O ensino de desenho em livros de educação artística na década de 1970: nova área, velho conteúdo?
Teaching drawing in art education books in the 1970s: new area, old content?
Dulce Regina Baggio Osinski
Professora doutora na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
dulceosinski@gmail.com - http://orcid.org/0000-0002-3506-4974
Amanda Siqueira Torres Cunha
Doutoranda na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
amanda.siqueira.torres@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-2984-9708
Recebido em 05 de maio de 2019
Aprovado em 07 de julho de 2020
Publicado em 25 de setembro de 2020
RESUMO
Este artigo problematiza o ensino de desenho por meio do estudo de livros didáticos específicos para a Educação Artística, editados na década de 1970 a partir da promulgação da Lei Federal nº 5.692/71, que tornou obrigatório o ensino da nova área nos currículos escolares. Para tanto, as relações entre texto, imagem e suporte material serão tensionadas a partir das reflexões de Roger Chartier (1990, 2001). Como fontes, selecionamos as coleções Comunicação pela Arte (1973-1980) e Educação Artística (1975-1978). Também foram considerados manuais de desenho geométrico em circulação antes da instituição da obrigatoriedade da educação artística na escola, além de documentos oficiais, como leis, pareceres do Ministério de Educação e Cultura (MEC) e indicações do Conselho Federal de Educação (CFE). Os livros analisados são marcados por uma remodelação material que incluiu a presença de imagens de tipologias diversas e o uso de uma linguagem mais direta e próxima do aluno, apresentando o ensino de desenho não mais meramente como especialidade técnica, mas articulado com outros campos das artes visuais, como a gravura, a pintura e a história da arte. Apontam igualmente para a persistência da disciplina na cultura escolar, bem como de temas de caráter técnico ou decorativo, porém com nova configuração, buscando contemplar uma concepção de arte mais ampla, incluindo a comunicação visual.
Palavras-chave: história da educação artística; Livros escolares; Ensino de desenho.
ABSTRACT
This article problematizes the teaching of drawing through the study of specific didactic books for the Arts Education, published in the decade of 1970 from the promulgation of the Federal Law nº 5.692 / 71, that made compulsory the teaching of the new area in the school curricula. To this end, the relations between text, image and material support will be explored, based on the reflections of Roger Chartier (1990-2001). As sources, there were selected the collections Comunicação pela arte (1973-1980) and Educação Artística (1975-1978). There will also be used official documents such as laws, opinions of the Ministry of Education and Culture (MEC) and indications of the Federal Council of Education (CFE), as well as geometric drawing manuals in circulation before the institution of compulsory artistic education in school. The books analyzed are marked by a material remodeling that included the presence of images of different typologies and the use of a more direct and familiar language with the students, presenting the teaching of drawing not merely as a technical specialty, but articulated with other fields of the arts such as engraving, painting and the history of art. They also point to the persistence of discipline in school culture, as well as themes of a technical or decorative nature, but with a new configuration, seeking to contemplate a wider art conception, including visual communication.
Keywords: History of art-education; School books; Teaching drawing.
Introdução
No início da década de 1970, a Lei 5.692/71 tornou obrigatória a Educação Artística nos currículos escolares de 1º e 2º graus. Situada na área de Comunicação e Expressão, dividia espaço com as tradicionais matérias Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna. A partir de então, o mercado produziu obras específicas para a área, como a coleção Educação Artística, publicada em dois volumes pela Editora Lê, de Minas Gerais, entre os anos de 1975 e 1978. Os livros, de autoria dos professores Ivone Luzia Vieira e José Adolfo Moura, contaram com a participação de Jan Deckers na composição gráfica. A Editora FTD também publicou, entre 1977 e 1980, a coleção Comunicação pela Arte, de Ornaldo Fleitas Cabral. Essas coleções voltavam-se, principalmente, ao ensino de Artes Plásticas e Música, a despeito das prescrições legais, que exigiam ainda o ensino de Artes Cênicas, em uma concepção curricular dita polivalente.
Na primeira metade do século XX, os métodos de desenho previstos nos programas de ensino dos cursos primário e secundário amparavam-se nos estudos da geometria e no desenho do natural. Entre as proposições, eram comuns composições decorativas a partir do desenho de observação, a ampliação de imagens e a construção de sistemas ornamentais com motivos geométricos como as faixas chamadas de “gregas”, rosáceas e mosaicos[1].
Com a instituição da disciplina de Educação Artística, os conteúdos de arte, anteriormente restritos aos aspectos gráficos e figurando ao lado da música e dos trabalhos manuais, seriam ampliados com assuntos vinculados a outras linguagens visuais, como a pintura e a escultura, conforme previa a legislação (BRASIL, 1971).
Propomos a problematização desse período, por meio da produção editorial didática, e por esse motivo selecionamos, além das coleções mencionadas, os manuais de desenho intitulados “Curso completo de desenho”, da editora Saraiva (1959), “Elementos de geometria e desenho linear” para o curso primário (1944), e “Didática Especial do Desenho”, do Ministério da Educação (1956), publicado como resultado do concurso para a difusão do ensino secundário. Tais publicações representam tendência anterior ao período estudado, em que o desenho é abordado de forma mais técnica, voltando-se especialmente à geometria e ao estudo de formas decorativas.
Esclarecemos que não problematizaremos as apropriações dos agentes sociais nas práticas de leitura desses livros, ainda que consideremos sua relevância e pertinência, na medida em que essa materialidade pode ser “[...] diferentemente apropriada pelos sujeitos escolares em seus vários níveis hierárquicos e posições institucionais e produzem efeitos, por vezes inesperados” (SOUZA et al, 2013, p. 277). Abordando os modos de apropriação da legislação vigente para o ensino de desenho nesses impressos, buscamos, a exemplo dos estudos que elegem como corte de inserção a cultura material escolar (SOUZA et al, 2013), tensionar não só tais conteúdos, mas também suas configurações materiais, expressas nos indícios físicos, que revelam concepções sobre os processos de escolarização no contexto pesquisado. Nesse sentido, analisamos as fontes, considerando seus conteúdos discursivos sempre em relação às suas formas de apresentação, entendendo, como argumenta Chartier (1990, p.189), que as relações entre os textos e os suportes que permitem sua leitura são indissociáveis.
O ensino do desenho na educação brasileira: entre a arte e a matemática
Na educação brasileira, o século XIX marca o início de uma longa tradição, no contexto educacional, do desenho vinculado a conteúdos artísticos por meio do ensino do desenho geométrico. Essa tendência relacionava-se com os debates internacionais decorrentes das transformações de ordem tecnológica, econômica, social e política, que tinham como um de seus vetores mais potentes a crescente industrialização[2]. A necessidade de aproximação entre arte, artesanato e processos industriais gerou o entendimento do desenho como instrumental imprescindível ao progresso das nações, tendo como consequência sua introdução nos currículos escolares e a criação de escolas de artes e ofícios, disseminadas na América do Norte e em todo continente europeu (OSINSKI, 2001). Em meados daquele século, o debate sobre o desenho permeava a esfera política brasileira, fomentado pela ideia da incorporação da arte à indústria, tida como promotora do desenvolvimento da futura república idealizada. Rui Barbosa (1882)[3], defensor do liberalismo e relator da Instrução Pública, destacava com entusiasmo:
Eis a arte que hoje celebramos aqui: aquela que dignifica as necessidades mais habituais da nossa passagem pela terra; que irradia sobre todos os momentos da nossa vida; que se dedica à felicidade da maioria dos homens: a arte aplicada. [...] Certo não serei eu quem conteste o princípio da unidade superior da arte. Entre a arte aliada à cultura industrial e as belas-artes, não há distinção substancial, não há divisória insuperável, não há heterogeneidade (BARBOSA, 1882, p. 9).
Para o autor, os exemplos das reformas na Europa e nos Estados Unidos confirmariam o sucesso da implantação do desenho geométrico na Instrução Pública, como estímulo à passagem de um Brasil agrícola e monarquista a outro, republicano e industrializado. Barbosa encabeçava um movimento em favor dessa compreensão, assumida em seu discurso O desenho e a arte industrial, de 1882. Além de lançar mão de exemplos da Antiguidade Clássica, assinalava:
A indústria, nos nossos dias, utiliza, nas suas mais finas criações, o gênio e a habilidade artística no mais elevado grau. Entre esses dois domínios, que se discriminam simplesmente por uma gradação de matizes, há uma dependência indissolúvel: não é possível aparelhar o artista para as artes industriais, ‘sem aproximá-lo, até certo ponto, da vereda que conduz à grande arte’ (BARBOSA, 1882, p. 9).
Na Instrução do Império, o desenho já contemplava, no nível da escola secundária, conteúdos referentes aos “effeitos decorativos”, voltando-se à produção de temas ornamentais pelo estudo geométrico, destinados à elaboração, por exemplo, de mosaicos, faixas decorativas pintadas em edificações ou padrões em azulejaria (VECCHIA; LORENZ, 1998). A seção “Exercícios graphicos” da obra intitulada “Geometria Prática Popular”, editada por Abílio Cesar Borges (1882), cuja primeira edição data de 1878, traz uma série de sugestões de aplicação prática dos conteúdos de desenho geométrico abordados ao longo dos capítulos, como mostra a figura 1:
Figura 1 – Padrões geométricos e possível aplicação em azulejos, mosaicos ou faixas decorativas
Mesmo considerando o fato de que, em sua maioria, os azulejos utilizados na arquitetura brasileira da época eram fabricados em países europeus[4], é digna de nota a preocupação, por parte dos educadores do período, com a instrumentalização de mão de obra para uma indústria nacional ainda em formação. Aliavam-se, portanto, os interesses estéticos às noções matemáticas nas práticas das “artes aplicadas” para a produção de objetos cotidianos pela indústria, em um sentido próximo daquilo que, anos mais tarde, seria definido como design.
No mesmo período, o manual Desenho Linear ou Elementos de Geometria Prática Popular, do educador e inspetor de instrução baiano Abílio Cesar Borges (1882)[5], buscava responder ao intento, sendo apontado como o primeiro livro de desenho geométrico dirigido ao ensino primário no Brasil.
Defendido pelo liberalismo[6]como um meio instrumental de preparação para o trabalho no contexto industrial, o ensino do desenho também foi objeto de atenção dos positivistas[7], para quem suas principais virtudes seriam a educação do caráter e da inteligência. A reforma promovida por Benjamin Constant (BRASIL, 1890), que tratava da reorganização da instrução primária e secundária do Distrito Federal, propunha a inclusão do ensino de desenho em todos os níveis, devendo os estudantes de pintura e escultura se encarregar de ministrá-lo. Buscava, com essa medida, “a regeneração do povo através de um instrumento que lhes educasse a mente”, visto que “o aperfeiçoamento intelectual era considerado a condição precípua para o progresso social e político, assim como a crise moral era considerada por eles como reflexo da crise intelectual” (BARBOSA, 2012, p. 67).
Nas primeiras décadas do século XX, momento de amplo debate sobre a Pedagogia Moderna e os movimentos renovadores conhecidos como Escola Nova, Escola Ativa ou Escola Progressista[8], persistia a ideia da importância do desenho vinculado ao trabalho[9]. O periódico Revista de Educação, publicado entre os anos de 1921 e 1923 por professores da antiga Escola Normal de Piracicaba, trazia em um de seus números um texto sobre o tema. No primeiro volume, resultante da série de conferências proferidas por professores responsáveis pela Cadeira de Physicologia e Pedagogia, o artigo de Elvira de Moraes, aluna do quarto ano do Curso Normal, intitula-se “A educação visual e o desenho”, figurando ao lado de outros textos dos mais diversos assuntos, como trabalho manual, ensino ativo e higiene, escritos por autores como Lourenço Filho (MORAES, 1921). Sua análise seguia a ideia do desenho como um “conhecimento de enorme utilidade na vida intensa do industrialismo e como que uma nova forma de arte de escrever entre as mãos do moderno operário e do sábio que perscruta os segredos da natureza” (MORAES, 1921, p. 57). Sobre o método de desenho para o estudo da criança na escola, destacava ainda a autora: “os modelos devem ser sempre tirados do natural; nunca copiar gravuras, ainda que sejam bonitas e fáceis, pois, a natureza é a verdadeira mestra da arte do desenho” (MORAES, 1921, p. 58). Sobre as relações entre o ensino de desenho e a vida cotidiana, a professora Elvira tecia as seguintes considerações:
[...] A escola busca educar a vista e a adextrar (sic) as mãos para a completa educação do indivíduo. Isto se configura até nas cousas mais comezinhas. Assim, o desenho vos fará uma hábil e inteligente dona de casa, já para desenhar sobre o papel vestidinhos que deveis fazer, já para repicar o papel das vossas prateleiras, já para adaptar o risco de uma para outra cousa [...] (MORAES, 1921, p. 58).
Seu discurso defende a primazia do desenho pautado na observação do natural e voltado às práticas cotidianas. Tal perspectiva, corrente desde o século XIX, foi questionada por alguns intelectuais a partir dos desdobramentos da Semana de Arte Moderna de 1922, especialmente, nas ações modernistas de Anita Malfatti, que investiu na criação de um curso de arte para crianças em 1930, e de Mário de Andrade, com seu projeto de arte nos parques infantis[10], ambos em São Paulo. Estes apontavam para a prática da criação espontânea infantil, distanciando-se do desenho pela geometria ou pela cópia do natural, ao menos em experiências externas à escola formal.
A despeito de tal debate, a permanência do desenho de observação e do desenho geométrico na educação brasileira do século XX ainda seria notória, embora seu peso variasse de acordo com as circunstâncias e o período. A reforma proposta por Fernando de Azevedo para o Distrito Federal em 1929, por exemplo, dava ao desenho a mesma importância das outras disciplinas, não fazendo, porém, com que ele se restringisse ao desenho de observação, tampouco se submetesse necessariamente ao desenho geométrico, contemplando também “a prática do desenho de imaginação, desenho decorativo, desenho industrial, desenho gráfico (ou artes gráficas)” (BARBOSA, 2015, p. 217).
A perspectiva da educação integral defendida por John Dewey desde os anos de 1930, fundamentada nos pressupostos teóricos em favor das experiências práticas com a arte, baseou o projeto de Anísio Teixeira no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, que previa:
A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução, propriamente dita, ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação, propriamente dita, ou seja, da escola ativa. No setor instrução, manter-se-ia o trabalho convencional da classe, o ensino de leitura, escrita e aritmética e mais ciências físicas e sociais, e no setor educação – as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as artes industriais e a educação física (TEIXEIRA, 1959, p. 82, grifo nosso).
As expressões educação artística e trabalho manual aparecem no trecho como atividades diferentes. Talvez com isso o autor pretendesse reforçar a ideia de cercar-se dos assuntos de interesses propostos entre as áreas de arte, artesanato e indústria, o que redundaria na expressão artes industriais[11], também presente no texto (TEIXEIRA, 1959).
Na década de 1960, o desenho geométrico seguiria presente nas bases do ensino, conforme a LDB de 20 de dezembro de 1961, com o objetivo de iniciar o aluno “em técnicas de artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade". Além disso, passou a ser “opção obrigatória” no ensino médio (ginasial e colegial), situado sob a dependência das escolhas dos Conselhos Estaduais de Educação (BRASIL, 1961). A lei não previa um currículo fechado, deliberando, no Art. 35, que em cada ciclo haveria disciplinas e práticas educativas obrigatórias e optativas, e que competiria ao CFE
[...] indicar, para todos os sistemas de ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, cabendo aos Conselhos Estaduais de Educação completar o seu número e relacionar as disciplinas de caráter optativo, que podiam ser adotadas pelos estabelecimentos de ensino, observando-se peculiaridades regionais” (BRASIL, 1961).
No artigo 1º da Indicação do CFE s/n/62, que sustentava as normas para o ensino médio, eram previstas quatro matérias obrigatórias: Português, História, Geografia e Matemática. O documento destacava, porém, que para que se completasse o número das disciplinas obrigatórias do Sistema Federal de Ensino seriam indicadas: Desenho e Organização Social e Política Brasileira, ou Desenho e uma Língua Estrangeira Moderna, ou Língua Clássica e uma ou duas Línguas Estrangeiras Modernas, em ambos os ciclos, ou uma Língua Estrangeira Moderna e Filosofia, apenas no 2º ciclo. Essas disciplinas poderiam ainda ser sugeridas aos Estados pelo Ministro da Educação, enquanto não fossem criados os Conselhos Estaduais de Educação (BRASIL, 1962b).
Para o ciclo colegial, o documento propunha a disciplina optativa[12] Introdução às Artes e Desenho (BRASIL, 1962b). Além disso, a LDB/61 previa, no artigo 38, § 4º, Atividades complementares de iniciação artística, expressão de caráter generalista que fazia com que, por vezes, o espaço para matérias próximas ou pertinentes ao estudo de artes fosse reduzido ao estudo do desenho. Não obstante, Barbosa (2019, p. 45) observa que isso “permitiu a flexibilidade necessária à continuação efetiva da experimentação que emergira da Lei de 1958”, sendo significativas “algumas experiências realizadas com arte‐educação em escolas públicas e particulares”. Barbosa (2019, p. 45) se refere às Portarias divulgadas pela Diretoria do Ensino Secundário do MEC, que traziam “Instruções sobre a natureza das classes experimentais” (1958), seguidas da Portaria nº 1 do MEC, de 2 de fevereiro de 1959, que autorizava formalmente a instalação de Classes Experimentais no Brasil.
Naquela conjuntura, sucedendo os manuais produzidos desde o século anterior, como o referido livro de Abílio Cesar Borges (1882), circulavam algumas publicações didáticas voltadas ao ensino de desenho nas escolas. A permanência desses materiais corrobora para a percepção do livro didático enquanto um impresso que persiste ao tempo, condicionado pelo que Vincent et al (1994) denominam de forma escolar. Seja por interesses comerciais ou propriamente educativos, o manual didático é marcado como o suporte preferencial de comunicação dos saberes escolares no Brasil (BITTENCOURT, 2004).
Como principais materiais destinados à construção gráfica na escola, os livros eram produzidos para os ensinos primário e secundário, a exemplo do “Curso Completo de Desenho”, de Sperândio e Mattei, de 1959, reproduzido pela figura 2.
Figura 2 - Desenho de Ornamento em Curso Completo de Desenho.
Fonte: Sperândio e Mattei (1959, p. 140 -141).
As páginas acima apresentam proposições de exercícios, a partir de formas decorativas geométricas, por meio de “sistemas ornamentais em rede” e em “meandros e gregas”. Nesse manual, o termo “decorar” significa “[...] ornar, adornar; palavra usada, de preferência nas obras murais, salões, quartos, vestidos” (SPERÂNDIO; MATTEI, 1959, p. 140).
Além dessa obra, o livro “Elementos de geometria e desenho linear” para o ensino primário (1944), de Hipérides Zanello, apresenta uma seção destinada ao estudo de exercícios gráficos relacionados a formas decorativas. No caso do compêndio de Sperândio e Matei (1959), essa associação fica mais explícita quando os autores enfatizam os vínculos entre os métodos da geometria e do desenho do natural,
[...] que é indispensável o acôrdo entre os conhecimentos teóricos e práticos da geometria e os exercícios a mão livre referentes à parte ornamental. Quantas ornamentações são derivadas da imitação ou da cópia da natureza, especialmente do reino vegetal e do reino animal em menor escala. Para darmos o cunho artístico ao desenho do natural, não é preciso descer aos mínimos pormenores. Um desenho obtido com a máxima simplicidade de linhas, na reprodução da natureza, pode ter mais valor artístico do que outro que reproduz tôdas as minúcias (SPERÂNDIO; MATTEI, 1959, p. 112, grifo nosso).
O trecho apresenta tênues fronteiras entre os ensinos da matemática e da arte, em que elementos como a simplificação, a simetria, a harmonia e a repetição regular constituem princípios estéticos. O manual exige do leitor certa familiaridade e domínio técnico relativos ao desenho, o que fica claro por sua linguagem, a exemplo da sugestão para o estudo da deformação da perspectiva. Os autores reportam-se aos leitores da seguinte maneira:
O sistema de rebatimento ajuda em ampla parte, mas indubitavelmente, o raciocínio, o estudo, os exercícios continuados e principalmente a boa orientação dos mestres, resolvem as dificuldades dos vários casos, fazendo desaparecer as dúvidas que aniquilam a vontade dos estudiosos (SPERÂNDIO; MATTEI, 1959, p. 94).
Além do perfil técnico, o texto propõe uma participação ativa do professor para atingir os objetivos propostos, sendo seu papel esclarecer aos alunos os pontos obscuros dos conteúdos trabalhados. Tais indícios são confirmados em outra parte, denominada “Emprêgo das cores em contraste e harmonia, sob a orientação do professor”, o que ratifica a tendência destacada por Antônio Batista (1999), de que os manuais anteriores à década de 1970 conferem maior autonomia ao educador no processo de ensino. Em outra parte, o manual também anuncia, de forma bastante processual ou metodológica, os modos para o sombreamento de um prisma com uso do traçado hachurado, técnica que produz um efeito visual tridimensional da seguinte forma:
Torna-se oportuno lembrar que as sombras nas superfícies planas, feitas a lápis ou a tinta, devem ser traçadas com linhas retas, tipo hachurado, paralelas entre si, as quais são mais próximas ou mais fortes de acordo com a maior ou menor intensidade de sombra do modêlo a copiar, não esquecendo a arte necessária para esta representação (SPERÂNDIO; MATTEI, 1959, p. 83).
A palavra arte é entendida pelos autores em um sentido de propriedade para a condução do bom desenho. Sua origem etimológica provém do grego τέχνη (téchne), que por sua vez significa técnica. Contudo, o termo tomaria o sentido de ato intelectual e criador, em especial, com a definição do lugar social do artista em contraposição ao do artífice, como ocorreu no Renascimento (PAREYSON, 2001).
Em coerência com o conceito assumido para a arte como técnica a ser repetida, no mesmo livro há também uma presença acentuada de preceitos práticos, como recomendações relativas à própria postura do corpo do estudante da disciplina de desenho geométrico no ato de desenhar, como a que segue: “O aluno deverá estar sentado sem abrir demais as pernas e com o tronco erguido, não encostado à carteira” (SPERÂNDIO; MATTEI, 1959, p. 13). Assim, o livro marca sua posição como manual técnico de desenho nas produções decorativas, mas também como objeto que tendia a disciplinar as formas de leitura e do fazer do desenho. O texto acrescenta como desdobramentos possíveis da desobediência às regras posturais a aquisição de doenças como a escoliose e a cifose.
Enfim, o manual de Sperândio e Mattei (1959), considerado aqui como exemplar da tendência da produção didática para o desenho daquele período, evidencia o interesse no caráter técnico e prescritivo. Os compêndios de desenho daquele contexto têm como regra a apresentação de imagens de descrição metodológica para a correta execução do desenho geométrico e do natural, sendo direcionados ao professor. Não obstante, diante da necessidade de auxílio ao docente no trabalho com os alunos, seus sucessores passariam paulatinamente a ter seu uso estendido, na segunda metade do século XX, à ascendente clientela escolar.
Já era possível, naquele momento, identificar tensões referentes a esse direcionamento mais técnico, como observa-se, por exemplo, na obra Didática Especial de Desenho, de Julio Bruno, resultante do concurso de monografia premiada, em 15 de outubro de 1956, pelo MEC. O livro aponta para uma revisão do caráter estritamente técnico do desenho, ao destacar:
Cuide-se, pois, de uma Educação Artística, ao lado da Educação estritamente intelectualista de nossa Escola. Dê-se à cadeira de Desenho o objetivo essencialmente artístico. A parte de desenho técnico deverá ser confinada à cadeira de Matemática. Resolve-se assim a divergência entre a orientação técnica e artística (BRUNO, 1956, p. 28, grifo do autor).
O autor previa, portanto, o ensino do desenho também voltado à prática sensível da arte por meio de uma “Educação Artística”. Na sequência, porém, considerava a dificuldade de decompor o desenho nesses dois objetivos na escola, mediante a “necessidade de formação, necessidade de instalações e material didáticos próprios” (BRUNO, 1956, p. 28). Entendendo como ausente a estrutura para a educação em arte no ensino do desenho nas redes oficiais de ensino, Bruno defendia medidas para sua efetivação. Por consequência, para ele, o aluno do curso de formação para professores apresentava-se também marcado pela incapacidade de relacionar-se de modo produtivo com uma obra de arte, como, por exemplo, uma pintura. Sobre isso, comentava: “Sua reação é a mesma daquele que mal atravessou o curso primário. Acode logo a pergunta: ‘E a escola, quê fêz por êle? Os sete anos do Curso de desenho que lhe ensinaram?’” (BRUNO, 1956, p. 28).
Nos anos de 1970, com a introdução da Educação Artística nas grades curriculares, o ensino do desenho responderia às demandas destacadas pelo autor? Qual seria a concepção do ensino de desenho presente na legislação e na produção de livros escolares para a nova área?
O velho desenho nos novos livros de Educação Artística?
A Lei 5.692, de 1971, tinha como principal objetivo promover reformas nos ensinos primário e secundário. Passou-se a denominar os níveis primário e ginasial como ensino de 1º grau, obrigatório para todos, dos 7 aos 14 anos, e o colegial como ensino de 2º grau. Como parte das mudanças, o artigo 7º da lei previa a obrigatoriedade da Educação Artística nos currículos dos estabelecimentos de ensino. Conforme a legislação, a nova área seria composta pelas subáreas de Música, Artes Cênicas, Artes Plásticas e Desenho. Guardava-se, portanto, um lugar diferenciado para este último, pois sendo uma área da expressão plástica, tal como a pintura ou a escultura, poderia ter sido inserido dentro da área de Artes Plásticas, mas foi situado como uma das quatro grandes frentes da Educação Artística, o que corrobora para a interpretação de que havia certa valorização desta linguagem, tida como fundamental naquele documento legal.
O desenho geométrico, com espaço assegurado na área de Matemática, passou a ser obrigatório, compondo a parte diversificada dos currículos em função de “[...] atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos” (BRASIL, 1971). Tendo em vista sua proeminência também no ensino de arte, alguns de seus conteúdos, a exemplo do desenho decorativo, que permaneciam tanto presentes na disciplina de matemática quanto da nova Educação Artística, figuravam em alguns livros inaugurais para a Educação Artística (VIEIRA; MOURA, 1978).
A novíssima área de Educação Artística colocava-se como propulsora de uma produção comercial inédita, pois, se por um lado, os livros didáticos são objetos com funções específicas no âmbito da educação, fazendo parte da história das disciplinas escolares, por outro, são igualmente produtos de um mercado, o que sinaliza para os interesses de produção pelas editoras (OLIVEIRA et al., 1984).
Pode-se afirmar que os livros escolares da década de 1970 distanciaram-se da tendência geral dos manuais dos anos anteriores, uma vez que assumiram outras características, principalmente ao romperem com a função de propositores formais de noções técnicas sobre uma determinada área de conhecimento (CUNHA, 2015). Porém, a despeito das mudanças nos modos de apresentação, como discutiremos em seguida, as relações entre arte e o estudo das formas geométricas permanecem marcantes nesses novos impressos, embora com objetivos diversos. Um dos textos da coleção Educação Artística (1975-1978) pontua tal relação na produção visual, ao destacar para os alunos do primeiro grau: “Embora nem todos os objetos tenham forma geométrica, quase sempre é possível estabelecer uma relação entre determinado objeto e uma forma geométrica” (VIEIRA e MOURA, 1975, p. 68).
Essa tendência também pode ser exemplificada pela Figura 3, que traz a reprodução de uma página do livro para a 5ª série da coleção Educação pela Arte, de Ornaldo Fleitas (1977, p. 36-37).
Figura 3 – Conteúdos referentes a figuras geométricas e triângulos.
Fonte: Fleitas (1977, p. 36-37).
Percebemos, nos conteúdos abordados, a presença de figuras geométricas, tais como triângulos, quadriláteros e hexágonos, seguidas por sua conceituação. É possível identificar ainda, na área inferior da página esquerda do livro, a presença de um personagem, uma espécie de “robô” com formas humanoides, concebido pelo agrupamento dos polígonos mencionados nessa unidade. O texto propõe que o aluno identifique o número de polígonos regulares e irregulares utilizados na construção do desenho. No exercício, as formas matemáticas constituem a representação visual. Além disso, na página seguinte do livro, destaca-se o desenho como meio para a realização de composições decorativas e colagens (FLEITAS, 1977, p. 37). Desse modo, são contemplados tanto o desenho decorativo quanto outras possibilidades de produção de imagens. O desenho geométrico, para além de um exercício de abstração, destaca-se como base para outras configurações formais, ao chamar a atenção do leitor para a presença da geometria em contextos mais concretos.
Assim, os livros para Educação Artística passariam a dispor do desenho como linguagem para a produção de diversas imagens, rompendo com a lógica, até então vigente, dos manuais de desenho geométrico pela superação de sua aplicação no âmbito das soluções de problemas estritamente matemáticos e de prescrições para exercícios nesse sentido. Cabe, contudo, avaliar a permanência e as descontinuidades do estudo do desenho na nova área e o modo como isso ocorreu. Diante disso, é possível perceber, naquele momento, a manutenção do desenho no contexto escolar, seja como elemento em si mesmo, seja como propedêutico da produção mais ampla em arte, considerando-se sua aplicação na esfera da pintura, da escultura, da gravura ou da colagem, entre as demais linguagens manifestas na arte. Nesse caso, entretanto, o desenho seria tomado para a construção de imagens destinadas não apenas exclusivamente às artes plásticas, mas igualmente ao universo do design gráfico.
No caso da coleção Educação Artística (FLEITAS, 1975-1978), propunha-se, também para Artes Plásticas, além dos conteúdos referentes às linguagens artísticas, outras temáticas mais vinculadas à comunicação cotidiana, tais como Arte na sociedade Industrial; Das Marcas Primitivas aos Modernos Logotipos; O cartaz; A Arte da escrita e Sua Evolução; A Impressão e Sua Evolução; Ilustração, Técnicas Artesanais de Impressão; e Jornalismo e o Livro de Artes. Além disso, é possível identificar o ensino do desenho como caminho para o trabalho com artes gráficas, como nota-se na imagem a seguir:
Figura 4 - Exemplo de esboços na Coleção Educação Artística.
Fonte: Vieira et al. (1975, p. 20-21).
Como observa-se na figura acima, o texto enfatiza o desenho como meio de elaboração de imagens em um cartaz. Na página à esquerda, são apresentados diversos desenhos na forma de esboços, os quais explicitam diferentes versões de uma mesma ideia geradas rapidamente. Percebe-se, nos vários desenhos, a existência de linhas estruturais que marcam as divisões das regiões do papel, bem como as proporções da máscara representada. Assim, o desenho aparece como caminho de uma produção final que se utiliza da geometria pelas definições das partes dos elementos esboçados, mas, nesse caso, de modo mais livre ou informal do que propõe um manual de geometria. Já na página 21, à direita, aparecem as etapas mais avançadas da produção de uma imagem gráfica. O texto esclarece também os passos para chegar a esse desenho, sugerindo um percurso de pesquisa, bem como a metodologia de execução de um cartaz. Desse modo, apresenta possibilidades de ação, introduzindo esse tipo de trabalho técnico em que o desenho é empregado como instrumental para um resultado gráfico aplicado.
Além disso, o capítulo intitulado “Arte na sociedade industrial” apresenta uma contextualização histórica do desenvolvimento das artes gráficas, bem como um esboço de conceituação:
Até o século XIX, o conceito de “artes gráficas” englobava apenas os processos artesanais de gravura: madeira em relevo e gravura cavada em metal ou talho-doce, excluindo os recursos mecânicos da impressão tipográfica. Modernamente, o conceito de artes gráficas abrange todo o “conjunto de processos e atividades, que visam reproduzir escritos e imagens, em qualquer matriz, mecanicamente impressa” ou, noutras palavras, “artes gráficas é (sic) toda representação em uma superfície plana, independente de modo de produção: pintura, desenho, gravura, etc.” Toda linguagem visual, usada no jornalismo, publicidade ou editoras, está diretamente ligada às artes gráficas, cuja importância, no mundo atual, cresce continuamente, como é fácil de se perceber (VIEIRA; MOURA, 1978, p. 14).
São visíveis, no texto acima, indícios de uma perspectiva histórica de matriz positivista, ao considerar-se a noção do progresso técnico da arte que culminaria nas artes gráficas, balizadas pelas configurações contemporâneas de comunicação, apogeu do processo histórico, como também se observava na voz de Valnir Chagas (1976). Este, na condição de conselheiro do Conselho Federal de Educação (CFE), no contexto da lei 5.692/71, destacava tais semelhanças ao referenciar a formação dos professores de Educação Artística:
Pela Estética e História da Arte, considera-se o fato estético em si mesmo – em seus condicionamentos, em seu processo, em seus resultados – e em sua lenta e constante evolução que é, afinal, a busca de Formas de Expressão e Comunicação Artística ajustada em cada época e a cada circunstância (CHAGAS, 1976, p. 34, grifos do autor).
Desse modo, a valorização do desenho como meio de produção de imagens diversas pode ser interpretada como elemento que contribuiu para a sua estabilidade na escola, além do fato de este estar compreendido pela nova área dos currículos. Nesses livros, há o entrelaçamento entre o desenho geométrico no interesse pela “composição decorativa”, mas trabalhado de forma mais genérica e livre, e os demais conteúdos da Educação Artística, como assuntos pertinentes à História da Arte.
Também eram comuns, em livros da nova área, conteúdos referentes a aspectos sobre a diagramação gráfica. Talvez porque, nesses compêndios, o conceito de design gráfico se confundisse com uma ideia de produto de uma arte relativamente recente, o que é ratificado quando afirmado, na coleção Educação Artística, que o diagramador é um “artista contemporâneo por excelência” (VIEIRA; MOURA, 1975, p. 13). Provavelmente, essa coleção abraçou tais questões por entender que, em se tratando da área prevista pela Lei 5.692 definida como Comunicação e Expressão, alguns conceitos derivados da publicidade, do jornalismo e das revistas em quadrinhos situavam-se como matérias pertinentes. Outro texto da coleção aponta para o uso da perspectiva, conteúdo pertinente ao campo da geometria, com o objetivo de contribuir para a produção de representações diversas:
[...] a perspectiva é usada como recurso para visualização do espaço tridimensional. Ao criar a ilusão de profundidade, você não precisa preocupar-se com a exatidão matemática do desenho; isto só é indispensável no desenho arquitetônico, no desenho decorativo ou em casos semelhantes [...]. Você não precisa de réguas e esquadros para estas representações em perspectiva. É necessário, apenas, observar o volume de cada objeto e o espaço ocupado por ele num conjunto. Procure desenhar objetos em perspectiva linear (VIEIRA; MOURA, 1975, p. 82).
Embora o trecho direcione para o estudo da perspectiva como meio de representação tridimensional do espaço, este não sugere o uso de instrumentos para o traço exato das formas, como réguas, escalas e esquadros e nem as proporções devidamente precisas. Ao contrário, incentiva uma prática mais espontânea, mais próxima do desenho de observação, o que se colocaria em sentido contrário ao assumido no manual de Sperândio e Mattei (1959).
O lugar de honra do desenho na Educação Artística ficava claro em outro documento, embora este já não fosse mais considerado, por si só, suficiente para dar conta das necessidades da área de artes plásticas. É o que se percebe no Parecer do MEC nº 540, de 1977, que assegurava:
O Desenho era e continua sendo, sem qualquer dúvida, um poderoso elemento de educação e um imprescindível instrumento para um melhor desempenho do homem, em múltiplas circunstâncias. O ensino do Desenho, entretanto, por si só, não satisfaz à expectativa em relação à Educação Artística (BRASIL, MEC, 1977).
Assim, apesar da continuidade do desenho geométrico na escola, também relacionado ao estudo da arte de modo mais geral, os novos livros destinados à Educação Artística propunham seu ensino de maneira peculiar em relação aos manuais anteriores, orientados para o estudo da matemática. Para além do reposicionamento de seus objetivos e formas de abordagem, é possível identificar, nesses novos compêndios, que o estudo do desenho estaria acompanhado por um gênero de imagens que se tornariam cada vez mais corriqueiras nos livros escolares da década de 1970: os personagens infantis.
Se retornarmos à obra de Fleitas (1977, p. 36-37) reproduzida naFigura 3, notaremos, em uma de suas páginas, a figura de uma personagem, uma menina sorridente, que segura um livro enquanto dialoga com o leitor. Esse tipo de recurso de representação gráfica de uma “criança” tinha a possível finalidade de familiarização com seu público-alvo, os alunos, possíveis leitores de produções na área de história em quadrinhos. De modo geral, tal gênero imagético destacava-se como tendência geral na composição gráfica das produções didáticas da grande área de Comunicação e Expressão dos anos de 1970, na qual se inseria a Educação Artística. Com a intenção de chamar a atenção de seus usuários e de se tornarem objetos didáticos atrativos, esses livros abusavam de recursos retóricos como as figuras de personagens infantis mencionadas, bem como de impressões de obras de arte coloridas, além de outros gêneros imagéticos oriundos da publicidade.
Contudo, o processo de introdução de imagens nesse gênero de livro foi interpretado negativamente por alguns autores, como no caso do também professor e romancista Osman Lins (1977). Ao criticar a bibliografia didática da época, o autor a definiu como uma verdadeira “Disneylândia Pedagógica” (LINS, 1977). Com essa expressão, referia-se à presença considerada por ele excessiva desse tipo de recurso nos livros didáticos, em especial, aqueles destinados à área de Comunicação e Expressão, como a Educação Artística. Embora defendesse que as imagens nesses livros não seriam necessariamente um problema, sendo mesmo indispensáveis em certas áreas do conhecimento, Lins (1977) apontava que, por vezes, seu conjunto distinguia-se apenas como aparato bajulador do aluno. Nessa perspectiva, definiu três tipos de imagens frequentes nesses livros: fotografias, reproduções de obras de arte e desenhos.
Para ele, as ilustrações que tendiam a dialogar com os leitores escolares, como no exemplo anteriormente citado, eram marcadamente prejudiciais ao bom andamento da leitura, pois “[...] tudo parecia obedecer ao conceito de que o aluno não estava apto a qualquer esforço sério, só sendo motivado nessa atmosfera de puerilidade, de gracejo perpétuo” (LINS, 1977, p. 138). Essa disposição mediadora dos textos pelas imagens, portanto, apresentava-se como tendência entre os livros escolares do período, como também se nota na figura 4, a seguir:
Figura 4 - O Ponto.
Fonte: Fleitas (1977, p. 5).
As figuras expressas no livro de Ornaldo Fleitas (1977) atuam com o objetivo de apresentar o ponto, que junto com a reta e com o plano, são elementos gráficos abstratos fundamentais nos conteúdos introdutórios dos estudos geométricos. Seu conceito é explicado ao leitor/aluno por meio de comparações com situações concretas, a exemplo do acidente com a figura situada acima e à direita, ou da professora, representada abaixo da primeira, que faz marcações espaciais em sua aula. Entretanto, o tom lúdico se sobressai a eventuais explicações técnicas, prevalecendo as narrativas das personagens. Nota-se, ainda, o vocabulário dirigido ao leitor escolar, como por exemplo na sentença ilustrada pela Figura 3, que sugere: “1. Crie numa folha branca o seu bonequinho” (FLEITAS, 1977, p. 5).
Diante dos aspectos levantados no ensino de desenho, os primeiros livros didáticos de Educação Artística parecem ter optado por um discurso direcionado ao aluno, procurando assim maior interlocução com seu leitor pelo uso de um tom bastante pessoal. Entretanto, cabe salientar aspectos inerentes à relação complexa entre imagem e texto no último exemplo mencionado. Ao mesmo tempo em que a figura busca se aproximar do leitor, por meio do discurso esta também ordena a execução de atividades que definiriam os sentidos do texto, como ao estipular utilizando o modo imperativo: “Invente um desenho semelhante onde apareça o ponto” (FLEITAS, 1977, p. 5).
Lins ainda denunciava que boa parte dos autores “reportavam-se aos alunos e revelavam-se pelo tom aliciador e demagógico em uma luta ansiosa pelo mercado” (LINS, 1977, p.135), referindo-se à disputa pela comercialização de livros direcionados ao público escolar. Sua impressão inicial dos livros de Comunicação e Expressão não era das mais favoráveis no que concernia à diagramação, especialmente devido ao uso das cores e enfeites, que infligiam a tais impressos “[...] um ar teatral” (LINS, 1977, p.127). Para o autor, os livros didáticos realizados nessa condição evocavam “[...] atrizes já gastas, ocultado as rugas sob maquiagem pesada” (LINS, 1977, p.127). A sedução, identificada por ele e expressa nas relações entre textos e imagens, era denunciada como um “delírio iconográfico”, deixando muitas vezes conteúdos textuais relevantes em segundo plano. Compreendendo-se seu discurso como direcionado ao estudo de Comunicação e Expressão, especialmente de Língua Portuguesa, as críticas levantadas por Osman Lins (1977) procediam, pois o autor revelava-se preocupado com possíveis perdas de espaço dos textos nos livros escolares frente às imagens, especialmente no que se refere à literatura clássica luso-brasileira.
Entretanto, cabe-nos problematizar tais relações para além de um ideal de hierarquização entre texto e imagem[13] nos livros didáticos, tendo em vista que os resultados do espaço conferido à iconografia[14] renderiam debates sobre o papel da imagem como suporte para a educação da criança. Se por um lado sua inserção proporia outras possibilidades de ler e desenhar, as inovadoras configurações materiais dos livros escolares ocorriam ainda pela própria modernização do processo de produção dos impressos didáticos naquele contexto, resultado da ampliação do mercado editorial didático. De todo modo, as formas materiais dos livros escolares, incluindo os de Educação Artística, podem ser problematizadas a partir do que Chartier (2001) qualifica por protocolos de leitura, ou seja, indicativos de determinada idealização de um leitor pelo seu autor. Nesse sentido, é possível identificar a farta apresentação de imagens, que sugeria relações geradas a partir de determinado imaginário, seja de obras de arte ou de imagens mais corriqueiras, mediando inclusive o ensino do desenho aos alunos. A noção de participação ativa do educando, em circulação especialmente no século XX, contribuía para o emprego de tais estratégias gráficas, a exemplo das imagens utilizadas nos livros escolares.
Entretanto, cabe-nos avaliar que a propulsão dada às imagens nesses impressos, em especial para o ensino de desenho e das demais linguagens da arte, também pode ser interpretada como vantagem. Para além do benefício de materializar para o aluno referências visuais, a valorização dos aspectos gráficos nos manuais potencialmente contribuiria para sua atualização, na medida em que estes se tornavam cada vez mais atraentes, pelo uso das formas e das cores, a uma geração marcada pelos estímulos visuais oriundos da fotografia, da publicidade, do cinema, da televisão ou das revistas em quadrinhos.
Diante de uma formação em Educação Artística insipiente e composta por várias linguagens da arte, esses livros, ao aproximarem-se do aluno pelo imaginário e fortalecerem sua posição como produtores de imagens pelo desenho, personalizariam a voz do professor, passando a ocupar o espaço de potencial auxílio às suas aulas. Figurando como recursos visuais, as imagens foram amplamente veiculadas nos anos 1970 nos livros didáticos de Educação Artística, propondo, inclusive, a produção de novas imagens pela prática do desenho.
Considerações finais
Os livros escolares são objetos que tornam visíveis os processos de apropriação da legislação educacional e sua concretização pelas políticas públicas. Tais processos ocorrem em consonância com os interesses do mercado editorial, com modelos e concepções de ensino propostos em um determinado contexto.
Os compêndios produzidos para a nova área de Educação Artística, então em processo de constituição, buscaram atender às determinações previstas pela Lei 5692/71, em que o Desenho, aliado às Artes Plásticas, à Música e às Artes Cênicas, figurava como área a ser contemplada. Explorando de modo mais enfático conteúdos vinculados às artes visuais, traziam temas relativos à história da arte e à comunicação visual de forma mais ampla, buscando o alargamento do contato do aluno e do professor com questões referentes à estética, à história e aos processos comunicativos.
Contrariamente aos manuais de Desenho Geométrico utilizados anteriormente, que priorizavam a resolução de exercícios propostos, os livros para o ensino da Educação Artística da década de 1970 são repletos de imagens e efeitos visuais, com o intuito de seduzir seu potencial leitor, acostumado com estímulos providos por diferentes mídias. Abrindo mão do rigor de exercícios de geometria e de aspectos estritamente técnicos, o ensino de desenho marcaria presença em suas páginas por meio de métodos relacionados ao desenho do natural, distanciando-se da matemática e apontando para uma concepção de desenho mais livre e vinculada às linguagens artísticas ou ao design. Embora os processos de produção gráfica vinculados ao “velho” desenho geométrico não estivessem totalmente ausentes, sua abordagem, de caráter mais genérico, centrou-se na explicação de conceitos básicos da geometria e na exploração de seus desdobramentos aplicados.
Transcendendo os conteúdos específicos a serem explorados, o desenho se manteve como conteúdo relevante nos currículos escolares, fazendo-se presente nesses impressos de formas diversas. Para além da ênfase em conteúdos específicos, foi igualmente utilizado como instrumental para uma comunicação mais direta com os educandos por meio do diálogo mediado por personagens gráficos, materializando-se como estratégia discursiva inovadora utilizada na modernização dos impressos didáticos dos anos de 1970.
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Correspondência
Dulce Regina Baggio Osinski — Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação em Educação — Rua Rockfeller, 57 – Rebouças, CEP 80230-130, Curitiba, Paraná, Brasil.
Notas
[1] Tais conteúdos podem ser encontrados em compêndios didáticos do período, a exemplo do “Compêndio Linear Elementar” (ABREU, 1905), do “Curso Completo de Desenho para o Ensino Secundário (SPERÂNDIO, 1938), do “Perspectiva de Observação” (COLECÇÃO F.T.D, 1936), e do “1º Ano de Desenho para o Ginásio” (ROTONDARO, 1951), que em 1951 estava em sua 14ª edição).
[2] É emblemático nesse sentido o manual de Geometria Prática Popular, de autoria de Abílio Cezar Borges (1882), que conquistou ao longo de décadas 42 edições, sendo a última localizada em 1960. Ver também Barbosa (2012) e Osinski (2001).
[3] Os Pareceres de Rui Barbosa foram apresentados à Câmara dos Deputados, sob os títulos Reforma do Ensino Secundário e Superior de 1882 (BARBOSA, 1942) e Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública de 1883 (BARBOSA, 1946-1947). Os documentos decorrem da apreciação de Barbosa, enquanto relator da Instrução Pública, sobre o Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, de autoria do Ministro Carlos Leôncio de Carvalho.
[4] Segundo Wanderley (2006, p. 23-25), o Brasil consumia no período azulejos fabricados em países como Portugal, Holanda, Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e Espanha. A autora aponta para a existência de uma fábrica instalada em Niterói em 1861, chamada Survillo & Cia, que segundo ela não teria obtido êxito.
[5] Abílio Cesar Borges (1824-1891), médico e inspetor, criou o compêndio citado para a compreensão popular do desenho e colaborou, assim, com sua difusão no país. A obra contou com sucessivas edições entre 1882 e 1959. É também apontado como um dos responsáveis pela formação de Rui Barbosa (1849-1923), Castro Alves (1847-1841) e Raul Pompéia (1863-1895).
[6] O liberalismo é um fenômeno histórico que se manifestou na Idade Moderna e que tem seu baricentro na Europa, embora tenha influenciado outros países ao redor do mundo. É uma tendência adepta do capitalismo, do livre mercado e de um Estado capaz de garantir os direitos do indivíduo contra o poder político, exigindo formas mais ou menos amplas de representação política (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 686-705). No Brasil do século XIX, um de seus principais representantes foi Rui Barbosa que, influenciado Herbert Spencer e Walter Smith, via no desenho um instrumento de capacitação para o trabalho (BARBOSA, 2012, p. 43- 63)
[7] O positivismo é um sistema filosófico formulado no século XIX por Augusto Comte, que tinha como fundamento a crença na existência de leis “positivas” que regeriam os fenômenos sociais e no domínio absoluto da natureza, com as ciências contribuindo para as conquistas do bem-estar social (CPDOC, 2020). No contexto brasileiro as ideias positivistas foram defendidas por personalidades como Benjamim Constant, que defendiam, entre outras coisas, a importância da arte, tida como observação da natureza e personificada especialmente no desenho, como um poderoso veículo para o desenvolvimento do raciocínio (BARBOSA, 2012, p. 65-76).
[8] Os termos Escola Nova, Escola Ativa, Escola Progressista ou Escola Moderna surgem no contexto europeu das últimas décadas do século XIX para designar correntes que se opunham ao que designavam Escola Tradicional, centrada na memorização de conteúdos e na figura do professor. Propondo métodos de aprendizado que tinham como figura central o aluno, o movimento teve como pioneiros educadores como Ferrière, Kerchensteiner, Peztalozzi, Claparède, Decroly e Dewey, entre outros. No contexto brasileiro, a tendência surge num contexto de busca da nacionalidade e de transformação social baseada na modernidade. Contando com adeptos como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Cecília Meireles, teve como marco o Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova de 1932, que buscou traçar diretrizes para uma educação de novo tipo no país, entre elas a laicidade do ensino, o protagonismo da escola como instância educadora e a universalidação da educação (SILVA, 2015).
[9] Sobre a coexistência, no contexto brasileiro da primeira metade do século XX, do ensino de desenho baseado na geometria e na observação com métodos vinculados a tendências modernas, ver Barbosa (2001, 2015) e Trinchão (2016, 2019).
[10] Os Parques Infantis, criados entre 1933 e 1935, eram espaços pensados para incentivar as produções das crianças que participavam do projeto, normalmente filhas de operários. Nestas ocasiões, elas deveriam produzir livremente desenhos e modelagens, além de contar com o acompanhamento de instrutoras (ANTONIO, 2008, p. 46).
[11] De modo geral, o conceito de “artes industriais” orienta-se pelo estudo do desenho, como de qualquer projeto visual, nesse caso, em consonância com as artes decorativas. Por isso, o desenho geométrico recebe especial ênfase nesta concepção voltada à produção gráfica para a indústria. Ver: Barbosa (1882).
[12] Somavam-se a estas matérias: Língua Estrangeira Moderna, Grego, Mineralogia e Geologia, Estudos Sociais, Psicologia, Lógica Literatura, Direito Usual, Elementos de Economia, Noções de Contabilidade e de Biblioteconomia, além de Higiene e Dietética (BRASIL, CFE, 1962).
[13] O termo imagem será aqui utilizado como referência à reprodução impressa de artefatos bidimensionais, tais como obras de arte - pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, filmes, etc. - e fotografias. Sobre a imagem como objeto de reflexão, ver: Fabris; Kern (2006), Manguel (2019), Aumont (2017) e Rancière (2019)
[14] Panofski (2019, p. 47) define iconografia como o ramo da história da arte que se dedica ao tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua forma.