As significações de professor do Ensino Médio sobre a educação inclusiva

The meanings of teacher of middle school on inclusive education

 


Marcia Raika e Silva Lima

Professora Doutora na Universidade Estadual do Maranhão, Caxias, Maranhão, Brasil.

marciaraika@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0003-3396-3236

 

 

Recebido em 23 de fevereiro de 2019

Aprovado em 13 de abril de 2020

Publicado em 28 de julho de 2020

 

 

RESUMO

O texto tem como objeto de estudo a atividade de ensino-aprendizagem de alunos com necessidades educativas especiais (NEEs) na escola regular. Trata-se do recorte de pesquisa de doutorado e teve como problemática: quais as significações de uma professora de Ensino Médio sobre a atividade de ensino-aprendizagem desenvolvida para a inclusão escolar de alunos com NEEs no Ensino Médio? A investigação é de natureza qualitativa e tem como objetivo analisar os significados e os sentidos constituídos por uma professora de Ensino Médio acerca da atividade de ensino- aprendizagem de alunos com NEEs. A base teórico-metodológica de sustentação foram o Materialismo Histórico Dialético e a Psicologia Sócio-Histórica. O procedimento analítico utilizado foi o Núcleo de Significação. A participante da pesquisa foi uma professora de História. As técnicas e os instrumentos metodológicos foram a entrevista narrativa e reflexiva. A professora entrevistada expressa que, para que o aluno com NEEs participe e se aproprie da cultura sistematizada, concebe que o professor deve ter jogo de cintura para que esse aluno não seja excluído, segregado ou mesmo passível de bullying por aqueles sem NEEs. Conclui-se que a professora, após receber esses alunos em sala de aula, sente-se afetada com a educação inclusiva, realizando jogo de cintura para que eles sejam incluídos nos processos de formação, de aprendizagem e de desenvolvimento na escola regular.

Palavras-chave: Formação contínua; Significados e Sentidos; Educação Inclusiva.

 

 

ABSTRACT

The purpose of this study is the teaching and learning activity of students with special educational needs (NEEs) in the regular school. This is a clipping of a doctoral research and had as it’s problematic: what are the meanings of a high school teacher about teaching and learning activity developed for the school inclusion of students with SEN in High School? The research is qualitative in nature and aims to analyse the meanings and meanings of a high school teacher about the teaching and learning activity of students with SEN. The theoretical-methodological basis of support was the Historical Materialism Dialectic and Socio-Historical Psychology. The analytical procedure used was the Nucleus of Significance. The research participant was a History teacher. The techniques and methodological tools were the narrative and reflective interview. The teacher interviewed expressed that, in order for the student with NEEs to participate and to take ownership of the systematized culture, he conceives that the teacher should have waist play so that this student is not excluded, segregated or even subject to bullying by those without NEEs. I conclude that, after receiving these students in the classroom, the teacher feels affected by the inclusive education, doing a waist play to include them in the processes of training, learning and development in the regular school.

Keywords: Continuous formation; Meanings and Senses; Inclusive education.

 

 

Seção introdutória

 

Apresentar discussões, nos dias atuais, acerca da temática sobre educação especial e inclusiva torna-se alvo de diferentes polêmicas, sobretudo quando se trata de incluir alunos com necessidades educativas especiais (NEEs) na escola regular. Nesse ínterim, surge este texto, que discorre sobre as práticas pedagógicas inclusivas desenvolvidas por uma professora de Ensino Médio para o ensino e a aprendizagem de com NEEs1.

Ao se investigar o objeto de estudo, isto é, a atividade de ensino-aprendizagem de alunos com necessidades educativas especiais (NEEs) na escola regular, com base nas pesquisas de Lima (2016) evidencia-se que o sistema educacional, em relação a esses alunos, na sua constituição histórica, tem passado por transformações, da Antiguidade aos dias atuais, no que se refere à inclusão social e escolar. Entende-se que essas transformações são motivadas pelas necessidades surgidas em cada período histórico.

Diante do exposto, ao analisar o processo social por meio do qual a educação de alunos com NEEs foi constituindo-se, considera-se que as condições sociais desveladas acerca da escolarização desse público tiveram ganhos significativos. No que se refere ao processo educacional, houve períodos de exclusão total deles, mas, atualmente, é possível evidenciar discussões sobre o processo de inclusão de alunos com NEEs na escola regular.

Frente aos avanços nos períodos históricos, da exclusão à inclusão das pessoas com NEEs, compreende-se que se faz necessário desvelar as significações de professores acerca da educação inclusiva de alunos com NEEs. Desse modo, por meio destas significações, seja possível evidenciar como esses profissionais constroem o seu fazer docente e quais práticas pedagógicas realizam para que ocorra o ensino-aprendizagem desses alunos na escola regular.

Este estudo trata-se do recorte de pesquisa de doutorado em educação2 e teve como uma das motivações para sua escrita a relação com a atividade profissional da pesquisadora, sobretudo entre os anos de 2011 e 2014, em que exercia a função de gerente de Educação Especial e teve a necessidade de conhecer e de intervir no processo de inclusão escolar de alunos com NEEs.

Como esta atividade profissional ocorreu na rede pública estadual, cuja incumbência é “assegurar o Ensino Fundamental e oferecer, com prioridade, o Ensino Médio a todos que o demandarem” (BRASIL, 1996), propõe-se a investigar o seguinte problema: quais as significações de professor do Ensino Médio sobre a atividade de ensino-aprendizagem desenvolvida para a inclusão escolar de alunos com NEEs?

Adverte-se que a questão elencada apresenta-se necessária para orientar a definição do objetivo geral: analisar os significados e os sentidos constituídos por uma professora de Ensino Médio acerca da atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs. Acrescenta-se que, para fundamentar essas significações, sustenta-se no suporte teórico e metodológico da Psicologia Sócio-Histórica. Para a análise e interpretação das narrativas optou-se pela proposta metodológica Núcleos de Significação. Estes suportes metodológicos e analíticos explicam-se por terem suas bases fundamentadas no Materialismo Histórico Dialético.

Para respaldar as discussões teóricas embasa-se nos aportes teóricos3: Marx (2010, 1984) como base de sustentação do Materialismo Histórico Dialético, Vygotski (2007, 2009) da Psicologia Sócio-Histórica e Aguiar, Soares e Machado (2015) da base analítica Núcleos de Significação, bem como Vygotski (1997), Lima (2016), e Coelho (2012) para teorizar sobre a educação especial e inclusiva.

Este estudo está estruturado em quatro partes. Além desta seção introdutória, com breve apresentação das discussões do texto em tela, tem-se a primeira seção sobre “Formação de professores mediando as práticas pedagógicas inclusivas: o que desvelam as pesquisas”, mediada por revelações de autores que pesquisaram sobre a educação especial e inclusiva enfatizando análises acerca da formação e prática de professores de alunos com NEEs. Na segunda seção, intitulada “O professor e a constituição do ser professor: uma abordagem da Psicologia Sócio-Histórica”, desvela-se a compreensão da constituição do humano, embasando-se teoricamente na Psicologia Sócio-Histórica. Na sequência, terceira seção: “Os trilhos percorridos ao alcance das atividades inclusivas no Ensino Médio”, em que se delineiam o percurso metodológico, as análises e os resultados desenvolvidos para a materialização da pesquisa, e, por fim, as considerações finais.

 

 

Formação de professores mediando as práticas pedagógicas inclusivas: o que desvelam as pesquisas

 

Apresentam-se, agora, discussões sobre significações de autores como Anjos, Silva e Melo (2013), Araújo e Bittencourt (2014), Almeida e Garcia (2013), Chaves (2013), e Silva (2011), acerca da formação e de práticas pedagógicas desenvolvidas por professores de escola regular para o ensino-aprendizagem de alunos com NEEs. Com estas pesquisas, foram evidenciadas análises que contribuem para compreensão do processo de inclusão escolar de alunos com NEEs, demonstrando que a formação de professores é considerada como essencial para a concretização desse processo.

As pesquisas acima mencionadas possibilitam a compreensão dos professores acerca da educação inclusiva, sobretudo no que diz respeito à formação de professores e de práticas pedagógicas para o ensino-aprendizagem de alunos com NEEs incluídos na escola regular. Os autores destacam que os professores investigados consideram que, para a realização da educação inclusiva, fazem-se necessários recursos materiais e humanos que os possibilitem condições para o trabalho, com esses alunos, em sala de aula regular.

Depreende-se que há consenso nessas pesquisas quanto ao fato de que os professores, ao depararem-se com o aluno com NEEs na sala de aula, afirmam não estarem preparados para a atividade de ensino-aprendizagem com tais alunos. Os professores afirmam que não tiveram formação que os orientassem para a docência com alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (ALMEIDA; GARCIA, 2013; CHAVES, 2013; SILVA, 2011).

Segundo Almeida e Garcia (2013), os professores destacam que não tiveram formação inicial e contínua que possibilitasse condições para a realização de práticas pedagógicas que viabilizassem o ensino-aprendizagem de alunos com NEEs, fato que os fazem priorizar as formações como basilares para o processo de inclusão escolar e para a realização de atividades inclusivas com esses alunos. Essas interpretações de professores sobre o processo inclusivo podem ser evidenciadas na pesquisa de Anjos, Silva e Melo (2013, p. 42), ao identificarem que:

 

 

A maioria dos professores afirmava não ter existido preparação específica para a inclusão; no entanto a própria ideia de preparação que emergia das falas era vaga; alguns entendiam essa preparação como existência de cursos de formação para os professores, outros como o próprio processo de inserção do aluno na turma, e outros, ainda, como iniciativas no campo da gestão, por exemplo, reduzir a quantidade de alunos por sala.

 

 

Como anunciado por Anjos, Silva e Melo (2013), a partir da análise das narrativas dos participantes, existe a compreensão de que, para realizar a atividade profissional em salas de aulas com alunos com NEEs, deve-se ter preparação específica. Entende-se que sem essa condição objetiva não há possibilidades para que essa realização aconteça de maneira exitosa, visto que há necessidade de fundamentos teóricos e práticos sobre o que se almeja trabalhar, para atingir os objetivos pretendidos, a inclusão escolar com qualidade.

Compreende-se que trabalhar com a diversidade de alunos em sala de aula regular não é tarefa fácil, o que evidencia a necessidade de formação contínua de professores que possam atuar em contextos escolares inclusivos. No entanto, a formação de professores necessita de interpretação diferenciada, que não seja apenas a capacidade de apropriação de teorias e de práticas para serem aplicadas em sala de aula, mas como uma necessidade formativa necessária em que se possa promover o “desenvolvimento profissional contínuo de todos os professores ao longo de toda a carreira, para que estes possam acompanhar a mudança, rever e renovar os seus próprios conhecimentos, destrezas e perspectivas sobre o bom ensino” (DAY, 2001, p. 16).

Coelho (2012), ao analisar a aprendizagem e o desenvolvimento de pessoas com deficiência e o Programa de Formação Contínua de professores na educação inclusiva, obteve como resultado que houve 76.800 vagas de cursos de especialização ou aperfeiçoamento ofertados pelo MEC entre os anos de 2007 e 2013. Ressalta-se a importância dos cursos de formação como possibilidade para o surgimento de práticas pedagógicas inclusivas para o ensino-aprendizagem de alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação incluídos na escola regular.

Na análise de Coelho (2012), evidencia-se ainda que o censo escolar de 2012 registrou 88.244 professores da Educação Básica com formação contínua em educação especial e inclusiva. Entretanto, deve-se analisar a qualidade desses cursos conforme as necessidades formativas dos professores nas diferentes etapas da Educação Básica. As formações em educação especial e inclusiva ofertadas pelos sistemas de ensino e instituições credenciadas necessitam proporcionar formas diferenciadas de interpretação acerca dos processos formativos, possibilitando reflexão crítica dos professores sobre sua prática pedagógica, sobre a atividade de ensino-aprendizagem para alunos com NEEs.

Essa assertiva possibilita o entendimento de que, antes do Século XX, não se concebia a presença de alunos com NEEs em escolas juntamente com os demais alunos e, hoje, é fato recorrente. Silva (2011, p. 26) destaca que a educação inclusiva “é um processo de inclusão de uma sociedade para e com todos” (grifos da autora). No entendimento de Silva e Facion (2012), a partir da década de 1980, os alunos com NEEs começaram a ter acesso à escola regular, pois foi possível conhecer um maior número de alunos com deficiências frequentando as escolas, mesmo que em meio turno. Isso significa que o surgimento da educação inclusiva propiciou condições de redimensionamento da educação especial, que perde seu caráter substitutivo à escolarização regular para ser uma modalidade que complementa os níveis de ensino, perpassando-os (BRASIL, 1996).

Com essas discussões sobre educação especial e inclusiva, evidenciadas nos resultados das pesquisas aqui apresentadas, entende-se que os professores investigados compreendem a inclusão escolar de alunos com NEEs como um fazer pedagógico que está relacionado à formação que os possibilitem para este fazer. Esta interpretação é salutar, visto que a educação inclusiva torna-se incipiente, pois se trata de incluir um público que outrora agrupava-se em escolas específicas, as escolas especiais, sobretudo quando se considerar a educação inclusiva como um fato irreversível (MINETTO, 2008) e que os alunos com NEEs devem ser incluídos na escola regular da Educação Infantil aos mais altos níveis de escolaridade.

É imprescindível que haja pesquisas acerca da educação especial e inclusiva na sua essência, investigando desde sua origem aos dias atuais, para se conhecer como os professores compreendem e realizam a inclusão e a atividade de ensino- aprendizagem de alunos com NEEs, na sua realidade objetiva e subjetiva. Depreende-se que, diante do que foi exposto, é necessário conhecer, também, quem são esses profissionais, o que sentem, o que pensam e como agem em relação ao processo de escolarização de alunos com NEEs, isto é, à educação inclusiva. Discussões teóricas que serão desveladas na seção a seguir.

 

 

O professor e a constituição do ser professor: uma abordagem da Psicologia Sócio-Histórica.

 

Potencializando o alcance dos objetivos almejados em um estudo científico, apreende-se que discutir teórica e metodologicamente sobre o processo de constituição das significações de professores tendo como pressupostos a Psicologia Sócio-Histórica e o Materialismo Histórico Dialético significa conceber o homem como totalidade, constituído por múltiplas determinações dos contextos sociais, históricos, culturais, entre outros. Com esse exposto, destaca-se que é na relação com os outros que o homem desenvolve-se pessoal e profissionalmente, mediado pelo uso dos signos e instrumentos (VYGOTSKI, 2007, 2009).

Considerar o homem nessa abordagem psicológica é compreendê-lo como um ser sócio-histórico, como uma pessoa que se constitui na relação dialética com o mundo. Com essa compreensão de constituição do humano e embasando-se teoricamente na Psicologia Sócio-Histórica, traz-se como contribuição para as discussões as ideias de autores como Vygotski (1997, 2009, 2010) e Leontiev (1978) por contribuírem teoricamente com as ideias apresentadas.

Como abordagem teórica para concretização deste estudo, fundamentou-se em Vygotski (2009, 2010), pois reconhece que o homem é "uma pessoa social, um agregado de relações sociais encarnado num indivíduo" (VYGOTSKI, 2009, p. 34). Ainda se recorreu às contribuições de outros autores e intérpretes dessa corrente psicológica soviética, bem como de teóricos do Materialismo Histórico Dialético, a exemplo de Marx (1984; 2010), pois orienta que se deve analisar diferentes formas de desenvolvimento humano e descobrir a conexão íntima que existe entre os fenômenos estudados. Só depois de concluído esse trabalho é que o movimento real pode ser adequadamente exposto (MARX, 1984).

Isso posto, acrescenta-se que as pesquisas cujo fundamento se amparam na abordagem da Psicologia Sócio-Histórica (VYGOTSKI, 2007; 2009) possibilitam que se compreenda acerca da constituição do ser humano, da subjetividade que se produz imerso na relação com outras pessoas, e diante das condições objetivas que se vivencia. Nesta pesquisa, foi possível reconhecer o professor como ser que pensa, sente e age nas relações dialéticas que mantêm com a realidade em que vive.

Destarte, acrescenta-se que, envolvido na realidade educacional, o professor desenvolve a sua atividade de ensino-aprendizagem em meio às adversidades da realidade social. Em determinadas épocas, as condições objetivas para o desenvolvimento dessa atividade apresentam-se como pertinentes à realidade local em que esse profissional trabalha. Já, em outras, as condições presentes o impossibilitam de realizar atividades criadoras e transformadoras de si, de seus alunos e da comunidade da qual a escola pertence.

Nessa direção, reconhece-se que as produções teóricas acerca da formação de professores que possuem uma formação inicial e que já realizam a atividade da docência consistem em desafio, pois se trata de um ser com base acadêmica, que, no entanto, necessitam estar em constante formação. Nesta conexão, reflete-se sobre quem é essa pessoa que se torna essencial na mediação do processo de escolarização dos alunos, dentre estes os alunos com NEEs, que outrora estavam excluídos, ou segregados, sem direitos sociais garantidos e, que, na atualidade existem leis que defendem direitos de acesso e de permanência, com qualidade, na escola regular.

Esse profissional, no seu processo de desenvolvimento pessoal, acadêmico e profissional, torna-se um ser histórico, social, ativo, transformador e criador de significações, o que reflete na sua realidade social, tornando-o capaz de transformar o seu entorno e, ao fazer isso, transformar-se (VIGOTSKI, 2007). Ele vive em um mundo ou em uma sociedade em transformação, e necessita relacionar-se com seus pares para compreender a cultura deixada por seus antepassados, significando-a produtivamente e a transmitindo para as gerações por vir.

 Diante de tais considerações, resgata-se que a formação de professores, torna-se condição basilar para a aprendizagem e o desenvolvimento da atividade profissional de professor. Respaldada na demanda da educação inclusiva, aborda-se a necessidade de formação contínua de professores, para que a inclusão escolar de alunos com NEEs tenha êxito. Essa formação, segundo Jesus e Effgen (2012, p. 17), torna-se relevante, porque “tem se configurado como uma possibilidade de pensar as demandas escolares e os processos de escolarização dos sujeitos que também são público-alvo da educação especial”.

Acrescenta-se a essa relevância o fato de que os cursos de formação inicial começaram a ofertar, tardiamente, disciplinas que discutem a educação especial e inclusiva (BRASIL, 2001). Os conhecimentos teóricos e práticos apreendidos, em carga horária de 60h, configuram-se como base para conhecimento e entendimento de que a inclusão escolar de alunos com NEEs faz-se presente no cenário educacional. Mas entende-se que não se configuram como suficientes para dar condições ao professor e aos futuros professores para a realização de atividades que possibilitem a efetiva inclusão de alunos com NEEs nos contextos escolares.

Mendes (2010), ao apresentar produções teóricas que discutem a formação de professores, escreve que é considerável que diferentes autores possam convergir para a necessidade de renovação do conhecimento científico e de práticas institucionais acerca dessa profissionalização. No bojo dessa análise, acrescenta-se a esse pensamento autores que são referências quando se trata de formação de professores, tais como Nóvoa (1997), que propõe um olhar acerca da profissão docente; Schön (1997), que apresenta a ideia do professor como um profissional reflexivo; Garcia (1999), que traz uma discussão que busca uma mudança educativa; e Silva (2011), que evidencia reflexões teóricas sobre a formação contínua.

Neste estudo, a compreensão acerca da formação contínua alicerça-se em Silva (2011), pois entende que a formação contínua tem, dentre outras, a finalidade de possibilitar reflexões acerca de uma formação inicial fragilizada, em seus conteúdos científicos e pedagógicos e na relação entre teoria e prática. Assertiva que corrobora para a necessidade de o professor estar buscando formações para reflexões e transformação de sua atividade profissional, conforme as demandas vigentes no campo educacional.

Chama-se a atenção para o que Pimenta e Ghedin (2012), Tardif (2010) e Freitas (2007) analisam formação contínua, conceituando-a como possibilidade de apropriação de reflexão da prática, e o aprofundamento teórico-metodológico da atividade de ser professor, que favorece a troca de experiências profissionais ampliando os conhecimentos teóricos apreendidos na formação inicial. O conceito de formação contínua definido por Garcia (1999, p. 21), provoca à compreensão de “atividade em que o professor em exercício adquire habilidades e competências para um desempenho mais eficaz das suas tarefas atuais e que o prepare para o desempenho de novas tarefas”.

Vale também registrar a compreensão de Oliveira e Santos (2014, p. 229) acerca da formação de professores em educação inclusiva como uma atividade que deve ser “amplamente discutida em todos os espaços formativos para que sejam conhecimentos adquiridos tanto na formação inicial como na contínua”. As discussões acerca da educação inclusiva necessitam de reconhecimento pelos professores, pois se trata de inserir um grupo de alunos que legalmente têm seus direitos garantidos, mas que pouco se tem feito para que esses sejam postos em prática.

Com essa interpretação, ressalta-se a importância das relações sociais para o pleno aprendizado e o desenvolvimento de todas as pessoas. E da necessidade de se apropriar dos conhecimentos sistematizados para a formação como ser individual e social, pois o que cada um torna-se nada mais é do que o reflexo refratado da sociedade na qual se está inserido (VYGOTSKI, 2007).

A formação de professores para a atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs é uma questão que apresenta complexidade, pois há dentro da escola formas diversas de atividades desenvolvidas por professores com esses alunos, a exemplo do Atendimento Educacional Especializado-AEE, realizado na Sala de Recursos Multifuncionais, e das atividades da matriz curricular, realizada na sala de aula regular (BRASIL, 2008). Esta última consiste em foco de discussão neste texto.

É nessa perspectiva e com base em Jesus (2009, p. 44) que se conceitua a formação de professores em educação inclusiva como:

 

 

A capacidade dos professores em trabalhar as necessidades educativas especiais de seus alunos numa escola inclusiva; que sejam capazes de criar ambientes educativos em que diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização, consigam participar; que contribuam com experiências de sucesso.

 

 

Os professores, na sua atividade, encontram diversidade de alunos, com culturas, ritmos de aprendizagem e história de vida que devem ser consideradas para que o processo de escolarização seja possibilitado. Conseguir criar situações que favoreçam o processo de ensino-aprendizagem frente a esse contexto é o desafio que o professor encontra, mas que nem sempre as condições objetivas e subjetivas presentes possibilitam criar essas situações.

A formação de professores em educação especial e inclusiva torna-se necessária para que esses profissionais compreendam acerca de seu desenvolvimento profissional e, ancorados nela, conheçam e reflitam acerca da demanda da educação inclusiva e sobre quais atividades devem ser realizadas para que esses alunos não sejam segregados ou excluídos na sala de aula regular.

Ao relatar resultados de sua pesquisa acerca da experiência com formação de professores para a educação inclusiva, Machado (2009, p. 96) assinalou que “a formação não dará fórmulas para a inclusão e, tampouco, soluções para as dificuldades encontradas em sala de aula”. Para Machado (2009, p. 96), a formação propiciará mudança frente ao olhar sobre o processo de ensino-aprendizagem, sendo que, para que haja essa mudança:

 

 

O professor deverá estar aberto para questionar seu modo de ensinar e de encarar a aprendizagem dos alunos. [...] essas modalidades de formação de professores do ensino regular devem ser revistas, de forma que atenda aos princípios da inclusão escolar. [...] teremos de buscar estudos que levem a uma profunda revisão das práticas pedagógicas, acompanhada de estudos teóricos inovadores e atualizados.  

 

 

Nessa condição, de questionamentos e de reflexão acerca da educação inclusiva, o professor que participa de formação contínua com a temática, realiza reflexão crítica acerca da sua atividade profissional e, notadamente, reflete com criticidade a respeito da atividade de ensino-aprendizagem a ser desenvolvida. Para tal formação propõe-se estudos pertinentes com teoria e prática inovadoras, com a finalidade de incluir o aluno com NEEs na escola regular.

 

 

Os trilhos percorridos ao alcance das atividades inclusivas no Ensino Médio

 

Os procedimentos metodológicos desenvolvidos para a concretização do referido estudo consistiram na identificação da escola, na seleção da participante e na realização das entrevistas narrativas e reflexivas. Estas entrevistas foram realizadas com a professora participante do estudo, para a coleta e registro dos dados, com fins à realização de análise e interpretação.

Face ao exposto, ao buscar um caminho possível para entender a realidade do objeto de estudo, assim como para desvelar as possíveis contradições que se encontram por trás da sua aparência, optou-se pelo método dialético. Por meio deste, é possível considerar as características peculiares do homem, da sociedade e do seu tempo, com a finalidade de contribuir para a interpretação de problemas existentes.

A pesquisa qualitativa validou o estudo, pois por meio dela busca-se interagir com os participantes, possibilitando ao entrevistado e ao entrevistador troca de informações à medida que a pesquisa seja desenvolvida. É nessa relação social que o entrevistador propõe-se a ouvir e a construir um entendimento com base nas palavras dos participantes. As relações sociais implicam um mínimo de duas pessoas permutando significados (VYGOTSKI, 2007).

Com base na abordagem qualitativa, escolheu-se o Materialismo Histórico Dialético, enquanto método que se realiza “por meio de uma atividade do homem em que se unem num todo as leis objetivas interpretadas com o fim voltado para a apreensão do objeto e a sua transformação” (KOPNIN, 1978, p. 96). Com esse método, evidencia-se as possibilidades reais para a interpretação da realidade a respeito da qual o objeto de estudo encontra-se envolvido, ou como afirma Vygotski (2007, p. 68), estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. [...] uma vez que é somente em movimento que um corpo mostra o que é”. Para o autor russo (2004), esse método possibilitou a criação de uma psicologia científica de base materialista capaz de apreender o homem em movimento: a Psicologia Sócio-Histórica. 

A compreensão acerca do Materialismo Histórico Dialético está em conformidade com o que os autores Kopnin (1978) e Castro e Lima (2012) afirmam ser um método complexo para a aplicabilidade na realidade investigada. Pode-se acrescentar que investigar determinado fenômeno social por meio da pesquisa qualitativa e tendo o Materialismo Histórico Dialético como método significa considerar que os fenômenos têm história e que, por isso, estão em constante movimento.

Para a produção dos registros dos dados para análises dos fatos narrados pela participante da pesquisa, utilizou-se como técnica a entrevista, pois depreende-se, como Mazzotti e Gewandsznajder (1999, p. 168), ao investigarem acerca da produção de conhecimento, que, “tipicamente, o investigador está interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana”. E, como instrumento para registro dos dados, as entrevistas narrativa e reflexiva.

Com a professora participante da pesquisa, de codinome Vargas4, realizou-se as entrevistas narrativa e reflexiva, com o objetivo de obter informações a respeito dos significados e sentidos que ela constitui acerca da atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs no Ensino Médio. As duas entrevistas evidenciaram como procedimentos relevantes para a análise dos registros narrados pela docente.

A escola lócus da pesquisa foi o CEMTI Projetando a Educação5, uma escola que pertence à rede pública estadual de ensino do Piauí, funcionando nos turnos da manhã e da tarde, com a última etapa da Educação Básica. A professora participante da pesquisa, Vargas, ministra aulas de História e trabalha há 15 anos na citada rede pública.

Foram utilizados, como processo de análise dos registros dos dados das entrevistas, os Núcleos de Significação, que emergem da Psicologia Sócio-Histórica, pois consubstanciam o homem como sujeito histórico e dialético, em outras palavras, o homem ao mesmo tempo transforma e é transformado na sua relação com o meio. Com base nesse processo analítico, elaborado por Aguiar e Ozella (2006), foi possível identificar as zonas de sentido produzidas pela professora Vargas no desenvolvimento da atividade de ensino-aprendizagem realizadas com alunos com NEEs.  

Chegar às zonas de sentido e revelar determinações que constituem o ser professora tornou-se possível, porque seguiu-se a linha de raciocínio de Vygotski (2008, 2009), de que toda palavra tem significado e de que “a palavra com significado é a expressão mais direta da natureza histórica da consciência humana” (2009, p. 486). O procedimento metodológico, Núcleo de Significação, justifica-se, pois permitiu apreender, por meio da análise das narrativas docente, o movimento dialético que constituiu o processo de significação da atividade de ensino-aprendizagem pela participante.

 Segundo Aguiar, Soares e Machado (2015) e Aguiar e Ozella (2006), os Núcleos de Significação consistem em uma proposta de análise que parte dos significados das palavras, visto que essas, por meio da escrita ou da fala, no contexto da narrativa, produzem o significado social e o sentido subjetivo do que o entrevistado fala e pensa, representando o processo sócio-histórico no qual o indivíduo está inserido. Para se chegar a essa análise, isto é, aos Núcleos de significação, e para se compreender as zonas de sentido que a professora constituiu sobre a atividade de ensino-aprendizagem para alunos com NEEs  fez-se necessário a identificação de três etapas: os pré-indicadores, identificados por meio da leitura do material produzido nas narrativas e considerados relevantes para o alcance do objetivo do estudo; os indicadores, em que se aglutinam os pré-indicadores, tendo por base os critérios de similaridade, complementaridade e contraposição; e, os núcleos de significação, que consistem na articulação dos indicadores para chegar às zonas de sentido produzidas pela participante.

Explicando melhor, para se analisar um fenômeno tendo por base os Núcleos de significação deve-se iniciar pela identificação dos pré-indicadores. Para Aguiar e Ozella (2006, p. 230), os pré-indicadores “são em grande número e irão compor um quadro amplo de possibilidades para organização dos Núcleos”. Delineia-se que para a realização desta etapa, considerou-se, no corpus empírico das duas entrevistas (narrativa e reflexiva), as palavras, as frases ou expressões6 que se destacaram e que carregavam sentimentos, emoções, da totalidade do ser a professora Vargas. Para viabilizar a identificação dos pré-indicadores, os objetivos específicos e a questão norteadora da pesquisa foram essenciais na condução da leitura das narrativas. Apresentam-se os pré-indicadores produzidos por Vargas:

 

 

Os professores daqui, eles têm essa, quando eles pegam um aluno especial, eles não vão olhar uma prova desses alunos com o mesmo rigor técnico. Eles vão dizer assim: “Ah, esse aluno é especial, ele tem essa dificuldade, se ele conseguiu escrever isso, parabéns, já é um proveito, vale muito mais do que um que fez uma redação de 20 linhas”.[...]... é um olhar caridoso? É, mas se eu for pegar o mesmo rigor técnico que eu vou ter que aplicar com os outros alunos que não são especiais, estou sendo injusta, né? Para mim, ele transcrever exatamente aquele momento do que tem a ver com a minha pergunta, eu considero... e não tenho vergonha de dizer que eu estou considerando isso. (Entrevista Narrativa).

 

Eu direcionei a formação de grupos nas salas em que têm alunos com NEEs em todas as séries em que já trabalhei. Mas visando, especificamente, a aprendizagem deles, pois com salas com mais de 40 alunos, tenho que criar estratégia que os favoreçam. Uso e usei essa metodologia... Não deixei eles livres para se organizarem, como eu faço nas outras turmas que não têm alunos com NEEs. Nesta sala que elaboramos a revista, [referindo-se ao 3º ano do Ensino Médio], não! Eu já fui limitando para não acontecer... Que também a gente sabe que quando é um trabalho, assim, de pesquisa, confecção, algo do tipo, eles não querem ficar com aquele aluno que já tem dificuldades, para evitar também que digam: “- Esse aqui eu não quero”. Eu já determino a organização do grupo. (Entrevista Reflexiva).

 

 

A partir desse primeiro movimento analítico, em que se evidenciam os pré-indicadores, partiu-se para segunda etapa, que consistiu na identificação dos indicadores. Para esta identificação, aglutinou-se os pré-indicadores, considerando-se os critérios de similaridade, complementaridade e contraposição entre palavras e/ou frases. Nessa etapa, elaborou-se três grupos de indicadores, a saber: 1º “Ingresso e desenvolvimento profissional mediado pelo gostar de sala de aula”; 2º “O jogo de cintura da professora para incluir alunos com NEEs: enfrentamento das condições objetivas e subjetivas como possibilidades para a educação inclusiva; e, 3º “Meu mundo caiu! As significações de educação inclusiva mediando às motivações de ser professora de alunos com NEEs”7, conforme Quadro 1:

 

Quadro 01 – Aglutinação dos Indicadores e nomeação dos Núcleos de Significação

INDICADORES

 NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO

 

·         Ingresso e desenvolvimento histórico na atividade docente.

·         Expectativas quanto ao futuro profissional: ser professorada área da Radiologia

 

·         Ingresso e desenvolvimento profissional mediado pelo gostar de sala de aula.

·         Enfretamento de desafios da atividade de ensino-aprendizagem para a educação inclusiva de alunos com NEEs na escola regular e para além das questões educacionais.

·         O “jogo de cintura” da professora mediando a criação de estratégias de ensino-aprendizagem que favorecem a inclusão de alunos com NEES tarefas escolares.

·         Os projetos como estratégias potencializadoras para a inclusão dos alunos com NEEs nas tarefas escolares.

·         A professora passa a ter uma visão diferenciada em relação aos alunos com NEEs por meio de sua experiência com a educação inclusiva.

·         Atividades com projetos e cursos mediando o ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares e superação de problemas sócioeconômico.

·         A professora chocando alunos com o assunto da matéria e tornando-os protagonista do seu aprendizado.

·         Surpresa e angústia ao tomar conhecimento de alunos com NEEs na sala de aula.

·         Frustração e angústia quanto ao futuro acadêmico e profissional de alunos com NEEs diante da realidade da educação inclusiva oferecida pelo sistema público de ensino.

·         Expectativas em relação ao futuro acadêmico e profissional de alunos com NEEs: ingresso no Ensino Superior e no mercado de trabalho.

·         Insatisfação com a educação inclusiva e aceitação da inclusão social.

·         Frustração com os cursos de formação contínua em educação inclusiva: faltam questões específicas do Ensino Médio para o ensino-aprendizagem de alunos com NEEs.

·         O significado social de educação inclusiva permitindo o olhar caridoso do professor.

·          

 

 

 

 

 

·         O “jogo de cintura” da professora para incluir alunos com NEEs: enfrentamento das condições objetivas e subjetivas como possibilidades para a educação inclusiva na escola regular.

 

·         Meu mundo caiu! As significações de educação inclusiva mediando as motivações de ser professora de alunos com NEEs.

 

 

Fonte: Produção da autora em colaboração com os membros do NEPSH.

 

Para delinear o objetivo deste artigo, dar-se ênfase ao 2º Núcleo de Significação, “O jogo de cintura da professora para incluir alunos com NEEs: enfrentamento das condições objetivas e subjetivas como possibilidades para a educação inclusiva na escola regular”, que foi constituído da articulação de cinco indicadores, como anunciado no quadro 1. Neste Núcleo, o processo analítico que se ressalta é o indicador o “jogo de cintura” da professora mediando a criação de estratégias de ensino-aprendizagem que favorecem a inclusão de alunos com NEEs nas tarefas escolares, por contemplar o objetivo almejado nesse estudo.

Vargas, ao produzir significações acerca da atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs na escola regular, afirma que realiza um jogo de cintura8 para que eles sejam incluídos. Entende-se que essa produção manifesta necessidades para que essa atividade aconteça o mais próximo do necessário, isto é, para que haja aprendizagem significativa por parte desses alunos, e para que as condições objetivas para a educação inclusiva sejam favoráveis ao seu desenvolvimento no âmbito educacional. Assim, esses alunos teriam possibilidades para se sentirem pertencentes ao processo de escolarização.

Ao refletir sobre como fazer para que os alunos com NEEs participem e se envolvam nas atividades escolares, Vargas narra:

 

 

Claro que temos várias limitações, especificamente na falta de formação e de recursos. Mas, na medida do possível, a gente tenta colocá-los dentro das atividades que são propostas para a série e para a escola. Incluindo eles nas apresentações em pátio, em pesquisa de campo, em todas, eles estão incluídos.

 

 

Vargas concebe que, para a realização da educação inclusiva, o professor precisa criar estratégias de maneira a colocá-los dentro das atividades que são propostas para o ano em que o aluno estuda e pela escola. O sentido construído pela docente, no que se refere à educação inclusiva, corrobora a explicação dos autores Silva e Facion (2012, p. 182), os quais defendem que é por meio da educação inclusiva que os alunos com NEEs passam a ter acesso à escola regular e que, dessa forma, há possibilidades para que se busque “repensar categorias, representações e determinados rótulos que enfatizam os déficits em detrimento das potencialidades dos educandos”.

Com essa interpretação, evidencia-se que Vargas, ao criar estratégias para a educação inclusiva, a significa como jogo de cintura, pois se propõe a fazer com que os alunos com NEEs sejam envolvidos e participem das atividades realizadas na sala de aula e na escola. Ela entende que tais estudantes têm capacidades para a aprendizagem e o desenvolvimento em contextos escolares inclusivos. Ao afirmar tenho que criar estratégias que favoreçam a aprendizagem deles, a professora revela o sentido de que esses alunos, conforme as especificidades que apresentam (deficiências, transtornos) necessitam que haja criatividade por parte dos profissionais da educação para que eles consigam ser incluídos.

Nessa produção de sentido de Vargas, de que o professor deve ser criativo para incluir os alunos na atividade de ensino-aprendizagem, ela apresenta uma das estratégias que realiza para demonstrar que está falando de inclusão:

 

Faço rodízio entre os meninos e digo: “Olha, você hoje vai auxiliar esse aluno [referindo-se ao aluno com deficiência intelectual] pra fazer essa atividade, para fazer determinadas pesquisas”. Eu não vou colocar um aluno com NEEs junto com outro que tem necessidades especiais. Como professora, é até antiético eu te falar, mas a gente percebe aquele aluno que tem mais facilidade para a aprendizagem e aqueles alunos que têm dificuldades. E quando a gente põe para realizar trabalho de grupo, geralmente os alunos querem fazer esse trabalho com as pessoas que eles já têm aquele convívio maior e muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, formam grupos que estão dentro do mesmo nível de aprendizagem.

 

 

Esse é um dos modos de pensar, de sentir e de agir da professora para que o aluno com NEEs se sinta incluído, possa interagir com os demais colegas de sala de aula e não seja segregado ou mesmo excluído das atividades realizadas. Esse sentido produzido por Vargas remete à concepção de Aranha (1995, p. 75) de que “fator mais importante é ter coragem para fazer o que é certo, apesar dos desafios e das barreiras que surgem”.

Sobre esse jogo de cintura para que alunos com e sem NEEs tenham interação diante da educação inclusiva, Vargas acrescenta:

 

 

Se eu vejo que aquele aluno com necessidade educativa especial está inserido num grupo que já vai ter dificuldade de realizar aquela atividade de pesquisa... [...] eu já procurei inseri-lo em outro grupo. E aí, onde eu entro...

 

 

E é nesse movimento que ela vem realizando sua atividade de ensino- aprendizagem de modo que seus alunos estejam incluídos.

Vargas significa sua atividade de ensino-aprendizagem na educação inclusiva mediada pelo jogo de cintura que realiza na escola de modo que os alunos com NEEs não sejam segregados, mas que possam envolver-se e participar em todas as atividades desenvolvidas pela escola.

 

 

Considerações finais

 

A realização deste texto surgiu por meio de vivência profissional da pesquisadora, motivada para analisar os significados e os sentidos constituídos por uma professora de Ensino Médio acerca da atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs. Neste movimento, propõe-se oportunizar a interpretação das significações da professora Vargas acerca da atividade de ensino-aprendizagem, realizadas com alunos da educação especial incluídos na escola de Ensino Médio.

Para o desenvolvimento deste estudo, tem-se como base a compreensão de que o homem constitui-se cultural e historicamente. Ressalta-se, assim, a importância das relações sociais na produção das significações de Vargas. As condições objetivas e subjetivas que ela vivencia na sua atividade profissional com a educação inclusiva foram basilares para a análise das zonas de sentido constituídas por ela a respeito dos objetivos que se almejava alcançar.

Com a finalidade de apreender a essência do objeto estudado, ou seja, de desvelar as relações que constituíam esse objeto, assim como as múltiplas determinações que faziam de Vargas uma professora inclusiva, e no processo de apreensão das suas significações, o direcionamento foi pautado nos pressupostos teóricos e metodológicos do Materialismo Histórico Dialético e da Psicologia Sócio-Histórica.

Compreende-se, após análises dos registros narrados pela participante: os resultados apreendidos demonstraram que Vargas revela que para fazer com os alunos com NEEs sejam incluídos nas atividades de ensino-aprendizagem na escola de Ensino Médio, ela faz jogo de cintura a fim de que eles não se sintam excluídos ou segregados das atividades escolares. Nesse movimento, revela-se o modo de ser professora no desenvolvimento da sua atividade profissional, que é mediado dialeticamente pelas condições objetivas e subjetivas que ela encontra e produz no exercício de sua atividade profissional.

Ademais, mesmo encontrando dificuldades para a atividade de ensino-aprendizagem de alunos com NEEs no Ensino Médio, Vargas demonstrou que, após receber esses alunos em sala de aula, sente-se afetada com a educação inclusiva e propõe-se a realizar jogo de cintura, isto é, usar da criatividade para que eles sejam incluídos nos processos de formação, de aprendizagem e de desenvolvimento social.

 

 

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Notas

 

1 Neste estudo, consideram-se alunos com NEEs aqueles com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, conforme Lei Federal 12. 796, de 4 de abril de 2013.

 

2 Tese desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGEd da Universidade Federal do Piauí, no ano de 2016. Linha de Pesquisa: Formação docente e prática educativa.

 

3 Ao longo do texto há referências antigas/clássicos. Estas podem ser explicadas pela necessidade de buscar na fonte a epistemologia demandada pelo estudo em questão.

 

4  Nome fictício denominado pela pesquisadora autorizado pela professora participante da pesquisa.

 

5 Nome fictício, para zelar pela identidade da escola.

 

6 Essas palavras, frases ou expressões são apresentadas em negrito, pois, se destacam e carregam sentimentos, emoções e afetos da totalidade do ser a professora Vargas.

 

7 Para compreensão mais aprofundada sobre o movimento analítico em tela sugere-se a leitura da seção 6, intitulada Processo de constituição da análise das entrevistas realizadas com a professora, na tese: MEU MUNDO CAIU! As Significações de uma Professora de Ensino Médio acerca da Atividade de Ensino Aprendizagem de Alunos com Necessidades Educativas Especiais. Disponível em:  http://leg.ufpi.br/ppged2/index/pagina/id/8403.

 

8 Metáfora que utiliza para descrever que usa de sua criatividade, frente às condições objetivas e subjetivas que encontra, para incluir os alunos com NEEs nas atividades de sala de aula e da escola.

 

 

Correspondência

 

Marcia Raika e Silva LimaRua 13 de maio, 3473, Tabuleta, CEP: 64018-285, Teresina, Piauí, Brasil.