Colonização e educação na Amazônia portuguesa (1500-1757)

Colonization and education in the Portuguese Amazon (1500-1757)


Alberto Damasceno

Professor doutor na Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil.

albertod@ufpa.br - https://orcid.org/0000-0003-1620-6735

 

Joaquina Ianca Miranda

Graduanda na Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil.

joaquinaianca@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-4641-5936

 

Recebido em 01 de maio de 2019

Aprovado em 26 de outubro de 2020

Publicado em 21 de dezembro de 2020

 

RESUMO

Trata da colonização da Amazônia, com foco no aspecto educacional, no período cronológico de 1500 a 1757, abrangendo desde as primeiras expedições ao rio Amazonas até a consolidação de diretrizes para a instrução da população paraense, no século XVIII, tendo por objetivo compreender o vínculo entre a colonização no Estado do Grão-Pará e Maranhão e o processo educacional. Perpassa pela relação entre os religiosos e a educação no Estado do Grão-Pará e Maranhão, unidade administrativa da colônia portuguesa distinta do Brasil, e a transferência das responsabilidades acerca da educação para o Estado, durante o governo de Mendonça Furtado. Analisa, para o traçar dos fatos históricos, as "Instruções regias, publicas e secretas" dirigidas ao governador, assim como o "Directorio" editado por Mendonça Furtado em obediência às ordens reais, caracterizando-se como uma pesquisa histórico-documental. Reflete quanto à imposição de valores da civilização ocidental cristã e da visão eurocêntrica do mundo, tendo como meio de disseminação a educação para a dominação econômica, política e ideológica. Considera, assim, que a instrução ofertada aos gentios, negros e filhos de colonos foi orientada pelo projeto de hegemonia e dominação portuguesa; e que, a partir desses intentos, foi implementado o projeto político-pedagógico que objetivava formar indivíduos que se desconhecessem como membros de um grupo oprimido, estabelecendo-se mecanismos permanentes de obstrução a qualquer tentativa de emergência de um processo pedagógico contrário aos interesses da Coroa e das ordens religiosas.

Palavras-chave: Colonização; Educação; Amazônia portuguesa.

 

ABSTRACT

Treats about the colonization of the Amazon, focusing on the educational aspect, in the chronological period from 1500 to 1757, ranging from the first expeditions to the Amazon River until the consolidation of guidelines for the education of the population of Pará in the eighteenth century, aiming to understand the link between colonization in the State of Grão-Pará and Maranhão and the educational process. Passes through the relationship between religious orders and the education in the state of Grão-Pará and Maranhão, the administrative unit of the Portuguese colony distinct from Brazil, and the transference of responsibilities related to the education to the State, under the administration of Mendonça Furtado. Analyzes, for the scribing of the historical facts, the "Royal, public and secret instructions" addressed to the governor, as well as the "Directory" edited by Mendonça Furtado in obedience to the royal orders, characterized as a historical-documentary research. It reflects on the imposition of values ​​of Western Christian civilization and the Eurocentric vision of the world, having as a means of dissemination the education for economic, political and ideological domination. Considers, therefore, that the instruction offered to the Gentiles, Afro-descendants and children of settlers was guided by the project of Portuguese hegemony and domination; and that, from these attempts, the political-pedagogical project was implemented aiming to shape individuals who would not identify themselves as members of an oppressed group, establishing permanent mechanisms of obstruction to any attempt to create a pedagogical process contrary to the interests of the Crown and the religious orders.

Keywords: Colonization; Education; Portuguese Amazon.

Introdução

Este artigo trata da colonização na Amazônia, com foco na dimensão educacional, tendo por objetivo compreender o vínculo entre a colonização no Estado do Grão-Pará e Maranhão e o processo educacional. Abrange o período cronológico de 1500, com as primeiras expedições ao rio Amazonas, até a consolidação de diretrizes para a instrução da população nativa em meados do século XVIII.

Ao delimitar nosso estudo historiográfico neste espaço, buscamos enfatizar as singularidades políticas, sociais, econômicas e culturais dessa região, com a premissa de tornar possível um entendimento que desvele o caráter plural e polissêmico da educação colonial brasileira ao refletir sobre a relação entre a educação e o processo de colonização deste Estado. É a partir deste momento que o Estado português pugnará pelo estímulo à agricultura e ao comércio, que atinge seu ponto máximo com a criação da Companhia Geral, em 1755. No plano ideológico e dos costumes, a legislação passará a estimular casamentos inter-étnicos, premiando os que falavam o português, criando escolas independentes das dos jesuítas e nomeando as aldeias com nomes de cidades portuguesas, transformando a estrutura do Estado português na Amazônia. Se o sistema diretoriano de escolarização não passou de um arremedo do monumental modelo jesuítico, seu projeto de implantação do uso da “língua do Príncipe” obteve pleno êxito, integrando de uma vez por todas o imenso território amazônico à Pax portuguesa.

Para tanto, utilizamos uma abordagem histórico-documental tratando e analisando documentos como as "Instruções regias, publicas e secretas" dirigidas ao governador, e o "Directorio" editado por Mendonça Furtado em obediência às ordens reais. Concomitantemente, realizamos a revisão de literatura por meio de uma pesquisa bibliográfica, que relacionou contribuições de diferentes autores para a compreensão da problemática pesquisada.

O artigo está organizado em cinco partes, além das considerações finais. Na primeira, introduzimos alguns aspectos da colonização da Amazônia; na segunda, apresentamos as particularidades da sua organização territorial; para, então, na terceira parte, iniciarmos a discussão em torno dos aspectos educacionais, explanando sobre sua relação com os religiosos. Na quarta e quinta parte abordamos a educação no governo de Mendonça Furtado, primeiro nas instruções régias e posteriormente no Diretório de 1757.

Colonização da Amazônia: uma “catástrofe demográfica”[1]

Entre doze mil e oito mil ap o leste da América do Sul já se encontrava ocupado por uma população estável de caçadores coletores, caracterizadas por diversificadas estratégias de adaptação aos processos de transformações das paisagens holocênicas (BUENO; DIAS, 2015, p. 119).

A ocupação humana do território brasileiro antecede a chegada do homem europeu, como destacado na citação acima. Logo, não cabe falar em “descobrimento”, mas, de “colonização” dos territórios que viriam a ser Brasil. O desejo dos Estados da Europa de colonizar essa região muito se deveu aos mistérios e riquezas da Amazônia. Como expõe Pizarro (2012, p. 33), o interesse estrangeiro em relação à Amazônia foi “[...] sempre funcional aos interesses europeus coloniais, à sua necessidade de poder político, civil ou eclesiástico, de riqueza, de autoafirmação, de luta pelos mercados”. Rosário e Melo (2015, p. 380) apresentam a relação de dependência entre o colonizado e colonizador como a principal característica do sistema colonial, onde a colônia depende financeiramente e politicamente do país colonizador, e é incapaz de traçar seus destinos – existe apenas em função dos objetivos e necessidade de sua metrópole.

A colonização dessa região representa grande parte – talvez, a mais genocida – da colonização portuguesa no Brasil e remonta ao fim do século XV, quando, segundo alguns historiadores, entre 1499 e 1500, os irmãos Pinzón já realizavam uma expedição na região, descobrindo a foz do rio Amazonas (DAMASCENO, 2010). No ano de 1500, acontece a expedição de Diogo de Lepe e, em 1538, segundo Antônio Porro:

num desdobramento da malograda expedição de Alonso Mercadillo ao rio Marañón, um destacamento de 25 homens, entre eles o português Diogo Nunes, passou o rio Huallaga ao Marañón ou Alto Amazonas e desceu o grande rio pelo menos até chegar, em território que viria a ser brasileiro, à região situada entre Tefé e Coari (PORRO, 1992, p. 30).

Entre 1540 e 1542, após várias outras tentativas, Francisco Orellana comanda outra viagem ao longo de todo o rio Amazonas. Depois, em 1560 e 1561, realiza-se nova viagem ao longo do grande rio, agora comandada por Pedro de Ursua e Lopo de Aguirre[2].

Em fins do século XVI ao início do século XVII, ingleses, holandeses e franceses também se aventuraram por essas plagas, buscando riquezas e descobertas que os tornassem poderosos e imbatíveis no controle da região. À informação de que piratas estrangeiros se situavam na Amazônia explorando alguns de seus recursos naturais, Felipe II reage dando instruções a Gaspar de Souza, então governador do “Estado do Brazil”, no sentido de conquistar, através de ocupação militar e povoamento, aquelas terras[3].

Dando encaminhamento ao desígnio real, em 1615, Alexandre de Moura, “General conquistador do Maranhão”, nomeia Francisco Caldeira de Castelo Branco o primeiro Capitão-Mor do Pará, e lhe atribui a referida missão, que inicia com bastante êxito no dia 3 de dezembro de 1615, quando ele ordena o acampamento de suas tropas em uma ponte de terra fronteiriça a um arquipélago na foz de um grande rio[4].

Antônio Baena relata a origem de uma das capitais da região amazônica, a paraense, Belém:

Fazem paz com elle os homens silvestres: e o auxiliaõ a conglutinar na sua amisade todos os mais selvagens comarcaos; a plantar uma Fortaleza que o sustivesse dentro d’aquela vastissima espessura habitada de immensas variedades de homens bravios; e a eregir na mesma Fortaleza uma pequena igreja inaugurada a Nossa Senhora da Graça, que foi a primeira Matriz da Colonia. Lança os humildes cimentos de uma Cidade (1616): declara-lhe Padroeira Nossa Senhora com o titulo de Belem: e julgando que as ribeiras do escolhido assento são lavadas pelas correntes do Amazonas atribue-lhe o nome de Gran-Pará, com que os índios apellidaõ este augusto rio, e que val o mesmo que Pai das aguas (BAENA, 1969, p. 23).

Estabelecido o grupamento militar no Forte do Presépio, os homens de Castelo Branco “[...] saíram a percorrer e reconhecer o litoral, encontrando grande número de aventureiros, que faziam com os selvagens intenso tráfico e tentavam estabelecer-se na foz do Amazonas” (HISTÓRIA..., 1972, p. 89).

Desde então, a forma de vida vigente na região modificar-se-ia, cedendo lugar a novas relações sociais cujas naturezas e características diferiam das anteriores. O primeiro grande tesouro a conquistar, visando à consolidação da Coroa portuguesa na região, foi a mão-de-obra, fundamental em qualquer processo produtivo. Essa mão-de-obra ocorria de forma escravocrata, inicialmente utilizando o índio, “[...] e posteriormente, devido a deficiência em lidar com os indígenas, a escravidão se fundamenta basicamente na mão de obra do negro africano” (ROSÁRIO; MELO, 2015, p. 382).

“Terra boa para explorar” – assim a Amazônia era vista pela metrópole portuguesa. Toda a história dessa região gira em torno da colonização, da exploração de tudo que era nativo, da imposição da cultura europeia, colonizar em prol da sua economia, em prol do mercantilismo:

As metrópoles européias orientavam suas economias por uma corrente de pensamento econômico – o mercantilismo – segundo a qual o desenvolvimento de uma nação tinha muito mais a ver com a quantidade de matais preciosos que o país conseguisse acumular do que com o padrão de bem-estar de seus povos. Como as minas de matais preciosos estavam localizados nas Américas, era preciso conquistar essas áreas e explorá-las. É por isso que a economia européia durante três séculos – do século XVI ao XVIII – se sustentou no binômio metrópole x colônia. Este era o chamado sistema colonial (PARÁ, 1989, p. 9).

A Amazônia entrava, então, na história de Portugal. Uma história nada triunfal, com um “matiz vermelho” aos relatos e impressões sobre relações entre colonizadores e nativos.

Testemunha ocular da época, o padre Antonio Vieira, em 1656 após constatar que os colonos portugueses eram preguiçosos e não queriam trabalhar e que seu sustento era resultado do trabalho indígena, comentou que o verdadeiro objetivo do projeto colonial era capturar índios para extrair de suas veias o ouro vermelho, que sempre foi a mina da Amazônia (FREIRE, 1987, p. 19).

Aos que não se submetiam ou que tinham a “sorte” de sobreviver à adesão compulsória, restavam os combates contra os colonizadores, relatados na própria história do exército brasileiro (BRASIL, 1972), na qual se constata que as hordas indígenas insubmissas era escorraçada das áreas colonizadas e recebiam tratamento desumana quando levadas aos portugueses por resistirem às reações dos expedicionários; história ainda pouco difundida de um território que teve particularidades não apenas na forma de ser colonizado, mas na própria (re)organização territorial.

O Brasil que não era Brasil

É fato ainda pouco conhecido pela maioria dos brasileiros que os territórios do Ceará, Maranhão, Pará, Amapá e Amazonas (assim como alguns estados circunvizinhos a eles) nem sempre pertenceram ao Estado colonial português chamado Brasil. Houve um tempo em que, primeiramente denominado “Maranhão”, depois “Maranhão e Grão-Pará” e, posteriormente, “Grão-Pará e Maranhão”, essa colônia de Portugal na América portuguesa se constituiu em unidade administrativa autônoma, separada do Estado do Brasil.

De fato, a chamada América Portuguesa se compunha de duas entidades administrativas distintas: o Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e Maranhão. A noção de “Brasil” correspondente ao Estado soberano dos dias de hoje surgiu somente depois que o Estado do Grão-Pará e Maranhão aderiu, em 1823, à independência proclamada um ano antes no Estado do Brasil (SILVA-REIS; BAGNO, 2018, p. 9).

Devido à imensidão da área a ser administrada e às dificuldades de acesso a partir do Brasil, foi criado, em 1621, um segundo Estado português no continente, chamado “Maranhão e Grão-Pará”. Mais tarde, visando à consolidação do controle luso no delta do rio Amazonas, Belém passou a ser a base de inúmeras expedições ao interior do continente. No período compreendido entre 1627 e 1632, diversas capitanias foram criadas no Estado do Maranhão e Grão-Pará por Felipe IV, visando estimular ações individuais de expansão do território (MAURO, 1991).

Evidentemente, havia razões para essa dupla administração. Jacques Marcadé afirma que “[...] era mais fácil ir do Maranhão a Lisboa do que de São Luís do Maranhão a Baia” (MAURO, 1991, p. 119). O ato se materializou com a edição da Carta Régia de 13 de junho de 1621, que separava as capitanias do Maranhão, do Ceará e do Grão-Pará do Estado do Brasil.

A existência desse Estado e a própria escolha das capitais eram fundadas na intenção de promover justamente a sinergia dos espaços, racionalizar os deslocamentos de homens e mercadorias [...]. A própria escolha de Belém para capital do Estado seguia a ambição de Pombal de melhorar a comunicação interna, apostando que o lugar privilegiado de Belém na rede hidrográfica do continente tornaria melhor o contato com o interior (MACHADO, 2015, p. 7).

De acordo com Machado (2015), não eram apenas os laços históricos e culturais que ligavam Pará e Maranhão, mas, recursos financeiros provenientes das reformas pombalinas ao aumentar as exportações de algodão na região. O Pará, financeiramente precário, precisava de contínuos repasses de verbas da capitania vizinha para sua administração econômica. Essa relação entre as duas capitanias pode ser evidenciada em periódicos locais que antecedem à independência do Pará.

Irmãos são todos os portugueses de ambos os mundos. Irmãos são todos os habitantes das diversas províncias do Brasil. Porém, a proximidade dos povos do Pará e dos povos do Maranhão, a identidade de um Clima a outra Clima, a analogia das circunstâncias locais, a força de antigas relações de que antes se constituíram uma única província, tudo isso são razões imprescritíveis para os conservar em vinculo inquebrantável não só irmãos, mas irmãos compatriotas e Cidadãos a quem são comuns todos os votos e todos os interesses (PARÁ, 1822, não paginado).

No que tange ao aspecto educacional, as particularidades do estado do Estado do Grão-Pará e Maranhão vão exigir da Coroa iniciativas diferenciadas no que tange às medidas de formação cultural do povo daquela região, o que vai requerer estudos específicos acerca da proposta pedagógica de jesuítas e de seus substitutos.

Os religiosos e a educação no Estado do Grão-Pará e Maranhão

O período anterior aos “setecentos”, o qual compreende o século XVII, é um período, no que diz respeito à educação no Grão-Pará, em qual ocorre a implantação e a consolidação do projeto catequético-educacional pensado pelos colonizadores na região. “Os jesuítas criam áreas [...] para realizar a catequese, nelas a verdadeira teocracia jesuíta era colocada em pratica com a finalidade de extirpar os costumes nativos, dentre eles, as bases da organização tribal” (ROSÁRIO; MELO, 2015, p. 386).

Após a fundação da capital do Grão-Pará, em 1616, chegam os primeiros religiosos a penetrarem na Amazônia visando o trabalho de catequese, em 1617. Eram franciscanos da Ordem de Santo Antonio de Lisboa. Não tardaram a receber, através da Carta Régia em 1618, a incumbência de catequizar os índios. Havia já a preocupação em se comunicar com os nativos. O Pe. Luís Filgueira elabora no Maranhão a Gramática e o Dicionário da “Língua Geral” (como era chamada a língua Tupi), editados em 1621, e que foram de muita valia no trato com os índios.

Continuam a chegar mais religiosos, pois a região é grande, a população original numerosa e a necessidade de estabelecer – pelo menos no início da ocupação – relações amistosas com os índios, imperiosa. Em 1626, chegam os carmelitas, que, segundo relatos da época, dedicariam grande empenho na educação dos índios e dos filhos dos colonos.

O Pe. Antônio Vieira, como já foi dito, esteve presente no Grão-Pará em meados do século XVI e se encontrou com outros educadores Jesuítas, dentre eles, o Pe. João Felipe Bettendorff – que relata em sua conhecida “Crônica” um fato que nos dá ideia da rusticidade do ensino naquela época e lugar:

Em esta aldêa de Murtigura, tendo o Padre Subprior e visitador Antonio Vieira despedido o Padre Manoel Nunes e o Padre João Maria Gorsony para os Ingaybas, e mandando ficar-me a mim por companheiro do Padre Francisco da Veiga para aprender a lingua, ensinando o ABC aos meninos, voltou-se para o Pará; (...); juntaram-se muitos discipulos e entre eles o capitão Jacaré; e são estes hoje os mais autorizados e velhos da aldêa (os meus discipulos) e por que, por falta de livros tinta e papel, não deixassem de aprender, lhes mandei fazer tinta de carvão e summo de algumas ervas, e com ella escrevia em as folhas grandes de pacobeiras e para lhes facilitar tudo lhes puz um páuzinho na mão por penna, e os ensinei a formar e conhecer as letras assim grandes como pequenas no pó e arêa das praias, com que gostaram tanto que enchiam a aldêa e as praias de letras [...] (BETTENDORFF, 1990, p. 156-157).

Exercendo o magistério em seus conventos, os religiosos resguardavam a possibilidade de proverem suas ordens com sacerdotes nativos; não obstante, já a partir das primeiras décadas do século XVII, a imigração estrangeira se intensifica[5], pois, a necessidade de ocupação impõe o crescimento demográfico e outras iniciativas políticas. Uma delas foi a modificação de caráter administrativo do território paraense; para os religiosos, isso significou um imenso espaço aberto para suas obras catequéticas, daí advindo o grande número de aldeamentos missioneiros espalhados pelo novo Estado.

Até a primeira metade dos anos setecentos, experimenta-se a expansão das atividades educacionais dos religiosos pelo interior do Estado e a diversificação dos conteúdos transmitidos em seus estabelecimentos, se destacando nesse processo os religiosos da Companhia de Jesus (DAMASCENO, 2010). Os jesuítas edificaram sua primeira Igreja em Vigia, no ano de 1702; tal obra veio acompanhada da abertura de colégios e aulas de latim (DAMASCENO, 2010).

Continuam a chegar religiosos e, em 1720, temos o primeiro curso de Filosofia e Teologia que, transferido do Maranhão para Belém, funciona como Colégio no convento do Carmo, isto indica que, quer nos âmbitos político, administrativo e econômico, quer no âmbito educacional, a segunda metade do século XVIII representou para o Estado do Grão-Pará um período de profunda efervescência e desenvolvimento (DAMASCENO, 2010).

Com a ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo, então Conde de Oeiras, a governador português, deflagra-se uma série de acontecimentos diretamente ligados à vida paraense. Já em 1751, o Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em São Luis, passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Belém, no mesmo ano, é nomeado como seu governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, meio-irmão de Carvalho de Melo (DAMASCENO, 2010). Em 1755, é criada a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico da região e, cerca de dois anos após a criação da Companhia, Mendonça Furtado estabelece o “Diretório”, substituindo a administração dos religiosos por leigos nos aldeamentos. Em Alvará régio de 1758, dá-se sua confirmação (DAMASCENO, 2010).

Em 1759, após diversos conflitos com a Coroa e com colonos do Estado, os Jesuítas são expulsos do Grão-Pará e Maranhão. Influenciado pelo iluminismo europeu e pelas contendas insolúveis em torno do controle sobre as aldeias entre os colonos e os missionários, Pombal expulsa aqueles religiosos das colônias ultramarinas portuguesas. Do Pará se vão quarenta deles, em 1759, ao mesmo tempo em que o Estado lhes confisca uma fortuna em bens acumulados (DIAS, 1988).

A educação brasileira esteve intrinsecamente ligada às ações jesuítas e da Igreja católica. Essa relação só foi modificada com as reformas pombalinas, que se contrapuseram “[...] ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução” (SAVIANI, 2011, p. 114). Para alguns historiadores, à supressão do sistema educacional jesuítico, Pombal interpôs uma reforma; para outros, ele protagonizou, na verdade, uma paralisação das atividades educacionais. Andrade (1982) adverte para o fato de que esta reforma não foi totalmente pombalina, processou-se em duas fases distintas sob a batuta de dois mentores diferenciados. A primeira fase, ele considera iniciar-se a partir da expulsão dos jesuítas em 1759 e extinguir-se com o começo da segunda fase, que tem seus marcos na transformação da Universidade de Coimbra, em 1771, e na transferência da direção dos estudos menores para a Real Mesa Censória, em 1772.

Na direção da primeira fase, erroneamente chamada de pombalina, não estava o “Marquês de Pombal”, porque Sebastião de Carvalho e Melo ainda não tinha recebido tal título, então, “o homem forte da instrução, quer na metrópole, quer no ultramar” (ANDRADE, 1982, p. 591) foi D. Tomás de Almeida, nomeado “director geral” dos estudos em 6 de julho de 1759. Na segunda fase, Carvalho de Melo – já Marquês – interviu decididamente por meio de D. Manuel do Canáculo Villas-Boas, presidente da Real Mesa Censória e reformador dos estudos na sua congregação (Ordem Terceira).

Um fato é consenso entre os historiadores: o de que a primeira iniciativa régia em relação ao ensino nesse período se deu justamente no Estado do Grão-Pará e Maranhão. Quatro anos antes da expulsão, o governador do Grão-Pará, Mendonça Furtado, determina que os missionários não são mais responsáveis pela educação dos índios: esta tarefa seria dos “diretores da aldeia”. Tal mudança, regida por lei de 7 de julho de 1755, abolia a jurisdição temporal dos religiosos e trouxe como consequência uma situação deplorável no que se refere à instrução do gentio.

[...] a instrução continuou seu processo de gradual dissolução. O Estado não dispunha de elementos financeiros e, principalmente, humanos para efetivar as ordens do novo Regimento. A expulsão total dos jesuítas pelo Alvará de 3 de setembro de 1759 acentuou ainda mais a decadência (SILVA, 1976, p. 62).

Um evento de grande relevância para a educação paraense acontece a partir de 1763, pois chegam no Estado do Grão-Pará representantes do Santo Ofício da Inquisição, que julgam, dentre vários casos de xamanismo, pederastia, curandeirismo e adultério, alguns casos relativos à educação. Um deles é o do “mestre-escola Álvaro Vieira Pinto, que teria se excedido no castigo a um de seus alunos na Vila de Pombal, obrigando o menino a saltar de uma varanda, quando quebrou seu braço” (LAPA, 1978, p. 31).

Menos do que uma sadia preocupação com uma visão pedagógica autoritária que grassava em nosso cenário educativo à época, é possível que a iniciativa inquisitória tenha se dado a partir da péssima imagem que parte dos professores representava para a comunidade, em geral, sendo inúmeros os relatos de atitudes desses profissionais em relação a seus pupilos, caracterizadas desde a ninfomania até sodomia.

A educação nas Instruções para o governo de Mendonça Furtado

O “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Magestade não mandar o contrario” (assinado por Mendonça Furtado) pode ser considerado um dos mais relevante, dentre os documentos de política educacional da história da América portuguesa naquele período. A falta de referências a respeito do papel que Mendonça Furtado teve na elaboração de um projeto político e educacional profundamente inovador para os padrões da época é preocupante, e abre lacunas para que se critique a pouca atenção dada à relevância dessa figura política e do Estado do Grão-Pará e Maranhão como cenário desse movimento.

É bem verdade que os propósitos do governador mais do que pretenderam a socialização do saber; orientavam-se pelo objetivo de fortalecer a presença colonialista do Estado português na região, enfraquecendo resistências de toda ordem, sobretudo, as culturais. Entretanto, mesmo assentado em normas que favoreciam a colonização e o ideal de “colonizador e colonizado”, seu papel na tentativa de implantação de um novo modelo cultural para a região e nas mudanças do campo pedagógico do Grão-Pará se faz evidente e não pode ser ignorado.

Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará (de setembro de 1751 a março de 1759) foi nomeado para o cargo em 5 de junho de 1751, através de carta-patente do rei D. José I. Curiosamente, as instruções para seu desempenho no cargo lhe foram passadas uma semana antes de ser nomeado, por intermédio de documento secreto, escrito em 31 de maio de 1751 em Lisboa .

Nestas “Instruções”, consta uma série de assuntos que vão desde preocupações com os nativos até um determinado tipo de ameaça para os religiosos. D. José trata, ainda, da extensão da cultura (lavoura) e da povoação no Estado para evitar sua invasão pelos franceses e holandeses; orienta a divisão das áreas pelas ordens religiosas visando à manutenção de seus domínios; fala da criação de seminários e de conventos de freiras; do financiamento do Estado, seu comércio e segurança, destacando especial importância à agricultura e às fronteiras. No seu último parágrafo, fica evidente o caráter secreto (até em relação a outros dignitários portugueses): “Esta Instrução guardareis secretamente e dela só comunicareis ao Governador do Maranhão os parágrafos que vos parecerem convenientes para o seu govêrno, na observância das minhas reais ordens” (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação).

A introdução do documento mostra porque Belém passa a ser a capital do Estado. D.José fala acerca

[...] da grande necessidade que havia de dividir êsse Estado em dois govêrnos, por ser precisa a assistência do Governador e Capitão-General na cidade do Pará, onde a ocorrência dos negócios e o tráfico de comércio o ocupavam a maior parte do ano na referida residência [...] (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação).

Nas sobreditas Instruções, o rei apresenta importante destaque para a extensão do cristianismo e das povoações do Estado, ao mesmo tempo em que deixa transparecer um sensível tom de reclamação em relação àqueles que não obedeceram suas ordens no passado, seja por desacertos, seja por desobediência. Para D. José, os interesses e as conveniências do Estado do Grão-Pará e Maranhão estavam ligados à conquista e liberdade dos índios.

A correspondência régia contém um caput e 38 (trinta e oito) parágrafos, em sua maior parte dedicados à questão dos nativos, reforçando a necessidade de o governador garantir sua liberdade e condições de trabalho, instruindo-os em aspectos os mais variados e diversos. Não obstante, fica bastante clara a determinação real de proibir toda e qualquer tentativa de escravização dos indígenas, pois são inúmeras as menções aos abusos cometidos neste caso, inclusive por religiosos. O rei chega a afirmar que, para ser obedecido, persuadirá os moradores do Estado a servirem-se de escravos negros e, no seu parágrafo 11, solicita maior detalhamento sobre esse tipo de necessidade.

D. José busca garantir o cumprimento de sua determinação reforçando o serviço público com os próprios índios, que seriam recrutados nas aldeias e receberiam um salário para tal. Por outro lado, expressa preocupações com a manutenção das aldeias, em especial, com a saúde dos seus moradores. Mais à frente, atribui às Câmaras e à Junta das Missões a definição dos seus salários – “pode ser êste o estímulo para se vencer a natural frouxidão dos mesmos índios” (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação), afirma o soberano. Mais precisamente a partir do 13º parágrafo, o rei irá se dirigir aos problemas relacionados com os Regulares e as pessoas eclesiásticas, autorizando o governador a ameaçar aqueles que porventura não estivessem a cumprir suas determinações quanto ao trato com os índios.

Desde aquele período, já era problemático o relacionamento da Corôa com alguns religiosos. D. José reclamava da forte influência política dos padres nas aldeias e instruía Mendonça Furtado a buscar informações junto ao Bispo, visando tomar medidas que bloqueassem este “poder paralelo”, escrevendo:

Como à minha real notícia tem chegado o excessivo poder que têm nesse Estado os Eclesiásticos, principalmente no domínio temporal nas suas aldeias, tomareis as informações necessárias, aconselhando-vos com o Bispo do Pará, que vos instrua com a verdade a qual dêle confio [...], para informardes se será mais conveniente ficarem os Eclesiásticos sòmente com o domínio espiritual [...] (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação).

Um aspecto que importa à questão da instrução dos índios no citado documento é o do ensino profissionalizante, tarefa que era cumprida por jesuítas em regiões sob controle espanhol. No 16º parágrafo, o rei pede ao governador que recomende aos missionários no Grão-Pará...

[...] que os índios que forem da sua administração, os ocupem, fazendo-lhes aprender os ofícios a que tiverem mais propensão, como praticam os missionários Jesuítas das povoações castelhanas, e que cuidam em civilizá-los e serem mais capazes de servirem ao público, e que o contrário será do meu real desagrado (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação).

O sentido de cuidar do bem-estar das missões domina os parágrafos seguintes do texto régio, que consistem numa série de orientações que visam à manutenção dos aldeados. À custa da Fazenda real, deveriam ser destinados aos índios instrumentos necessários para a cultura e lavoura das terras, além de sementes e frutos para a produção. Todo esse cuidado deveria ter a participação dos religiosos; por conseguinte, o rei manda que se estabeleçam novas aldeias no rio Amazonas, dividindo a região em áreas cujos encargos estariam sob a tutela das diferentes ordens que ali atuavam – em especial, os jesuítas. No parágrafo 21, fica explícito o real objetivo da empreitada, que visava ao aumento da imposição da religião cristã aos índios e à conservação do domínio sobre eles.

No parágrafo 22, a preferência pelos jesuítas também se evidencia, ao mesmo tempo em que o rei alerta Mendonça Furtado para o risco de permitir certo “exagero” no uso do poder pelos mesmos. Diz ele:

[...] preferireis sempre os padres da Companhia, entregando-lhes os novos estabelecimentos, não sendo em terras que expressamente estejam dadas a outras comunidades; por me constar que os ditos padres da Companhia são os que tratam os índios com mais caridade e os que melhor sabem formar e conservar as aldeias, e cuidareis no princípio dêstes estabelecimentos em evitar quanto vos for possível o poder temporal dos missionários sôbre os mesmos índios, restringindo-o quanto vos parecer conveniente (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação).

Reitera-se no parágrafo seguinte a preocupação com a tarefa dos missionários, de “polirem, ensinarem e doutrinarem os índios” (INSTRUÇÕES..., 1963, sem paginação). No restante das Instruções, tratar-se-á de uma série de outros assuntos que vão desde a representação do Pe. Malagrida, solicitando a criação de um seminário, até a administração do Estado, passando pela organização das forças militares, pela definição das bases para o comércio na região e pela questão das fronteiras e da abertura do caminho para o Mato Grosso.

Referências à instrução e às escolas públicas no Diretório de 1757

Seis anos depois de receber as Instruções anteriormente comentadas e ser empossado governador, Mendonça Furtado decidiu editar o “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Magestade não mandar o contrario”. Tal documento, datado de 3 de maio de 1757, de importância fundamental para a implantação de um novo modelo colonizador na região, contém 95 (noventa e cinco) parágrafos, dentre os quais há os que normatizam a instrução, a ser implementada junto aos índios que ali habitavam.

O primeiro parágrafo do Diretório inicia com uma referência ao Alvará de 7 de junho de 1755, que abole a administração temporal que os religiosos exerciam sobre as aldeias indígenas no Estado, transferindo este poder aos seus Principaes (denominação utilizada para designar os líderes indígenas). Mendonça Furtado expressa, então, preocupação com a hipótese de que os mesmos não seriam capazes de cumprir sua tarefa devido à sua “deseducação”, e propõe a nomeação de um diretor que o faça de acordo com os objetivos determinados por seu governo, com a necessária anuência da Coroa portuguesa:

[...] como estes [os Principaes] pela lastimosa rusticidade, e ignorancia, com que até agora forão educados, não tenhão a necessária aptidão, que se requer para o Governo, sem que haja quem os possa dirigir, propondo-lhes não só os meios da civilidade, mas da conveniencia, e persoadindo-lhes os proprios dictames da racionalidade, de que vivião privados, para que o referido Alvará tenha a suadevida execução, e se verefiquem as Reaes, e piissimas intenções do dito Senhor, haverá em cada uma huma das sobreditas Povoações, em quanto os Indios não tiverem capacidade para se governarem, hum Director, que nomeará o Governador, e Capitão General do Estado [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

O diretor a que se refere Mendonça Furtado, além de ser por ele nomeado, deveria atender a um conjunto de critérios dentre os quais é destacável o conhecimento da língua portuguesa, um requisito que se constitui decisivo para a empreitada de hegemonizar o poder luso no Estado. Ele determina que o novo diretor “[...] deve ser dotado de bons costumes, zelo, prudencia, verdade, sciencia da lingua, e de todos os mais requesitos necessarios para poder dirigir com acerto os referidos Indios debaixo das ordens [...]” (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Ressalte-se que, já nesse primeiro parágrafo do Diretório, se apresenta a preocupação com a instrução dos nativos, em especial, o ensino da língua portuguesa. No terceiro parágrafo do documento, Mendonça Furtado expõe a situação religiosa dos índios, os quais, então (numa evidente crítica à ação dos religiosos), permanecem na “barbárie”...

[...] como se vivessem nos incultos Sertões, em que nascerão, praticando os pessimos, e abominaveis costumes do Paganismo, não só privados do verdadeiro conhecimento dos adoraveis mysterios da nossa Sagrada Religião, mas até das mesmas conveniencias Temporaes, que só se podem conseguir pelos meios da civilidade, da Cultura, e do Commercio [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Mendonça Furtado chama atenção para as providências reais que se dirigiam unicamente a cristianizar e civilizar o povo, por ele chamado miserável, para que saíssem da ignorância e da rusticidade e passassem a ser “úteis ao Estado”. O governador conclui, reforçando que este será o principal objetivo dos seus diretores. A preocupação é reiterada no quarto parágrafo, quando Mendonça Furtado admite que a tarefa de cristianizar os índios é matéria meramente espiritual, estando, portanto, sob a responsabilidade do Prelado da Diocese. Ao mesmo tempo, recomenda aos seus diretores: “[...] que da sua parte dêm todo o favor, e auxilio, para que as determinações do dito Prelado respectivas á direcção das Almas, tenhão a sua devida execução [...]” (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

A partir do parágrafo 5º, Mendonça Furtado vai tratar mais diretamente da questão educacional. Se ele admite que a matéria espiritual é tarefa do Prelado, a “civilização” dos índios é prerrogativa dos diretores, sendo esta, para ele, sua principal obrigação. Ali, ele vai apresentar os meios através dos quais os diretores deverão conseguir esse fim.

Nota-se nos parágrafos posteriores uma especial relevância em relação à instrução dos habitantes do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Trata-se, com efeito, de uma intervenção mais ostensiva no que tange à organização do ensino naquele território, que nasce a partir do Estado e é dirigido e controlado por ele. O governador tem plena noção da importância que a educação tem para seu projeto de colonização e reitera com bastante propriedade a necessidade já sugerida anteriormente de consolidar a língua portuguesa. Assim, ele inicia o sexto parágrafo do documento:

Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que conquistárão novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idioma, por ser indisputavel, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Em sua defesa intransigente da Lingua do Principe (como era também chamada a língua portuguesa), Mendonça Furtado critica os primeiros portugueses que aqui chegaram – e que ele não se furta de chamar conquistadores –, dizendo que os mesmos não se preocuparam em introduzi-la, deixando de operacionalizar “este prudente, e solido systema” na conquista destas terras.

Só cuidarão os primeiros Conquistadores estabelecer nella o uso da Lingua, que chamarão geral; invenção verdadeiramente abominavel, e diabolica, para que privados os Indios de todos aquelles meios, que os podião civilizar, permanecessem na rustica, e barbara sujeição, em que até agora se conservarão (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Mais uma vez então, o governador insiste na necessidade de os diretores trabalharem no sentido da introdução da língua portuguesa nas suas aldeias:

[...] será hum dos principaes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o uso da Lingua Portugueza, não consentindo por modo algum, que os Meninos, Meninas, que pertencerem ás Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucção nesta materia, usem da Lingua propria das suas Nações, ou da chamada geral [nome dado à língua nheengatu]; mas unicamente da Portugueza, na fórma, que Sua Magestade tem recomendado em repetidas Ordens, que até agora se não observarão com total ruina Espiritual, e Temporal do Estado (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Apesar dessa insistência, a implantação da língua portuguesa como principal língua falada e ensinada na região só vem a acontecer tardiamente, substituindo décadas à frente a língua geral amazônica. Ao longo do período colonial, “[...] a língua geral amazônica [...] desempenhou aquelas funções básicas exercidas tradicionalmente por toda e qualquer língua numa comunidade, o que acabou retardando o processo de hegemonia do português” (FREIRE, 2011, p. 46). O português foi ganhando espaço muito lentamente, devido a diversos fatores históricos e políticos. Silva-Reis e Bagno (2018) ressaltam como principais fatores para essa hegemonia: a Cabanagem (1835-1840), onde cerca de 40% da população do Pará foi exterminada – em sua maioria, índios e mestiços falantes da língua geral; a Guerra do Paraguai (1865-1870), onde índios foram arrancados de suas terras e obrigados a alistarem-se; e fatores econômicos, como a introdução da navegação a vapor, que permitiu trocas internas mais rápidas e, consequentemente, a expansão da língua portuguesa.

Rossolillo (1986, p. 58) se refere à língua como elemento agregador para o sentimento de fidelidade do povo colonizado. “Historicamente este sentimento foi criado pela extensão forçada todos os cidadãos do Estado de alguns conteúdos típicos da nacionalidade espontânea (por exemplo, a língua)”. O ensino da língua teve, assim, inegável papel na criação dos hábitos de convivência, história nacional e na formação de uma identidade nacional. Posto o contexto em que a língua portuguesa foi introduzida, compreende-se o quanto foi fundamental – e complexa – a tarefa desencadeada por Mendonça Furtado ao enfatizar essa problemática.

No 7º parágrafo, o governador determina uma medida pioneira para a região, ao criar escolas públicas para ambos os sexos:

E como esta determinação he a base fundamental da Civilidade, que se pretende, haverá em todas as Povoações duas Escólas publicas, huma para os Meninos, na qual se lhes ensine a doutrina Christã, a ler, escrever, e contar na forma, que se pratíca em todas as Escólas das Nações civilizadas; e outra para as Meninas, na qual além de serem instruidas na Doutrina Christã, se lhes ensinará a ler, escrever, fiar, fazer renda, custura, e todos os mais ministerios proprios daquelle sexo (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Pode-se depreender do texto acima que essa iniciativa formal de Mendonça Furtado inaugura o surgimento da escola pública estatal no Brasil; entretanto, deve-se fazer a necessária ressalva quanto ao fato de que sua sustentação financeira era responsabilidade dos próprios pais dos alunos, fosse com dinheiro ou trabalho. Logo no oitavo capítulo, o governador traça o perfil dos professores que nelas irão atuar e esclarece o mecanismo de seu financiamento:

Para a subsistencia das sobreditas Escólas, e de hum Mestre, e huma Mestra, que devem ser Pessoas dotadas de bons costumes, prudencia, e capacidade, de sorte, que possão desempenhar as importantes obrigações de seus emprêgos; se destinarão ordenados sufficientes, pagos pelos Pais dos mesmos Indios; ou pelas Pessoas, em cujo poder elles viverem, concorrendo cada hum delles com a porção, que se lhes arbitrar, ou em dinheiro, ou em effeitos [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Mendonça Furtado não demonstrava dúvidas quanto à necessidade de promover uma verdadeira transformação cultural na região que governava. Além das medidas já expostas, e que dizem respeito, mais especificamente, à questão da instrução, outras mudanças seriam estabelecidas pelo Diretório, abordando aspectos de tratamento, denominação, habitação, bebida e métodos de convencimento. Do 9º ao 15º parágrafos, o Diretório passa a ocupar-se com a questão da civilização dos indígenas.

A primeira grande preocupação do documento é com o desrespeito com que os mesmos são tratados. Obrigados a remar canoas para os brancos, lhes servindo de jacumanhas, os índios têm no governador do Grão-Pará um entusiasmado defensor de seus direitos (principalmente, dos índios que ocupam algum nível superior naquela estrutura social), de acordo com orientações emanadas da própria Coroa portuguesa e a ponto de recomendar aos seus diretores de aldeias:

[...] que assim em público, como em particular, honrem, e estimem a todos aquelles Indios, que forem Juizes Ordinarios, Vereadores, Principaes, ou occuparem outro qualquer posto honorifico; e tambem as suas familias; dando-lhes assento na sua presença, e tratando-os com aquella distinção, que lhes for devida, conforme as suas respectivas graduações, empregos, e cabedaes [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

Outra forte razão para sua preocupação em relação a seus governados nativos consiste no fato daqueles serem desrespeitados por alguns brancos que usam o termo pejorativo de “negros” quando a eles se dirigem. Mendonça Furtado considera esse costume lastimoso e pernicioso, injusto e escandaloso. Para ele,

[...] além de ser prejudicialissimo á civilidade dos mesmos Indios este abominavel abuso, seria indecoroso ás Reaes Leis de Sua Magestade chamar Negros a huns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qualquer infamia, habilitando-os para todo o emprego honorifico [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

O governador resolve, então, proibir que se chame de “negros” aos índios. Tal medida seria implantada pelos diretores que não deveriam consentir, a partir daquela data, com a utilização da denominação nem por outros, nem pelos próprios índios entre si, por se tratar de uma vileza que não cabe a homens de estimação e de honra. Atenção especial também foi dada à questão do nome dos índios. Devido à “confusão” que se estabelecia com o grande número de pessoas com o mesmo nome e à necessidade de os mesmos serem “honrados” e tratados como os brancos, o governador determina:

[...] terão daqui por diante todos os Indios sobrenomes, havendo grande cuidado nos Diretores em lhes introduzir os mesmos Appellidos, que os das Familias de Portugal; por ser moralmente certo, que tendo elles os mesmos Appellidos, e Sobrenomes, de que usão os Brancos, e as mais pessoas que se achão civilisadas, cuidarão em procurar os meios licitos, e virtuosos de viverem, e se tratarem á sua imitação (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

No parágrafo seguinte (12°), o documento se refere a outro importante fator de propagação cultural: a forma de habitação dos nativos. Essa era considerada pelo governador muito promíscua e incentivadora da indecência e brutalidade entre as famílias, faltando “áquellas Leis da honestidade, que se deve á diversidade dos sexos”. A persuasão dos índios no sentido de abandonarem esse costume e construírem suas casas com separações, de acordo com os projetos portugueses, passa a ser então mais uma responsabilidade dos diretores.

Mendonça Furtado sabia das extremas dificuldades que enfrentaria para conseguir vencer o desafio de implantar uma nova cultura no Estado do Grão-Pará e Maranhão; além disso, parecia ter certeza de que o caminho mais adequado não era o da violência física, mas, o da educação. No 14º parágrafo do seu Diretório, ele afirma que a “reforma dos costumes” é a tarefa mais árdua de ser realizada, e que o caminho mais rápido para seu êxito não é o da violência e “vigor”, mas sim o da brandura e “suavidade”, nos remetendo à utilização do convencimento, da indução, e não mais da imposição por violência.

Finalizando o bloco de parágrafos que dizem respeito à questão da civilização dos índios, o governador externa uma preocupação com o excesso de luxo, ao mesmo tempo em que reclama a miséria da vestimenta indígena, ordenando a seus subordinados que estes introduzam nos índios o desejo “virtuoso” por usarem roupas decentes e “decorosas”. Nos parágrafos seguintes, o documento passa a se referir não mais à formação dos nativos, mas, a abordar questões de comércio, agricultura, segurança e outros que não são diretamente ligados ao objeto central deste estudo.

Como se pode perceber, há no Diretório um conjunto significativo de referências à instrução dos nativos. Seu conteúdo, não por acaso, acaba por servir de exemplo às iniciativas futuras de El Rei, como atesta o alvará régio de sua confirmação. Importa atentar para a força que D. José atribui ao documento, ao ponto de confirmar de seu próprio “motu” seu “poder Real e absoluto”:

Hei por bem, e Me praz de confirmar o mesmo Regimento em geral, e cada hum dos seus noventa e cinco Paragrafos em particular, como se aqui por extenso fossem insertos, e transcriptos: E por este Alvará o confirmo de Meu proprio Motu, certa Sciencia, Poder Real, e absoluto; para que por elle se governem as Povoações dos Indios, que já se acham associados, e pelo tempo futuro se associarem, e reduzirem a viver civilmente. Pelo que: Mando ao Presidente do Conselho Ultramarino, Regedor da Casa da Supplicação, Presidente da Meza da Consciencia, e Ordens; Vice-Rei, e Capitão General do Estado do Brazil, e a todos os Governadores, e Capitães Generaes delle; como tambem aos Governadores das Relações da Bahia, e Rio de Janeiro; Junta do Commercio destes Reinos, e seus Dominios; Junta da Administração da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão; Governadores das Capitanías do Grão Pará, e Maranhão, de S. José do Rio Negro, do Piauhî, e de quaesquer outras Capitanías; Desembargadores, Ouvidores, Provedores, Intendentes, e Diretores das Colonias; e a todos os Ministros, Juizes, Justiças, e mais Pessoas, a quem o conhecimento deste pertencer, o cumprão, e guardem, e o fação cumprir, e guardar tão inteiramente, como nelle se contém; sem embargo, nem dúvida alguma [...] (DIRECTORIO..., 1829, sem paginação).

A ação colonizadora deflagrada na América portuguesa, segundo Alfredo Bosi (1992, p. 19), “reinstaura e dialetiza as três ordens: do cultivo, do culto e da cultura”. Para o autor,

[...] a colonização não pode ser tratada como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carências e conflitos da matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório (BOSI, 1992, p. 13).

O processo de colonização ocorrido na Amazônia portuguesa se consubstanciou, desse modo, em um momento dialeticamente articulado entre a exploração dos recursos naturais e a implantação de sementes ideológicas, e, para esta última, a educação se fez ferramenta primordial. Com a mesma força e vitalidade com que a terra era rasgada e violentada, seus habitantes originais eram passados no fio da espada ou cativados (no duplo sentido), pela fé e cultura do conquistador.

Os agentes desse processo de transfusão cultural, como compreendido por Bosi, “[...] não são apenas suportes físicos de operações econômicas; são também crentes que trouxeram nas arcas da memória e da linguagem aqueles mortos que não devem morrer” (1992, p. 15). Tratava-se de substituir não só o modo de extrair a vida da terra, mas, também, de modificar, na consciência dos "conquistados", a forma de conceber a natureza e suas forças inexplicáveis.

Consciente desse papel, Mendonça Furtado é, sem dúvidas, deflagrador, na região, do projeto pombalino de reerguer Portugal como potência transoceânica, de modo diferenciado – e mais moderno – daquele vigente antes de seu governo. A reforma evidencia que as escolas criadas o são por iniciativa do Estado. Estas são uma imposição estatal, fruto de sua necessidade, de um projeto político de colonização, por conseguinte, de aculturação. É aqui que Portugal antecede a França, mas de um modo particular. Não é a República que descobre o valor da escola para a formação de uma nova cidadania, mas a Monarquia que revela sua face Absoluta. Este não era o projeto dos jesuítas, empenhados que estavam em difundir e implantar uma igreja supranacional através da constituição de missões sob sua jurisdição. Daí o violento conflito, cujo vitorioso – mesmo que parcialmente – foi Sebastião de Carvalho e Melo.

Quando se analisa a natureza e o caráter da instrução ofertada no Grão-Pará e Maranhão, antes do Diretório, imediatamente se tem a impressão de que o Estado dominava o ensino – pois era essa instância que permitia, ou não, as atividades de ensino e financiava, mesmo que parcialmente, os missionários encarregados de desenvolvê-lo; entretanto, é visível a quase autonomia das Ordens, a ponto de suscitar, seja nas “Instruções régias”, seja no “Diretório”, preocupações com o exercício de sua ação catequético-educacional.

Tal situação sofrerá uma reviravolta a partir do século XVIII, quando se dá, principalmente no seio da Europa, um intenso processo de separação entre Estados e Igrejas, com reflexos evidentes na Amazônia portuguesa.

Esta espécie de divisão de poderes entre Estados e Igrejas irá desintegrar-se rapidamente nos séculos XVIII e XIX. As medidas contra os jesuítas revelam as novas ambições do Estado nesta área. Rússia (1719), Portugal (1759), França (1762) e Espanha (1764) expulsam, cada um por sua vez, a Companhia de Jesus (PETITAT, 1994, p. 141).

No caso português, o Estado não deixou de cumprir sua função hegemonizadora, coesionadora de indivíduos, grupos e classes, funcionando como Sociedade Civil em articulação dialética com seu funcionamento como Sociedade Política. Pombal exerceu o poder visando à geração de uma “unidade nacional”, controlando fortemente suas variantes. O Estado português, nesse sentido, “comportou-se” permeado por elementos ideológicos capazes de criar, afirmar e manter viva uma nova nação lusa. Aqui cabe perfeitamente a argumentação de Rossolillo quando afirma que “[...] a Nação é a ideologia de um determinado tipo de Estado, visto ser justamente o Estado a entidade a que se dirige concretamente o sentimento de fidelidade que a idéia de Nação suscita e mantém” (1986, p. 797).

Esse processo ideológico de criação de uma Nação levado a cabo por esse "determinado tipo de Estado" tem um objetivo, ao mesmo tempo, simples e imprescindível: “A função da idéia de Nação [...] é a de criar e manter um comportamento de fidelidade dos cidadãos em relação ao Estado” (ROSSOLILLO, 1986, p. 797). Pode-se dizer, então, que a própria existência do Estado está sujeita à sua capacidade de manutenção da ideia da nacionalidade que lhe diz respeito.

É fundamental, portanto, que os membros desta comunidade estejam profundamente convencidos da existência de uma "unidade" comum a todos eles. Acreditamos que é disso que fala Gramsci (1982, p. 58), quando se refere ao "sentimento nacional" como “[...] um sentimento puramente "subjetivo", [...] um sentimento de "intelectuais", que sentem a continuidade de sua categoria e de sua história, única categoria que teve uma história ininterrupta [...]”, o diferenciando do "popular nacional". Esse sentimento foi difundido e arriscamos dizer que só foi possível por meio do ensino, fazendo da educação ferramenta primordial para a colonização e implantação desse sentimento.

Considerações finais

Vimos que a partir do projeto dominante mais geral, se implantou um projeto político-pedagógico que objetivava formar indivíduos que se desconhecessem como membros de um grupo/nação oprimidos. Tratou-se de se estabelecer mecanismos permanentes de obstrução a qualquer tentativa de emergência de um processo pedagógico contrário aos interesses da Coroa e das ordens religiosas, reforçando o vínculo entre o processo colonizatório e a educação ali ministrada.

A instrução que então se ofertou a “gentios”, negros, filhos de colonos ou mesmo a indivíduos mais abastados, na época colonial, sempre se orientou no sentido do projeto da dominação dos portugueses. Num primeiro momento, com características gerais marcadamente geopolíticas e, num segundo, visando a hegemonia de um grupo sobre outro, na perspectiva da domesticação de mão-de-obra escrava para acumulação de capital na região.

Se fazia necessária a inculcação dos valores da civilização ocidental cristã a partir de uma visão eurocêntrica do mundo, por intermédio da educação ministrada pelos religiosos. Tais características do processo de exploração econômica, opressão política e dominação ideológica vigente naquela época nos permitem levantar alguns vetores constitutivos da síntese do projeto educacional dominante então implantado.

À luz dessa reflexão, agravava-se do ponto de vista dos dominados o processo colonizador na Amazônia. A região Norte se reservou, durante séculos, à categoria de reserva a ser defendida de invasões estrangeiras ou de exploração assistemática de alguns produtos. Isso se deu de tal forma que, do ponto de vista político, se tratava de operar uma ocupação – mesmo que a ferro e fogo –, articulada com a expansão das fronteiras lusas. Ao mesmo tempo em que, do ponto de vista militar, se impunha a “PAX” colonial Portuguesa.

Não constava dos planos das camadas dirigentes, em nenhum caso, a formação de um indivíduo consciente de sua cultura, crítico, partícipe ativo na construção de relações sociais diferentes. Por isso, é plausível afirmar que seu projeto pedagógico compreendia a organização centralizada e autoritária do trabalho escolar, uma pedagogia com uma visão antropológica eurocêntrica, utilizada como instrumento de colonização, que “(des)educou” o povo que ocupava o que viria a ser Brasil, povo que, só em tempos recentes, veio a fazer parte deste “Brasil” e que ainda luta pelo “seu lugar”.

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Correspondência

Alberto Damasceno Universidade Federal do Pará R. Augusto Corrêa, 01 - Guamá, CEP 66075-110, Belém, Pará, Brasil.

 

Notas



[1] Bessa Freire nos diz que falar em “povoamento” da Amazônia como estratégia de sua conquista representa uma visão eurocêntrica, do ponto de vista do colonizador, porque, a partir da ótica dos primeiros moradores, diz ele, “[...] o que houve foi uma grande catástrofe demográfica” (FREIRE, 1987, p. 8). Os estudos de etno-historiadores norte-americanos nos dão conta de que existiam, antes do contato com o colonizador europeu, mais de três milhões de habitantes nessa área, número que foi drasticamente reduzindo com a colonização (p. 10).

[2] Portugal e Espanha se tornavam um só Estado entre 1580 e 1640, quando aquele país e suas colônias passaram para o domínio de Felipe II, então monarca espanhol. Essa união, acontecida por razões de sucessão, criou condições favoráveis para a expansão territorial que Lisboa vinha realizando no Brasil, em particular na Amazônia.

[3] Para Nelson Werneck Sodré, “os primeiros governadores-gerais são os que se fazem acompanhar das primeiras tropas regulares que a metrópole faz estacionar na colônia, e é ainda por isso que entre suas tarefas principais está a de organizar os sistemas de fortificações costeiras. Cada esforço de povoamento, visando expulsar elementos invasores ou não, reveste-se de caráter militar e resulta sempre no estabelecimento de um forte, que será o núcleo de povoamento” (1979, p. 29-30). Ainda segundo Sodré (1979), isso acontece na Guanabara, no Rio Grande do Norte, no Maranhão e no Pará.

[4] Alguns autores somam cento e cinquenta, enquanto outros afirmam terem sido duzentos homens que acompanharam Castelo Branco em sua expedição ao Pará. Capistrano de Abreu fala em “cento e cincoenta homens, dez peças de artilharia e três embarcações” (1982, p. 90), contudo, a “História do Exército Brasileiro” registra a “expedição composta de três barcaças e duzentos soldados” (HISTÓRIA..., 1972, p. 89).

[5] Chegam mamelucos nordestinos em 1616, Açorianos em 1620, portugueses de Mazegão em 1770, assim como degredados e ciganos logo a seguir; soldados, marinheiros, corsários, mercadores, administradores de enclaves lusos, mas também degredados punidos com o exílio foram os colonos que vieram para a Amazônia. Segundo Bessa Freire, “o padre Antonio Vieira afirma que a prisão de Limoeiro, em Portugal, foi uma das principais fontes de colonizadores para a Amazônia” (FREIRE, 1987, p. 22-23).