Condorcet: Pressupostos e Relevância da Instrução Pública
Condorcet: Assumptions and Relevance of Public Education
Josilene Souza Lima Barbosa
Docente no Instituto Federal de Sergipe. Aracaju, Sergipe, Brasil.
josylenelbarbosa@yahoo.com.br - https://orcid.org/0000-0002-9767-1411
Márcia dos Santos Fontes
Doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil,
ms-fontes@bol.com.br - https://orcid.org/0000-0003-4664-6467
Rita de Cácia Santos Souza
Professora doutora na Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil.
ritacssouzaa@yahoo.com.br - https://orcid.org/0000-0003-0476-4414
Recebido em 19 de novembro de 2018
Aprovado em 09 de janeiro de 2019
Publicado em 13 de maio de 2020
RESUMO
Tido como um dos últimos filósofos iluministas na França, o Marquês de Condorcet aliou o ideal de esclarecimento humano a uma proposta política de concretização desse ideal quando, em 1792, entregou um relatório propondo um plano completo de organização da instrução nacional que tinha como fundamento o exercício da liberdade e a defesa da igualdade capaz de excluir toda e qualquer dependência. Tal proposta ficou conhecida como as Cinco Memórias sobre a Instrução Pública. A fim de compreendermos o teor e a relevância dessa proposta, trilharemos o seguinte percurso: 1. Analisaremos como o modo de instrução defendido por ele busca ser o viés condutor e conjugador do saber universal, tal como se encontra elaborado num dado momento histórico, e o saber elementar, processo que tem como pressuposto a compreensão de perfectibilidade humana; 2. Apresentaremos a proposta educacional de Condorcet nas três etapas do seu projeto de instrução buscando abarcar seus pressupostos numa compreensão de pessoa humana e de progresso do espírito humano; 3. Tais pressupostos e métodos produz algumas implicações que podem ser expressas nas questões que nos guiarão: visto ser todo indivíduo naturalmente dado à perfectibilidade, donde provém a necessidade de sermos instruídos? De que modo podem ser conjugadas, na prática educativa, a liberdade e a “igualdade de fato”, consequentes da proposta de uma instrução pública universalizante? Pretendemos, portanto, lançar um pouco de luz sobre as concepções que servem de base sólida a Condorcet para que, como um espelho, nos permita refletir sobre a presente condição da educação.
Palavras-chave: Educação pública; Igualdade; Progresso humano.
ABSTRACT
As one of the last Enlightenment philosophers in France, the Marquis de Condorcet combined the ideal of human enlightenment with a political proposal for the realization of this ideal when, in 1792, he submitted a report proposing a complete plan for the organization of national instruction based on the exercise of freedom and the defense of equality capable of excluding any dependency. Such a proposal became known as the Five Memories on Public Instruction. In order to understand the content and relevance of this proposal, we will look at the following path: 1. We will analyze how the mode of instruction defended by it seeks to be the leading and conjugal bias of universal knowledge, as it is elaborated in a given historical moment, and elementary knowledge, a process that presupposes the understanding of human perfectibility; 2. We will present Condorcet's educational proposal in the three stages of his instructional project, seeking to include his presuppositions in an understanding of the human person and progress of the human spirit; 3. These presuppositions and methods produce some implications that can be expressed in the questions that will guide us: since every individual is naturally given to perfectibility, where does the need arise for us to be educated? In what way can freedom and "de facto equality", as a result of the proposal of a universalizing public education, be conjugated in educational practice? We intend, therefore, to shed some light on the conceptions that serve as a solid basis for Condorcet so that, as a mirror, we can reflect on the present condition of education.
Keywords: Public education; Equality; Human Progress.
Introdução
É sabido e proclamado que o amplo acesso à educação se constitui em um dos fundamentos para a consolidação de uma forma de existência comum democrática. Sem tal acesso os indivíduos não são capazes de participar efetivamente da tomada de decisões que os afetam, de conhecer os direitos conquistados e outros pelos quais batalhar, e se submetem facilmente aos poderes autoritários que se estabelecem sem grandes resistências. Sabe-se também que a formação educacional é a responsável pelo desenvolvimento profissional, cultural, científico e material de uma sociedade. Por estes motivos, o acesso à educação tem sido cada vez mais reconhecido como um direito fundamental em diferentes países do mundo, inclusive no Brasil. No entanto, tal reconhecimento não tem sido condizente, especialmente no caso particular do Brasil atual, com políticas de valorização da educação em seus pilares (instituições, educador e educando) a partir de investimento público, de um projeto laico, apartado de interesses externos ao processo educacional, como interesses religiosos, ideológicos e mercadológicos, nos colocando defronte à perspectiva de uma sociedade crescentemente desigual e autoritária que bloqueia o desenvolvimento individual dos seus cidadãos e, consequentemente, o desenvolvimento humano. Podemos afirmar que a preocupação com um projeto político-educacional de instrução pública, gratuita, laica e sem exclusão que servisse de veículo tanto para a realização efetiva da liberdade como autodesenvolvimento progressivo do indivíduo e, em extensão, da humanidade, quanto da igualdade de condições considerando as singularidades de cada indivíduo neste processo, tem como precursor o pensador e político Marquês de Condorcet.
Marie-Jean-Antoine-Nicolas Caritat, o Marquês de Condorcet, nascido na Picardia em 1743, era de família nobre. Estudou no Colégio dos Jesuítas em Reims e no Colégio de Navarras em Paris. Foi pioneiro nos estudos da matemática social e dedicou-se também aos procedimentos eleitorais. A ideia de revisão constitucional é de sua autoria e se baseava na confiança em que o progresso do conhecimento e da sociedade exige que as leis sejam revisadas em prol do aperfeiçoamento coletivo. Tido como um dos últimos filósofos iluministas na França[1], aliou o ideal de esclarecimento humano a uma proposta política de concretização desse ideal quando, em 1792, ocupando o cargo de deputado do Departamento de Paris e membro do Comitê de Instrução Pública, entregou um relatório propondo um plano completo de organização da instrução nacional que tinha como fundamento o exercício da liberdade e a defesa da igualdade de instrução – entre mulheres e homens, brancos e negros, pobres e ricos – capaz de excluir toda e qualquer dependência.
Ao elaborar a proposta de organização do sistema público da instrução francesa, Condorcet visava atender toda a população. Esta proposta transformou-se em livro e ficou conhecida como as “Cinco Memórias sobre a Instrução Pública” (1791). Nesta obra podemos ver a defesa de uma educação que deve “oferecer a todos os indivíduos da espécie humana os meios de prover suas necessidades, de assegurar seu bem-estar, de conhecer e exercer os seus direitos, [...] de desenvolver os talentos que recebeu da natureza e, assim, estabelecer uma igualdade de fato” (CONDORCET, 2008, p. 105). Tratava-se de uma proposta ousada para aquele marco temporal, visto que naquela época a instrução era destinada a um grupo seleto da elite francesa. “Na esteira dos projetos mais arrojados e libertários dos enciclopedistas, as ‘memórias’ de Condorcet expõem seu ideal de uma instrução pública radicalmente laica, unificada, aberta a todos” (PIOZZI, 2009, p.918).
A fim de compreendermos o teor e a relevância dessa “arrojada” e “libertária” proposta, trilharemos aqui o seguinte percurso: 1. Analisaremos como o modo de instrução defendido por ele busca ser o viés condutor e conjugador do saber universal – tal como se encontra elaborado num dado momento histórico – e o saber elementar. Processo que tem como pressuposto a compreensão de perfectibilidade humana; 2. Apresentaremos a proposta educacional de Condorcet nas três etapas do seu projeto de instrução buscando abarcar seus pressupostos numa compreensão de pessoa humana e de progresso do espírito humano; 3. Tais pressupostos produzem algumas implicações que podem ser expressas nas questões que nos servirão de guia: visto ser todo indivíduo naturalmente dado à perfectibilidade, donde provém fundamentalmente a necessidade de sermos instruídos? De que modo podem ser conjugadas, na prática educativa, a liberdade e a “igualdade de fato” que são consequentes da proposta de uma instrução pública universalizante? Pretendemos, portanto, lançar um pouco de luz sobre as concepções que servem de base sólida à Condorcet para que, como um espelho, nos permita refletir sobre a presente condição da educação.
Condorcet e os Pressupostos para a Defesa de uma Instrução Pública
Toda reflexão sobre a educação que não se baste à superfície de suas práticas e métodos, mas intencione mergulhar nos próprios fundamentos que solidificam e justificam tais práticas e metodologias, nos leva ao enfrentamento da questão primordial: Para que educamos? O que fundamenta a intencionalidade de educar? A resposta a tal questão sempre veio, nas teorias filosóficas que buscaram compreendê-la, acompanhada de uma concepção de pessoa humana que se quer educar e de mundo/cidade/sociedade para a qual se quer educar, tendo em vista sua manutenção ou transformação. Isto significa dizer que, anterior a todo e qualquer intento educacional, subjaz uma concepção de humano e de mundo cuja profundidade se exprime na interrogação de Kant (1996, p. 10): “que é o homem, para que o eduquemos?”.
Exemplo disso, no pensamento ocidental, encontramos em Platão, para quem a educação era o único modo de orientar os homens à ascese do conhecimento em direção ao Bem, permitindo a formação da cidade justa. Na concepção platônica, a condição atual dos indivíduos era de prisioneiros do mundo sensível sobre o qual só é dada a possibilidade de tecer opiniões estando, assim, distanciados do Bem, da Verdade e da Justiça, enquanto conceitos universais e imutáveis. A condição da caverna reflete, essencialmente, a natureza humana “relativamente à educação ou à sua falta” (PLATÃO, 2001, 514a). Sendo assim, essa natureza precisa, necessariamente, de uma educação adequada que possibilite ao homem sair da confusão da caverna e garantir, por meio de uma educação que identifique as especificidades da natureza de cada indivíduo direcionando-o a uma finalidade que lhe compete no corpo da pólis justa.
Também podemos ver essa tríade concepção de pessoa humana -intencionalidade da educação - concepção política na compreensão medieval de educação que, grosso modo, fundada sob a institucionalização do cristianismo, e pela cristianização agostiniana do platonismo, parte da condição de homem pecador que precisa formar o espírito pelo conhecimento da verdade revelada para ser redimido e, assim, chegar à “Cidade de Deus”. No Iluminismo, contexto do filósofo Condorcet, vemos um desfile das concepções de educação como forma de conjugar o que supõe ser a natureza do homem a um ideal de sociedade ao qual se quer chegar: Kant e a educação do homem racional capaz de autonomia e maioridade cujo desenvolvimento é necessário para o esclarecimento humano e histórico; Schiller e o ideal de uma educação estética que coaduna a concepção de homem como ser não apenas racional, mas dotado de uma sensibilidade que precisa ser educada a fim de possibilitar o estado de liberdade; Rousseau e seu Emílio como ilustração da bondade natural do homem que deve ser preservada por uma educação que não interfira em sua natureza, mas que seja feita segundo a natureza tendo em vista um novo contrato social que permita retornar às benesses do estado de natureza caracterizado pela liberdade e igualdade entre os homens.
Havemos então de perguntar: Qual compreensão de pessoa humana embasa a perspectiva educacional defendida por Condorcet? Quais pressupostos lhes servem de apoio? Ela se fundamenta na concepção de perfectibilidade do homem. Isto é, o homem, diferente de outras espécies, é dado naturalmente à sua própria superação. Santos (2009, p. 196) chama atenção para a origem rousseauniana do conceito de perfectibilidade apropriado por Condorcet como elemento de distinção mais ancestral entre a natureza primeira do homem e seu desenvolvimento. No entanto, o uso deste conceito e as implicações desse uso feitos por Condorcet apresenta inovações: a perfectibilidade é progressiva, crescente, cumulativa e indeterminada. “Sem dúvida, estes progressos poderão seguir uma marcha mais ou menos rápida, mas ela deve ser contínua e nunca retrógrada enquanto a terra ocupar o mesmo lugar no sistema do universo” (CONDORCET, 1993, p. 21). A perfectibilidade é, portanto, uma tendência que se expressa na abertura do humano, na nossa capacidade de “melhorar” a nós mesmos, nossas obras e instituições, acumulando conhecimentos e inventos que vão sendo aprimorados sucessiva e indefinidamente. Essa capacidade pode ser observada na experiência da própria história humana, na observação dos progressos feitos até então pela ciência, na análise da marcha do espírito humano e do desenvolvimento de suas faculdades (CONDORCET, 2008, p. 267).
A condição humana de perfectibilidade é o que nos permite, a partir do conhecimento historicamente acumulado, ir sempre além seguindo a marcha do progresso. Isso implica em que cada geração de homens possui uma responsabilidade perante o seu momento histórico que é o de torná-lo um degrau mais elevado em relação ao momento histórico anterior. Vemos, desse modo, em Condorcet a síntese que une o indivíduo à humanidade na história que tende ao progresso caso não haja uma subjugação da liberdade do homem por ele mesmo ou pelas instituições. O indivíduo nesse processo de humanização progressiva é, pois, elevado ao universal.
Se este aperfeiçoamento indefinido da nossa espécie é, como eu creio, uma lei geral da natureza, o homem não deve mais olhar-se como um ser limitado a uma existência passageira e isolada, destinado a desvanecer-se depois de uma alternativa entre sorte e azar, de bem e mal para aquela que ao acaso colocou perto de si; ele torna-se uma parte ativa do grande todo e cooperante numa obra eterna. Na existência de um momento sobre um ponto do espaço, ele pode, pelo seu trabalho, abraçar todos os lugares, ligar-se a todos os séculos e agir ainda durante muito tempo após a sua memória ter abandonado a terra (CONDORCET, 2008, p. 105).
Neste sentido, em Condorcet a humanização do homem aparece como centro da reflexão pedagógica. Entendendo amplamente essa humanização como desenvolvimento “dos talentos que recebeu da natureza”, de desenvolver nele o que tem de mais humano, que vai além do seu processo de desenvolvimento e maturação biológica. Tal desenvolvimento ou processo de humanização significará, por sua vez, a união desse indivíduo ao agrupamento de homens e mulheres por meio do compartilhamento e saberes acumulados ao longo do tempo, e que ele tem como dever dar prosseguimento. Há, portanto, uma inter-relação entre o saber universal, compreendido como os últimos resultados dos progressos do espírito humano, com o saber oferecido pela instrução pública, que dará a possibilidade para a produção de novos saberes e para a autonomia dos indivíduos e da coletividade.
A perfectibilidade é um fato que pode ser inferido pela marcha da civilização e da análise da natureza humana que se mostra susceptível a um aperfeiçoamento ainda que indefinido. E, além de um fato ela é, na proposta educacional e política de Condorcet um direito. O Estado tem como dever dar as condições a todos para a busca de aperfeiçoamento individual e coletivo. É importante aqui não confundirmos perfectibilidade e perfeição. A perfectibilidade é um processo, um movimento. Nada está acabado e não há um destino fixado. Nesse processo há riscos constantes de decadência, degeneração, subjugação, principalmente quando as condições jurídicas, políticas e pedagógicas que garantem os progressos humanos (institucionais, científicos, técnicos e da instrução pública) encontram-se ameaçadas pelo despotismo e pela tirania. A garantia da perfectibilidade humana é um dever da sociedade, um direito a ser garantido universalmente, sem exclusão, afinal, “o bem não pode ser durável, se não se faz progressos rumo ao melhor” (CONDORCET, 2008, p. 68).
Neste sentido, a compreensão de humanidade deve abranger a liberdade e a igualdade. A instrução deve associar-se à liberdade dos cidadãos, uma vez que a ignorância é incapaz de promover a independência, levando, ao contrário, o ser à submissão dos tiranos. Desta forma, a instrução deverá estar pautada em três princípios básicos: o acesso universal, a gratuidade e a independência. A instrução pública deve ser independente dos poderes religiosos e políticos. “A educação não pode se confundir com propaganda política, sob o risco de dar origem a uma submissão política, sob o risco de dar origem a uma submissão intelectual” (CONDORCET, 2008, p.11). O conhecimento através da instrução é que legitima a decisão e justifica a submissão do homem exclusivamente à sua decisão. É isso que possibilita a autonomia do indivíduo e a independência de um povo. Caberia à escola instruir os indivíduos para que se tornassem críticos e tivessem o direito de refletir e decidir por quais caminhos trilhar na sua trajetória individual e como membro pertencente de dada sociedade.
Muito além da garantia formal do acesso e permanência sem custos, o caráter democrático da progressão escolar aí imaginada consiste no fato de que, independentemente da diferente complexidade dos métodos e conteúdos, o ensino dirige-se, em todos os níveis, a estimular as dimensões analíticas, crítica e inventiva da mente humana (PIOZZI, 2009, p.919).
Ao unir, em sua intencionalidade educacional, o indivíduo ao corpo prolongado da humanidade, Condorcet fundamenta a ligação entre igualdade e liberdade: igualdade enquanto compreende, sem diferenciação, a perfectibilidade como condição do humano e, portanto, um direito que deve ser garantido sem distinção: “Esta igualdade de instrução contribuirá para o aperfeiçoamento das artes e destruirá não só a desigualdade criada pela situação financeira entre os homens que dela se querem ver livres, como estabelecerá um outro género de igualdade mais geral, a do bem-estar”. Igualdade que se estende da materialidade financeira ao gênero: “É necessário que as mulheres partilhem a instrução dada aos homens [...]. Porque a falta de instrução das mulheres introduz na família uma desigualdade contrária à sua felicidade” e “Porque as mulheres têm o mesmo direito que os homens à instrução pública” (CONDORCET, 2008, p.85). A desigualdade priva a liberdade e condena uma classe de indivíduos à submissão e, portanto, à infelicidade, ao bloqueio de seu processo de aperfeiçoamento e de ligação ao universal. Desigualdade é, pois, exclusão e violência contra o direito do indivíduo sobre o seu próprio desenvolvimento e contra o progresso do espírito humano. Na perspectiva pedagógica e jurídica de Condorcet, a instrução pública é uma forma de garantir o direito à humanidade.
À escola caberia instruir e levar ao aperfeiçoamento da massa dos indivíduos, em todo o conjunto de suas faculdades (sensibilidade, capacidade de emitir juízos – discernir o verdadeiro e o falso – e de adquirir ideias morais), desenvolver o conhecimento historicamente acumulado de geração em geração e estendê-los aos outros membros da sociedade, possibilitando o progresso do espírito humano. “É pela descoberta de verdades novas que a espécie humana continuará a se aperfeiçoar” (CONDORCET, 2008, p.25). Para o autor,
O homem que, ao terminar sua educação, não continuar a fortalecer sua razão, alimentar com novos conhecimentos o que já adquiriu, corrigir os erros ou retificar as noções incompletas que tiver recebido, logo verá desaparecer todo o fruto de seu trabalho dos primeiros anos, e o tempo apagaria as primeiras impressões que não tivessem sido renovadas por outros estudos (CONDORCET, 2008, p.33).
A Proposta Educacional de Condorcet e sua Relevância
Na atualidade muito se discute sobre as “inovações na educação”, tais como: a importância do aperfeiçoamento, a valorização dos talentos, o respeito ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, dentre tantas outras. Porém, Condorcet já trazia no século XVIII todas estas preocupações em sua proposta. Enfatizava que a instrução pública deveria estar atenta aos talentos dos alunos e que lhes fossem oferecidas as condições necessárias para o desenvolvimento dessas habilidades, independentemente se fossem ricos ou pobres, e que cabia ao Estado custear o aperfeiçoamento dos talentosos e dos gênios, que fariam descobertas que contribuiriam para o desenvolvimento da nação.
Na prática, como seria realizada a sua proposta? Tendo em vista os pressupostos da perfectibilidade humana e o objetivo de desenvolvimento progressivo da humanidade a partir de cada indivíduo, ele divide metodologicamente a instrução, que, conforme dissemos deve ser gratuita e universal, em três partes: 1. Instrução comum, que consistiria em ensinar a cada um de acordo com o grau de capacidade e o tempo disponível, conhecendo as disposições particulares de cada indivíduo e os meios de aproveitá-las na aprendizagem; 2. Segunda Instrução que consiste em dar continuidade e maior aprofundamento à instrução recebida preparando para os conhecimentos que serão exigidos na atuação profissional; 3. Terceira Instrução que se destina à formação puramente científica com vistas à ampliação das descobertas e inventos.
O primeiro grau de instrução dar-se-ia nas escolas primárias, que estariam localizadas em cada vilarejo, dirigidas por um mestre, não podendo ultrapassar o número de duzentos alunos por professor e era destinada a ambos os sexos. A aula seria dividida em dois momentos: metade da aula seria dada pelo professor e a outra metade por alunos que tivessem em séries mais avançadas. Nas escolas com dois professores, esses poderiam ensinar em duas classes, cujos alunos os mestres acompanhariam da 1ª à 4ª série.
Nessas escolas seriam desenvolvidas as habilidades para leitura e escrita; conhecimentos elementares contidos nos livros de leitura, histórias destinadas a despertar os primeiros sentimentos morais, descrição de objetos físicos, sistema de numeração. Nesta fase havia uma preocupação com a formação moral da criança. No entanto, esta formação deveria estar separada de qualquer opinião religiosa de uma seita particular. Para Condorcet, a autoridade pública não deve impor qualquer crença e as opiniões religiosas não podem fazer parte da instrução comum “porque se não for assim, seria preciso dar a tais opiniões uma preferência contrária à liberdade” (CONDORCET, 2008, p.92).
O objetivo do ensino das histórias para a formação moral não era o de ensinar verdades, mas levar as crianças a refletirem sobre os seus sentimentos e descobrir por elas mesmas o que vem a ser o bem e o mal. Também seriam ensinadas as regras de Aritmética e estas estavam limitadas as quatro operações, “as quais, na verdade, bastarão para todos os cálculos, se tiver sabedoria de empregar exclusivamente a escala numérica em todas as espécies de divisões” (CONDORCET, 2008, p.88). Chama-nos à atenção quanto ao método utilizado no ensino das Ciências, que segundo a sua visão, necessitaria ser detalhado para passar a ter funcionalidade efetiva. O que era ensinado nas escolas não se empregava na vida prática, portanto, tornava-se inútil e penoso. Era contra ao método da memorização, para ele quando as crianças relatam e descrevem histórias, aprenderão a reter ideias e não apenas repetir palavras.
Isso trará também a vantagem de que os alunos cuja memória é ingrata não se cansarão inutilmente, enquanto os que possuem essa faculdade num grau maior, mas que têm uma inteligência mais fraca aprenderão a memorizar com exatidão, suplemento útil àquilo que a natureza negou ao espírito (CONDORCET, 2008, p.95)
O que ele esperava desse primeiro grau de instrução era o que chamava de tripla vantagem: conter os conhecimentos mais necessários, formar a inteligência e colocar o aluno em condições de seguir depois uma instrução mais extensa e completa. Tal instrução destinava-se, portanto, ao desenvolvimento das faculdades intelectuais resultando em prazer refletido e libertando o indivíduo da ignorância.
A segunda instrução seria destinada às profissões e ao aperfeiçoamento das mesmas. Esta fase seria dividida em duas partes: a primeira daria continuidade à instrução recebida, devendo durar quatro anos. A segunda objetiva o ensino detalhado e extensivo das ciências particulares. O currículo desta instrução compunha: curso elementar de matemática, física, ciências políticas – para desenvolver os princípios de constituição nacional – noções de gramática, metafísica, princípios elementares de lógica, instruções sobre a arte de exprimir ideias, história e geografia.
Enfim, ao sair destas escolas, um homem comum tornava-se um orador passável, em condições de defender sua opinião numa assembleia, de sustentar a causa de seu cliente ou a sua: de, sem ser humilhado, mostrar-se ao lado dos mestres da arte, e de não perder por uma elocução trivial e fraca o peso que os talentos de um outro gênero lhe tivessem dado. [...] Na educação destinada a todos, deve-se, portanto, limitar-se a ensinar a arte de escrever uma memória com opinião, com clareza, simplicidade, método; de desenvolver as razões com ordem, com precisão; de evitar, com cuidado igual, a negligência e a afetação, o exagero e o mau gosto.[...] A arte de fazer discursos escritos é, pois, a verdadeira retórica dos tempos modernos, e a eloquência de um discurso é precisamente aquela de um livro feito para ser compreendido por todos os espíritos, numa leitura rápida (CONDORCET, 2008, p.106-107)
A terceira instrução, puramente científica, “deve formar aqueles que a natureza se destina ao aperfeiçoamento da espécie humana e, dessa maneira, facilitar as descobertas, acelerá-las e multiplicá-las” (CONDORCET, 2008, p.32). Neste período os alunos estudariam, dentre outras disciplinas, as línguas antigas com obras de fácil acesso para, posteriormente, os que se interessassem as aprofundassem por si mesmos; aritmética política por estar presente no comércio, no banco, nas finanças e no movimento dos títulos públicos, para não serem enganados pelos detentores do saber nestas áreas; Defendia o aprofundamento das ciências, por acreditar que as mesmas ofereciam um interesse renovado diante dos seus progressos e aplicações e que sua aplicação pode-se dar em todas as circunstâncias, a todos os gêneros do espírito e de caráter, e a todos os graus de inteligência e de memória (CONDORCET, 2008, p.118).
Podemos observar que Condorcet, como “o último dos iluministas”, pretendia que as luzes se difundissem promovendo o desenvolvimento progressivo de e para toda a sociedade. O conhecimento adquirido sem ser aplicado, renovado e socializado perderia a sua funcionalidade. A sua proposta de uma instrução pública, gratuita e universal é perpassada, portanto, por uma preocupação profundamente humanista: a de realização da igualdade e liberdade necessárias ao desenvolvimento humano. A instrução é, para ele, o veículo condutor para tornar a sociedade esclarecida e, assim, protegida contra os poderes tiranos, contra a defesa cega e a reprodução de ideias sem, de fato, conhecê-las, somente porque foi ditado por aqueles que se consideram donos do saber e menosprezam ou escravizam as camadas populares à qual a instrução era restrita ou inexistente. “[...] Esta revolução não é a de um governo, é a das opiniões e das vontades. Não é o trono de um déspota que ela derruba é o do terror e da servidão” (CONDORCET, 2008, p.258).
Para alcançar o que ele propunha fazia-se necessária a valorização dos professores. Em seu plano ele descreveu como deveria ser a jornada de trabalho, a duração no cargo, a remuneração, o plano de aposentaria. Não era qualquer indivíduo que poderia atuar como professor na instrução pública: “esses cargos só devem ser dados a homens que a sociedade científica da região julgar dignos de ocupá-los, e colocá-los, por uma lista que será feita separadamente para cada um dos graus” (CONDORCET, 2008, p. 139-140). Além disso, Condorcet preocupava-se com as peculiaridades e necessidades dos educandos, percebendo que cada um tem um ritmo diferenciado para o processo de ensino-aprendizagem.
Nem todos os indivíduos nascem com faculdades iguais e, mesmo ensinados pelos mesmos métodos, pelo mesmo número de anos, nem todos aprenderão as mesmas coisas. Procurar fazer que aqueles que têm menos facilidade e talento possam aprender mais, longe de diminuir os efeitos dessa desigualdade, só fará aumentá-la. Não é aquilo que se aprendeu que é útil, mas o que reteve e, sobretudo, o que se conseguiu tornar seu, quer pela reflexão, quer pelo hábito (CONDORCET, 2008, p. 34)
Na perspectiva de uma educação que se pretenda igualitária, aqueles que possuem maior dificuldade na desenvoltura de seus talentos e aprendizagens não devem ser excluídos e postos à subserviência dos “gênios”. Para isso os professores precisavam respeitar o tempo de maturação intelectual de cada um de seus educandos e estimulá-los a avançar para diminuir as desigualdades existentes. Condorcet, ao exprimir essas observações, aparece como pioneiro na preocupação com a educação das pessoas com dificuldades de aprendizagem, pensando em um modo de instrução que atendesse os diferentes ritmos de aprendizagem. Cabe ressaltar que este filósofo não menciona a educação especial, mas nas entrelinhas, ele alerta para a necessidade de se pensar em uma educação diferenciada para essas pessoas.
[...] Ocorrerá com frequência que crianças cujo espírito anunciava uma lentidão próxima da estupidez despertada pelo estudo cujos objetos mantêm com sua alma uma simpatia, desenvolverão suas faculdades que, sem essa facilidade de escolher, teriam permanecido na letargia. Se deve dirigir a instrução para os conhecimentos cuja aquisição é útil, não é menos importante escolher, para exercitar as faculdades de cada indivíduo, os objetos para os quais ele é levado por um instinto natural, e uma instituição que não reunisse essa duas vantagens seria imperfeita (CONDORCET, 2008, p.99)
Mesmo com todas as dificuldades e limitações, mesmo com lentidão no processo de ensino-aprendizagem, esses alunos terão possibilidade de aprender coisas importantes e significativas para a sua vida diária e tornarão úteis os conhecimentos adquiridos de acordo com as suas necessidades. Segundo Boto a ideia motriz do plano de instrução elaborado por Condorcet era minimizar as desigualdades produzidas pelo artifício humano: “a desigualdade de talentos, dos dons, das aptidões, dos potenciais, enfim das capacidades de cada um perante os demais.” (BOTO, 2003, p.742). Para minimizar as desigualdades era preciso oferecer aos adultos que não tiveram acesso à educação, meios de instruí-los de acordo com o tempo que tinham disponível. Defendia a abertura das escolas aos domingos, para atender a população que não tinha outro dia para frequentar os prédios escolares. Para ele “o dia de repouso pode ser também um dia de estudo, uma vez que o repouso verdadeiramente salutar não consiste na nulidade absoluta, mas na mudança de ação” (CONDORCET, 2008, p.172).
Condorcet acreditava no progresso do espírito humano, na marcha da civilização contra a ignorância. E desta forma, a sociedade seria aperfeiçoada e a instrução pública seria para este destino, o transporte. A instrução tinha o papel de esclarecer e formar os códigos de civilidade e civilização, levando o sujeito a se emancipar tornando-o capaz de pensar por si mesmo.
Considerações Finais
Talvez não seja inútil advertir aqui que eu havia feito o projeto dessas obras e preparado os meios necessários para executá-lo. Assim, eu não propus nenhuma ideia sem antes me assegurar de que era possível e mesmo fácil concretizá-la. A esperança de contribuir para os progressos da razão, de difundir mais prontamente, mais igualmente, os princípios nas gerações que devem nos substituir, de prepará-las, tornando-as em seus primeiros anos para receber ou descobrir as verdades que a natureza lhes reservou, teria inspirado em mim a coragem de me dedicar a este trabalho (CONDORCET, 2008, p. 185).
Dentre tudo o que foi proposto neste plano pioneiro e revolucionário de uma educação para todas as camadas sociais sobressai o empenho e a preocupação do pensador ao elaborar uma proposta que contemplasse a diversidade humana sem compreender essa diversidade como uma desigualdade, mas, ao contrário, como potencialidades singulares que, quando encontram espaço institucional de desenvolvimento, são produtoras de conhecimento e progressão humana. Ele conjuga, assim, as diferenças e singularidades à universalidade, o indivíduo ao gênero humano, o aperfeiçoamento individual dos talentos, da moral, do conhecimento como contribuição para a marcha geral da humanidade. Essa conjugação exige a igualdade de direitos a uma mesma instrução – independente da classe social, gênero, talentos ou dificuldades no processo de aprendizagem, todos teriam a direito de se aperfeiçoar através da educação pública, ainda que respeitando o tempo de aprendizagem e as especificidades de cada indivíduo. E esta instrução é, por sua vez, garantidora e mantenedora da liberdade.
Acerca da pergunta pedagógica fundamental – Para que educamos? – Condorcet aponta pressupostos inovadores em relação à tradição filosófica no sentido em que o ideal que orienta a prática educacional não está posto fora do indivíduo como uma forma platônica ainda que justa de sociedade, mas cujos meios para se chegar a ela corresponde a uma determinação externa que afeta a liberdade do indivíduo. Ou mesmo em Kant, cuja obra Sobre a Pedagogia (1803) posterior em algumas décadas às obras de Condorcet, não obstante, tal qual este, contemple a ideia de um aperfeiçoamento humano contínuo, sua teleologia natural é regida por uma ideia regulativa de história por meio de imperativos morais de uma razão universal que tanto abstrai das singularidades individuais quanto determina um ser moral.
Desse modo, se em outros pensadores a finalidade da educação está fixada a partir de um ideal político/religioso/moral/econômico preconcebido tendo em vista o qual a educação se ajustaria para dar uma forma ao indivíduo que o adeque a tal ideal, em Condorcet vemos um projeto de educação que tem no humano, na imanência da sua condição de perfectibilidade o pressuposto de sustentação. Perfectibilidade e não perfeição. Ou seja, é um processo perene, continuado, gradual e aberto de desenvolvimento, de melhoramento e não um caminho traçado para se chegar à forma pré-estabelecida do ser. Como pudemos ver, o autor compreende o indivíduo e, em sua extensão a humanidade, como processo aberto, como movimento cujo fim é indefinido. O enfoque é dado ao indivíduo, ao educando. Ele deve ser o principal beneficiado pela educação, respeitado como ser digno, único em sua singularidade, igual em direitos e livre para desenvolver-se, escolher sua profissão, projetar-se. Em outras palavras, a intencionalidade da educação deve estar concentrada nele. Condorcet nos fornece as premissas para compreender que se a meta da instrução é algo externo ao indivíduo, mesmo com a costumeira promessa de um suposto benefício futuro para ele, não se trata mais de um processo educacional, mas da imposição de interesses e, portanto, da prática da submissão que violenta a autonomia do indivíduo e da própria educação.
Por fim, a autonomia da educação que se apresenta como condição da liberdade de desenvolvimento do próprio indivíduo significa que os interesses de poder não devem ser antepostos à intenção de educar e não que as instâncias de poder estejam isentas desse processo. A autonomia não deve ser confundida com o desligamento da educação frente às instâncias do Estado, sociedade, economia, etc. Os progressos científicos, intelectuais, por si só não são garantidores de direitos nem de igualdade de condições e instrução da população. Quando Condorcet apresenta seu projeto como proposta no âmbito político ele assume que para o progresso do gênero humano é necessário o agenciamento pedagógico e jurídico do conhecimento acumulado, o que se efetiva na forma de programa dado pela escolarização e instrução pública, gratuita e independente.
Referências:
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BERLIN, Isaiah. Quatro Ensaios sobre a Liberdade. Trad. Wamberto Hudson Ferreira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
BOTO, Carlota. Na revolução francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: o relatório de Condorcet. Educação e Sociedade, vol.24, n.84, p.735-762, set.003. Disponível em: http:// www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 10 set. 2018.
CONDORCET, J.A.N.C. M. Cinco Memórias sobre a Instrução Pública. Trad. Maria das Graças de Souza. São Paulo: UNESP, 2008.
CONDORCET, J.A.N.C. M. Esboço de um Quadro Histórico dos Progressos do Espírito Humano. Tradução: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas-SP: Editora Unicamp, 1993.
FRANÇA. Déclaration de Droits de l’Homme et du Citoyen de 1789. Paris: 1789. Disponível em: https://gallica.bnf.fr. Acesso em: 26 ago. 2018.
JAEGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. Trad. Artur M. pereira. 3º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. Piracicaba: Editora Unimep, 1996.
PIOZZI, Patrizia. Ensino laico e democracia na época das luzes: as “memórias” de Condorcet para a instrução pública. Educação e Sociedade. vol.30, n. 108, p.917-922, out.2009. Disponível em: http:// www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 10 set. 2018.
PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
SANTOS, Rodison Roberto. História e Progresso em Condorcet. Cadernos de Ética e Filosofia Política, FFLCH – USP, n. 15, p. 193-210, fev. 2009. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/82614. Acesso em: 22 dez. 2019.
Correspondência
Josilene Souza Lima Barbosa - Instituto Federal de Sergipe - Av. Eng. Gentil Tavares, 1166, CEP 49055-260, Getúlio Vargas, Aracaju, Sergipe, Brasil.
Nota
[1] Para conhecer a posição de Condorcet no contexto da Revolução Francesa, suas relações com Voltaire e d'Alembert, bem como seus posicionamentos políticos e sociais que lhe renderam polêmicas e até prisão, recomendamos a obra de Elisabeth e Robert Badinter “Condorcet: Un intellectuel en politique” em cuja apresentação encontramos acerca de Condorcet: “Ele protestou contra todos os erros judiciais no final do Antigo Regime. Amigo dos negros, ele luta contra a escravidão e o tráfico [...]. Adversário da pena de morte, ele apoia a causa da abolição. E ele é o único a exigir das mulheres total igualdade de direitos” (BADINTER, 1988, p. 18). Em outra passagem lemos: “As instituições só valem o quanto que cada homem goza nela da plenitude de seus direitos: é a exigência da igualdade. Como se resignar, com efeito, a uma sociedade onde as mulheres, os pobres, os protestantes, os judeus se vejam, nos níveis diversos, negados ao gozo dos direitos do homem? E pior ainda, onde os negros se vejam prejudicados até à qualidade de homens? Esta sede de justiça ancorada em Condorcet, essa busca incansável de uma sociedade enfim liberta da opressão do despotismo, do fanatismo, da ignorância, determinava sua luta”. (BADINTER, 1988, p. 282-283).