a inclusão na voz das professoras: emoções, sentidos e práticas no chão de escola sob a perspectiva histórico-cultural

Inclusion in teachers' voices: emotions, meanings and practices on the school floor from the historical-cultural perspective

 

 

Ana Carolina Lopes Venâncio

Professora doutora pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

anavenancio2704@gmail.com – https://orcid.org/0000-0001-6804-8711

 

Paula Maria Ferreira de Faria

Doutoranda na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

paula.pmff@gmail.com – https://orcid.org/0000-0001-9092-9988

 

Denise de Camargo

Professora doutora na Universidade Federal do Paraná e Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

denicamargo@gmail.com – https://orcid.org/0000-0002-8733-2969

 

Recebido em 26 de janeiro de 2019

Aprovado em 12 de novembro de 2019

Publicado em 24 de junho de 2020

 

RESUMO

Este artigo apresenta os achados de duas pesquisas qualitativas realizadas junto a professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, cujas temáticas abordam a inclusão escolar.  O primeiro estudo objetivou investigar o potencial de um grupo de apoio entre professores no atendimento à diversidade e à inclusão, utilizando a metodologia proposta por Nicolini (2013). O segundo estudo investigou as emoções docentes em relação à inclusão escolar, utilizando entrevistas estruturadas, semiestruturadas e a produção de fotografias pelas professoras. Ambas as pesquisas seguem os referenciais da Teoria Histórico-Cultural e enfatizam a emoção como promotora das práticas de ensino e de aprendizagem. As professoras participantes relataram emoções como alegria, satisfação, frustração, solidão e desamparo frente ao processo inclusivo, indicando a necessidade da criação de redes que apoiem professores e gestores e informem as famílias e a comunidade escolar sobre o real contexto legal, prático e simbólico da inclusão. As participantes sugerem ainda o fortalecimento interno das equipes para maior alcance do ato de incluir, apontando a formação docente como chave para o sucesso desse movimento. Os resultados indicam que, apesar das vivências emocionais contraditórias acerca da inclusão, as professoras têm se dedicado a superar barreiras práticas e emocionais para aprimorar sua ação e atender a diversidade presente nas salas de aula. Reforçam também a necessidade da formação de grupos de apoio que valorizem os aspectos cognitivos e emocionais de professores e alunos, buscando garantir a qualidade de trabalho e vida docente e a aprendizagem significativa de todos os estudantes. 

Palavras-chave: Inclusão; Professores; Emoções; Teoria Histórico-Cultural.

 

ABSTRACT

 This paper presents the findings of two qualitative studies conducted with teachers in the early years of elementary school, whose themes address school inclusion. The first study aimed to investigate the potential of a support group among teachers in meeting diversity and inclusion, using the methodology proposed by Nicolini (2013). The second study investigated teachers' emotions regarding school inclusion, using structured, semi-structured interviews and the production of photographs by teachers. Both researches follow the references of the Historical-Cultural Theory and emphasize the emotion as promoter of the teaching and learning practices. The participating teachers reported emotions such as joy, satisfaction, frustration, loneliness and helplessness in the inclusive process, indicating the need to create networks that support teachers and managers and inform families and the school community about the real legal, practical and symbolic context of the project. inclusion. The participants also suggest the internal strengthening of the teams to reach the inclusion act, pointing the teacher training as key to the success of this movement. The results indicate that, despite the contradictory emotional experiences about inclusion, teachers have been dedicated to overcoming practical and emotional barriers to improve their action and meet the diversity present in the classroom. They also reinforce the need for the formation of support groups that value the cognitive and emotional aspects of teachers and students, seeking to guarantee the quality of work and teaching life and the meaningful learning of all students.

Keywords: Inclusion; Teachers; Emotions; Historical-Cultural Theory.

Introdução

A educação contemporânea passa por uma crise. Embora historicamente tenha se constituído como campo em disputa, na dialética entre o direito, a igualdade e o direito à diferença (CURY, 2002), na atualidade os embatesse acirram frente ao novo cenário político e econômico. Devido ao fato de o direito à educação ainda não ter se consolidado mesmo sob a força de dispositivos legais, mantém-se a exclusão perpetuada pelos mecanismos de violência simbólica que a escola, enquanto campo de forças, exerce (BOURDIEU; PASSERON, 2013, 2014).

A igualdade de acesso não é suficiente, pois não garante o direito à permanência e à aprendizagem de todos os estudantes no âmbito escolar. O exercício da equidade, dispositivo de garantia do direito à educação, faz parte apenas das pautas dos discursos sobre a inclusão escolar, não se constitui ainda em práticas vivenciadas no cotidiano das escolas – notadamente nas escolas públicas, espaços cuja precariedade, pensada numa lógica ideológica, mantém e perpetua desigualdades. Tal situação configura inúmeros desafios à docência, profissão que tem cada vez mais sofrido impactos políticos em seus direcionamentos e assessoramento, com o viés meritocrático sustentando a culpabilização individual – especificamente de professores e alunos[1] – pelo fracasso escolar concretizado na evasão e na não aprendizagem.

Considerando essa alarmante realidade, este artigo apresenta pontos de reflexão sobre a inclusão escolar, compreendendo que a emoção é eliciadora das práticas de docentes e discentes, mobilizando a ação e produzindo sentidos e significados que não podem ser ignorados pela escola. Nesse sentido, apresentamos duas pesquisas[2](VENÂNCIO, 2017; FARIA, 2018) realizadas no âmbito dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O primeiro estudo volta-se à ressignificação das práticas de docência no atendimento à diversidade, ação buscada através da valorização dos conhecimentos e experiências docentes. O segundo estudo investiga as emoções dos professores em relação à inclusão escolar[3], problematizando como a emoção dos professores afeta suas práticas em sala de aula. Ambas as pesquisas, fundamentadas nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, dão visibilidade à ação docente enquanto prática transformadora da práxisescolar, evidenciando que o trabalho do professor revela sentidos e emoções que ele atribui à prática pedagógica e às relações que estabelece com toda a comunidade escolar, interferindo de forma ativa e concreta sobre os processos de ensino-aprendizagem.

           

Contextualização das pesquisas de campo: a inclusão escolar na voz das professoras

 

A pesquisa “Grupos de Apoio Entre Professores e a Inclusão: uma reflexão sobre a reinvenção das práticas de docência a partir da ênfase no ensino colaborativo”[4] investigou a ação de um Grupo de Apoio Entre Professores (GAEP) como estratégia de apoio para a adequação da prática docente no atendimento à diversidade. O campo de pesquisa foi uma escola pública da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. A investigação levantou dados em relação às definições de inclusão, às representações das diferenças e seus impactos no cotidiano escolar, mapeou dificuldades e facilidades do processo inclusivo e revelou as emoções como dimensões que incitam e/ou paralisam os professores no exercício de sua profissão. Para análise das práticas, utilizou-se a proposta de Nicolini (2013). O autor apresenta uma metodologia que privilegia um movimento em três fases: zoom interno, para descrição densa da prática em estudo; zoom de fora, para percepção das suas conexões e inter-relações internas; e zoom interativo, visando compreender, interpretar e analisar as associações e maneiras socialmente convencionadas de sustentar as práticas em seu contexto e história.

Após a definição das pautas e do modelo de funcionamento do GAEP pelas professoras participantes, foi adotado o documento “Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a inclusão nas escolas” (BOOTH; AINSCOW, 2011) para subsidiar a avaliação corrente das ações do Grupo no movimento de ressignificação e reformulação das práticas em uso. A adoção desse material justifica-se pelo seu enfoque teórico-prático, voltado ao fortalecimento interno das equipes escolares, tendo em vista recursos humanos e materiais disponíveis na comunidade escolar. Para analisar como ocorria o processo de flexibilização curricular, entendida como balizadora da singularização das propostas pedagógicas que viabilizam a inclusão escolar, foram escolhidos três indicadores para análise das mudanças empreendidas nas práticas de docência: currículo, metodologia e avaliação.

A pesquisa “As emoções do professor frente à inclusão escolar”[5] buscou compreender as emoções do professor em relação ao processo de educação inclusiva e ao estudante em processo de inclusão. Trata-se de um estudo qualitativo de caráter exploratório e interpretativo, fundamentado nos princípios da Teoria Histórico-Cultural, segundo a qual a subjetividade é uma produção humana que só pode ser significada a partir das experiências pessoais do sujeito, marcadas pelas condições de sua cultura em determinado contexto histórico.

A pesquisa foi realizada junto a três professoras da Rede Municipal de Ensino de Curitiba e utilizou entrevistas estruturadas, semiestruturadas e a autofotografia – as participantes foram instadas a registrar, por meio fotográfico, suas emoções em relação ao processo de inclusão escolar e aos seus alunos. Todos os dados foram compreendidos sob os referenciais da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). A autofotografia foi utilizada como um processo de pesquisa centrado no sujeito que permite acessar aspectos subjetivos por meio da interpretação relatada pelo próprio fotógrafo – pois cada imagem só pode ser compreendida a partir dos elementos que a contextualizam no contexto específico de sua produção (NEILVA-SILVA; KOLLER, 2002). Dessa forma, a fotografia revela formas particulares de subjetivação e constitui um instrumento mediador das emoções, através do qual cada professora pode construir e expressar significados e sentidos atribuídos ao processo de inclusão.

Ambas as pesquisas evidenciam o protagonismo das professoras, reforçando o trabalho docente como prática histórica e culturalmente situada cuja ação promove (ou dificulta) o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem sob a perspectiva inclusiva. 

 

A voz do grupo: contribuições do GAEP à inclusão escolar

 

A responsabilidade pela inclusão escolar tem recaído, na percepção das professoras participantes do GAEP, sobre as figuras do professor e do estudante; as redes de apoio existentes direcionam-se somente aos discentes, ainda sem atender a todos os que dela necessitam, devido à precariedade de condições de produção do ensino que caracteriza a escola pública brasileira. Essa situação revela a aparente dependência das equipes das escolas regulares em relação às professoras/pedagogas que atuam na modalidade de Educação Especial, profissionais que possuiriam, idealmente, conhecimento específico para fundamentar o planejamento de práticas adequadas ao atendimento a alunos com deficiência, Altas Habilidades ou Superdotação ou transtornos do desenvolvimento, prioritariamente. Nesse sentido verifica-se que as necessidades educacionais especiais (NEEs) permanecem atreladas à condição de deficiência e a questões orgânicas, desconsiderando outros aspectos que trazem consequências diretas e indiretas ao ensino, como questões linguísticas, étnicas, sociais, culturais e econômicas, dentre tantas outras. Tal fato revela o modelamento ideológico do termo NEEs, que limita representações e práticas – pois direciona olhares e conduz à simplificação das condições estruturais, de caráter prático e simbólico, de conformação da escola pública brasileira. Ao problematizar a questão da inclusão exclusivamente sobre a pessoa com deficiência, desconsidera-se outros eixos de desigualdade que conferem complexidade ao ensino e demandam o exercício da equidade para promover a aprendizagem de todos, sem deixar ninguém para trás.

Refletindo sobre essa situação, as professoras participantes do GAEP indicaram a necessidade de uma definição mais abrangente das NEEs, compreendendo-as de acordo com a definição corrente na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)[6]. Da mesma forma, defenderam a valorização de seus conhecimentos e experiências e a promoção de maior articulação entre modalidades de ensino para que a inclusão se torne um projeto compartilhado e incite a criação de redes de apoio estendidas a todos os membros das comunidades escolares. Reforçaram a necessidade da equidade por entender que, se não forem oferecidos apoios diferenciados e suficientes a quem deles necessita, não será efetivada garantia de permanência e de aprendizagem estendida a todos os grupos historicamente excluídos do âmbito escolar, nem serão oferecidas condições dignas de exercer o ofício docente.

Embora tenham adotado uma visão de NEEs mais abrangente e passado a significar a inclusão como dispositivo de garantia do direito à educação que se revela na qualidade do ensino ofertado e se embasa na crença de que todos são capazes e tem direito a aprender, as professoras participantes do GAEP assumiram, em paralelo, a necessidade de que a inclusão ocorra de forma gradual, privilegiando a qualidade do processo – ou seja, manifestaram-se contrárias à vertente atual que adota uma perspectiva impositiva, calcada em uma visão tecnocrática de análise balizada pelo número de matrículas ativas, sem propiciar a avaliação da qualidade do ensino oferecido e o real alcance das propostas em vigor.

Sob essa perspectiva, o “significado” da inclusão deveria ser construído “dentro de contextos históricos determinados” nos quais “cada comunidade deve buscar a melhor forma de definir e fazer a sua própria política de inclusão escolar, respeitando as bases históricas, legais, filosóficas, políticas e também econômicas do contexto no qual ela irá efetivar-se” (MENDES, 2006, p. 401). Nesse entendimento, um dos pilares da inclusão é “uma política de formação de professores”, pois “a mudança requer um potencial instalado, em termos de recursos humanos, em condições de trabalho para que possa ser posta em prática” (MENDES, 2004, p. 227).

Compreendendo que a aprendizagem ocorre através da interação entre pessoas, por meio da mediação qualificada, das situações e vivências planejadas de acordo com objetivos que norteiam a prática tendo em vista determinados fins (VYGOTSKY, 1997), as participantes do GAEP significam a escola como espaço privilegiado de socialização dos conhecimentos acumulados historicamente. Reconhecem, assim, a escola como espaço ético e político de formação humana, de construção da autonomia e enquanto oportunidade de emancipação. No entanto, embora reconheçam e trabalhem em prol da ressignificação e do reordenamento das práticas de docência, revelaram sentidos ainda negativos atribuídos às diferenças. Para promover a quebra desses estigmas a superar preconceitos, as professoras sugerem a criação de redes de apoio que abordem não somente aspectos cognitivos, mas também a dimensão emocional do processo de ensino-aprendizagem, e defenderam que os apoios sejam direcionados a todos os membros da comunidade escolar, para que possam, no coletivo, promover transformações práticas.

Para as participantes do GAEP, as redes de apoio devem ter caráter multiprofissional e articular ações nos campos educacional e de saúde e, idealmente, no campo da assistência social – área cujo suporte pode fortalecer famílias carentes e capacitá-las a atuar na trajetória escolar infantil. Valorizaram também a contribuição da Psicologia, ainda que tenham concluído que o fazer pedagógico é uma ciência própria cuja prática deve se fundamentar no potencial identificado de cada aluno, não sendo produtivo nem adequado basear a ação pedagógica em déficits orgânicos ou de qualquer outra ordem.

Diante da visão de inclusão assumida no GAEP, as professoras explicitaram a necessidade de mudança cultural em relação à diferença e da abordagem, no que se refere especificamente à educação, da questão da formação, ponto crítico no processo inclusivo atual. Defenderam a necessidade da melhoria das condições de acessibilidade das escolas, em todas as suas dimensões, bem como do suporte familiar e da parceria entre redes. Em relação à formação docente, enfatizaram que o professor deve ser um especialista em educação, mas não necessariamente na Educação Especial – embora apontem que o conhecimento teórico e prático é essencial para o atendimento aos estudantes com deficiências. Nesse sentido, frisam que a preparação docente inicial e em serviço deve ser capaz de criar situações diferenciadas de aprendizagem.

As professoras afirmaram que, assim como os estudantes, também necessitam de apoio diferenciado para garantir sua aprendizagem. Argumentaram, com base em suas experiências ao longo da docência, que o professor precisa de apoios estruturados para ensinar. Enfatizaram a necessidade de problematizar a inclusão no Brasil, superando sua idealização de acordo com ideários morais e legais, tornando-a um projeto compartilhado. Apontaram a urgência do estudo e revisão de leis e decretos, com a participação massiva de educadores e gestores do setor educacional, pois entendem que a conversão das escolas especializadas em centros de Atendimento Educacional Especializado (AEE) não responde adequadamente às demandas do ensino brasileiro. O AEE é compreendido como um serviço necessário, mas não suficiente para garantir a inclusão, transformando-se assim “no lócus de acomodação da diferença, que ainda centra a deficiência no aluno e no seu atendimento”, gerando “pouco ou nenhum impacto [...] na escola pública, que precisa mudar, para oferecer ensino de qualidade para todos” (MENDES; MATURANA, 2016, s/p). Frente a essa realidade, torna-se necessário

[...] redefinir o conceito de AEE, não o restringindo ao atendimento complementar ou suplementar, de tamanho único para todos, mas ampliar, para englobar processos de escolarização em classe comum, com apoios centrados nesse próprio contexto (como por exemplo, co-ensino, consultoria colaborativa, tutoria de pares, ensino itinerante, auxiliares ou para profissionais, etc.), ou combinando com apoios extras a sala de aula (como por exemplo, em salas de recursos ou classes especiais), ou ainda em escolas especiais, em ensino domiciliar e em ensino hospitalar. (MENDES; MATURANA, 2016, s/p).

Além da redefinição do conceito de AEE, as participantes do GAEP defendem a superação do aspecto remediativo que caracteriza as políticas públicas que, além de não garantirem o atendimento universalizado à faixa de escolaridade obrigatória de 4 a 17 anos, ainda não preveem a possibilidade de intervenção precoce, o que torna ainda mais difícil uma inclusão posterior. Expõem, dessa forma, a urgência em construir um plano de trabalho de inclusão desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, com apoio estruturado ao longo de todo o processo de escolarização estendido a toda comunidade escolar. Relatam, ainda, que os principais problemas da Educação Especial no Brasil são o acesso restrito e a pouca qualidade e denunciam que a lógica atual os acentua, ao invés de minimizá-los.

No GAEP foram, então, identificados diversos aspectos que promovem e também fragilizam a prática da docência. Ao analisar as estratégias utilizadas no decurso do magistério, as professoras participantes puderam perceber a riqueza de seus conhecimentos e experiências na construção de repertórios individuais, reconhecendo que ao compartilhá-los, novas estratégias são incorporadas à ação cotidiana enquanto equipe. No intercâmbio do Grupo ocorreu a ressignificação de práticas e conceitos que geram e permitem reconceitualizações no clima emocional da escola, promovendo um maior engajamento entre pessoas que trabalham em prol de metas comuns. O reconhecimento de emoções como insegurança, raiva, solidão e medo na estruturação de suas vivências diárias não as impediu de buscar novos caminhos diante dos desafios de sala de aula.

Em contrapartida, a empatia, a amorosidade e a dedicação se configuraram como emoções presentes no dia a dia das docentes e que contribuem na construção de uma alteridade diferenciada que as habilita a compreender mais do que julgar, as incitam ao acolhimento. Esse processo gerou desequilíbrio e retirou as professoras da zona de conforto, pois, ao desafiá-las, gerou novos modos de ser, sentir e fazer que produziram uma prática mais flexível e uma configuração subjetiva mais sensível às diferenças. Nesse percurso, portanto, destaca-se a emoção como fator eliciador das práticas dos docentes e discentes, mobilizando ou limitando suas ações. Enfatiza-se, nessa perspectiva, a necessidade de superar a visão cognitivista da educação, segundo a qual a razão sobrepuja as emoções, e considerar como o clima emocional de sala de aula pode interferir não somente sobre a inclusão escolar, mas sobre o processo de ensino como um todo.

Com a palavra, as professoras: emoções e sentidos da inclusão escolar

A pesquisa voltada às emoções do professor frente à inclusão envolveu a participação de três professoras de classes inclusivas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ficticiamente identificadas como Rosa, Margarida e Violeta. As emoções relatadas pelas participantes da pesquisa resultam de formas particulares e contextualizadas de vivenciar a realidade. Nessa perspectiva, a análise do trabalho docente pressupõe a inter-relação entre os aspectos materiais concretos do meio e suas formas subjetivas e individuais de apropriação e inserção nessa realidade. É justamente na articulação entre as vivências subjetivas e objetivas que se produz o sentido como “acontecimento semântico particular, constituído através de relações sociais, onde uma gama de signos é posta em jogo, o que permite a emergência de processos de singularização em uma trama interacional histórica e culturalmente situada” (BARROS et al., 2009, p. 179). Dessa forma, as emoções relatadas pelas professoras indicam os sentidos que atribuem à docência inclusiva.

   Enquanto Margarida revela emoções agradáveis relacionadas à escolha da carreira docente e relata segurança e satisfação quanto ao trabalho inclusivo, Violeta enfatiza a vivência de emoções desagradáveis quanto à inclusão escolar. Entre os relatos de Margarida e Violeta, o discurso de Rosa se mostra mais neutro em relação à docência inclusiva, mencionando, entretanto, sua desconfiança frente a esse processo. As diferentes emoções relatadas pelas professoras atuantes na mesma escola revelam distintas formas de vivenciar a realidade da profissão em um mesmo ambiente; indicam, assim, que os sentidos atribuídos por cada docente à inclusão revelam formas individualmente sociais de sentir e compreender a realidade, “do que decorre que a individualidade do homem, que só pode existir no social, é resultante de suas relações sociais e das formas a partir das quais elas são elaboradas” (MEIRA, 2007, p. 48). As emoções das professoras revelam formas próprias de apreender e sentir a docência, constituídas a partir de suas vivências pessoais, familiares e profissionais. Permitem, assim, a partir da individualidade social de cada docente, vislumbrar o cenário educacional inclusivo como um todo, pois

[...] conhecer as emoções do professor frente à inclusão é conhecer a realidade da educação inclusiva por dentro, por detrás dos discursos treinados e estereotipados. A emoção é expressão impactante e autêntica e revela como o professor verdadeiramente se relaciona com a inclusão. (FARIA; CAMARGO, 2018, p. 224).

Para analisar as emoções docentes é necessário “levar em conta sua história pessoal e profissional, suas crenças e atitudes, suas condições de trabalho e o contexto social e educacional nos quais se desenvolve sua atividade profissional” (SOARES, 2007, p. 15). Nesse sentido, fatores que envolveram a escolha profissional das participantes da pesquisa (como o desejo de ser professora e o apoio familiar à carreira docente) impactam diretamente sobre as experiências emocionais que elas vivenciam em relação à própria atuação e a seus alunos (SOARES, 2007). As participantes trazem, em seus discursos, a influência – positiva ou negativa – da família sobre a escolha da profissão. Entretanto, a despeito das preferências individuais de cada professora, a opção pela carreira de magistério precisa ser compreendida dentro do contexto cultural e histórico da profissão. O professor carrega uma imagem ideal, socialmente construída, de sua profissão, com a qual convive antes mesmo de ingressar no ambiente escolar. Nesse sentido, o desejo de ser professora parece estar relacionado às visões idealizadas de suas famílias acerca do que é ser professor.

   A opção pela docência, para essas professoras, parece indicar uma suposta predestinação vinculada ao gênero: ser mulher implica em ser mãe, cuidar, educar; enfim, ser professora. De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, a ideia da vocação “se opõe à visão da construção histórica do sujeito, colocando-o como obra da natureza”; ao adotar tal concepção, “anulamos do homem a condição de sujeito ativo e criamos uma ilusão que provoca a sujeição social” (AGUIAR, 2006, p. 13).

Analisando o ambiente da sala de aula, as professoras relatam a forma como se relacionam com seus alunos. A interação entre os estudantes é fundamental ao processo educativo, pois “o ensino é um fenômeno essencialmente social, na medida em que o aluno pode compreender e se apropriar de novos saberes pela mediação do outro” (SILVA; GALUCH, 2009, p. 156). As interações não devem ter somente caráter físico, mas também precisam abranger os aspectos emocionais e cognitivos das relações entre os pares. Ao promover a interação, o professor “possibilita trocas cognitivas que podem promover a aquisição de conhecimentos científicos a todos os alunos, independentemente de suas condições sociais, intelectuais, físicas, linguísticas ou outras” (SILVA; GALUCH, 2009, p. 162). Embora as participantes relatem, em sua maioria, práticas cooperativas e solidárias, relatam também o ciúme dos demais estudantes da atenção recebida pelos alunos com necessidades educacionais especiais – processo que demanda a mediação docente. 

De forma geral, em suas trajetórias escolares enquanto alunas, todas as professoras relataram vivências[7] positivas em relação ao contexto escolar, relacionadas tanto ao processo de ensino-aprendizagem como ao ambiente da escola. O discurso das professoras revela que as emoções agradáveis vivenciadas como alunas influenciaram a relação positiva com o contexto escolar; evidenciando que “os sentimentos e emoções presentes na sala de aula marcam de maneira significativa a relação dos alunos com o conhecimento, produzindo movimentos de aproximação ou afastamento” (TASSONI; LEITE, 2011, p. 90). Efetivamente, como declara Vygotsky (2004, p. 143), “as reações emocionais exercem a influência mais substancial sobre todas as formas do nosso comportamento e os momentos do processo educativo”.

Embora incitadas a expressar suas emoções em relação a situações de inclusão, nem sempre as professoras eram capazes de nomear o que sentiam e descrever suas emoções. Além disso, todas as professoras relataram vivências emocionais atribuídas aos alunos – ou seja, relataram não as próprias emoções, mas as emoções que presumem que seus alunos sentem. Compreendemos que a dificuldade das participantes em expressar as próprias emoções faz com que as professoras busquem nomear as vivências emocionais de seus alunos. Tal situação revela o quanto nossa sociedade negligencia o tema das emoções. De fato, a tomada de consciência emocional é um processo complexo; “trata-se de uma relação de compreensão ou conhecimento ativa com respeito ao meio social e não de percepção, e tampouco de pensamento” (TOASSA, 2006, p. 73, grifos da autora). O desenvolvimento da autoconsciência possibilita novas formas de ação que conduzem à ressignificação da realidade (VYGOTSKY, 1996).

Foi solicitado às participantes que produzissem imagens fotográficas que retratassem suas emoções frente ao processo de inclusão escolar. O foco principal de todas as fotografias produzidas pelas participantes da pesquisa residiu na realização de atividades pedagógicas pelos alunos. O estabelecimento do foco revela a intenção consciente de apresentar a realidade da inclusão escolar, evidenciando o trabalho docente por meio da realização de diversas atividades pelos alunos. Nesse contexto específico, a emoção desvela “o caráter da experiência singular da pessoa participante das práticas sociais concretas (históricas e culturais) e de sua atividade no contexto dessas práticas”; ou seja, aponta “que a pessoa assume um lugar e uma posição do contexto das práticas sociais, que, por sua vez, também determina os sentidos/significados que constrói sobre sua atividade” (CAMARGO; BULGACOV, 2016, p. 217). As fotografias expressam, assim, os sentidos atribuídos pelas professoras à inclusão escolar, evidenciando a atividade unidade afetivo-cognitiva do trabalho docente.

   A despeito da ênfase atribuída às emoções no processo de entrevista, os relatos das professoras Rosa, Margarida e Violeta enfatizavam aspectos cognitivos necessários à inclusão escolar (como a necessidade de formação específica e a adaptação das atividades dos alunos), reiterando a dificuldade das professoras em abordar a temática emocional – reverberando o modelo tradicional das escolas brasileiras, que dicotomizam intelecto e afeto, privilegiando a cognição e negligenciando a emoção (CAMARGO, 2004). Entretanto, é impossível impedir as vivências emocionais, pois “toda emoção é um chamamento à ação ou uma renúncia a ela. Nenhum sentimento pode permanecer indiferente e infrutífero no comportamento. [...] Desse modo, a emoção mantém seu papel de organizador interno do nosso comportamento” (VYGOTSKY, 2004, p. 139).

   Assim, mesmo indiretamente, o discurso das participantes revela suas configurações subjetivas, desvelando formas de sentir a inclusão escolar e de ser professora. Por isso, o relato das professoras Rosa, Margarida e Violeta – assim como suas vivências em sala de aula – sempre é emocionado, pois a expressão do pensamento é indissociável da emoção.

Correlações entre as pesquisas à luz da Teoria Histórico-Cultural

A inclusão é um projeto coletivo que depreende ações coordenadas e exige a adesão de todos os segmentos da sociedade civil, não apenas a escola – é uma empreitada complexa, mas não impossível. Na educação, especificamente, configura-se como garantia do direito à educação visando, mais do que oferecer acesso aos ambientes de ensino, garantir condições de permanência e aprendizagem para todos os alunos. A inclusão demanda participação, legitimada no e pelo grupo. Fundamenta-se em valores e princípios negociados pela comunidade escolar e considerados relevantes para a ressignificação das diferenças com o intuito de promover justiça e equidade. Para se tornar realidade, necessita de apoios estruturados, estendidos a todos os membros da comunidade escolar: gestores, pedagogos, professores, alunos e familiares. A ideia central da inclusão é não deixar ninguém de fora e prover o necessário a todos e a cada um para que se efetive a aprendizagem. 

A compreensão da prática pedagógica inclusiva sob o enfoque da Teoria Histórico-Cultural nos permite atentar para aspectos não somente pertinentes aos estudantes, mas também referentes ao professor inclusivo, considerando que é a partir das profundas e imbricadas relações entre docentes e alunos que se estabelece a aprendizagem escolar, em um processo influenciado pelas diversas e complexas variáveis que configuram a produção do ensino brasileiro. Nesse sentido, o entendimento dinâmico do contexto histórico e cultural no qual a interação professor-aluno se estabelece é fundamental para a compreensão das relações que se produzem no interior da escola, pois a subjetividade humana é constituída através das relações que os homens “estabelecem, por meio da atividade, com o mundo exterior. Assim sendo, as características desse mundo exterior circunscrevem as condições de seu desenvolvimento, no que se inclui o sentido conferido ao experienciado” (MARTINS, 2007, p. 130, grifos da autora).

Um aspecto enfatizado pelas professoras participantes de ambas as pesquisas envolve a formação para a atuação em contextos escolares inclusivos. Consideramos necessário que a formação congregue aspectos teóricos e práticos que contribuam à atuação docente em sala de aula; entretanto, ressaltamos a incompletude de uma formação exclusivamente teórica, direcionada ao conhecimento das características das necessidades educacionais especiais e ao ensino de estratégias didático-pedagógicas que facilitem a realização da inclusão em sala de aula – mas que desconsidera os aspectos emocionais da relação de ensino-aprendizagem no contexto específico de ensino.

Para além disso, é importante frisar que o preparo docente sempre se refere a um recorte da realidade, posto que não pode considerar as singularidades de cada sujeito real, inserido concretamente na escola. A despeito de uma preparação genérica, que capacite o professor em relação às características gerais das necessidades educacionais especiais, cada aluno apresenta singularidades que só podem ser contempladas dentro da prática escolar. Enfatizamos, no entanto, que a escola precisa considerar a indissociabilidade entre emoção e cognição, compreendendo que “a emoção não é um agente menor do que o pensamento” (VYGOTSKY, 2004, p. 144). Nesse sentido, é necessário considerar todos os aspectos que requerem “preparo” do professor, dentro de condições gerais que podem ser previstas, mas que nunca correspondem à totalidade do real, constituído pelas singularidades sociais de cada aluno, no contexto concreto da escola.

Portanto, para além da capacitação cognitiva, também há que se promover o desenvolvimento de estratégias socioemocionais, capacitando o docente a flexibilizar não somente sua prática cotidiana, mas também oportunizando espaços para repensar e ressignificar a maneira de se relacionar com a diversidade, de forma a criar laços afetivos e desenvolver a necessária empatia para superação de visões pré-concebidas. Compreende-se, assim, que as competências socioemocionais são dimensões fundamentais não somente aos professores, mas para toda a comunidade escolar.

Apesar de as pesquisas apontarem resistências e emoções como frustração e insegurança quanto à inclusão revelam, em contrapartida, que a escola tem criado estratégias próprias e contextuais de atendimento à diversidade. A busca por alternativas de atendimento pelas equipes escolares sinaliza a preocupação com a estruturação interna de práticas diferenciadas e diversificadas para atendimento aos princípios inclusivos. Constatou-se uma maior diversificação metodológica, mas o enfoque conteudista e a avaliação padronizada constituíram pontos nevrálgicos para a flexibilização curricular, ambas dimensões ainda estruturadas de forma rígida. No entanto, a crescente problematização dessas dimensões, tanto em pesquisas quanto no interior das escolas, redes e/ou sistemas de ensino, em diferentes esferas e níveis, já indica a preocupação em ressignificar e transformar as práticas em uso.

A reflexão sobre as práticas institucionais e de docência e as negociações coletivas delas advindas detêm potencial para produzir mudanças. As transformações, graduais, incitam os pares a questionar – e esses questionamentos mobilizam novos sentidos que podem vir a ressignificar as práticas e oportunizar sua transformação conforme os valores e princípios inclusivos assumidos coletivamente. A ação inovadora mobiliza, ao descortinar novos modos de praticar e sentir a diversidade. Revela, no próprio movimento dinâmico de reformulação tácita das situações vivenciadas, fragilidades e novas possibilidades. Reafirma-se, nessa lógica, a importância da participação, da colaboração, da cooperação, do engajamento e da corresponsabilização, assim como do posicionamento político perante a organização e gestão do trabalho pedagógico, reconhecendo que a escola é um espaço político e política é sua ação.

As pesquisas evidenciaram que as representações docentes acerca da diferença impactam suas práticas, embora ainda ocorra a percepção da diferença como desvio, a despeito dos discursos em defesa da inclusão. As representações e as emoções das professoras estruturam discursos e permearam a organização do trabalho pedagógico, implícita e explicitamente. Configuraram vivências emocionais ambivalentes no processo de superação de dificuldades. No entanto, pôde-se verificar que essa realidade vem sendo ressignificada. A inserção dos estudantes com NEEs nas salas de aula incitou o questionamento de posturas cristalizadas, de representações pautadas na norma. Suscitou novos olhares, novas possibilidades, novos entendimentos. Assim, a partir da prática diária, das tentativas de atender necessidades singulares e resolver situações que angustiam e mobilizam, as professoras também têm a oportunidade de repensar conceitos, emoções e valores que os subjazem – o que promove, gradualmente, mudanças na prática docente. Apesar de grande parte das emoções experienciadas em relação à inclusão ainda estarem centradas em aspectos negativos do processo, paulatinamente vão se deslocando e gerando maior motivação para a construção de uma cultura mais flexível, mais permeável e concernente aos ideais inclusivos, perante o desejo de ensinar a todos.

Concebemos a escola como lócus privilegiado de formação docente e discente, espaço que pode consolidar planos de ação personalizados que promovam a melhoria da qualidade do ensino oferecido, real meta da inclusão – ou seja, garantir a aprendizagem para todos, sem exceções. A cultura inclusiva assenta-se na colaboração, no auxílio mútuo, na criação de sistemas de ajuda entre pares, na participação equitativa. Envolve, nessa reorganização estrutural, atitudinal e prática, uma visão compartilhada de recursos e repertórios que demanda colaboração, partilha. O papel dos gestores, nesse percurso, é o de gerir os espaços e recursos de forma democrática, articulando redes entre pessoas e setores, aprimorando canais de comunicação, destacando potenciais, apoiando a todos os membros naquilo que necessitarem, promovendo participação na resolução de situações problemáticas, compartilhando sucessos, motivando, coordenando ações de forma a destacar talentos e fortalezas, minimizando barreiras. As pedagogas devem atuar em parceria com os professores, em sua tarefa de particularizar planejamentos e tornar possível a flexibilização curricular, construindo canais dialógicos e respeitosos entre profissionais e familiares, potencializando recursos humanos e materiais para uma prática de docência sensível às diferenças.

   Sob os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, a docência inclusiva precisa ser compreendida no contexto da grande maioria das escolas brasileiras, no qual a efetivação da inclusão visa o mero cumprimento de determinações da legislação, havendo pouco compromisso com a transformação das práticas no sentido de promover a real participação de todos os alunos. Nesse sentido é preciso considerar a realidade concreta em que se efetiva o trabalho docente. Aliada à desvalorização social do professor, materializada nos baixos salários e na desgastante jornada de trabalho, há ainda a sobrecarga (física e emocional) advinda da responsabilidade de promover a aprendizagem de todos os alunos. A formação de professores, que deveria contribuir à concretização da nova demanda, permanece frágil e compartimentalizada, alheia às reais necessidades do professor. Nesse contexto, preparado ou não, cabe ao professor (produto de um sistema excludente) efetivar a inclusão – da forma como isso for possível.

Para além desses obstáculos, nos deparamos ainda com escolas que ignoram as emoções, nas quais o trabalho pedagógico consiste exclusivamente em desenvolver habilidades cognitivas. Sob esse paradigma, as emoções dos professores também são ignoradas, desprezando as formas como ele sente e dá sentido ao seu trabalho – como se fosse possível separar pensamento e emoção. Dessa forma, frutos de um sistema que privilegia a racionalidade em detrimento das emoções, no qual pensar é mais importante que sentir, as professoras participantes das pesquisas falam sobre dificuldades, estratégias e possibilidades, mas têm dificuldade para exprimir o que sentem.

A dimensão emocional das práticas de docência enfatiza a importância da mediação das relações e da significação das vivências singulares e grupais. Nesse sentido enfatizamos que a emoção impulsiona a ação, sustentando (ou paralisando) as práticas, pois “a emoção humana é uma vivência constituída histórica e culturalmente que integra componentes de representação (símbolos, ideias, valores, ideologias); de expressão, e de manifestação corpórea (motórico-fisiológicas) amalgamadas” (CAMARGO; BULGACOV, 2016, p. 218).

A emoção marca e confere singularidade à atividade. Torna-se, então, “impossível estudar a emoção separada, sem levar em conta as experiências humanas de sujeitos concretos, historicamente situados” (CAMARGO; BULGACOV, 2016, p. 218). Compreendemos que as emoções se relacionam aos significados e sentidos atribuídos à docência pelas professoras, constituindo a consciência humana. Consideramos fundamental a compreensão de que “o aspecto emocional do indivíduo não tem menos importância do que outros aspectos e é objeto de preocupação da educação nas mesmas proporções em que o são a inteligência e a vontade” (VYGOTSKY, 2004, p. 146). Assim, acreditamos que, à medida que desenvolvem o autoconhecimento por meio de estratégias como o Grupo de Apoio Entre Professores, as docentes podem tornar-se protagonistas de seu próprio trabalho, libertando-se das amarras reprodutivistas que limitam suas práticas a modelos pré-conformados que determinam suas formas de pensar, atuar e (não) sentir.

Sob a perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, o papel do outro como elemento mediador é fundamental para o processo de significação das experiências emocionais. A instituição escolar é um espaço de interação e desenvolvimento no qual a atuação do professor é fundamental; a escola constitui “uma comunidade de aprendizes que se apoiam uns nos outros, de aprendizes mútuos, com o professor como mediador, orquestrando os procedimentos” (ARROYO, 2017, p. 167) e é através da interação com os estudantes que o professor constrói indicadores para promover a adequação de suas práticas.

Na relação dialética entre professor e aluno, por meio da mediação qualificada, trocas são propiciadas e conhecimentos e práticas são reelaborados. Nessa lógica, o sistema de auxílio mútuo entre professores e estudantes favorece melhorias práticas e facilita a implementação dos princípios inclusivos. A criação de um sistema de ajuda mútua contribui para gerar melhores condições de aprendizagem e também de ensino – mas, para que obtenha êxito, precisa ser aceito e legitimado por um grupo que se mantenha engajado no propósito de sustentar a relação de mutualidade e auxílio, nas diversas situações que a imprevisibilidade do cotidiano tece nas salas de aula.

Reiteramos, por fim, que a inclusão demanda um novo modelo social e escolar no qual é a sociedade como um todo (e não cada aluno individualmente) que deve se adaptar, modificando sua estrutura, conceitos, representações e práticas para permitir e incitar o acolhimento de todos, independentemente de déficits ou necessidades singulares (KAFROUNI; PAN, 2001). Com vistas a esse fim, é fundamental refletir e repensar emoções e práticas, buscando coletivamente novas formas de ação que superem a atual condição dos sistemas de ensino e promovam a real inclusão – promotora de aprendizagem significativa para todos os estudantes.

Referências

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Correspondência

Ana Carolina Lopes Venâncio – Rua Wanda Wolf, 1660, ap. 1, bl. 1, CEP  82410-380, Curitiba, Paraná, Brasil.

Notas



[1]Empregamos o termo “aluno” como sinônimo de “estudante” ou “educando”, tal como é utilizado pelo Ministério da Educação em documentos que referenciam a educação inclusiva no âmbito nacional. Seguimos a norma culta da língua portuguesa, nos referindo aos gêneros masculino e feminino; leia-se, da mesma forma, o uso do termo “professor”.

[2] As pesquisas foram realizadas no período entre 2014 e 2018.

[3] A pesquisa contou com o financiamento da Agência CAPES (bolsa de Mestrado).

[4] Pesquisa de Doutorado aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sob o registro CAAE 54321216.3.0000.0102.

[5] Pesquisa de Mestrado aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sob o registro CAAE 83997818.6.0000.0102.

[6] A Declaração de Salamanca afirma queescolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras” (UNESCO, 1994). Sob a perspectiva da Declaração, o termo NEE “refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem”; nesse sentido, cabe à escola “encontrar formas de educar com sucesso estas crianças, incluindo aquelas que apresentam incapacidades graves” (UNESCO, 1994). A Declaração de Salamanca aponta ainda que “crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva” (UNESCO, 1994).

[7] Destacamos que “o conceito de vivência (perejivânie) aparece em Vygotsky designando tanto a apreensão do mundo externo pelo sujeito e sua participação nele, quanto a de seu próprio mundo interno [...]. Designa o modo pelo qual o mundo afeta-nos, tornando-se apreensível, inicialmente apenas através dos processos psicológicos geneticamente biológicos e, posteriormente, também através da medicação dos signos” (TOASSA, 2009, p. 61). O conceito de vivência evidencia, assim, a concepção monista de Vygotsky, segundo a qual a compreensão das relações implica sempre na união entre pensamento e emoção em um contexto histórico e culturalmente situado.