A presença policial no cotidiano das escolas públicas
Police presence in everyday state schools
Maria
do Horto Salles Tiellet
Professora doutora na Universidade do Estado de Mato Grosso. Cáceres, Mato Grosso, Brasil.
mariadohorto_tiellet@yahoo.com.br - http://orcid.org/0000-0002-1794-7271
Maria Aparecida Silva
Professora mestre na Universidade do Estado de Mato Grosso. Cáceres, Mato Grosso, Brasil.
tida.h@unemat.br – http://orcid.org/0000-0001-8178-2929
Recebido em 21 de novembro de 2018
Aprovado em 03 de dezembro de 2019
Publicado em 13 de maio de 2020
RESUMO
O presente artigo apresenta os resultados de pesquisa, inicialmente expostos de modo parcial em evento nacional, tendo-se o objetivo de saber se os conflitos que ocorrem nos estabelecimentos de ensino do município de Cáceres exigem a presença da Polícia Militar (PM) no seu cotidiano. Neste estudo foram utilizados fonte documental, sites de jornais de circulação estadual e local, sites oficiais do governo do estado de Mato Grosso e dados quantitativos da Policia Militar sobre as ocorrências/chamadas policiais pelas escolas da rede pública de Cáceres. Caracterizam-se as principais manifestações que ocorrem no interior e no entorno das escolas, com base nos autores Aquino (1998); Camporez (2018) e Zaluar (1997). Não existe um quadro de violência generalizado nas escolas mato-grossenses e muito menos na rede pública de ensino do município de Cáceres que imponha a presença da polícia militar nas escolas.
Palavras-chave: Conflito; Cotidiano escolar; Polícia militar.
ABSTRACT
This article introduces research findings that have been exposed at first partially in a national event with the objective of learning if the conflicts taking place in school institutions in the municipality of Cáceres require the presence of the Military Police in their daily life. This study was carried out with consultation in documental sources, internet pages of state and local newspapers, official internet pages of the government of Mato Grosso state and quantitative data from the Military Police about police occurrences and calls made by schools from the state system of Cáceres. The main manifestations that have occurred inside and in the surroundings of the schools are characterized based on the following authors: Aquino (1998); Camporez (2018) and Zaluar (1997). There is not a background of widespread violence in the schools of Mato Grosso let alone in the teaching state system of Cáceres that enforces the presence of the military police in the schools.
Keywords: Conflicts; Everyday School; Military Police.
Introdução
Em pesquisas realizadas nos últimos anos tem-se constatado queixas dos professores relativas ao cotidiano escolar. Além das questões relacionadas à falta de apoio ao desenvolvimento de suas ações didático-pedagógicas, ao descuido do poder público com a estrutura física dos prédios, e à saúde dos docentes que se deteriora, em parte como consequência dos problemas mencionados, ainda se soma a dificuldade de convivência e de relacionamento entre os docentes ou entre professores e discentes. Diante das dificuldades apontadas, e de tantas outras, este estudo centrar-se-á nos problemas de convivência e de relacionamento que se têm nominado de violência escolar.
A violência escolar é uma expressão comumente usada por professores, pela mídia e pela população em geral para nominar um conjunto de manifestações que ocorrem no cotidiano escolar, e que possuem natureza, atitudes e soluções diversas. Mas seria essa expressão a mais apropriada?
Os governos eleitos em Mato Grosso, a partir do século XXI, definiram políticas de redução e prevenção da violência e da criminalidade no Estado, expressas em documentos oficiais, a exemplo da Rede Cidadã de iniciativa da Secretaria de Estado e Segurança Pública e da Policia Militar, e também através de projetos desenvolvidos em parceria entre diferentes secretarias.
No que tange às manifestações denominadas violência escolar, o resultado tem sido o envolvimento cada vez maior de policiais militares no interior das escolas públicas, fruto de parcerias estabelecidas entre as Secretarias de Estado de Educação e de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso. Tal desenho provocou o seguinte questionamento: Os conflitos que ocorrem no interior dos estabelecimentos de ensino público impõem a presença policial? A este questionamento tomamos como hipótese a afirmação de um coronel da Polícia Militar do Mato Grosso (PMMT) que, ao ser questionado sobre a existência de ocorrências de violência nas unidades escolares do estado de Mato Grosso, disse: “a violência nas escolas é uma exceção e não a regra” (Ferreira; Azevedo, 2006, s/p). Complementa-se com a afirmação, fora a violência criminal, de que todas as outras manifestações que ocorrem no cotidiano escolar são questões que devem estar sob a administração e o controle do coletivo escolar (professores, pais, funcionários e os próprios alunos).
Assim, pretende-se, com este estudo, saber se os conflitos que ocorrem nos estabelecimentos de ensino do município de Cáceres exigem a presença da Polícia Militar (PM) no seu cotidiano.
Para o desenvolvimento da pesquisa constatou-se a necessidade de informações e indicadores sobre a presença policial nos estabelecimentos de ensino e sobre as diferentes dimensões do conflito nas escolas mato-grossenses.
É possível se obter informações sobre o envolvimento de crianças e adolescentes em conflitos e violência no interior ou no entorno das escolas através da mídia, da própria escola e também de diferentes instituições, como o Conselho Tutelar, a Polícia Judiciária Civil (PJC) e a Policia Militar (PM), embora tais instituições possuam objetivos, metodologias, informações e resultados que, em sua maioria, apresentam dados díspares e divergentes entre si.
Para o desenvolvimento do estudo sobre o envolvimento de jovens do município de Cáceres em conflitos no interior das escolas e no seu entorno optou-se por realizar buscas, em jornais, no âmbito estadual, de notícias sobre violências ocorridas nas escolas mato-grossenses. Para tanto, selecionou-se um jornal de circulação estadual e outro de circulação local, pois, fatos de maior expressividade, especialmente aqueles relacionados à violência, repercutem na mídia.
Recorreu-se também aos sites oficiais da SESP[1], SEJUDH[2], SEDUC[3] para realizar buscas sobre as ações voltadas ao enfrentamento da violência no âmbito das instituições da rede estadual de ensino. E, por fim, solicitou-se, junto à Polícia Militar (PM) da cidade de Cáceres, informações sobre a presença da PM nas escolas da rede pública do município.
Tanto as matérias de jornais, as informações das principais secretarias de Estado, através de seus sites, quanto os dados oficiais dos órgãos de segurança foram as fontes documentais que constituíram o instrumento de pesquisa e que abarcaram o intervalo de tempo de 2015 a 2017.
Frente à utilização de fontes documentais e os procedimentos técnicos adotados, a pesquisa em pauta se apresenta como documental. A pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com o objeto da pesquisa, entretanto, existem também aqueles documentos que já foram processados, mas podem receber outras interpretações (GIL, 2008).
A pesquisa pretendeu levantar as manifestações de violência em estabelecimentos de ensino que foram manchetes nos principais jornais de circulação estadual e local, e conhecer o envolvimento da Polícia Militar (PM) do município de Cáceres no cotidiano escolar, seja através de projetos desenvolvidos pela própria PM, por ações definidas pelo governo de Estado, ou por apelo das instituições de ensino aos órgãos de segurança. Os resultados, a análise das informações e dos dados serão apresentados através de tabelas, quadros e de forma descritiva.
Referencial teórico
Acredita-se que o termo violência não expresse o que ocorre no ambiente escolar, mas o termo conflito, sim. Conflito diz respeito à vida coletiva, ao estar com os outros. É um fenômeno inevitável, enquanto condição sine qua non de o homem conviver com outros. A existência coletiva condena o indivíduo a experimentar processos de aprendizagem de como administrar o conflito entre uma variedade de opções que se estende da solução pacífica à solução violenta. A vida coletiva, o estar com os outros, inevitavelmente é o que faz com que se sofram e se exerçam ações sobre os demais.
Estar com os outros incorpora todos os embates que se tem de enfrentar cotidianamente, incluindo a violência, por se viver em sociedade. Assim, o conflito aponta possibilidades humanas, sem considerá-lo algo bom ou ruim em si mesmo, mas apenas de que ele faz parte do processo natural do viver em sociedade, de ser o homem um ser de relações. Isso não significa que se deva aceitar a violência, mas entendê-la como uma das dimensões humanas com a qual se deve lidar. O conflito possibilita que se encontre solução através do uso da palavra, da persuasão, do diálogo, enquanto que a violência impede a fala, impõe o silêncio e interrompe o diálogo. Assim, sendo o homem um ser social, a política promove a vida, e a violência, por sua vez, nega a vida em toda a sua complexidade.
A escola, na contemporaneidade, tem-se apresentado como mais um entre tantos outros lugares em que se presencia e se vivencia o conflito. Cada vez mais, os jovens têm se rebelado contra as imposições da escola, dos professores e até cometido práticas contra seus pares passíveis de diferentes classificações, incluindo a violência criminal. Na escola, integrando o processo de socialização e o pedagógico, o conflito está posto.
No ambiente escolar ocorrem embates entre alunos, alunos e profissionais da educação e entre os próprios profissionais, cujos motivos, entre outros, podem ser a diferença de idade, de gênero, valores, crenças, falta de recursos materiais e financeiros, diferenças de papéis, jogos de poder e rixas pessoais que desenham ações como: conflitos interpessoais, indisciplina e microviolências, podendo, progressivamente, chegar à violência e ao cometimento de crime. Cada uma dessas ações delineia-se de modo diferente e tem-se a possibilidade de criar soluções e apresentar medidas de prevenção a cada uma dessas práticas.
Ao se traçar o entendimento sobre indisciplina afirma-se que ela é uma ação corriqueira no meio escolar, um ato passível de punição prevista em normas, regras de convivência ou no regimento da escola. O que distingue a indisciplina de outras manifestações é o não uso da força, a não violência, mas a perturbação da ordem. A indisciplina utiliza, segundo Tiellet e Corsetti (2011), a zombaria, a desobediência, a indiferença, o riso, o sarcasmo, o desacato, o deboche, os atos de comunicação não verbal, incluindo o gesto, o olhar, o não fazer nada, o silêncio, a mímica e o ruído que causam aflição nos professores.
A indisciplina pode ser a resposta ou a reação ao desconforto sentido pelo(s) discente(s) com a postura do professor, com a proposta didático-pedagógica, com o clima geral da sala de aula ou da escola; pode indicar uma necessidade legítima de transformação no interior das relações escolares e, em particular, na relação professor-aluno (Aquino, 1998), e também serve para o discente medir a resistência, a paciência, a tolerância, a coerência do(a) professor(a). A indisciplina, por sua particularidade, não pode ser caracterizada como violência, embora possa gerar atos de violência.
Outras manifestações, além da indisciplina, ocorrem na escola com igual frequência: a incivilidade e os rituais de humilhação também denominados de assédio; a brutalidade entre pares, ou bullying, termos que possuem sentidos semelhantes e são ações que integram a categoria denominada microviolência[4], não para minimizar a crueldade ou julgar de menor importância atos que não deixam marcas visíveis, mas para identificá-los como manifestações de característica diversa da indisciplina e da violência propriamente dita.
Os professores percebem as microviolências como brincadeiras, aceitando-as com naturalidade, e também aceitam as atitudes de gozação e imposição de apelido em colegas e/ou grupos específicos, aqueles que se diferenciam pela maneira de ser, pelo estilo de vida, crenças e convicções (Tiellet, 2012).
A microviolência no século XXI, de acordo com Freitas (2010), é legitimada pela consciência coletiva. A sociedade em geral aceita a microviolência como ação integrante e natural do processo de socialização. Ela não deixa marcas visíveis, é difícil de ser provada e, assim, não se configura violência, embora possa ferir com igual intensidade ao negar o direito à cidadania, ao objetivar a eliminação social e a anulação do outro como sujeito. Na sua fronteira está o território da violência constituída de força de intencionalidade e de racionalidade.
A violência, sim, deixa marcas como resultado de ação desmedida e tem como fim atingir fisicamente o outro, destruí-lo, negar-lhe a existência; expressa-se na intenção de eliminar o outro fisicamente, ato associado ao crime. A violência é caracterizada por práticas descritas nos dispositivos legais, relacionadas ao crime, por exemplo, o homicídio, o estupro, a lesão corporal e outras formas específicas de manifestações que ocorrem em diversas esferas da vida cotidiana. “Ela [violência] está em toda parte, ela não tem nem atores sociais permanentes reconhecíveis, nem ‘causas’ facilmente delimitáveis e inteligíveis” (ZALUAR, 1997 apud WAISELFISZ, 2012, p.7). Já para Odalia (1983), a violência não traz em si uma etiqueta de identificação. Entretanto, reconhece-se a violência pelas marcas físicas, psicológicas e emocionais que deixa.
No interior da escola, ao se associar o termo violência ao crime (homicídios, lesão corporal e estupro) não foram encontrados índices alarmantes. Mas, no entorno dos estabelecimentos de ensino, a violência tem se expressado em mortes e ferimentos, por bala perdida, de crianças e adolescentes uniformizados ou não, em consequência de confrontos entre agentes do Estado e bandidos, vingança, acertos de contas e mesmo criminosos que se posicionam frente às escolas ou em seu entorno.
Magalhães (2009) afirma que há uma série de práticas diferentes sob a denominação de violência. O que, segundo a autora, oculta um processo social de homogeneização e ressignificação provocadas pelas mídias. Muitas práticas podem ser positivas à medida que se possa discutir o significado e as consequências de cada ato — a incivilidade, a microviolência e a indisciplina, com o objetivo de qualificar as relações cotidianas. Mas nominar todas as práticas sob um mesmo rótulo aumenta o sentimento de insegurança e de medo e as descolam do dado empírico e objetivo quanto ao real índice de crescimento da violência tipificada no Código Penal. Segundo Adorno (1995), a percepção da violência é diferente da concretização da mesma e não é dominada pela racionalidade. Soares (1996) afirma que a cultura do medo se sustenta na homogeneização de diferentes práticas sociais à violência.
As categorias expostas — incivilidade, indisciplina, microviolência e violência — constituem referências que podem auxiliar a estabelecer distinções entre as diferentes práticas que ocorrem no ambiente escolar, entendendo como ambiente escolar as dimensões constituídas pelo interior e entorno da escola. Elas ajudam a definir ações pontuais para cada situação, enfim, contribuem para a elaboração de políticas claras de enfrentamento dos conflitos e da violência que ocorrem no interior da escola e no seu entorno, incluindo quando e onde as intervenções policiais são necessárias.
contexto estudado
A sistematização dos resultados e as análises aqui apresentadas dizem respeito às fontes documentais mencionadas anteriormente. Foi possível, através de dois jornais de maior circulação, um em nível estadual[5] e outro do município de Cáceres[6], identificar os eventos de maior repercussão ocorridos no entorno e no interior de escolas do município de Cáceres, no período 2015-2017. A busca nesses dois órgãos de comunicação ocorreu com o uso do descritor “escola”.
No ano de 2015 foram encontradas 17 ocorrências de crime e contravenção nas escolas do estado de Mato Grosso, relacionadas no Quadro 1, que ganharam repercussão estadual.
Quadro 1 – Relação de crimes no ano de 2015 publicados em jornal de circulação estadual e local, por manchete, data e localização da ocorrência.
Ord. |
Data |
Manchete |
Localidade |
01 |
14.01 |
Homem é preso suspeito de arrombar escola em Araputanga e furtar equipamentos |
Araputanga |
02 |
21.02 |
Jovem morre alvejado por balas próximo ao colégio |
Cuiabá |
03 |
24.02 |
Adolescente é flagrado com arma dentro da escola |
Cuiabá |
04 |
05.03 |
Estudante sofre tentativa de morte, dentro da escola |
Cuiabá |
05 |
06.03 |
Morte de estudante em frente da escola |
Cuiabá |
06 |
06.03 |
Onze pessoas, sendo nove adolescentes que praticavam vandalismo na escola foram detidos |
Cuiabá |
07 |
25.03 |
Menor é detido com pistola simulada no interior da escola |
Várzea Grande |
08 |
01.04 |
Garota de 11 anos é violentada perto da escola |
Várzea Grande |
09 |
13.05 |
Homem é preso ao tentar furtar escola |
Várzea Grande |
10 |
15.05 |
Menino de 6 anos é estuprado na escola |
Rondonópolis |
11 |
13.06 |
Aluno fere professora com canivete |
N Bandeirante |
12 |
27.06 |
Uma menina de 9 anos é estuprada na saída da escola |
Cuiabá |
13 |
01.07 |
Professor é preso por assediar alunos |
Cuiabá |
14 |
01.07 |
Abuso sexual de professor |
Campo Novo |
15 |
18.07 |
Professora e estudante são presas por tráfico |
Cuiabá |
16 |
28.08 |
Aluno morre em briga na escola por ciúme |
Cuiabá |
17 |
11.11 |
Escola Estadual sofre com vândalos (roubo) |
Cuiabá |
Fontes: Jornal Diário de Cuiabá e Jornaloeste. Elaborado por TIELLET, Maria do Horto (2018).
As cidades de Cuiabá e Várzea Grande apresentaram o maior número de manchetes de crimes e contravenções que ocorreram no interior da escola ou no seu entorno. Em 2015, no interior das escolas do estado de Mato Grosso, se configurou um homicídio e duas tentativas, sendo uma com arma branca contra uma professora. Ainda na categoria de crime contra a vida ocorreram estupro, assédio e abuso sexual, totalizando três casos, dois deles de assédio e abuso sexual que tiveram envolvimento de professores. Houve quatro ações de vandalismo provocadas por indivíduos estranhos às escolas, incluindo uma tentativa de furto. Um caso de tráfico envolvendo professora e aluna. E duas contravenções por porte de arma de fogo.
Dos casos de crimes contra a vida, no entorno ou nas proximidades da escola, dois deles foram casos de estupro na saída da escola, e dois provocaram duas mortes em frente à escola. No ano de 2015 não se encontrou, nos dois jornais pesquisados, notícias sobre as escolas de Cáceres relacionadas ao objeto deste estudo com repercussão estadual.
De acordo com levantamento de 2016, as notícias sobre ocorrências policiais em escolas de Cuiabá e Várzea Grande diminuíram e deram lugar às manchetes de escolas localizadas na cidade de Cáceres (ver Quadro 2).
Quadro 2 – Relação de crimes no ano de 2016 publicados em jornal de circulação estadual, por manchete, data e localização da ocorrência.
Ord. |
Data |
Manchete |
Localidade |
01 |
04.05 |
Polícia flagra menor que iria matar desafeto durantes os jogos escolares |
Cáceres |
02 |
05.05 |
Professor é flagrado abusando de criança |
Cuiabá |
03 |
18.05 |
Três são presos por roubar escola |
Cuiabá |
04 |
02.07 |
Bando bate em alunos e rouba escola |
Cuiabá |
05 |
06.06 |
Guri é apreendido em Cáceres com arma e confessa que ia matar três colegas de escola |
Cáceres |
06 |
24.11 |
Suspeito de estuprar criança de 5 anos. Funcionário da escola, |
Barra do Bugres |
07 |
28.11 |
Menor é apreendido com arma para matar colega de escola em Cáceres |
Cáceres |
08 |
04.12 |
Menino de 12 anos é acusado de estuprar colega de 7 em escola; mães se desentendem |
Cáceres |
09 |
10.12 |
Professora de Cáceres tem carro incendiado na porta da escola |
Cáceres |
Fontes: Jornal Diário de Cuiabá e Jornaloeste. Elaborado por TIELLET, Maria do Horto (2018).
No ano de 2016 foram flagrados e/ou suspeitos de estupro, abuso e assédio três casos, dois destes têm envolvimento de professor, de funcionário e o estupro, no interior da escola, sendo um colega o agressor. Ocorreram dois roubos por agentes externos à escola, um caso de vandalismo contra a propriedade de uma professora, e três contravenções por porte de arma de fogo com o objetivo do aluno de atentar contra a vida do desafeto. Das nove notícias publicadas, cinco ocorreram na cidade de Cáceres, quatro dos quais aconteceram no interior da escola.
E, por fim, no ano de 2017 foram encontradas treze (13) notícias, quatro delas de delitos que ocorreram na cidade de Cáceres, sendo um referente à venda de droga e três contravenções. E nas outras localidades de Cuiabá, Várzea Grande e Caramujo ocorreram crimes de agressão física, morte, abuso sexual e roubo. Das treze ocorrências relacionadas ao ambiente escolar, cinco ocorreram no entorno da escola (Quadro 3).
Quadro 3 – Relação de crimes no ano de 2017 publicados em jornal de circulação estadual, por manchete, data e localidade do ocorrido
Ord. |
Data |
Manchete |
Localidade |
01 |
11.02 |
Terceiro envolvido em roubo de obra de escola é preso |
Várzea Grande |
02 |
17.04 |
Aluno de escola municipal de Cáceres é flagrado com arma artesanal na sala de aula |
Cáceres |
03 |
19.04 |
Rapaz é preso na porta de escola do Caramujo vendendo drogas |
Caramujo |
04 |
04.05 |
Motorista de van escolar é acusado de abusar sexualmente de menino |
Cuiabá |
05 |
28.05 |
PM prende dois acusados de vender droga perto de escola pública em Cáceres |
Cáceres |
06 |
31.05 |
Menino de 11 anos é flagrado com um corotinho de Catuaba na escola em Cáceres |
Cáceres |
07 |
28.06 |
Delegacia apura agressão em escola |
Cuiabá |
08 |
06.07 |
Estudante é esfaqueado em frente à Escola E. Presidente Médici |
Cuiabá |
09 |
18.08 |
Menores são apreendidos quando iam assaltar estudantes na saída de escola em Cáceres |
Cáceres |
10 |
19.09 |
Professor de fanfarra é denunciado |
Cuiabá |
11 |
22.09 |
Rapaz que matou homem na porta da escola é condenado a nove anos |
Cuiabá |
12 |
27.10 |
Estudante é preso com revólver na escola |
Cuiabá |
13 |
01.11 |
MP investiga suposta agressão em aluno por parte de funcionário da escola |
Cuiabá |
Fontes: Jornal Diário de Cuiabá e Jornaloeste. Elaborado por TIELLET, Maria do Horto (2018).
Na cidade de Cáceres foi noticiada a existência de ponto de venda de drogas próximo de uma escola, e uma tentativa de assalto a estudantes na saída do estabelecimento de ensino. No interior da escola, as notícias se referem à posse de bebida alcoólica e ao porte de arma por parte de alunos.
Em 2017, foram “quase 2 mil delitos registrados em escolas, de janeiro a junho deste ano [2017], 1.956 crimes ou delitos foram registrados em escolas públicas e particulares de MT” (LOPES; SÁ, 2017) (ver Figura 1). E que somente na cidade de Cuiabá o MP apurou crescimento de 54% de ocorrências policiais registradas em escolas da capital. Segundo Almeida (2017), “o número é um comparativo entre o primeiro semestre de 2017 e de 2016 [...]”. O promotor ressalta
[...] a obrigação de se manter um ambiente escolar seguro e adequado para a formação do aluno. ‘No entanto, os dados apresentados pela Sesp mostram informações alarmantes sobre a violência nas escolas públicas de Cuiabá e Várzea Grande. Infrações como furto, ameaças, lesão corporal, injúria, difamação (...) foram registradas em 2017 no ambiente escolar’, cita Miguel Slhessarenko. O MP ressalta que a violência na escola e o clima de insegurança refletem negativamente na formação dos alunos, além de contribuir para evasão escolar (ALMEIDA, 2017).
Figura 1 – Comparativo dos delitos que ocorreram nas escolas de MT, segundo dados da SESP, entre 2016 e 2017 dos meses de janeiro e junho.
|
Fonte: RdNews/Portal de notícias de MT.[7]
Constata-se que, em relação à violência nas escolas de Mato Grosso, na Figura 1 não estão os índices relacionados aos crimes de homicídios, tentativas de homicídio, estupro, abuso sexual e assédio, e porte de arma, embora esses crimes tenham ocorrido no interior e no entorno das escolas em diferentes municípios, como constatado nos Quadros 1, 2 e 3.
Obtivemos informações sobre o número de chamadas/ocorrência nas escolas públicas do município de Cáceres, atendidas pela PM, PJC e BM. Assim, no período de 2015 a 2017 foram 375 ocorrências distribuídas em 42 instituições de ensino públicas, o que revelou a presença marcante de agentes de segurança nas escolas do município de Cáceres.
Identificar as instituições de ensino e o número de chamadas/ocorrências registradas por unidade escolar possibilitou que se comparasse o número de ocorrências entre as escolas públicas das redes estadual e municipal (Quadro 4).
Quadro 4 - Total de chamadas/ocorrências registradas pela PM, PJC e BM, no período de 2015-2017, por instituição de ensino localizadas no município de Cáceres.
Ord |
Instituições de Ensino |
2015 |
2016 |
2017 |
Total |
Escolas Estaduais |
|||||
1 |
São Luiz |
12 |
18 |
12 |
42 |
2 |
Onze de Março |
06 |
21 |
10 |
37 |
3 |
Senador Mário Motta |
09 |
09 |
11 |
29 |
4 |
Ana Maria G. S. Noronha |
09 |
10 |
08 |
27 |
5 |
Criança Cidadã |
06 |
09 |
11 |
26 |
6 |
Milton Marques Curvo |
2 |
10 |
08 |
20 |
7 |
Prof. Natalino Ferreira Mendes |
05 |
07 |
05 |
17 |
8 |
Desembargador Gabriel Pinto de Arruda |
01 |
08 |
06 |
15 |
9 |
União e Força |
02 |
06 |
07 |
15 |
10 |
Frei Ambrósio |
04 |
04 |
04 |
12 |
11 |
Demétrio Costa Pereira |
01 |
06 |
03 |
10 |
12 |
Dr. Leopoldo Ambrósio Filho |
- |
05 |
04 |
09 |
13 |
Esperidião Marques |
01 |
04 |
03 |
08 |
14 |
Prof. João Florentino Silva Neto |
03 |
03 |
01 |
07 |
15 |
Dr. José Rodrigues Fontes |
03 |
- |
03 |
06 |
|
Subtotal |
64 |
120 |
96 |
280 |
|
Escolas Municipais |
|
|
|
|
Centro Educ. Dom Máximo Biennés |
01 |
06 |
09 |
16 |
|
2 |
Isabel Campos |
01 |
07 |
02 |
10 |
3 |
Raquel Ramão da Silva |
03 |
05 |
- |
08 |
4 |
Prof. Eduardo Benevides Lindote |
01 |
01 |
05 |
07 |
5 |
Tancredo Neves |
- |
06 |
- |
06 |
6 |
Buscando o saber |
04 |
01 |
- |
05 |
7 |
Vitória Regia |
03 |
01 |
|
04 |
8 |
Garces |
02 |
02 |
- |
04 |
9 |
Santos Dumont |
- |
03 |
- |
03 |
10 |
Clarinópolis |
02 |
- |
01 |
03 |
11 |
Duque de Caxias |
01 |
01 |
01 |
03 |
12 |
Vila Real |
- |
02 |
01 |
03 |
13 |
Escola Soteco (Escola do Campo) |
- |
03 |
- |
03 |
14 |
Santa Catarina (Escola do Campo) |
02 |
- |
01 |
03 |
15 |
Jardim Guanabara |
01 |
01 |
- |
02 |
16 |
Novo Oriente |
01 |
01 |
- |
02 |
17 |
Madre Estevão |
- |
- |
02 |
02 |
18 |
Pequeno Sábio |
01 |
- |
01 |
02 |
19 |
Profa. Erenice Simão Alvarenga |
- |
02 |
- |
02 |
20 |
Gotinha do Saber |
- |
- |
01 |
01 |
21 |
Vila Irene |
- |
01 |
- |
01 |
22 |
Nova Era |
- |
01 |
- |
01 |
23 |
São Francisco Pé de Anta (Escola do Campo) |
- |
- |
01 |
01 |
24 |
Jardim Paraiso |
- |
- |
01 |
01 |
25 |
Nossa Senhora Aparecida (Escola do campo) |
01 |
- |
- |
01 |
26 |
Província de Arrezo |
01 |
- |
- |
01 |
27 |
Santo António do Caramujo (Escola do Campo) |
- |
- |
01 |
01 |
|
Subtotal |
25 |
43 |
27 |
95 |
|
Total |
89 |
163 |
123 |
375 |
Fonte: Boletins de ocorrências da Policia Militar, da Polícia Judiciária Civil e do Bombeiro Militar. Adaptado por TIELLET, Maria do Horto Salles (2018).
Embora se tivesse o número de ocorrências registradas por estabelecimento de ensino não foi possível distinguir se os fatos originários das chamadas policiais ocorreram no entorno ou no interior da unidade escolar. Também não há identificação dos envolvidos, isto é, se pertenciam ou não ao corpo discente/docente/funcionários da instituição, nem o tipo de ocorrência, apenas o número de chamadas policiais. Constata-se que, mesmo sendo maior o número de escolas municipais de que o de escolas estaduais, nos estabelecimentos de ensino estaduais houve o maior número de chamadas policiais. Waiselfisz (2012), pela primeira vez, identifica a escola entre os locais em que a violência contra crianças e adolescentes ocorre (Tabela 1).
Tabela 1- Número de atendimentos de crianças e adolescentes (<1 a 19 anos) por violências segundo local de ocorrência e faixa etária das vítimas. Brasil. 2011.
Local das |
|
|
Faixa |
Etária |
|
|
Ocorrências |
<1 |
1 a 4 |
5 a 9 |
10 a 14 |
15 a 19 |
Total |
Residência |
1.812 |
3.787 |
3.787 |
5.567 |
5.991 |
21.041 |
Escola |
29 |
140 |
325 |
696 |
373 |
1.563 |
Bar |
27 |
10 |
19 |
116 |
458 |
630 |
Via pública |
207 |
241 |
442 |
1.518 |
3.629 |
6.037 |
Outros |
630 |
701 |
547 |
984 |
1.194 |
4.056 |
TOTAL |
2.705 |
4.976 |
5.120 |
8.881 |
11.685 |
33.327 |
Fonte: Mapa da Violência, 2012, p.66.
Os dados mencionados na Tabela 1 são importantes à medida que relacionam os locais de ocorrência de violência e a idade das vítimas. Os dados mostram que a escola se apresenta como espaço possível de ocorrer a violência contra crianças e adolescentes, no entanto, entre os cinco locais relacionados na Tabela 1, a escola se encontra na quarta posição. Entre as faixas etárias, definidas na tabela mencionada, a faixa entre 10 e 14 anos de idade obteve o maior número de ocorrências, sendo possível constatar, na escola, uma tendência para ocorrer conflitos nos anos finais do Ensino Fundamental, coincidentemente é o nível de ensino, segundo estudos, em que ocorre a evasão escolar.
Constata-se que o número de registros relacionados às escolas da rede pública estadual é o triplo daquele das escolas municipais. O fato de a rede municipal atender a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental pode ser uma das possíveis explicações. Já as escolas da rede estadual têm como sua principal clientela alunos em idade entre 10 e 19 anos, os quais são inquietos, impulsivos, questionadores — um perfil de aluno que exige atenção — e estão centrados nos anos finais do Ensino Fundamental e no início do Ensino Médio.
Os registros da Polícia Militar (PM) de chamadas/ocorrências nos estabelecimentos de ensino de Cáceres são altos. Por outro lado, o levantamento realizado no jornal de maior circulação do estado de Mato Grosso e no jornal local não apresentaram notícias de violência letal no interior e no entorno dos estabelecimentos de ensino de Cáceres, podendo-se deduzir que as chamadas policiais dizem respeito a fatos de menor potencial ofensivo. Outro dado que se destaca nas informações sistematizadas é o ano atípico de 2016, o qual teve o maior registro de chamadas/ocorrências policiais, se comparado com anos interiores e posteriores, e também o ano em que as ocorrências no ambiente escolar de Cáceres foram manchetes em maior número.
Ao se cruzar o total de 375 chamadas/ocorrências policiais das escolas públicas (Quadro 4), com os projetos desenvolvidos pelas escolas para o enfrentamento dos conflitos e da violência esses são insatisfatórios. No município de Cáceres promoveu-se palestra sobre bullying no ano de 2015. E foi desenvolvido o projeto da PM para reduzir as ocorrências de delitos e multiplicar o conceito de cidadania, incluindo policiamento escolar, também na zona rural, no ano de 2016, e a execução do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD).
Nos sites oficiais das Secretarias de estado de Mato Grosso (SECOM, SESP, SEJUDH, SEDUC) é possível mapear as iniciativas para resolver os eventos nominados de violência escolar, entretanto, tais políticas se destinam às cidades de Cuiabá e Várzea Grande, não havendo atenção para com as escolas públicas localizadas nos demais municípios do Estado.
As diferentes manifestações que ocorrem no ambiente escolar e que têm sido incluídas em uma única categoria – violência na escola – se constituem em registros genéricos que não apresentam relatos significativos que ajudem a explicar indicações para a presença policial em número cada vez maior, como política para enfrentamento dos conflitos na escola.
Considerações finais
Os questionamentos que motivaram o estudo — Os conflitos que ocorrem no interior dos estabelecimentos de ensino público impõem a presença policial? — e a hipótese de que a violência nas escolas não é a regra, complementada com a afirmação de que todas as outras manifestações, fora a violência criminal, são questões que devem estar sob a administração e o controle do coletivo escolar se sustentam nas afirmações que se passa a expor.
As categorias apresentadas e que definem as diferentes manifestações que podem ocorrer no ambiente escolar revelam que as ações descritas nos dispositivos legais (homicídios, lesão corporal, entre outras) não são ações corriqueiras que justifiquem a presença policial nos estabelecimentos de ensino. Mas isso não significa que possam não acontecer ou mesmo variar em frequência e gravidade, dependendo das motivações e dos instrumentos usados, pois a escola é um espaço de circulação de pessoas com ideias, costumes, crenças e culturas diferentes, e são essas características que a torna favorável a contextos que sofrem alterações conflituosas.
Dos trinta e nove casos noticiados de crimes em escolas da rede pública estadual de Mato Grosso, no período de 2015 a 2017, seis são tentativas de homicídio e homicídios, enquanto onze são casos de abuso, estupro e assedio. Os crimes contra a vida ocorreram no entorno e contra alunos por pessoas estranhas ao ambiente escolar, enquanto que no interior das escolas ocorreram crimes, por diferentes atores escolares (funcionário, professor ou aluno). Assim, se a compreensão de violência na escola se relaciona ao crime, mais especificamente ao homicídio ou à tentativa; e se a maioria dos casos é provocada por ações de estranhos e no entorno da escola, ou por alguém que a invade premeditadamente ou em virtude da ocasião, tais atos poderiam ser evitados com ações que não necessitam da presença constante da polícia monitorando o interior dos estabelecimentos de ensino, mas com patrulhamento escolar mais frequente no entorno da escola, podendo ser intensificadas também as rondas policiais nos bairros onde as escolas se localizam.
O número significativo de violência praticado no entorno da escola por estranhos à comunidade escolar contra alunos é um dado que deve ter relevância na definição das estratégias de segurança das escolas. Questiona-se: faltam porteiros nos estabelecimentos de ensino? A estrutura física das escolas protege os alunos e os professores, sabendo-se que a maioria das escolas está sucateada e funciona em prédios velhos? Em tal situação, talvez se deva afirmar que a violência que os alunos e os profissionais da educação sofrem conjuntamente é estrutural, sendo essa, segundo Waiselfisz (2012, p.9), “as diversas formas de danos físicos ou psicológicos que, tendo condições de serem evitadas, não o são pela negligência ou pela negação dos direitos básicos” dos órgãos responsáveis pela oferta de tais direitos.
Os dados constatados até o momento provocam mais reflexões: se, no período de 2015 a 2017, houve, no âmbito da rede de ensino pública estadual de MT, dezessete casos noticiados de violência (morte, tentativa de homicídio, estupro, abuso e assédio), portanto, em média cinco casos a cada ano, tais números justificariam a presença de policiais nos estabelecimentos de ensino?
De acordo com Zaluar (1997), a violência não tem atores sociais permanentes reconhecíveis e nem ‘causas’ facilmente delimitáveis e inteligíveis, a não ser que para os agentes governamentais, e especialmente para a PMM/MT, os alunos de escolas públicas sejam os atores sociais da violência e a escola o lugar de origem da mesma.
Na cidade de Cáceres, no período de 2015 a 2017, a ocorrência mais grave foi o estupro corrido no interior de uma escola por um colega. Na maior parte são contravenções relacionadas ao porte de arma, faca e bebida alcoólica. Ocorrem com maior frequência os conflitos interpessoais, a indisciplina e a microviolência, manifestações que poderiam ser gerenciadas pelo coletivo escolar (alunos, professores, funcionários e pais) se lhes fosse dado apoio estratégico e financeiro para o desenvolvimento de ações pedagógicas de prevenção; ou se, em escolas cuja maioria dos alunos encontra-se em maior vulnerabilidade, houvesse o apoio de profissionais especializados semelhante ao Programa Rede Cidadã da SESP, o qual conta com psicólogos e assistentes sociais. As manifestações descritas não requerem a presença policial; por outro lado, o número de chamadas/ocorrências da presença policial é alto, então, o que a justificaria?
Talvez, o professor e o gestor tenham dificuldade de identificar e classificar as manifestações que ocorrem, recorrendo à autoridade policial como solução imediata. É necessária uma caracterização mais objetiva das manifestações que comumente ocorrem no interior dos estabelecimentos de ensino que possa auxiliar o professor a estabelecer distinções entre as manifestações e propor ações de redução e prevenção dos conflitos e da violência especificas à sua unidade escolar.
As ações propostas pela SEDUC pouco atingem o conjunto das escolas da rede pública estadual. Isso faz com que seja possível afirmar que as ações realizadas pela SEDUC e aquelas em parceria com a SESP foram saídas emergenciais, reações pontuais e tentativas imediatas de resposta a episódios que mexeram com a opinião pública e não o resultado de uma atenção permanente aos conflitos e violências no ambiente escolar por parte da Secretaria de Estado de Educação. Talvez a própria escola deva manter-se permanentemente organizada para estabelecer regulamentos que se antecipem aos conflitos e aos riscos de violência.
Percebe-se que o envolvimento da SEDUC e da SEJUSP para a redução e a prevenção da violência no ambiente escolar é motivado por episódios em que a população demanda por respostas imediatas do poder público em razão do medo e da insegurança. E, nesse aspecto, os projetos, programas e ações incorporam desenho mais policial do que educacional, mesmo sendo originados pela Secretaria de Estado de Educação (TIELLET, 2012).
Não foi possível perceber se o planejamento estratégico de atuação, os projetos, os planos e os programas da SESP e da SEDUC para enfrentar o que denominam de violência escolar que tem legitimado a presença da polícia militar foram elaborados com base em estudos sobre as manifestações que ocorrem nos estabelecimentos de ensino público estaduais.
As manifestações que ocorrem no interior das escolas na cidade de Cáceres referendam o que pesquisas têm afirmado, de que nas escolas ocorrem menos crimes violentos em comparação a outros espaços. E nesse sentido a violência no ambiente escolar é a exceção e não exige a presença física da polícia militar no interior da escola.
Os alunos são atores sociais em uma instituição de formação e não há necessidade do controle policial e tampouco de atendimento repressivo. Os discentes (meninos e meninas) não são “moleques perigosos” cujo comportamento seja previsível, justificando a adoção, entre as medidas preventivas, da presença policial na escola. Com essa ação, o estabelecimento de ensino deixa de ser acolhedor, de ter encantamento, ao mesmo tempo em que intensifica, no discente, o sentimento de rejeição à autoridade policial.
Não existe um quadro de violência generalizado nas escolas mato-grossenses e muito menos na rede pública de ensino do município de Cáceres que justifique a policialização das escolas públicas a não ser para fomentar concepções que defendem escolas públicas militarizadas. O exposto acima converge, apenas, para algumas considerações postas, até o momento, no jogo das reflexões sobre os conflitos e a presença policial no ambiente escolar mato-grossense.
Referências
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Correspondência
Maria do Horto Salles Tiellet - Universidade do Estado de Mato Grosso - Av. Tancredo Neves, nº 1095, Cavalhada III, CEP 78200-000, Caceres, Mato Grosso, Brasil,
Notas
[1] Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso.
[3] Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.
[4] Expressão usada por Éric Debarbieux (1996)
[5] Disponível em www.diariodecuiaba.com.br.
[6] Disponível em www.jornaloeste.com.br.
[7] Disponível em: http://www.rdnews.com.br/cidades/crimes-contra-a-pessoa-no-ambiente-escolar-aumentam-em-media-50-em-mt/87825. Postado em 05.08.2017