Políticas de Avaliação e o Desenvolvimento Profissional do Professor de Ciências
Assessment Policies and Professional Development of the Science Teacher
Paulo Sérgio Garcia
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
Nelio Bizzo
Universidade de São Paulo
Sanny Silva da Rosa
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
Recebido em 26 de outubro de 2018
Aprovado em 26 de março de 2019
Publicado em 18 de junho de 2019
RESUMO:
Este estudo analisa a percepção de professores de Ciências que atuam nos anos finais do ensino fundamental sobre seu desenvolvimento profissional, considerando as reformas nacionais realizadas na Educação das últimas décadas, sobretudo a implantação das Avaliações de Larga-Escala (ALEs). A teoria fundamentada foi usada como abordagem metodológica para coletar dados com esses profissionais (N=77), na região do grande ABC Paulista, uma das mais ricas do Brasil, situada na região metropolitana do estado de São Paulo. Os dados revelaram que, após a implantação das ALEs, a oferta de formação de professores se tornou ainda mais desregulada, afetando o desenvolvimento profissional dos professores de Ciências. Essas políticas têm estabelecido um contexto de inequidade de formação e de possibilidades profissionais dentro dos municípios, e o mais agravante, dentro da própria escola. Secretarias, Diretorias de Educação e escolas oferecem maiores oportunidades, recursos e tempos para a formação docente nas áreas de português e matemática. Esse quadro de desalinhamento da formação iniciou-se após a implementação das reformas nacionais. Os resultados desta pesquisa podem ser utilizados no contexto das universidades, nos cursos de formação de professores e diretores e junto às secretarias de educação.
Palavras-chave: Avaliação em Larga-Escala; Professores de Ciências; Desenvolvimento Profissional.
ABSTRACT:
This study analyzes the perception of science teachers who work in the final years of elementary education (students from 11 to 14 years old) on their professional development, considering the national reforms in Education of the last decades, especially the implementation of the Large-Scale Assessments (LEAs). The grounded theory was used as a methodological approach to collect data with these professionals (N = 77), in the region of the great ABC Paulista, one of the richest in Brazil, located in the metropolitan region of the state of São Paulo. The data revealed that, after the implementation of the LEAs, the provision of teacher education became even more deregulated, affecting the professional development of science teachers. These policies have established a context of inequality of teacher education and professional possibilities within the municipalities, and the most aggravating, within the school itself. Departments and Directories of education and schools are offering greater opportunities, resources and time for teacher education in the areas of Portuguese and mathematics. This misalignment of teacher education began after the implementation of the national reforms. The results of this research can be used in the context of universities, in the courses of teacher and principals’ education and along to departments of education.
Keywords: Large-Scale Assessments; Science teachers; Professional development.
Introdução
O professor de Ciências desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento científico, na formação do cidadão e nas mudanças sociais. Trata-se de um profissional que auxilia os alunos a refletirem sobre os fenômenos da natureza, sobre a ação do homem no meio ambiente e na sociedade. Ele também induz os jovens ao desenvolvimento de uma postura crítica, questionadora e investigativa (ALLCHIN, 2013; CHASSOT; OLIVEIRA, 2001) e favorece a compreensão de conceitos e os seus vínculos com as questões éticas implícitas nas relações entre Ciência, Sociedade e Tecnologia, com a crise ambiental, a destruição dos seres humanos, as questões do consumismo, o destino dos resíduos industriais e domésticos, a manipulação genética, entre outros (MACEDO; KATZKOWICZ, 2004; ALLCHIN, 2013).
No entanto, os professores de Ciências têm enfrentado vários desafios, entre eles o desinteresse dos alunos por essa área do conhecimento e, por consequência, o baixo interesse do jovem em seguir carreiras científicas, (AIKENHEAD, 2005; BERNARDO et al., 2008; GOUW; BIZZO, 2006). Essa situação vem sendo ainda mais agravada pelas reformas educacionais que implementaram avaliações em larga-escala, com foco exclusivo em português e matemática (PM), implementadas em muitos países em todo o mundo (SONGER; RUIZ-PRIMO, 2012; SMITH, 2014).
No Brasil, entre as muitas reformas nacionais que aconteceram desde o início dos anos 1990 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/96), assistimos a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado na educação básica.
No cenário educacional atual, o Brasil conta hoje, no ensino fundamental, com várias Avaliações em larga-escala que incidem sobre as disciplinas de português e matemática (Provinha Brasil, no segundo ano; Avaliação Nacional de Alfabetização, no terceiro; Prova Brasil, quinto e no nono). A qualidade da educação obrigatória tem sido monitorada com o auxílio do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007, que combina o desempenho dos alunos, em PM, e o fluxo escolar.
Sousa e Bonamino (2013) sinalizaram que houve uma expansão dos testes, sobretudo após a criação do IDEB, em nível federal, estadual e municipal. De fato, como sinalizaram Bauer, Alavarse e Oliveira (2015), em um estudo realizado com 4.309 cidades, os municípios também estão criando seus próprios programas de avaliação baseados nas disciplinas de português e matemática.
Esse contexto, marcado exclusivamente por testes em PM, em geral, tem feito com que as escolas valorizem mais os resultados aferidos por esses indicadores (IDEB), pois a alta posição nesses rankings significa que a escola será muito mais reconhecida e valorizada pelos pais e pelas secretarias e diretorias de educação.
No entanto, já existe certo consenso quanto às limitações das ALEs e às consequências negativas desse modelo de avaliação sobre o trabalho das escolas, dos professores e a formação dos alunos. Autores sinalizam que elas ampliam a responsabilização, as punições e as injustiças na escola e na sociedade (FREITAS, 2013); induzem uma maior busca por resultados ao invés da melhoria da qualidade e da equidade educativa (IAIES, 2003); causam um empobrecimento curricular (MADAUS; RUSSEL; HIGGINS, 2009; GARCIA et al, 2018); fomentam maiores investimento dos gestores em recursos físicos e intelectuais voltados para as disciplinas de PM (GARCIA et al, 2018); inspiram um “novo” modelo de gestão educacional pública (gerencial); geram discussões quanto ao potencial dos testes para melhorar a qualidade do ensino (TEDESCO, 2003); induzem os sistemas, as escolas e os professores a destinarem maior tempo das aulas para ensinar os assuntos abordados nos exames, a treinar excessivamente os alunos para os testes nas disciplinas de PM, incentivando também a trapaça para melhorar as notas e a posição nos rankings (GARCIA et al, 2018).
Há também consequências dessas ALEs, especificamente, no ensino de Ciências. Estudos com professores desse componente curricular, realizados no Canadá, revelaram que os maiores recursos são destinados às áreas de Linguagem e Matemática, situação responsável pela desmotivação desses profissionais (FAZIO; KARROW, 2013). Ao mesmo tempo, essa disciplina não tem sido prioridade nas políticas de educação pública, nos programas educacionais, nas iniciativas escolares e na visão dos diretores das escolas (DOW, 2015).
Outras pesquisas, como as conduzidas por Clark e Linn (2003), concluíram que o tempo de instrução está fortemente correlacionado com a compreensão do aluno sobre conceitos científicos complexos. Os estudantes que têm poucas experiências consistentes e positivas com a ciência, porque a maior parte do tempo é dedicada às disciplinas de português e matemática, podem estar perdendo oportunidades de desenvolver habilidades de raciocínio científico necessárias para iniciar o interesse fundacional pela ciência (BLANK, 2013; FITZGERALD; DAWSON; HACKLING, 2013). Esses são indícios de que os fortes investimentos apenas nessas duas áreas trazem consequências significativas para o desenvolvimento do ensino de Ciências e para o (des)interesse dos alunos pelos conhecimentos científicos.
No Brasil, as consequências das ALEs, entre outras questões, têm induzido os alunos a acreditarem que as disciplinas mais importantes na escola são as de português e matemática, percepção que é reforçada pelos professores, pelas escolas e secretarias de educação (GARCIA et al, 2018a). De algum modo, essa situação explica por que a disciplina de ciências tem sido considerada de segunda classe (OEGABC, 2015).
Diante desse quadro, a presente pesquisa investiga outras consequências das avaliações em larga-escala. Mais precisamente na região do grande ABC, este estudo analisa as influências das políticas de avaliação sobre o desenvolvimento profissional de professores de Ciências que atuam nos anos finais do ensino fundamental.
Políticas de Avaliação e Formação contínua
Não se pode negar que as ALEs possuem valor para o campo pedagógico. Elas, de fato, têm potencial para a definição de padrões e expectativas de aprendizado, podem orientar o trabalho pedagógico dos docentes e fornecem elementos para a tomada de decisões dos gestores. (BAUER; ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015). No entanto, pesquisadores têm sinalizado algumas de suas limitações e consequências.
Nas últimas décadas, a educação foi influenciada pelo ideário neoliberal que, entre outras questões, fomentaram as políticas de municipalização, de regulação, privatização, de avaliações em larga-escala e de responsabilização. Um cenário que trouxe as premissas que orientam as empresas para o ideário da educação, da escola e do ensino.
Há evidências de que as ALEs impulsionam a criação de “macetes” para potencializar as notas dos estudantes (SANTOS, 2013); suscitam maior investimento nos melhores alunos para atingir melhores resultados (OLIVEIRA, 2013); geram um grande mercado de consumo da educação (HAGOPIAN, 2014); suscitam dúvidas sobre seus efeitos, sobre a política e a prática (STECHER, 2002); levantam questionamentos sobre a validade desses testes na efetiva medição em termos de aprendizagem dos alunos, ou seja, aquilo que realmente é importante (CASASSUS, 2013); indicam dúvidas sobre as diretrizes na elaboração das matrizes e a definição de parâmetros de avaliação (CASASSUS, 2013; IAIES, 2003); pressionam professores e alunos (MADAUS; RUSSEL; HIGGINS, 2009), induzem os gestores a buscar outras formas de gerenciamento dos tempos e dos conteúdos com foco nos resultados; criam competição entre as escolas, redes e sistemas de ensino, entre outros efeitos.
As ALEs estão também influenciando a formação contínua (FC), que é uma parte essencial do desenvolvimento profissional docente. Trata-se de uma formação atrelada, diretamente, à escola, às finalidades da educação e articulada com a carreira do professor. Como situam Gatti e Barreto (2009), esta perspectiva compreende a FC distanciada de um modelo compensatório e como parte do processo de desenvolvimento profissional do professor.
No entanto, as ALEs vêm obstaculizando a real efetivação desta concepção de formação contínua voltada ao desenvolvimento profissional. A FC tem sido compreendida a partir da cultura da performatividade (BALL, 2005; 2008) que busca, controlando os resultados, induzir melhorias nas escolas e na formação docente. Nesta perspectiva, Candau (2013) sinaliza que a preocupação da FC tem sido relacionada às metas previamente estabelecidas.
Mira e Cartaxo (2014) buscando identificar, nos projetos das escolas, os temas mais utilizados na formação contínua, constataram que eles estavam muito mais relacionados às áreas que são alvo das ALEs: português e matemática. Na região do Grande ABC, uma pesquisa do Observatório da Educação revelou que entre os anos de 2013 e 2016 mais de 70% da formação docente ofertada estava centralizada nas áreas de português e matemática. Uma lógica perversa com os docentes da disciplina de Ciências e de outras áreas que, neste sentido, possuem menos oportunidades de desenvolvimento profissional.
Desenvolvimento Profissional do Professores
O desenvolvimento profissional (DP) é um processo em que o professor se forma a partir das mais variadas vivências confrontadas com suas percepções sobre a educação, a escola, o aluno, a família, o ensino, a aprendizagem, a avaliação, entre outras. Para Marcelo (2009) trata-se de um processo individual ou coletivo que necessita ter sua contextualização “no local de trabalho do docente — a escola — e que contribui para o desenvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais” (p. 10).
Para García (1999), o processo de desenvolvimento profissional docente é influenciado pela pessoa do professor e por suas experiências e vivências acontecidas na escola, influenciadas pelo currículo, pelo o ensino e pela profissionalidade dos professores.
Na escola, por exemplo, a cultura escolar, com suas formas de organização, concepções pedagógicas de educação, currículo, aluno, ensino, aprendizagem e de avaliação, as relações com as famílias e com a comunidade, entre outras coisas, influencia o desenvolvimento profissional dos professores.
O DP é uma continuidade da formação inicial. Ele ocorre nas múltiplas experiências vividas pelos professores: aquelas protagonizadas com seus pares e colegas, outras com os alunos, gestores, outras que acontecem na formação continuada, em cursos ou encontros, em momentos de estudos, em muitas situações de vida que são alvo de reflexões levadas para a sala de aula (HOBOLD, 2018).
Oliveira-Formosinho (2009) apresentou três perspectivas do desenvolvimento profissional docente. A primeira trata do desenvolvimento de conhecimento(s) e de competência(s) de forma a oportunizar aos professores múltiplas experiências para ensinar com vistas a melhorar a formação dos alunos.
A segunda relaciona-se ao desenvolvimento do professor como mudança ecológica e está atrelada ao contexto de trabalho dos professores. São as questões ligadas ao tempo de trabalho, como os espaços e momentos de reunião, momentos de diálogo e de discussão entre os professores, coordenadores, diretores, momentos de devolutivas; à alocação de recursos, sejam eles materiais ou pedagógicos associados ao desenvolvimento das aulas; à liderança, neste caso, como são idealizados os espaços de formação, que concepções pedagógicas influenciam a prática dos docentes; e ao contexto de ensino, que se refere, mais especificamente, à cultura de ensino das instituições escolares, tendo como pano de fundo as percepções dos professores sobre a formação e sobre seu trabalho nos espaços escolares.
A terceira perspectiva trata o desenvolvimento profissional atrelado à compreensão pessoal. Nesse sentido, o desenvolvimento do professor “envolve muito mais do que mudar os seus comportamentos – envolve toda a pessoa que o professor é” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p. 231).
Oliveira-Formosinho (2009) apresenta alguns modelos de desenvolvimento profissional: modelo autônomo atrela-se ao entendimento de que os docentes aprendem sozinhos, autonomamente, mas de forma individual, a partir de leituras, pesquisas e estudos ou na experimentação de diferentes estratégias de ensino, entre outros; modelo baseado nos processos de observação associa-se à observação do trabalho do docente por outro professor a fim de melhorar a prática pedagógica; centrado no desenvolvimento curricular/organizacional ou baseado em projetos, refere-se à organização e à realização de uma determinada tarefa ou algum tipo de problema; baseado em cursos de formação, onde ocorre a aquisição de conhecimentos ou de competências; centrado na investigação para a ação, associado ao interesse do professor ou de um grupo, que selecionam estratégias para uma pesquisa.
Sintetizando, o desenvolvimento profissional docente se traduz pela continuidade da formação inicial, é decorrente das múltiplas experiências vividas pelos docentes que acontecem na vida, na escola e nos relacionamentos. Existem três perspectivas do desenvolvimento profissional docente (desenvolvimento de conhecimentos e de competências, a mudança ecológica e aquele atrelado à compreensão pessoal) e alguns modelos de desenvolvimento profissional (autônomo, processos de observação, centrado no desenvolvimento curricular/organizacional, baseado em cursos de formação, centrado na investigação para a ação).
Região do Grande ABC
A região do ABC Paulista é uma área industrial, parte da área metropolitana de São Paulo. Sua sigla vem das três cidades que originalmente formavam a região: Santo André (SA), São Bernardo do Campo (SBC) e São Caetano do Sul (SCS). Fazem parte da região também as cidades de Diadema (DIA), Mauá (MA), Ribeirão Pires (RP) e Rio Grande da Serra (RGS).
Essa região foi marcada como sendo o primeiro centro da indústria automobilística brasileira (Mercedes-Benz, Ford, Volkswagen e General Motors, entre outras). A presença dessas montadoras fez com que a região se tornasse o berço do movimento sindical no Brasil. A Tabela 01 sintetiza alguns dados demográficos da região.
Tabela 1: características demográficas das cidades. |
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Município |
SA |
SBC |
SCS |
DIA |
MA |
RP |
RGS |
População |
704.942 |
805,895 |
156.362 |
406.718 |
444.136 |
118.871 |
47.142 |
Anos médio/estudo |
10 |
10 |
11 |
08 |
09 |
09 |
09 |
Acesso à internet (%) |
72,7 |
81,7 |
73,4 |
57,2 |
65,2 |
62,6 |
52,6 |
Área territorial/Km2 |
175,781 |
409,478 |
15,33 |
30,796 |
61,866 |
99,119 |
36,341 |
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Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do IBGE (2011).
Na região do grande ABC, a população tinha, em média, mais de nove anos de estudo. No entanto, como se pode verificar na Tabela 01, a internet ainda não estava totalmente universalizada e em algumas cidades não chegava aos 55%. A Tabela 02 traz informações sobre o Produto Interno Bruto:
Tabela 2: PIB e IDH-M |
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Município |
PIB (milhões) |
Posição do PIB |
IDH-M 2010 |
Santo André |
17.664.718 |
33ª |
0,815 (8º) |
São Bernardo |
36.337.338 |
14ª |
0,805 (16º) |
São Caetano |
11.762.744 |
48ª |
0,862 (1º) |
Diadema |
11.786.624 |
47ª |
0,757(184º) |
Mauá |
7.633.782 |
79ª |
0,766 (134º) |
Ribeirão Pires |
1.978.256 |
287ª |
0,784 (58º) |
Rio Grande da Serra |
529.413 |
816ª |
0,749 (245º) |
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Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do IBGE (2011).
O PIB industrial é considerado o segundo maior do estado e o terceiro do país (aproximadamente R$ 27 bilhões). Os municípios apresentam um Índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) elevado. Quanto à renda per capita média das cidades, São Caetano possuía R$ 2.349,00; Santo André R$ 1.499,00; São Bernardo R$ 1.394,00; Ribeirão Pires R$ 974,00; Diadema R$ 917,00; Mauá R$ 815,00 e Rio Grande R$ 747,00 (OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO, 2015).
Quanto ao número de escolas e matrículas, o Quadro 01 apresenta uma síntese do Ensino Fundamental:
Quadro 01: Número de escolas e matrículas
Município |
N. de escolas |
N. de matrículas |
||
|
Estadual |
Municipal |
Estadual |
Municipal |
Santo André |
86 |
- |
23.724 |
- |
São Bernardo |
72 |
- |
30.383 |
- |
São Caetano |
10 |
21 |
2.328 |
5.298 |
Diadema |
57 |
- |
19.809 |
- |
Mauá |
63 |
- |
17.602 |
- |
Ribeirão Pires |
29 |
09 |
4.045 |
879 |
Rio Grande da Serra |
11 |
- |
2.052 |
- |
Fonte: Censo Escolar 2017.
Conforme o Censo Escolar, de 2017, a região tinha 328 escolas de ensino fundamental estaduais e 30 municipais. Neste contexto, as primeiras atendiam 99.943 estudantes e as segundas 6.177 jovens. A situação do IDEB do ensino fundamental, anos finais, das cidades, esfera estadual e municipal, é revelada no Quadro 02:
Quadro 02: IDEB observado – 2015 e 2017
Município |
Esfera Municipal |
Esfera Estadual |
||||
Município |
2013 |
2015 |
2017 |
2013 |
2015 |
2017 |
Santo André |
- |
- |
- |
4,2 |
4,5 |
4,9 |
São Bernardo |
- |
- |
- |
4,5 |
4,6 |
4,9 |
São Caetano |
5,3 |
6,0 |
6,4 |
4,9 |
5,2 |
5,5 |
Diadema |
- |
- |
- |
4,5 |
5,2 |
5,5 |
Mauá |
4,0 |
3,9 |
4,3 |
4,4 |
4,7 |
5,0 |
Ribeirão Pires |
5,4 |
5,4 |
5,7 |
4,8 |
5,1 |
5,4 |
Rio Grande da Serra |
- |
- |
- |
4,2 |
4,6 |
5,0 |
Fonte: Censo Escolar 2017.
As aferições têm revelado avanços no IDEB dos municípios da região, tanto na esfera municipal como na estadual. Apesar deste crescimento ser discreto em alguns casos (Mauá esfera municipal), ele vem ocorrendo nas cidades do grande ABC Paulista. No entanto, é necessário destacar que nenhuma cidade havia superado a meta estabelecida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP).
Metodologia
A presente pesquisa analisa a percepção de professores de Ciências sobre seu desenvolvimento profissional, considerando as reformas nacionais que implementaram as avaliações em larga-escala, com foco exclusivo em português e matemática.
O estudo ocorreu na região do grande ABC Paulista, uma área com altos índices sociais, econômicos e educacionais, mas que ainda apresenta vários desafios a serem superados em relação à desigualdade social e à pobreza. Ao mesmo tempo, trata-se de uma região que apresenta escolas, estaduais e municipais, com notas elevadas no IDEB e no Índice de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (IDESP).
Como abordagem metodológica foi utilizada a pesquisa qualitativa com foco nas características das entidades, dos processos, dos significados e da natureza socialmente construída do fenômeno analisado (DENZIN; LINCOLN, 2006). Nessa perspectiva, a teoria fundamentada (Grounded Theory), que é uma abordagem derivada indutivamente do estudo realizado, foi usada em todo o processo da pesquisa.
A teoria fundamentada é uma metodologia de campo utilizada para criar construtos teóricos que auxiliam na explicação do contexto social. Ela se fundamenta em dados, tem característica indutiva e emerge após o início da coleta das informações e de suas análises. Corbin e Strauss (1998) afirmam que os procedimentos desta teoria sobre os dados visam identificar, desenvolver e relacionar conceitos.
Na presente pesquisa foram entrevistados 77 professores de Ciências nos anos de 2016 e 2017 que atuavam no ensino fundamental, anos finais, das escolas da região do grande ABC. Foram coletados dados sobre: 1) o perfil dos professores em termos de gênero, idade, escolaridade, experiência no ensino, carga horária de trabalho; e, 2) a opinião do professor sobre seu desenvolvimento profissional, após a implementação das políticas de avaliação em larga escala, com foco exclusivo em português e matemática.
Os professores de Ciências que participaram deste estudo eram de escolas municipais e estaduais dos sete municípios da região do grande ABC. O Quadro 03 mostra os dados:
Quadro 03: localização dos professores de Ciências
Município |
Esfera municipal |
Esfera estadual |
São Caetano |
26 |
10 |
Ribeirão Pires |
4 |
4 |
Mauá |
- |
3 |
Santo André |
- |
10 |
São Bernardo |
- |
14 |
Diadema |
- |
4 |
Rio Grande |
- |
2 |
Fonte: Elaboração dos autores.
A análise envolveu, no início, uma codificação aberta para, em seguida, realizar uma segmentação dos dados com o intuito de produzir conceitos subjacentes. Um processo de análise consistente que visa apreciar as padronizações das informações, identificar as diferenças e iniciar o trabalho de inferência sobre o conjunto de dados coletados pelos pesquisadores.
Os conceitos advindos dessas primeiras análises foram, então, considerados à luz de pontos comuns e divergentes para formar as categorias deste estudo, usando as indicações já estabelecidas pela teoria fundamentada (CORBIN; STRAUSS, 1998). As categorias emergentes foram consideradas em relação às semelhanças e diferenças para produzir subcategorias.
A categorização dos dados foi realizada a partir da análise das variáveis pessoais: sexo, idade, formação, experiência no magistério e carga horária; e aquelas relacionadas ao desenvolvimento profissional do professor: condições de trabalho, utilização de recursos financeiros e intelectuais, criação de materiais, elaboração de projetos (reforço escolar, professor substituto), utilização do tempo (reuniões, formação contínua e encontros) e atuação dos coordenadores pedagógicos.
A apreciação das informações, a constatação de vários padrões de similaridade e, sobretudo, a pouca divergência entre as enunciações dos professores, das várias cidades, permitiram que os dados fossem agrupados de forma geral, o que enriqueceu as análises e os entendimentos sobre o fenômeno estudado, possibilitando uma compreensão sobre as cidades e, ao mesmo tempo, sobre a região.
Resultados
As respostas dos professores apresentaram muitas similaridades, independente da cidade analisada. Mais de 90% dos participantes sinalizaram as precárias condições dos laboratórios de Ciências, indicando que muitos eram usados como um local (depósito) para guardar objetos, cadeiras e carteiras ou não apresentavam os materiais necessários, como substâncias e vidros, para a realização de experiências. Um professor afirmou “eu nunca usei o laboratório desta escola e se tiver de usar eu nem sei como” (Professor_04). Outro profissional sinalizou que “nunca pisei no laboratório de Ciências, que vive fechado, usado como depósito de sei lá o que. Eu acho que seria bom dar aulas lá tanto para os alunos quanto para mim também. Eu poderia aprender muitas coisas lá” (Professor_32).
Esse processo, de acordo com esses profissionais, de notória desvalorização, começou a se agravar ainda mais depois que as escolas passaram a ser avaliadas e os professores de português e matemática considerados como decisivos neste processo: “tudo passou a girar em torno de português e matemática, por causa do bônus. Ficou desmotivador para o professor que dá aula de Ciências” (Professor_6). Uma situação que de fato “se iniciou depois das provas do governo”. (Professor_ 49).
Os profissionais entrevistados sinalizaram, sobretudo aqueles que atuavam no município de São Caetano do Sul, que os maiores recursos financeiros e intelectuais das Secretarias de Educação estavam sendo utilizados para a criação de projetos, programas, ações, iniciativas e cursos nas áreas de português e matemática.
No primeiro caso, sobre a questão financeira, quase 80% dos professores de Ciências indicaram que os docentes de PM tinham muito mais recursos, em termos de materiais (papel, recursos de impressão, tinta) para preparar os alunos para as aulas, para a Prova Brasil ou para o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Como um professor de Ciências mencionou: “para essas duas áreas, o diretor libera a impressão de exercícios, compra, por exemplo, software e jogos de matemática ou livros didáticos ou de literatura para os alunos aprenderem melhor português e, por outro lado, não temos nada em nossos laboratórios de ciências” (Professor_40).
Os professores indicaram, ainda, que a compra de softwares, livros, materiais didáticos e jogos eram muito maiores nessas duas áreas. Em termos de jogos, em 2017 e 2018, estava em curso, em três cidades (São Caetano do Sul, Santo André e São Bernardo), um projeto chamado “Mind Lab” (com custo médio de $ 500 mil reais, apurado no setor de vendas da empresa), com o objetivo de desenvolver o raciocínio lógico e de colaborar com o ensino da matemática. Esses três municípios utilizavam também a plataforma Khan Academy (projeto de uma ONG educacional criada com a missão de fornecer educação de alta qualidade para qualquer um, em qualquer lugar, a partir do uso de vídeos), em 2016, 2017 e 2018, com o objetivo de melhorar a aprendizagem e o rendimento dos alunos em matemática e português. A esse respeito, um professor indicou que os maiores “gastos são com os professores de português e matemática. As outras disciplinas ficam de escanteio” (Professor_67).
Na segunda questão, sobre os recursos intelectuais, na cidade de São Caetano do Sul havia uma avaliação local denominada de Prova São Caetano, que avaliava os estudantes dos quintos e nonos anos do ensino fundamental nas disciplinas de português e matemática. Em algumas edições das provas, foram avaliados também os jovens dos quartos e oitavos anos. Segundo o depoimento de um professor: “quando a prova São Caetano utiliza conhecimentos somente de português e matemática, já está claro o que a Secretaria de Educação valoriza. Ciências, é certo, não está neste rol” (Professor_05).
Tanto nas Diretorias de Ensino, como nas Secretarias de Educação, foram criados slides e documentos, utilizados nos cursos, com ênfase nos conhecimentos e conteúdos ministrados pelos professores das disciplinas de português e matemática. Por exemplo, a Diretoria de Ensino de São Bernardo do Campo oferecia um arquivo denominado “Para que servem os ângulos”, documento que apresentava várias atividades, com a indicação de recursos didáticos para o desenvolvimento das aulas pelos professores, e do qual constavam também as habilidades previstas nas tarefas a serem realizadas pelos alunos.
Em muitas escolas (perto de 60%), sobretudo na esfera municipal, estavam presentes projetos de reforço escolar nas disciplinas de português e matemática. Na cidade de São Caetano Sul, todas as escolas possuíam esse programa endereçado aos jovens com dificuldades de aprendizagem. Contudo, os professores de Ciências não tinham oportunidade de trabalhar nesse programa ou de realizar os cursos sobre as dificuldades dos estudantes oferecidos pela Secretaria de Educação. Por isso, também não tinham a oportunidade de aprender um pouco mais sobre os alunos e de aumentar um pouco a sua remuneração com a ministração das aulas de reforço. Como um professor de Ciências afirmou: “você vê, o reforço escolar nessas duas disciplinas, é como se as outras fossem menos importantes, e é isso que o aluno percebe, eles veem que tudo é português e matemática” (Professor_26).
Em muitas unidades de ensino - mais de 80% da cidade de São Caetano do Sul e, nos outros municípios, não mais do que 40% - existiam professores substitutos para lecionar as disciplinas de PM, em eventos de faltas de professores. Nesses casos, os professores eventuais, como eram denominados, assumiam as aulas durante o período de licença saúde, por exemplo. Como sinalizou um profissional entrevistado “quando, por exemplo, um professor está faltando na escola um professor substituto assume as aulas e eu já ouvi dizer que ele ensina matemática ou o conteúdo de português, em lugar da matéria do professor que faltou” (Professor_02).
Ademais, registra-se o fato de que professores de PM possuíam muito mais tempo para reuniões com diretores ou coordenadores pedagógicos. Nesses encontros eram discutidos assuntos em relação ao cumprimento dos conteúdos da disciplina, mas, sobretudo, sobre o rendimento dos alunos, a partir de análise das provas (Prova Brasil, Saresp, ou a prova da cidade ou simulado da escola), um processo que controlava de perto o resultado dos alunos e o trabalho dos professores.
Os professores sinalizaram (mais de 80%) que os profissionais que lecionavam PM tinham mais tempo de formação contínua, seja nas secretarias ou diretorias de educação, ou nas escolas, por meio de participação em palestras, cursos, workshops e reuniões formativas. Um contexto, como afirmou um professor, “de oportunidades maiores para os professores de português e matemática. As chances de aperfeiçoamento são menores para os professores de Ciências.” (Professor_56).
Em alguns municípios, São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo, havia também um número maior de encontros, denominados de Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC); em outros, chamados de Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC). Esses encontros eram destinados às discussões relativas à Prova Brasil, ao Saresp, à composição das matrizes das provas, aos tipos de questão e conteúdos; ao IDEB ou IDESP, relacionando sua forma à proficiência dos alunos e o fluxo escolar; à busca de soluções para aumentar a nota da escola, entre outras coisas. Nesses casos, as discussões eram, quase que exclusivas, sobre as disciplinas de português e matemática.
Nas cidades de São Bernardo do Campo e de São Caetano do Sul, na esfera municipal, os professores de Ciências afirmaram também que os coordenadores pedagógicos atuavam de forma mais próxima dos professores de português e matemática. Neste caso, eles acompanhavam mais de perto esses docentes assistindo as aulas e realizando devolutivas; analisavam mais os conteúdos, verificando se esses eram cumpridos ao longo do ano; apreciavam as provas, analisando as questões e verificando os resultados do desempenho dos alunos em comparação com outras salas de aula, entre outras coisas.
De acordo com um professor, os coordenadores pedagógicos também sugeriam materiais de leitura para os profissionais de PM, indicavam vídeos educativos e recomendavam a realização de cursos, indicados pelas Secretarias de Educação ou Diretorias de Ensino. Segundo ele, havia maior “cobrança sobre os professores de português e matemática” (PROFESSOR_71).
Sintetizando, os professores sinalizaram que os docentes de português e matemática dispunham de maiores recursos para projetos (Prova São Caetano), programas, para a impressão de atividades, para compra de material; de mais aulas (reforço e aulas como professores substitutos); de mais tempo (reuniões em HTPC e com diretores e coordenadores); de mais formação (cursos, palestras, workshops e congressos); de mais investimentos (cursos, software de matemática). Ao mesmo tempo, esses profissionais sinalizaram que possuíam condições de trabalho inadequadas (laboratórios de ciências sem condições de uso), que estavam desmotivados e que não eram reconhecidos pelos sistemas de educação e em suas escolas.
Discussão dos Resultados
Considerando que o desenvolvimento profissional docente acontece no dia a dia da escola, com os alunos, mas também nas inúmeras experiências dos professores com seus pares, nos encontros ou reuniões com colegas e com os gestores, com os formadores em cursos de formação continuada, em estudos autônomos, nas situações de vida e em outros relacionamentos (GARCÍA, 1999, HOBOLD, 2018), os dados encontrados no presente estudo revelaram que o DP dos professores de Ciências vem sendo cerceado, em grande parte, com a implantação das políticas de avaliação, limitando esses profissionais de aprender e experienciar novas vivências.
A primeira questão que tem influenciado o desenvolvimento profissional dos professores de Ciências são as condições precárias em que se encontram muitos dos laboratórios de ciências nas escolas, não oportunizando situações e vivências de ensino associadas ao contexto de trabalho, como referenciado por outros pesquisadores (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009; HOBOLD, 2018). De fato, as condições de uso dos espaços se tornam fatores limitantes do desenvolvimento de competências, entre outras, de observação, de investigação, de conhecimentos práticos.
Duas outras situações podem ser analisadas de forma análoga: a do projeto de reforço escolar e a de professores eventuais que substituem, majoritariamente, ausências de docentes nas disciplinas de português e matemática. Nessas duas circunstâncias, as evidências revelaram que há maiores oportunidades de participação em cursos e em outras experiências para os docentes das áreas de PM, limitando as possibilidades de DP dos professores de Ciências. Esse quadro torna visível o desalinhamento que vem ocorrendo nos sistemas de ensino e nas escolas entre os diferentes componentes curriculares. Além disso, há também a questão do salário, pois aqueles que participavam de alguns projetos, mensalmente, tinham um acréscimo em seus pagamentos por terem sua jornada de trabalho ampliada.
Constatou-se que os professores de PM possuíam muito mais tempo para reuniões com diretores ou coordenadores pedagógicos, incluindo aqueles períodos de HTPC ou ATPC. Ao mesmo tempo, os coordenadores pedagógicos (ou diretores) atuavam com maior proximidade desses profissionais, em pequenas conversas, sugerindo materiais de leitura, indicando vídeos educativos, entre outros. Considerando que esses encontros são formativos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009), pois neles ocorrem discussões ou momentos de estudo, os professores de Ciências tinham oportunidades menores de desenvolvimento profissional do que seus colegas dentro do contexto escolar, considerado, por muitos pesquisadores (CANÁRIO, 1998; FUSARI, 2009; GARCIA, 2010; CUNHA; PRADO, 2010), como o lócus da formação, um espaço para fomentar a colaboração, criar vínculos, dialogar sobre as práticas e desenvolver competências.
Neste contexto, os professores de PM tinham mais tempo de formação contínua em termos de palestras, cursos, palestras e workshops fora do cenário escolar. Trata-se de outra situação que tem influenciado o desenvolvimento profissional dos professores de Ciências, pois, como sinaliza Oliveira-Formosinho (2009), há um modelo de DP baseado em cursos de formação que auxilia o professor na aquisição e no desenvolvimento de competências profissionais.
Essa situação, além de afetar o professor de Ciências em termos de aprendizado, afetava também a questão salarial, pois em algumas dessas cidades, como São Caetano do Sul e Santo André, a realização de um novo curso vem acompanhada de um certificado, que permite ao docente somar alguns pontos e progredir na carreira. Trata-se, para o docente, de uma atualização em seus conhecimentos e, ao mesmo tempo, um aumento em seu pagamento.
Em geral, os maiores recursos das Secretarias de Educação e das Diretorias de Ensino têm sido alocados para o desenvolvimento de projetos nas áreas de português e matemática. Maiores investimentos têm sido endereçados aos professores dessas disciplinas. Fazio e Karrow (2013) encontraram situação similar na região de Ontário, no Canadá, demonstrando que parece não se tratar de um fenômeno local.
Nesse contexto, os professores de português e matemática dispunham de muito mais tempo de reuniões com os diretores ou com os coordenadores pedagógicos em encontros formativos, mais formação continuada em termos de cursos, workshops, entre outros, o que Blank (2013) e Dow (2015) reportaram no cenário americano e canadense.
No cenário brasileiro, Mira e Cartaxo (2014) e um estudo do Observatório da Educação (2017) tinham relatado que as temáticas mais dominantes na formação docentes eram aquelas atreladas às áreas de português e matemática, possibilitando maiores oportunidades para esses profissionais.
Por fim, é preciso denunciar que este contexto, com maiores oportunidades para os docentes de PM e de desmotivação dos professores de Ciências, pode reduzir ainda mais o interesse dos alunos pelo ensino de Ciências, em geral, e em buscar as carreiras científicas, em particular (AIKENHEAD, 2005; BERNARDO et al., 2008). Uma situação que pode também, entre outras coisas, afetar o desenvolvimento do pensamento crítico, questionador e investigativo dos nossos alunos (BULUNUZ; JARRETT, 2010; CHASSOT; OLIVEIRA, 2001).
Considerações finais
Neste estudo foi analisado a percepção dos professores de Ciências sobre o seu desenvolvimento profissional, considerando as reformas nacionais que implementaram as avaliações em larga-escala.
As análises indicaram que essas políticas, que estão induzindo as escolas na busca de melhores resultados nos indicadores (IDEB e IDESP), têm estabelecido um contexto de inequidade de formação e de possibilidades profissionais dentro das cidades e, ainda mais agravante, dentro das próprias escolas. As ALEs estão desalinhando ainda mais a formação dos professores e limitando o desenvolvimento profissional dos professores de Ciências. Na região do grande ABC, essa formação está sendo oferecida desproporcionalmente aos professores de português e matemática, o que afeta o desenvolvimento profissional dos professores de Ciências.
Essas políticas têm induzido as Secretarias de Educação, as Diretorias de Ensino e as escolas a oferecerem mais oportunidades, recursos e tempo para a formação contínua para os professores de PM. Aquisições de materiais, criação de projetos e investimentos são maiores para esses profissionais, causando um desalinhamento na formação docente, uma situação começou a ocorrer após a criação e a implementação das avaliações em larga-escala.
Neste contexto, algumas consequências estão sendo contabilizadas: professores de Ciências estão ficando, cada vez mais, desmotivados, estão aprendendo e se atualizando menos quanto aos conhecimentos gerais e específicos e, acima de tudo, as reformas acontecidas nas últimas décadas relacionadas às avaliações têm afetado a questão do desenvolvimento profissional desses docentes.
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Correspondência
Paulo Sérgio Garcia – Professor dos cursos de pós-graduação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Coordenador do Observatório de Educação do Grande ABC Paulista.
Nelio Bizzo – Professor Titular Senior de Metodologia de Ensino de Ciências Biológicas da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Sanny Silva da Rosa – Professora dos cursos de pós-graduação da Universidade de São Caetano do Sul.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Av. Goiás, 3.400. São Caetano do Sul 09550-05, São Paulo, Brasil.
E-mail: paulo.garcia@uscs.edu.br – bizzo@usp.br – professorasanny@gmail.com
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