Conselhos Escolares na Rede Estadual do Rio de Janeiro: participação ou participacionismo?

School Councils in the state network of Rio de Janeiro: participation or participationism?

 

* Janaina Moreira de Oliveira Goulart

Doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

janaigtmetro5@gmail.com — https://orcid.org/0000-0002-9218-9933

 

** Daniela Patti do Amaral

Professora Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

danielapatti.ufrj@gmail.com

 

Recebido em 09 de fevereiro de 2019

Aprovado em 21 de maio de 2019

Publicado em 15 de julho de 2019

 

RESUMO

A presente discussão se propõe a refletir sobre a participação, na perspectiva da gestão democrática, dos membros dos conselhos escolares no âmbito da rede estadual do Rio Janeiro, partindo das análises dos textos produzidos pela Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC/RJ) e dos contextos que influenciaram a instituição dos organismos colegiados nesta rede. O artigo apresenta um debate sobre o cenário em que foram instituídos os conselhos escolares nas escolas estaduais e, para tanto, analisou-se os textos oficiais que tratam das competências dos membros do órgão. Sublinha-se a ausência do caráter deliberativo deste colegiado conforme determinado pela legislação que o regulamentou. A discussão traz elementos para a reflexão da transformação social por meio da participação dos sujeitos, propondo um processo dialógico e participativo que não dependam exclusivamente de leis, mas que, sobretudo, estejam articulados com os propósitos de se concretizar os ideais de uma sociedade mais justa, partindo de relações mais horizontais. Acreditamos que a ausência do caráter deliberativo poderá interferir nas estratégias de uma gestão democrática, levando a crer que descaracteriza a concepção de participação no seu sentido mais amplo, dando lugar a uma forma mais semelhante de participacionismo. Palavras-chave: Gestão democrática; Conselhos escolares; Participação.

 

ABSTRACT

The present discussion proposes to reflect on the participation, in the perspective of democratic management, of the members of the school councils within the Rio Janeiro state network, based on the analysis of the texts produced by the State Secretariat of Education (SEEDUC/RJ) and the contexts that influenced the institution of the school councils in this network. The article presents a debate about the setting in which the school councils were instituted in the state schools and, for that, the official texts that deal with the competences of the members of the organ were analyzed. The absence of the deliberative character of this collegiate is emphasized as determined by the legislation that regulated it. The discussion brings elements for the reflection of social transformation through the participation of the subjects, proposing a dialogical and participatory process that does not depend exclusively on laws, but which, above all, is articulated with the purpose of realizing the ideals of a more just society, starting from more horizontal relations. We believe that the absence of deliberative character may interfere with the strategies of democratic management, leading to the belief that it de-characterizes the conception of participation in its broadest sense, giving rise to a more similar form of participationism.

Keywords: Democratic management; School councils; Participation.

 

Introdução

[...]São vidas que alimentam nosso fogo da esperança
O grito da batalha
Quem espera, nunca alcança[...]

Gonzaguinha,1980.

 

Ao completar trinta anos de sua promulgação, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) definiu a gestão democrática no âmbito das escolas públicas brasileiras como um princípio. Tal ordenamento ratifica o ideal de Estado Democrático de Direito, assegurando a participação popular, provocando uma horizontalização das relações e a partilha do poder. Era iminente a necessidade de debater, fomentar e estabelecer dispositivos legais, seguido de estratégias, voltados para que a gestão democrática pudesse ser legitimada e vivenciada pelos sujeitos no âmbito da escola pública.

O bojo destas necessidades pode ser compreendido à luz da epígrafe utilizada neste artigo, dado que a espera por uma democracia ideal – se é que ela existe - é ato minimamente ingênuo. Exemplo disto temos o período da promulgação da Carta Magna representando o marco da redemocratização no país, o que nos impulsiona a concluir que as ‘intercorrências políticas’ até àquele momento ocasionaram uma espécie de esporadicidade democrática.  Requer a reflexão de que um regime político posto não significa regime político vivido. A consolidação da democracia se processa nas vidas que se alimentam de fogo de esperança e, que, sobretudo, não esperam.

A LDB (BRASIL, 1996) confirmou o princípio de gestão democrática do ensino público e, em 2014, o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) dedicou a meta 19 à gestão democrática ao determinar que sejam asseguradas condições, no prazo de dois anos, para sua efetivação com a participação da comunidade. Compreendemos que a democracia está intimamente vinculada à participação, “são conceitos entrelaçados” (UGARTE, 2004, p.95). E, nesse sentido, rever a concepção sobre participação torna-se primordial a fim de que o ideal de uma gestão democrática não seja apenas letra morta descomprometida com a prática. Desse pensamento coaduna Lima (1998a), quando argumenta sobre a democracia participativa e afirma que

É por este facto que só no contexto da teoria da democracia como participação encontramos a verdadeira importância da problemática da participação, agora transformada em questão central e mesmo em condição indispensável para a realização da democracia. (LIMA, 1998a, p.97)

Nesse sentido, o presente artigo se propõe a refletir sobre a participação, na perspectiva da gestão democrática, dos membros dos conselhos escolares no âmbito da rede estadual do Rio Janeiro, partindo das análises dos textos produzidos pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) e dos contextos que influenciaram a instituição dos Conselhos Escolares nesta rede.

A metodologia bibliográfica e documental utilizada para a escrita se debruça prioritariamente sobre os textos normativos acerca dos conselhos escolares do estado do Rio de Janeiro. Os autores foram trazidos para este diálogo apresentam ideias referentes à democracia, participação, colegialidade e gestão democrática. No entanto, é importante destacar que o ciclo de políticas proposto por Bowe, Ball & Gold (1992) e Ball (1994) constitui-se neste trabalho como ferramenta epistemetodológica, uma vez que pretendemos analisar não só a gestão democrática no que concerne à participação e à colegialidade a partir dos Conselhos Escolares, mas também discutimos como os contextos de influência e produção de texto se apresentam e elucidam como ocorre o processo de instituição do organismo colegiado na rede de ensino.

 Nossa escolha também se justifica pelo fato de que esta forma cíclica admite aninhamentos uma vez que o desenho dos contextos de influência, produção de texto e de prática cunhados pelos autores desconstrói a ideia de que os acontecimentos se dão sob o viés de uma ordem linear. Sendo assim, conseguimos trazer um adensamento para o debate sobre a cena política, dado que a não-linearidade é algo inerente das relações entre os sujeitos.

Também apresentamos os aspectos concernentes à desconcentração e descentralização sob a ótica de Antunes (2002) propondo a ideia de pensarmos o lugar dos Conselhos Escolares na gestão da/na escola. Nesta mesma parte, discutimos sobre o participacionismo e também fundamentamos a utilização deste termo empregado por Tragtenberg (2005) a fim de justificarmos o ponto fulcral do nosso argumento para esta escrita: prescritibilidade dos textos oficiais escritos pela SEEDUC/RJ para a normatização dos referidos organismos colegiados.       

Por fim, nossas considerações ainda não finais se ancoram na premissa de que estamos tratando da política e da cena democrática como se a olhássemos através de um caleidoscópio. Nele, vemos diversidade, tempos e movimentos diferenciados e coadunados, ora pelos interesses de uma maioria, ora pelos interesses de pequenos grupos. Nesse sentido, quando tratamos de democracia, especificamente no Brasil, precisamos compreendê-la nos seus espasmos (MENDONÇA, 2001) e como um processo que está sendo vivido, revivido e ressignificado pelos sujeitos.

Além desta introdução, o artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, apresentamos o debate sobre os limites e as perspectivas da participação dos usuários na escola pública. Na segunda parte, damos destaque à rede de educação do estado do Rio de Janeiro e a regulamentação dos conselhos escolares. Na terceira parte trazemos para o debate as tensões sobre desconcentração e descentralização em relação à face da gestão democrática para os conselhos escolares e, por fim, tecemos considerações que nos permitirão dar continuidade à reflexão sobre participação nos conselhos escolares como elemento constituinte da gestão democrática.

Participação decretada ou construída?

A base legal para a instituição dos Conselhos emerge da Lei de Diretrizes e Bases No 9.394 (BRASIL, 1996). Mas, uma vez dotados de autonomia para legislarem em torno da matéria, nem todos os estados e municípios adotaram imediatamente a orientação. A Portaria Ministerial n. 2896/2004 (BRASIL, 2004) instituiu o Programa de Fortalecimento dos conselhos escolares em âmbito nacional definindo esses colegiados com funções de mobilização, fiscalização, consulta e deliberação no que se refere aos aspectos administrativos e pedagógicos das escolas públicas. Estes organismos se apresentam como um importante caminho para a descentralização de ações da/na gestão escolar.

A escola, enquanto instituição historicamente estruturada de maneira hierárquica, ainda segue os rígidos padrões patrimonialistas de gestão. Sobre isto, Lima (2017) afirma que a escola foi pensada para a educação das elites, educação, que segundo o autor, seria para alguns e não para todos. Logo, a ideia de democracia para escola poderia ser interpretada como um paradoxo. Paradoxo a ser vencido, mas, ainda assim, muito latente na atualidade, dada ao tempo em que a escola se tornou espaço fundamental de socialização dos saberes, de formação e educação das massas[i], disponível 200 dias por ano e obrigatória às crianças e jovens de 4 a 17 anos (BRASIL, 2013).

Estabelecida como espaço de acesso e permanência obrigatórios e ampliada para todos, a escola brasileira ruma, agora, para uma gestão democrática induzida por força de lei. No entanto, a criação de espaços e tempos democráticos na escola não deve ser considerada como garantidora de participação e de uma gestão democrática. A presença na legislação de seleção de diretores com consulta à comunidade, criação e fortalecimento de conselhos escolares e grêmios estudantis (BRASIL, 1996 e 2014), são passos importantes para um chamamento dos usuários e destinatários da escola à participação. No entanto, o movimento desses colegiados, o direito à fala e a escuta, a participação de todos os segmentos da escola tendo o bem comum como finalidade irão ser construídos por todos aqueles que frequentam a escola e que escolheram nela trabalhar.

No contexto de pensar sobre um desses espaços de democracia e participação na escola pública do Rio de Janeiro, apresentamos, a seguir, os percursos legais que instituíram esse colegiado no estado fluminense.

A rede de educação fluminense e os conselhos escolares

 Na rede estadual do Rio de Janeiro, os Conselhos Escolares foram instituídos através do Decreto 44.773 (RIO DE JANEIRO, 2014), porém, a base legal para a sua criação está expressa na Constituição do Estado (RIO DE JANEIRO, 1989). E, decorrente da escrita do constituinte, a Lei 2.838 (RIO DE JANEIRO, 1997) regulamentou a criação do referido organismo colegiado.

 Posteriormente, a Resolução n. 5.109 (RIO DE JANEIRO, 2014a) estabeleceu, dentre outros aspectos, as competências dos membros do conselho escolar da rede estadual. Este último, elemento cerne deste debate, nos leva a crer que o contexto de influência que trouxe à tona a discussão sobre os conselhos escolares na voz dos profissionais da educação daquele estado acabou por despertar a legislação que já se encontrava regulamentada desde 1997. Uma espécie de déjà vu legislativo, fenômeno que faz parecer que as políticas não emergem com grandes e consubstanciais transformações, mas que se submetem a pequenas mudanças, ajustes, partindo dos interesses de determinados grupos – sejam eles dominantes ou não.

Sob a lógica de Ball (1993), as políticas podem ser apresentadas como textos e também como discursos. E, para ambos os casos, promoverão processos e consequentes resultados, uma vez que os autores dos textos não possuem controle sobre as interpretações decorrentes de suas escritas, que por sua vez, são produtos de compromissos e acordos nos mais diferentes tempos e movimentos da cena política. Os textos e os discursos mudam e mudam os seus sentidos a cada mudança de arena e, para cada uma delas, há um olho da política que pode ser entendido como algo que precisa ser posto em relevo, dado os interesses e as partes interessadas que se apresentam para o debate (BALL, MAGUIRE, BRAUN, 2016).

A questão dos Conselhos Escolares na rede estadual do Rio de Janeiro tornou-se um dos assuntos da pauta do movimento de greve dos profissionais da educação daquele estado, através do Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE). A greve iniciada em agosto de 2014 perdurou até outubro, quando o litígio entre SEPE/RJ e SEEDUC/RJ foi submetido à mediação do Supremo Tribunal Federal (STF), arrolado Medida Cautelar na Reclamação número 16.535/RJ (BRASIL, 2013), tendo como o relator da matéria o ministro Luiz Fux. Para efeitos de resolução do conflito estabelecido entre a Secretaria e o Sindicato naquele momento e visando o fim da greve, ficou definido que a SEEDUC publicaria o ato de criação (Decreto ou Lei) normatizando os conselhos escolares na rede no prazo de 90 dias a partir da data daquela reunião, se comprometendo a implementar tais organismos colegiados no prazo de um ano a contar da data de publicação do aludido ato criador (STF, 2013).

Seis meses depois, em 06 de maio de 2014, o governador do estado assinou o Decreto nº 44.773 (RIO DE JANEIRO, 2014) criando os Conselhos Escolares nos estabelecimentos de ensino do estado do Rio de Janeiro com as funções consultiva, propositiva, mobilizadora e fiscalizadora, porém, não deliberativa. Este aspecto vai negligenciar o que se encontra previsto no Caderno 1 produzido pelo MEC que determina a função deliberativa destes Conselhos que se pauta nas decisões

sobre o projeto político-pedagógico e outros assuntos da escola, aprovam encaminhamentos de problemas, garantem a elaboração de normas internas e o cumprimento das normas dos sistemas de ensino e decidem sobre a organização e o funcionamento geral das escolas, propondo à direção as ações a serem desenvolvidas. Elaboram normas internas da escola sobre questões referentes ao seu funcionamento nos aspectos pedagógico, administrativo ou financeiro. (BRASIL, 2004a, p.41)

Destacamos que a ausência da função deliberativa esvazia em poder o colegiado tendo em vista a impossibilidade dos conselhos escolares se firmarem como espaço decisório garantidor das decisões tomadas pelo coletivo. Se o conselho escolar é entendido como espaço decisório, como explicar que as pessoas que ali decidem podem não terem essas decisões na cena da escola, seja pela negação da sua autonomia, seja pelo ato discricionário de um gestor?

Ainda no artigo 5º do Decreto 44.773, ficou estabelecido que caberia à Secretaria de Educação regulamentar, por meio de Resolução, o funcionamento dos Conselhos Escolares o que ocorreu no dia 30 daquele mesmo mês e ano. A Portaria SEEDUC/SUGEN nº 485 (RIO DE JANEIRO, 2014b) estabeleceu procedimentos para a realização da consulta à comunidade escolar para a escolha dos membros, assim como no anexo I do referido documento ficou definido em quais Unidades Escolares se realizariam a consulta. Fato que contrariou o princípio de isonomia e contradiz o texto do próprio Decreto, assinado pelo governador. Prevista para ocorrer no último quadrimestre de 2014, a consulta entrou em cena em 144 escolas estaduais, representando, à época, pouco mais de 10% do total de escolas do estado. Apenas em maio de 2015, através da normatização da Portaria SEEDUC/SUGEN nº 529 (RIO DE JANEIRO, 2015) que todas as escolas da rede passaram a contar com o conselho escolar instituído.

            De acordo com a legislação da SEEDUC (RIO DE JANEIRO, 2014a), o Conselho Escolar é um organismo colegiado com funções previamente estabelecidas e aqui já mencionadas (Art.3º da Resolução). Segundo a mesma Resolução, são considerados membros da Comunidade Escolar:

I- os servidores membros do magistério público lotados na unidade escolar, onde o conjunto destes servidores é denominado segmento professor;

II- os servidores membros do quadro administrativo educacional da

SEEDUC lotados na unidade escolar, onde o conjunto destes servidores é denominado segmento funcionários administrativos;

III- alunos efetivamente matriculados na unidade escolar, onde o conjunto dos alunos é denominado segmento aluno;

IV- pais ou responsáveis de alunos efetivamente matriculados na unidade escolar, onde o conjunto deles é denominado segmento responsáveis.(RIO DE JANEIRO, 2014a).

Nesse cenário de participação, indagamos para que serve um Conselho Escolar na escola? O que fazem estas pessoas pela escola? De que maneira isso pode melhorar a escola, a sala de aula, os processos de ensino e de aprendizagem? De que forma a atuação dos Conselhos Escolares pode assegurar a gestão democrática[ii] da/na escola? É nesse sentido que discutimos a prescritibilidade das normativas impostas pela Secretaria e a ausência do caráter deliberativo do Conselho Escolar nos textos oficiais daquela Secretaria.

Os questionamentos aparecem justamente para demarcar a pertinência de refletirmos sobre a forma com que estes atores participam desta engrenagem tão importante para a gestão democrática. Além disso, outra ponderação se faz necessária: a forma como as informações chegam até estes sujeitos e como que suas respectivas atuações se dão no campo de uma efetiva reflexão-ação e não apenas como meros figurantes da cena.

Trata-se de refletir sobre coletividade e as possíveis interpretações decorrentes acerca da perspectiva da participação. Cabe discutir, de forma horizontal, sobre um espaço que é coletivo - com e para os coletivos. Um espaço que é de todos e para todos, mas em que o debate, as ambiguidades, incertezas e discordâncias por vezes são mal vistos e interpretados e, diante do conflito, as saídas geralmente residem no silenciamento, na concordância e no abandono da ideia de coletivo. Trata-se, também, de conceber a participação e a colegialidade como parte integrante do processo de ensino e de aprendizagem, visto que o exercício da participação que aqui estamos a discutir, não tem a ver com um modelo prescrito por currículos, normas ou ditames. É um caminho para também conceber a escola como lócus de cooperação, redes colaborativas, lugar de estar e de ser.

A cena política na qual os Conselhos Escolares são instituídos na rede escolar fluminense também pode ser compreendida na perspectiva do ciclo de políticas proposto por Bowe, Ball & Gold (1992). A continuidade da política no entendimento dos autores se entrecruza e não obedece uma sequência ou tempos pré-estabelecidos. Os contextos da influência, da prática e da produção de texto se configuram e se reconfiguram de acordo com os movimentos realizados pelos sujeitos e as circunstâncias das cenas políticas. Se apresentam com diferentes arenas, lugares e grupos de interesses que se envolvem em disputas e embates, a partir do seu lugar de fala e atuação.

Desta forma, podemos depreender que o contexto de influência para a instituição dos Conselhos Escolares se deu a partir do movimento dos profissionais da educação, apontando para a necessidade deste colegiado na gestão mais democrática da/na escola, implicando a gestão educacional na elaboração de políticas que viessem ao encontro dos anseios apresentados. Logo, os profissionais da educação se constituíram em contexto de influência bem como em contexto da prática da política por se fazerem presentes na escola, diariamente, colocando em cena a política de instituição dos conselhos escolares.

Os organismos colegiados ocupam preponderante papel no que tange à demarcação de um território que, por natureza da sua existência, exige, ainda que de forma tímida, certa prestação de contas dos assuntos de interesse coletivo. Não se trata de um accountability no sentido literal, porém, tem a ver com o papel representativo dos coletivos da/na escola que os conselhos escolares exercem. Portanto, é salutar questionar com qual frequência e com que arcabouço de informações os atores pertencentes a este colegiado se posicionam no jogo democrático.

Destarte, torna-se pertinente apresentar e analisar as diferenças existentes entre desconcentração e descentralização, estabelecendo uma costura com as funções dos Conselhos Escolares e as correlações e relevâncias para a gestão democrática. Estas análises contribuem para embasar as críticas aqui expostas acerca da prescritibilidade dos textos oficiais escritos pela SEEDUC/RJ para a normatização dos referidos organismos colegiados.

Desconcentração x descentralização: qual face da gestão democrática para os conselhos escolares?

Arruda (2014) ressalta que pensar historicamente o papel político dos conselhos na administração pública brasileira nos ajuda a compreender as contradições e os desafios postos aos conselhos escolares contemporâneos e à gestão democrática. A autora destaca que estes não operam no vácuo, eles são frutos da sociedade brasileira e dialogam com o amadurecimento de nosso processo democrático.

Diante disto, é pertinente pensar para qual face da gestão democrática na escola e para a escola os conselhos escolares estariam a serviço. Pensando no seu papel político e descentralizador, demandando, deliberando, estabelecendo conexões e interdependência com outros organismos colegiados ou se estaria mais voltado para um modelo burocrático, cartorial, configurando-se como componente ilustrativo em um desenho de desconcentração da gestão. Em relação à descentralização, cabe ressaltar que o papel deliberativo de um conselho escolar legitima seu caráter político, autônomo e democrático. Também reafirma a sua identidade ativa e política no contexto das relações de horizontalidade na cena democrática da/na escola pública.

A horizontalidade da gestão se assemelha mais ao modelo de descentralização, uma vez que implica, sobretudo, na partilha do poder e das decisões tomadas. Cabe ressaltar que Arruda (2014, p.118) chama atenção para a cena contemporânea que amálgama os conselhos escolares quando afirma que “[...] os conselhos chegam à contemporaneidade trazendo em si uma contradição – sua origem que os vincula como expressão de fortalecimento do poder de um grupo social –, e sua posterior incorporação, pela esquerda, como forma de organização popular”.

Diante disso, a descentralização pode ser entendida como uma espécie de imunização aos grupos de interesses que se serviam deste caráter para fortalecer seus pares, defender interesses nem sempre voltados para o coletivo, e, consequentemente, não discutidos em prol de um bem de todos. No cenário atual, o binômio descentralização-desconcentração aponta para nuances semelhantes aos interesses subjetivos daquele momento mencionado pela autora. Sob a definição de Antunes (2002, pp.96-97), apresentamos no quadro 1 uma proposta comparativa entre desconcentração e descentralização.

 

Quadro 1: Comparativo entre Desconcentração e Descentralização

 

DESCONCENTRAÇÃO

DESCENTRALIZAÇÃO

Mudanças que levam em conta uma dispersão físico-territorial das agências governamentais que até então estavam localizadas centralmente e maior divisão de tarefas.

Não significa só dispersão físico-territorial das agências governamentais, ou maior divisão de tarefas, mas descentralização (divisão/distribuição) do poder.

Não ameaça as estruturas administrativas consolidadas.

Envolve profunda modificação nas estruturas administrativas.

Continua a subordinação política, técnica e financeira de estados e municípios diante do governo federal.

Implica transferência de poderes do nível central para o nível local.

Reparte encargos e serviços e delega funções.

Reparte opções e decisões, reconhece direitos e atribui responsabilidades.

É um processo cujo objetivo é assegurar a eficiência do poder central, refletindo um movimento “de cima para baixo”.

É um processo que procura assegurar a eficiência do poder local, refletindo um movimento “de baixo para cima”.

Não conta com mecanismos de controle social e transparência no processo decisório.

Abre portas do Estado à participação da população organizada, criando mecanismos político-institucionais de articulação, canais orgânicos de comunicação constante, aceitando as pressões daí advindas.

Fonte: ANTUNES (2002, pp.96 – 97).

 

 

As definições propostas pela autora entre os mecanismos e características da desconcentração e da descentralização no âmbito da gestão da coisa pública auxiliarão na compreensão dos argumentos propostos neste artigo destinados a analisar, a partir dos textos oficiais escritos pela SEEDUC/RJ, o tipo de engajamento e entendimento dos atores acerca da gestão democrática da escola estendendo esta compreensão aos conselhos escolares, concebido como importante mecanismo da democracia neste espaço.

Em 2015, a rede estadual fluminense contava com 1290 Conselhos Escolares instituídos, levando em consideração que possuía sob sua abrangência 1308 Unidades Escolares de acordo com dados disponíveis no portal eletrônico QEdu (2018).  A Resolução 5.109 (RIO DE JANEIRO, 2014a) foi o texto oficial responsável por normatizar, dentre outros aspectos, a competência do Conselho Escolar nos limites daquela Secretaria. Desta forma, o Art. 11 que define as competências do conselho escolar, para o qual damos especial destaque ao que está expresso nos incisos V e XII:

V - Acompanhar a evolução dos indicadores educacionais (avaliações externa e interna) e propor estratégias visando à melhoria da qualidade do processo de ensino e de aprendizagem, respeitando as políticas públicas estabelecidas pela Secretaria de Estado de Educação.

XII - Encaminhar relatório semestral das atividades realizadas às Diretorias Regionais Pedagógicas (RIO DE JANEIRO, 2014a).

Refletindo sobre as atribuições dos membros dos Conselhos Escolares propostas pela escrita oficial evidenciamos a ausência de uma clareza das suas finalidades e o fato de não possuírem o caráter deliberativo. Faz parecer que estas atribuições encaminham o órgão colegiado para um modelo mais semelhante ao proposto pelo participacionismo (TRAGTENBERG, 2005). Logo, podemos também deduzir que estaríamos diante de um controle e uma espécie de condução da participação, uma forma de homogeneização das práticas e dos discursos dos sujeitos, levando-nos a acreditar que, de demandantes, os atores da escola seriam meros reprodutores de uma pauta não produzida por eles, ocasionando, com isso, um esvaziamento na natureza deste organismo colegiado.

Nesse sentido, torna-se pertinente explicitar sob qual lógica Tragtenberg (2005) trata do termo participacionismo, utilizado por ele para definir as relações entre os sujeitos, sob a ótica do capitalismo apontando que a participação seria um veículo para eliminar os sindicatos, despolitizar as lutas econômicas, criando assiminterlocutores válidos. A ideia de conclamar a participação dos sujeitos nos negócios das empresas não passava de um dispositivo psicológico que objetivava reduzir a intervenção dos sindicatos, uma vez que, tendo os indivíduos a possibilidade de ‘participar’ dos lucros da empresa – ainda que as empresas mais poderosas declarassem lucro líquido inferior a determinado percentual para justificar o não pagamento dos dividendos aos funcionários (TRAGTENBERG, 2005) – o participacionismo não reduzia o poder dos sujeitos ocupantes de cargos hierarquicamente superiores e, consequentemente, não aumentava o poder dos subordinados.

Ainda sob a lógica de Tragtenberg (2005), o empresariado não aceita de forma alguma dividir sua autoridade na empresa; aceita o participacionismo nas trocas de informações, admite a consulta, a delegação de responsabilidades, sem colocar em xeque as decisões. Não seria diferente em uma escola com um conselho escolar formado para referendar decisões já tomadas pela direção de forma isolada, unipessoal e sem espaço para o diálogo, o contraditório. Como destaca Mainardes (2018), quais vozes serão ouvidas como legítimas e investidas de autoridade?   

A participação entendida como um direito não pode ser encarada como estratégia de gerenciamento ou como um apêndice da gestão democrática. Na verdade, ela é condicionante do princípio de democracia. Sob esse viés, o emprego do termo participacionismo neste artigo, não pode ser reduzido apenas a um neologismo. As assimetrias relacionais da/na escola não serão vencidas a partir das leis, de documentos prescritivos, mas a partir das reflexões que emergem coletivamente sobre os resultados que as escolas e as suas respectivas comunidades estão colhendo. Nesse sentido, Ball, Maguire e Braun (2016) nos ajudam a compreender como isso se processa para as escolas uma vez que as histórias sobre as escolas são construídas baseadas nas experiências de quem nela trabalha/estuda.

A proposta dos autores é pensar a escola como um organismo vivo e autônomo, - ainda que pertencente a um organismo maior e dele relativamente dependente – quando se trata de interpretar e encenar as políticas externas que emergem. Trata-se da ruptura com o pensamento da escola ideal, na perspectiva das políticas advindas da gestão educacional, para a concepção da escola real, àquela que juntamente com seus atores interpreta e reinterpreta as políticas, consonante com as suas idiossincrasias. Para isso, os autores apontam o seguinte questionamento

Como indivíduos e grupos de atores diferentes interpretam e atuam a política em contextos específicos de múltiplas demandas de políticas, dados os recursos disponíveis para eles? Como e de que maneira fatores socioculturais, históricos e contextuais afetam as maneiras pelas quais as escolas atuam as políticas? E assim, como diferenças entre escolas podem ser explicadas na atuação das políticas? (BALL, MAGUIRE, BRAUN, 2016, p. 25)

À luz destas concepções outro pressuposto pode ser apresentado: a maneira como cada escola compreende, dinamiza e negocia os espaços de participação e colegialidade em seus contextos. Nossa hipótese é que a gama de variáveis e subjetividade é numerosa. Contudo, se até o momento não temos uma ferramenta capaz de mensurar como isto ocorre, tal fato não nos impede de suscitar que algumas situações se assemelham mais ao modelo participacionista, aspecto protagonista deste texto.

O suporte teórico partindo das premissas defendidas por Tragtenberg se aproxima sobremaneira do que aqui propomos a debater, no sentido stricto do termo. É conceber que esta forma de participação proposta para os membros dos conselhos escolares se amálgama em uma pseudodemocracia a qual concebemos como uma espécie de democracia oscilante ou pendular, semelhante aos espasmos mencionados por MENDONÇA (2001).  Se for possível pensar em escalas de democracia, o participacionismo pode servir como um dos elementos para compor esta gradação. Entretanto, cabe frisar que, ainda que o modelo posto não seja o ideal, a partir do nosso entendimento sobre a democracia, isto não simboliza que não acreditamos na democracia como modelo ideal de regime político. Na verdade, ainda que carregada de vicissitudes, é o único regime capaz de garantir relações equânimes e justas em uma sociedade.

Desta forma, o participacionismo estaria posto na escrita do artigo 11 da Resolução 5.109, como sugerimos, de forma prescritiva, por consequência do olho da política naquele momento – a greve dos profissionais da educação - motivado por uma provocação maior, incontrolável – a interferência do Supremo Tribunal Federal.  No entanto, tais elementos não convergiram para a escrita de um texto que abrisse a possibilidade de uma horizontalidade nas relações, a partir dos conselhos escolares, o dispositivo posto em cena, com certos mecanismos de controle, é de certa forma escamoteado por sutis redações dando a sensação de amplitude na participação e paridade das decisões.

A prescritibilidade aponta para a reflexão sobre as relações que podem ser estabelecidas entre o conselho escolar e os elementos que definem a desconcentração e descentralização da/na gestão da escola. De acordo com Antunes (2002, p.96) a participação, a descentralização e a autonomia fazem parte do bojo das grandes prioridades, propostas no período após a promulgação da Constituição Federal de 1988, dentre as quais ressaltamos a democratização da gestão.

Como destacado por Silva (2013) é comum observar que muitos sistemas de ensino instituíram os colegiados para compor a estrutura administrativa de suas escolas, permanecendo estes na condição de letras mortas. Nesse sentido, torna-se questionável a produção de relatórios semestrais, a coordenação e supervisão de tarefas, o acompanhamento da evolução dos indicadores educacionais, sobretudo, ‘respeitando a política da secretaria’, proposto na já mencionada Resolução. Ou seja, não há espaços para criar, fazer política, demandar apesar de sabermos que as escolas fazem as políticas e que elas são escritas nos corpos e produzem posições específicas dos sujeitos (BALL, MAGUIRE, BRAUN, 2016). O teor burocrata proposto pela escrita deste texto oficial no que concerne às competências do conselho escolar também denota que a atuação dos seus respectivos membros seria constituída pelo cumprimento de tarefas, se afigurando em uma departamentalização da escola.

O exposto até aqui nos impulsiona para pensar a gestão democrática vivenciada pelas/nas escolas. O slogan da gestão democrática é envolvente. Qualquer movimento que se realize no interior da escola no sentido de reunir a comunidade escolar pode ser ingenuamente compreendido como exercício democrático e participativo. Não pretendemos com esta afirmação descredenciar estes espaços. Na verdade, propomos repensar sobre a forma como são propostas e as suas decorrentes intencionalidades. Tragtenberg (2005) afirma que a política das relações humanas é excessivamente polida para ser honesta. Sob esta lógica, podemos concluir que os sujeitos entendem ‘estar participando’ apenas por serem convidados para uma reunião.

A divisão do poder também estaria sujeita ao que Mendonça (2001, p.84) considera como guerra entre segmentos. Compreende-se com este termo que na escola existiriam representatividades mais ou menos ‘aptas’ para a tomada de decisões. E, sob este viés, a perpetuação da dominação de um grupo sobre o outro tornaria a participação um princípio amorfo da gestão democrática. Sobre isto, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p.451) contribuem com a reflexão

O conceito de participação fundamenta-se no princípio da autonomia, que significa a capacidade das pessoas e dos grupos para a livre determinação de si próprios, isto é, para a condução da própria vida. Como a autonomia se opõe às formas autoritárias de tomada de decisão, sua realização concreta nas instituições dá-se pela participação na livre escolha de objetivos e processos de trabalho e na construção conjunta do ambiente de trabalho.

Podemos pensar que os Conselhos Escolares da rede estadual do Rio de Janeiro estariam mais assemelhados aos moldes da desconcentração proposto por Antunes (2002). Diante disso, a relativização da autonomia dos Conselhos seria outro ponto importante para o debate da gestão democrática, nos cabendo indagar: democrático para quem? Até que ponto? Para qual compreensão de democracia?

Na perspectiva do texto produzido pela Secretaria de Educação, o litígio entre SEPE e SEEDUC passa a ser sobre a instituição dos Conselhos Escolares nas escolas da rede e não sobre o teor da escrita do texto oficial em si, configurando-se no que poderíamos chamar de contexto da prática. Até então, compreendeu-se que o processo de disputa apontava para a vitória do sindicato, uma vez que, partindo da premissa de que o estabelecimento destes organismos colegiados se apresentava como um avanço, um caminho ainda a ser pavimentado na concepção de uma gestão democrática, os engessamentos e as prescritibilidades que poderiam haver na escrita estavam encobertos pela ilusão de que a participação seria algo dado e não algo a ser conquistado.

Não queremos descredenciar os avanços e a conquista da categoria. Essa luta tem potente força e também se apresentou como outras configurações de contextos de influência na cena política do estado do Rio de Janeiro. O que queremos sublinhar é que a política de atuação precisa ser repensada e encarada como luta constante, pois assim como não somos os mesmos com o passar do tempo, a cena social, econômica e política se reconfigura e se apensam a outros modos de entender, atuar e viver as políticas. Tal como as fases do ciclo da política estão aninhadas, a vida em sociedade é um constante ‘vir a ser’ e transformar. As análises propostas emergem do entendimento que relativizam não só a participação, mas também a legitimidade da autonomia dos sujeitos deste organismo colegiado.  

Nos obriga, nesse sentido, a pensar se há um exercício em defesa dos interesses dos coletivos existentes na escola ou se está muito mais voltado para o cumprimento do que foi prescrito. Do mesmo modo nos coloca a refletir sobre a existência da promoção do diálogo amplo e democrático, comprometido com o debate e a construção em prol do bem comum e não de um pequeno grupo.

Nosso esforço está em lançar luz sobre o quanto a divisão de poder dentro da escola se torna objeto de tensão e pode ser manipulada, escamoteada, negligenciada pelas escritas dos textos oficiais. Nesse sentido, vai se requerer dos sujeitos em cena uma observância e uma atuação mais crítica do que legalista. Mais propositiva do que executiva ou procedimentalista. Sobre isso, Lima (2018) vai chamar atenção para um contexto de análise que ele denominou de democratista. Para o autor, a gestão democrática de cada unidade escolar deveria ser uma aquisição natural, decorrente de um regime político formalmente democrático, com legislação sobre a matéria, ainda que houvesse limitações de mínimos democráticos. Lima também assevera que nem a escola e nem a prática de gestão foram concebidas historicamente sob auspícios democráticos. Segundo o autor, essa concepção é recente, oriunda do entendimento da educação como um direito, em contraposição ao modelo de escola concebida sob a lógica do militarismo, da religiosidade, das indústrias e dos moldes hierarquizados e (re)produtivistas; apresentando-a nas suas interfaces, quer seja do ponto de vista do participacionismo (TRAGTENBERG, 2005) ou da encenação participativa (LIMA, 2018), posto que a forma como os sujeitos atuam no jogo democrático parece sempre partir de um pressuposto dado a priori.

Lima (2018), afirma que a colegialidade democrática surge como um valor denegado ou de importância diminuída. Nesse sentido, podemos inferir que a ideia de organismo não coaduna com as práticas vivenciadas pelas escolas públicas. A prática democrática está muito mais parecida com a pulverização de espaços intitulados democráticos, que, desarticulados, não conseguem chegar perto do que seria uma gestão de fato e organicamente democrática. Para o autor, o participacionismo é um vácuo de decisões relevantes para o qual a gestão democrática da escola pouco se distancia do ponto de vista de uma gestão tecnocrática ou autocrática.

Considerações ainda não finais

A questão dos conselhos escolares e dos elementos que contribuem para a sua atuação na perspectiva da gestão democrática abarca princípios que se ancoram no modelo do Estado Democrático de Direito, para a gestão da escola pública. Nossa discussão pretendeu trazer elementos para a reflexão da transformação social por meio da participação dos sujeitos, propondo um processo dialógico e participativo que não dependam exclusivamente de leis, mas que, sobretudo, estejam articulados com os propósitos de se concretizar os ideais de uma sociedade mais justa, partindo de relações mais horizontais.

Nosso entendimento de horizontalidade nas relações entre os sujeitos da/na escola nos parece importante para também considerar, ainda não de forma conclusiva, mas calcada em um olhar construtivo, de que a participação não é algo dado. Porém, que não pode ser tratada como utopia, sonho possível, ou produto de um pensamento romantizado sobre a sociedade ideal e as relações que se desejam igualitárias. Como destacamos na epígrafe que anuncia este texto, é batalha. É luta. É conflito. É incerteza.

Afinal, para que serve um Conselho Escolar na escola? Sobre isto é indubitável reconhecer a relevância que este organismo colegiado tem para a gestão democrática da escola pública. Não é uma legitimação apenas por considerar o cumprimento da lei. É reconhecer a escola como ferramenta para a consolidação da cidadania. No que se refere à reflexão de como o conselho escolar pode melhorar a escola, a sala de aula, os processos de ensino e de aprendizagem e de que forma a atuação pode assegurar a gestão democrática da/na escola, a resposta está nos próprios textos oficiais.

Porém, sobre o que falta para isso não ser letra morta, é o mote para as nossas próximas discussões. Desta forma, pensar a participação e as interferências que elas provocam é também pensar em novos caminhos, sem esquecer da estrada que nos fez chegar até aqui. Sobre isso, encarar os organismos colegiados como espaços de novas (re)configurações sociais a partir da escola indica ser uma discussão plausível para, pelo menos, iniciar a ruptura com a democracia oscilante ou pendular que aqui indicamos ser um aspecto que reduz os espaços de participação a algo genérico e que encontramos no participacionismo sua melhor definição.

Outro fator importante que julgamos apresentar em nossas primeiras conclusões aponta para o Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE/RJ) quando este evoca a instituição dos conselhos escolares em suas pautas simbolizando que o papel da luta da categoria não versa apenas pelas condições materiais e financeiras, mas, sobretudo, pela postura cidadã que o sindicato assumiu na cena política naquele momento. Contudo, é inegável que as disputas precisam ser ressignificadas a cada tempo. As negociações e acordos não são perenes e à escola não cabe se apropriar do papel salvacionista, assumindo a responsabilidade por aquilo, que na verdade, ela também carece: políticas públicas e ações que atendam aos escritos da Carta maior do país.

Com isso, nossa escrita também sublinhou aspectos que não pretendem encerrar-se neste artigo, haja vista que afirmamos que a participação não é algo dado, mas sim conquistado, construído. Sobretudo, os elementos desta tratativa, acenam sobre a forma de como a política pode ser posta em cena pelos sujeitos e de que maneira as possíveis interpretações dos textos oficiais provocarão não só um movimento de aderência, resiliência ou resistência, mas irão reverberar na maneira como estes mesmos sujeitos encenarão as políticas propostas. As escolas, como afirmam Ball, Maguire e Braun (2016b), são constituídas de diferentes gerações de profissionais da educação, com diferentes posições em relação ao ensino e a aprendizagem, agrupados em diferentes ondas de inovação e de mudança. Nossa escrita não é um protesto. Mas é um convite para a reflexão e para a ação.

 

Referências

 

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Correspondência

 

Janaina Moreira de Oliveira Goulart – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Av. Pedro Calmon. nº 550 - Cidade Universitária - CEP 21941-901. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

 

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[i] Conforme Formosinho (2009) a escola de massa é essencialmente heterogênea, seja do ponto de vista dos professores, seja do ponto de vista dos alunos e do contexto geográfico e social de inserção das escolas. Utilizamos o conceito escola de massas para indicar a intervenção do Estado na educação escolar tornando-a obrigatória, gratuita e universal.

[ii] Com base em Souza (2009) compreendemos a gestão democrática como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas.