Eu senti uma mudança mais na forma de enxergar a vida, de ver o mundo com mais criticidade. O curso de Pedagogia com aprofundamento em Educação do Campo fez eu me livrar de preconceitos que antes eu tinha sobre a própria concepção de Educação do Campo. Eu pensava que se tratava só da questão rural, mas vi que vai além de uma educação rural, então passei a me sentir mais humano (EGRESSO 03, 2019).
Destaca-se que a humanização aparece como sendo um valor intrínseco ao processo de ensino e aprendizagem. Esse valor também integra a Pedagogia inerente ao projeto de Educação do Campo que, concomitante reforçado por Caldart (2002), reafirma-se como grande finalidade da ação educativa.
Diante do exposto, observa-se que o curso de Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo vem possibilitando uma formação humana ampla, propiciando aos estudantes um vasto conhecimento crítico e reflexivo sobre a educação. Conhecimento esse, que pode servir como base à mobilidade e ascensão social dos profissionais que passam por essa formação.
Considerações finais
A discussão apresentada apontou aspectos pertinentes no que pese os impactos da formação superior em Educação do Campo na vida dos egressos desse nível de ensino. Nessa perspectiva, validou-se a compreensão de que a formação em um curso de nível superior, como no caso do curso de Pedagogia – Área de aprofundamento em Educação do Campo tem impactado direta e indiretamente a vida de muitos egressos que passaram por essa formação. Isso porque, a proposta educativa do referido curso traz alternativas à educação no contexto das áreas campesinas, em atendimento as demandas dessa realidade.
Em síntese, a formação em Pedagogia com Área de Aprofundamento em Educação do Campo apresenta impactos significativos para o perfil do profissional formado, dentre os quais se destacam: a continuidade da carreira acadêmica, a atuação profissional exercida na mesma área da formação inicial e a relação teoria e prática que ocorre em consonância com a realidade campesina. Assim, compreende-se que sua formação traz uma nova perspectiva de vida para esses sujeitos, uma vez que esses passam a ter uma visão crítica sobre o mundo, bem como sobre a própria Pedagogia pautada no projeto emancipador de Educação do Campo.
Ressalta-se, contudo, certa preocupação com as questões inerentes ao futuro da profissão que os estudantes da Pedagogia em Educação do Campo escolheram, sobretudo para sua atuação no campo, tendo em vista pouca atenção dos governantes com as demandas da categoria. Nesse sentido, o âmbito profissional aponta grandes desafios que vão para além dos impactos do curso, tais como a desvalorização da profissão docente, a baixa remuneração e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho.
Portanto, este estudo não se encerra por aqui, pois seus resultados trazem contribuições importantes à educação, de modo que abre um leque de possibilidades para novas pesquisas, que tomem os egressos do curso de Pedagogia em Educação do campo como principais interlocutores. Nessa direção, destaca-se interessante abordar em estudos futuros a perspectiva dos egressos sobre a inserção no mercado de trabalho, bem como o impacto social/educacional da atuação desses profissionais em escolas do campo, para identificação do cumprimento dos objetivos do curso. Dessa forma, pode-se pensar em estratégias de melhoria à qualidade da formação oferecida, buscando reforçar o compromisso social que a Universidade se propõe.
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Correspondência
Jailson Batista dos Santos — Universidade Federal da Paraíba — Cidade Universitária, CEP 58051-900, João Pessoa, Paraíba, Brasil.
Notas
[1] Utilizamos o conceito de “grupo social” como sendo uma totalidade diferente da soma dos indivíduos que o compõe (LEWIN 1952; apud CAMINO; TORRES, 2014). Disponível em: https://professorsauloalmeida.files.wordpress.com/2014/07/grupos-sociais0001.pdf. Acesso em 20 de mai. 2019. No caso da nossa pesquisa, nos referimos aos grupos sociais de origem popular ou origem periférica, como no caso de negros, quilombolas, campesinos, LGBTQI+, dentre outros que se encontram à margem da sociedade.
[2] Pesquisa de Mestrado intitulada “A avaliação de egressos do curso de Pedagogia em Educação do Campo sobre os impactos da formação nos campos pessoal e profissional” (SANTOS, 2020). Aprovada em 27 de fevereiro de 2020, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
[3] O conceito de campo, aqui apresentado, refere-se ao âmbito educacional e seus espaços de legitimação (BOURDIEU, 1999).
[4] Trata-se do “agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (BOURDIEU, 1985, p. 249). Ou seja, um indivíduo que possui elevado capital social é aquele que se relaciona bem com o resto do grupo, assim como com outros grupos, e consegue através disso construir uma rede qualificada de relações (BOURDIEU, 2002).
[5] Trata-se do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, é uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior (BRASIL, 2007). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm. Acesso em 10 de out de 2019.