Composição, diálogo e conscientização na EJA: um estudo no campo da educação musical
Composition, dialogue and awareness in EJA: a study in the field of musical education
Rafael Dias de Oliveira
Doutorando da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
profrafa@gmail.com – https://orcid.org/0000-0002-3415-9322
Viviane Beineke
Professora doutora na Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina
vivibk@gmail.com
Recebido em 18 de setembro de 2018
Aprovado em 08 de julho de 2019
Publicado em 29 de março de 2020
RESUMO
Pesquisa sobre a composição musical em aulas de música na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), com o objetivo de investigar os processos de diálogo e conscientização que emergem na ação pedagógica de compor na escola. O referencial teórico foi construído na articulação entre autores que abordam a composição como ação pedagógica em educação musical e a concepção freireana de educação problematizadora. Foi realizada uma pesquisa participante com estudantes de uma turma do segundo segmento da EJA. O desenho metodológico incluiu a imersão do pesquisador no contexto escolar para atuar como professor e desenvolver um planejamento didático com vivências em composição musical com os participantes. Essas vivências foram registradas em vídeo e realizadas entrevistas de reflexão em grupos focais com auxílio desses vídeos. Os resultados apontaram evidências de que a composição musical pode propiciar aos estudantes a participação no processo de aprendizagem como sujeitos ativos, no qual podem aprender vivendo sua realidade musical, dialogando sobre ela e abrindo espaço para uma possível ampliação de sua visão sobre a música e a sua relação com ela e o mundo.
Palavras-chave: Educação Musical; Composição; Diálogo e conscientização; EJA.
ABSTRACT
The research presented in this article focused on musical composition in music classes in the Educação de Jovens e Adultos - EJA (Youth and Adult Education) modality, in order to investigate the processes of dialogue and awareness that permeate the pedagogical action of composing in school. The theoretical reference was built in the articulation between authors that approach the composition as pedagogical action in musical education and the Paulo Freire's conception of problematizing education. A research with the participation of students of a second segment class of the EJA was carried out. The methodological design included the immersion of the researcher in the school context to act as teacher, and to develop a didactic planning with experiences in musical composition with the participants. The recording of these experiences in video and reflection interviews in focus groups with the help of videos were carried out. The results showed evidence that the musical composition can provide students with participation in the learning process as active subjects, in which they can learn by living their musical reality, dialoguing about it and opening space for a possible amplification of their vision about music and their relationship with it.
Keywords: Musical education; Musical composition; Dialogue and awareness; EJA.
Introdução
Este artigo apresenta pesquisa da área da Educação Musical que focalizou a composição em aulas de música na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA)[1], investigando os processos de diálogo e conscientização que emergem na ação pedagógica de compor na escola[2]. A pesquisa foi desenvolvida com estudantes do segundo segmento da EJA (anos finais do ensino fundamental) numa escola da cidade de Florianópolis.
A EJA caracteriza-se como modalidade do ensino básico marcada pela diversidade. Numa mesma sala de aula convivem adolescentes e idosos, pessoas de várias partes do Brasil, cada uma com suas histórias, que as levaram para a escola em diferentes momentos da vida. Nesse sentido, cabe problematizar o papel da EJA como agente de transformação, e o processo educativo como gerador de mudanças que nos permitam ampliar nossa percepção da realidade.
Diante disso, nos perguntamos como a educação musical pode contribuir com processos pedagógicos que visam a uma educação crítica e transformadora. As ideias de Paulo Freire apontam nessa direção, pensando numa educação problematizadora em que a aprendizagem é tida como relevante quando os estudantes são transformados no e pelo processo de educação, gerando uma mudança em sua percepção sobre a realidade, quando os conhecimentos são submetidos a uma postura crítica das pessoas: conhecer para transformar.
Apesar de Paulo Freire não querer ser lembrado como o inventor de um método[3], sua sistematização de ações pedagógicas para alfabetização de adultos continua atual e desafiadora. Um dos pontos centrais de sua proposta para a alfabetização de adultos é o respeito à situação de vida dos estudantes, tendo como ponto de partida da prática pedagógica o cotidiano das pessoas para a leitura de mundo que, segundo ele, precede a leitura da palavra. Paulo Freire propôs considerar mulheres e homens em alfabetização como sujeitos da aprendizagem, considerando sua cultura e transformação através do diálogo. Jovens e adultos chegam à escola com sua visão de mundo, sua bagagem cultural. Sua família, comunidade, religiosidade e trabalho, entre outras vivências, permitiram-lhes construir saberes e conhecimentos com base em sua experiência e percepção do mundo.
Pensar a alfabetização enquanto processo que parte da visão de mundo de cada estudante para transformá-la permite-nos perguntar como a música pode participar desse processo, à medida que ela constitui um desses saberes e experiências, presentes na bagagem das pessoas e que são trazidas para a escola. Nessa direção, a composição musical apresenta-se como ação em potencial que permite aos estudantes partir de seus conhecimentos musicais para transformá-los.
Por uma educação musical problematizadora na educação de jovens e adultos
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade do ensino básico brasileiro, voltada para as pessoas que não cursaram o ensino regular na idade prevista pelo sistema educacional. A música está presente nos parâmetros curriculares para o segundo segmento da EJA (séries finais do ensino fundamental), compondo a disciplina de artes, em conjunto com artes visuais, teatro e dança. O documento (BRASIL, 2002) enfatiza a importância de ver a música como um processo e não somente como um produto finalizado e consumível. Também é dado destaque para a composição musical no processo educativo, por seu potencial de engajar o estudante criticamente com o material musical que está sendo trabalhado. Segundo o documento, quando se depara com a possibilidade de compor musicalmente ritmos, melodias, desenvolver arranjos musicais e executá-los com frequência, o estudante constata que a arte musical está ao seu alcance e que ele pode desenvolvê-la. A proposta também destaca o valor educativo do diálogo e da participação nas ações pedagógicas nessa modalidade de ensino, considerando o aluno como sujeito portador de saberes que devem ser considerados em sua aprendizagem.
Construindo um panorama das produções da área da educação musical na Educação de Jovens e Adultos no Brasil, desenvolvemos uma revisão de literatura incluindo o ensino de artes na EJA. Iniciamos a busca por trabalhos da área da educação musical e depois fomos ampliando para pesquisas envolvendo o ensino de artes visuais e teatro. Esse levantamento teve o objetivo de esclarecer questões como: quais linguagens artísticas estão pesquisando na/sobre a EJA? Que temas estão abordando? Como se aproximam da EJA? Que referenciais teóricos utilizam?
No conjunto dos trabalhos mapeados, foram encontradas 14 publicações produzidas em programas de pós-graduação e linhas de estudo bastante diversificadas, como Educação, Educação Musical, Serviço Social, Cultura e Sociedade, Educação e Arte, História da Cultura e Artes Cênicas. Nesse panorama, foram identificadas algumas temáticas como a questão intergeracional, o professor, a visão dos alunos sobre as aulas de artes, educação estética, proposta e prática pedagógica. Esse panorama permitiu uma visão geral de como a EJA é pesquisada pelos que se interessam pelo ensino de artes nessa modalidade. Observou-se que é muito presente entre esses pesquisadores o interesse na relação entre concepções de cada área com as particularidades do contexto da EJA.
A análise de tal levantamento nos mostra que os trabalhos revisados (LOGUÉRCIO, 2011; FERNANDES, 2005; 2012; MACHADO, 2012; PINTO, 2012; MARQUES, 2012; VIANA, 2011; SANTOS, 2010; PENTEADO, 2001; SAUL, 2013) tendem a apresentar dois pilares teóricos: um pilar que os diferencia, relacionado à área específica do conhecimento, no caso música, teatro, artes visuais e formação docente, entre outros; e um pilar que os aproxima, que são os referenciais usados para aproximá-los das discussões sobre a EJA.
A aproximação das ideias de Paulo Freire com a educação musical, orientada pelas pesquisas sobre o ensino das linguagens artísticas na EJA e por pesquisas que abordam a composição no ensino de música, constituíram a base para construir a fundamentação teórica da pesquisa. Enquanto compõe, o estudante está aprendendo música de forma ampla, combinando diferentes habilidades e conhecimentos musicais para a elaboração de um todo: uma música. Será que a aprendizagem musical mobilizada no processo de composição pode ser pensada com base no caráter dialógico, conscientizador e libertador que Paulo Freire propõe para o ensino de jovens e adultos?
A concepção de educação problematizadora de Paulo Freire (1987) situa a realidade como mediatizadora dos sujeitos envolvidos nesse processo: professores e estudantes, chamados por Freire de “educador e educandos”. É nesse contexto que se pode compreender uma das frases mais citadas de Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens [e as mulheres][4] se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. A concepção problematizadora rompe a contradição educador-educandos, e esse rompimento é essencial para estabelecer uma relação baseada no diálogo. Para Freire (1987), não seria possível na educação problematizadora buscar uma prática libertadora sem superar essa contradição, porque não é possível pensar em prática libertadora fora do diálogo, pois, com essa superação, “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem” (FREIRE, 1987, p. 68).
Na educação problematizadora os homens e as mulheres se educam em uma prática na qual problematizam sua realidade e podem transformar sua percepção, passando de uma consciência ingênua para uma consciência crítica[5]. É nesse contexto que emerge o conceito de conscientização. Freire (2001a, p. 29) afirma que esse conceito é central em suas ideias sobre educação e enfatiza que a tomada de consciência é própria da maneira como homens e mulheres se relacionam com o mundo. Vai além de tomar consciência de algo: consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência, permitindo conhecer a realidade desvelada, ou seja, uma penetração nessa realidade a ponto de estar consciente das nuances que a formam, inclusive aquelas que não estão apresentadas.
Em síntese, na concepção de Paulo Freire de educação problematizadora, o diálogo entre os sujeitos é fundamental para que suas visões de mundo se reflitam em suas situações no mundo, pois uma educação transformadora não pode ser construída sem o conhecimento crítico de sua situação no mundo. Para ele (1987), o papel do educador não é falar aos estudantes sobre sua visão de mundo, mas dialogar com eles sobre todas. A conscientização é como uma consequência de uma concepção educativa que estimula a vocação ontológica do ser humano de ser sujeito, sustentando que “ele não só pode, mas deve discutir os seus problemas. Os problemas do seu país. Do seu continente. Do mundo. Os problemas do seu trabalho. Os problemas da própria democracia” (FREIRE, 2001b, p. 104).
Por outro lado, no campo da educação musical, Swanwick (2003) defende uma “conversação musical” envolvendo os estudantes e o professor. O diálogo, segundo o autor, é necessário para considerar o discurso musical do sujeito, pois todos possuem seu domínio de compreensão musical. “Discurso – conversação musical – por definição, não pode ser nunca um monólogo” (idem, p. 66). Nessa perspectiva, Swanwick (2003) destaca a importância das atividades de composição no ensino de música, especialmente em pequenos grupos, porque elas promovem oportunidades para os estudantes fundirem diferentes universos musicais enquanto buscam soluções para as composições.
Por que é preciso ampliar a realidade do sujeito? Por que é preciso que ele aprenda a escrever o mundo e não só viver o mundo? Quando o sujeito escreve a própria história, talvez possa tomar consciência do seu papel no mundo. Será que, quando compõe, o sujeito também escreve sua história? Isso amplia sua consciência sobre música? Será que a aprendizagem musical mobilizada no processo de composição pode ser pensada a partir do caráter dialógico, conscientizador e libertador que Paulo Freire propõe para o ensino de jovens e adultos?
Com base nesse estudo sobre os conceitos de diálogo e conscientização que compõe a concepção de educação problematizadora de Paulo Freire, buscou-se direcionar o olhar para as maneiras como a composição poderia mobilizar elementos pedagógicos freireanos que são referência para a educação de jovens e adultos. A área da Educação Musical reconhece a composição como importante ação pedagógica para um aprendizado musical significativo em que o estudante pode manifestar suas ideias e mostrar como pensa musicalmente. Compreendemos aqui a composição como ação pedagógica que proporciona aos estudantes a tomada de decisões durante a manipulação de materiais musicais, com a intenção de articular e comunicar pensamentos musicais (SWANWICK 2003; 2014). Isso inclui arranjos, improvisações, melodias, ritmos, musicalização de textos e filmes, entre outras atividades onde os estudantes fazem suas próprias escolhas musicais. Para Swanwick (2014, p. 86),
A composição tem lugar quando há alguma liberdade de escolher a ordenação da música, com ou sem notação ou outras formas de instrução detalhadas para execução. Outros podem preferir, às vezes, usar os termos improvisação, invenção ou música criativa. Todos eles entram nessa abrangente definição de composição, o ato de montar música.
Assim, as propostas pedagógicas desenvolvidas para esta pesquisa são fundamentadas na concepção de Swanwick sobre a composição como ação pedagógica. Nesse sentido, vale a ressalva de que nosso referencial para análise dos dados em busca das respostas para a questão de pesquisa está fundamentado na concepção de educação problematizadora de Freire (1987). Já o referencial teórico de Swanwick é utilizado para embasar a escolha da composição como ação pedagógica em educação musical, no campo das metodologias de ensino, argumentando a importância de sua presença nas práticas de ensino e de aprendizagem de música na escola. Cientes de que o contexto sociocultural desse autor se desenvolveu em outra realidade, afirmamos que nossa aproximação com o contexto dos pesquisados se deu pelas ideias de Paulo Freire.
Para Swanwick ( 2003), a composição permite um relacionamento direto com o material sonoro e isso favorece a compreensão sobre o funcionamento dos elementos musicais, porque dá ao estudante a oportunidade de decidir sobre a maneira de produzir os sons e sobre sua ordenação temporal e espacial. Para o autor (2003, p. 67), compondo em grupos os estudantes “trarão suas próprias interpretações e tomarão suas próprias decisões musicais em muitos níveis. Eles começarão a se apropriar da música por eles mesmos”.
Durante o processo de composição os estudantes manipulam e organizam os materiais musicais de acordo com suas próprias ideias. O aprendizado musical vai possibilitando-lhes tomar decisões e misturar os elementos aprendidos em aula com a bagagem musical que trazem de seu círculo social. Swanwick (2014, p. 130) argumenta que a percepção das pessoas acerca da música é influenciada por motivos musicais e não musicais, como posição social, família, educação etc. Enquanto compõe, o estudante escolhe os materiais sonoros que irá usar e como será essa combinação. Usa a intuição para decidir qual caráter vai impor à sua música, influenciado por suas emoções e desejos. Constrói sua música combinando e recombinando ideias. Nesse processo, está aprendendo música de forma ampla, combinando diferentes habilidades e conhecimentos musicais para elaborar um todo: uma peça musical.
Esse exercício de relacionar a ação pedagógica de compor em sala de aula com a concepção pedagógica de Paulo Freire, norteadora das propostas curriculares para a EJA, levou-nos à questão central desta pesquisa. Considerando que a ação pedagógica de compor em grupo pode estabelecer uma relação dialógica e crítica, onde o sujeito tem papel ativo no processo de aprendizagem, questionamos: de que maneira aspectos relacionados ao diálogo e ao processo de conscientização permeiam a ação pedagógica de composição musical em uma escola de EJA? Para responder esta questão, perseguimos os objetivos de investigar os processos de diálogo e conscientização que emergem na ação pedagógica de compor e analisar aspectos que indiquem possíveis mudanças na sua relação com a música.
O caminho se faz caminhando[6] – percurso metodológico
Com base na questão e nos objetivos propostos, a pesquisa é orientada pela abordagem qualitativa, optando-se por uma pesquisa participante com alunos do segundo segmento do ensino fundamental. Le Boterf (1999) considera a pesquisa participante como o processo de investigação em que a população estudada tem papel ativo na pesquisa, participando da seleção dos problemas, realizando análises críticas e influenciando na busca de soluções. Para o autor (1999, p. 51), a pesquisa participante se diferencia de métodos investigativos nos quais a população pesquisada não tem papel ativo e não analisa a sua própria situação na busca das soluções para seus problemas.
O caráter educacional e de transformação social desse método pareceu estar alinhado com o contexto da EJA. É possível relacionar princípios da pesquisa participante que se aproximavam da realidade da pesquisa, tais como a relação intensa entre sujeitos e pesquisador, a reflexão dos sujeitos sobre uma realidade por eles vivida, a possibilidade de tomar consciência durante o processo e a integração entre investigação, trabalho e ação, e imersão do pesquisador no contexto de pesquisa.
O desenho metodológico previu a imersão no contexto para desenvolver um planejamento didático com atividades musicais de composição, chamadas de vivências em composição musical. A realização desse planejamento no horário letivo e o registro dos processos de composição em vídeo gerou material para que os estudantes pudessem, posteriormente, rever seu processo de composição e refletir sobre o assunto. Em síntese, o desenho da pesquisa previu: realizar vivências de composição musical; observar e filmar o processo de composição; editar um vídeo para cada composição com um resumo do processo; e realizar entrevistas em grupos focais com auxílio do vídeo[7].
O projeto foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão diretamente ligado ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) responsável pelo exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos no país, que o aprovou[8].
Definição do campo e dos participantes da pesquisa
A definição da escola campo da pesquisa iniciou através do contato com a coordenação geral de EJA da Secretaria de Educação de Florianópolis. A definição do núcleo EJA Norte como campo se deu pela percepção do coordenador geral de que a coordenação pedagógica desse núcleo estaria aberta para receber a pesquisa. O primeiro encontro com a coordenação da escola foi mediado pelo coordenador geral, e o projeto de pesquisa foi apresentado. Ficou acertado que, após a aprovação do Comitê de Ética, retornaríamos para realizar a pesquisa.
A pesquisa iniciou com a formação do grupo de estudantes participantes. Na escola havia uma turma de primeiro segmento (alfabetização) e duas turmas de segundo segmento (anos finais do ensino fundamental). O sistema pedagógico da EJA nas escolas da rede municipal de ensino de Florianópolis utiliza a pesquisa como princípio educativo. Não há divisão em disciplinas. Os estudantes realizam pesquisas sobre temas de seu interesse, elaboram-nas de acordo com uma estrutura padrão e apresentam para todos os colegas quando terminam. A cada pesquisa finalizada e aprovada pelos professores, os estudantes validam horas de trabalho que são computadas para certificar o curso. Os professores atuam orientando as pesquisas de acordo com seu interesse e proximidade com sua área de formação. Além da orientação, os professores oferecem oficinas relacionadas com suas áreas. No período da pesquisa, estavam acontecendo oficinas sobre cálculo de porcentagem em juros, escrita de poemas, doenças e efeito de drogas no organismo, entre outras.
O projeto foi explicado para as duas turmas do segundo segmento da escola, convidando os interessados para participar, durante duas semanas, de atividades musicais semelhantes às que ocorreriam durante a pesquisa. Dos cerca de quarenta estudantes presentes, vinte voltaram na semana seguinte e participaram das atividades musicais planejadas, que tiveram o objetivo de aproximar os alunos interessados do tema e da prática da pesquisa, antes de formalizar o grupo participante.
A atividade da primeira semana teve como objetivo debater sobre uma prática musical coletiva buscando problematizar o ser humano como um ser musical, destacando a musicalidade de cada um e que todos têm seu papel para a música ser como é. Realizamos momentos de criação musical por meio da exploração de diferentes instrumentos (rebolo, tamborim, agogô, ganzá, caxixi, triângulo, mini djambê, pandeiro, meia lua, escaleta, cavaquinho e dois violões) e atividades de regência explorando essas criações.
Na semana seguinte, realizamos uma atividade de composição após a apreciação de vídeos de diferentes povos fazendo festas e rituais com suas músicas características. A turma foi dividida em grupos de quatro ou cinco alunos e, com base nos elementos discutidos, cada grupo deveria criar sonorização para um ritual. Os estudantes poderiam usar os instrumentos à disposição, o corpo e a voz para sonorizar um ritual que já, ou ainda criar um novo ritual e inventar novos cantos e sons. Depois da apresentação de todos os grupos, foi aberto espaço para comentários e debate.
Na semana seguinte, realizamos um encontro para formar o grupo participante da pesquisa. O desenho da pesquisa foi apresentado de forma um pouco mais detalhada do que a realizada para todas as turmas no primeiro encontro. As questões éticas também foram esclarecidas com os encaminhamentos relativos à assinatura dos termos de livre esclarecimento, de direitos de uso de imagem e de participação em entrevista; e ainda do termo de assentimento de pais ou responsáveis no caso de alunos menores de 18 anos. Depois das vivências nas semanas anteriores, com mais detalhes nas informações e com espaço para esclarecer dúvidas remanescentes, os estudantes foram convidados a tomar sua decisão de participar ou não da pesquisa. Dos cerca de vinte presentes, doze decidiram participar.
Nosso próximo passo foi realizar uma entrevista individual com roteiro semiestruturado. Para Le Boterf (1999), o estudo preliminar dos sujeitos tem a função de realizar diagnósticos acerca da população e da região envolvidas. Adaptando para a realidade da pesquisa, essa etapa buscou conhecer um pouco da história e da experiência musical dos sujeitos. Esse diagnóstico seria um ponto de apoio para definir os debates e a estratégia pedagógica a ser utilizada nas vivências em composição de que participariam. O resultado mostrou que o grupo é bastante heterogêneo, com pessoas de diferentes regiões do país, numa larga faixa etária que vai de 15 a 41 anos, em situações de vida bastante diferentes e com diversas relações com a música. Dos doze estudantes que decidiram aderir à pesquisa, dez participaram das composições: Guilherme, Santana, Lima, Martinho, João, Diogo, Reginaldo, Clara, Paula e Ivone. Não foi possível entrevistar a estudante Ivone por sua frequência irregular, com elevado número de faltas.
Vivências em composição musical
Para gerar dados que permitissem observar e registrar em vídeo os estudantes compondo em grupo, foram desenvolvidos planejamentos didáticos com propostas de vivências em composição musical. O planejamento das vivências levou em consideração propostas educativas que pensam a educação como problematizadora: a proposta Paulo Freire para alfabetização conscientizadora (FREIRE, 2001b BRANDÃO, 2006), a proposta de Pedagogia Crítica para a Educação Musical (ABRAHAMS, 2005) e as ideias de composição na educação musical de Swanwick ( 2003).
Para realizar as vivências, ficou combinado com a coordenação da escola usar todo o horário letivo das quintas-feiras. Nas quintas a escola oferecia o espaço do último horário para o que chamavam de atividades lúdicas, nas quais os estudantes dispunham de jogos de tabuleiro e de mesa, sessões de filmes e oficinas diversas, entre outras atividades. Os dias letivos eram organizados em dois horários: das 18h40min às 20h00 e das 20h20min às 21h45min, durante os quais os estudantes participantes faziam suas aulas em atividades de composição.
As vivências em composição foram estruturadas em dois momentos: diálogos sobre música e trabalhar a música. O primeiro momento foi destinado a uma tempestade de ideias, usando estratégias para gerar um debate sobre o tema fio condutor da proposta. O segundo momento, para a composição musical em grupos, teve como elemento disparador o registro de ideias feito por cada um no primeiro momento. As vivências duraram seis semanas e foram produzidas sete composições: Consumo musical, Do meu lado é o seu lugar, Escola da Vida, Vou te levar daqui, Siga em frente, O churrasco e Mensagem pra você. Para este artigo, decidimos apresentar a segunda vivência em composição desenvolvida na pesquisa[9], que será detalhada no próximo capítulo.
Análise dos dados gerados na pesquisa
Todos os processos de composição em grupo foram filmados na íntegra e editados num vídeo com resumo de cada processo. Depois, foram realizadas entrevistas em grupos focais com os estudantes assistindo a esses vídeos, com questões que os convidavam a refletir sobre a experiência musical vivenciada. As entrevistas em grupos focais foram transcritas e, assim como os vídeos, foram organizadas com o nome da música e seu processo de composição.
A atuação do pesquisador como mediador das vivências levou-o a participar dos diálogos estabelecidos nos grupos de composição, tanto orientando e disparando esse diálogo, quanto registrando os diálogos que seriam analisados posteriormente. Quando se distanciou do objeto para análise, o pesquisador pôde reinserir-se sempre que necessário, retomando alguma nota ou lembrança para a compreensão de algo que dependesse das vivências ocorridas no contexto.
Algumas questões nortearam o olhar para os dados resultantes das entrevistas sobre as vivências em composição. Num primeiro momento a atenção esteve voltada para o surgimento das ideias musicais: Como o diálogo musical foi estabelecido? Como foram os debates? Como os estudantes mobilizaram seus saberes e habilidades musicais para transformar as ideias em música? O que precisaram aprender para poder fazer as músicas? Como e com quem aprenderam?
Outro ponto considerado importante foi a questão da tomada de consciência envolvendo possíveis momentos de ampliação de seus conhecimentos, habilidades e de sua percepção sobre a música. Nesse sentido, as perguntas foram: os estudantes desenvolveram conhecimentos e habilidades musicais durante o processo? Construíram uma percepção mais ampla da música? Como expressaram isso? Depois do processo, o que dizem sobre si próprios enquanto sujeitos musicais?
Com base nessas questões, o olhar para os dados foi na direção de reconhecer pistas de uma tomada de consciência, por meio de possíveis mudanças da percepção dos estudantes sobre a música e de sua relação com ela, a partir dos diálogos estabelecidos durante os processos de composição musical.
Os estudantes da EJA e as suas composições musicais
Conhecer os estudantes participantes da pesquisa e propor atividades em que vivenciassem a composição musical foi nosso ponto de partida para o trabalho de campo que nos proporcionou produzir dados para análise. A seguir apresentamos os sujeitos participantes da pesquisa e uma das suas atividades de composição.
Retratos da turma: histórias e músicas na EJA
O resultado da entrevista realizada individualmente com os estudantes revelou um cenário de diversidade comumente encontrado das escolas de EJA. O grupo foi formado pelos jovens Guilherme, Lima, Santana e Diogo, que procuraram a EJA por estarem em idade avançada para o ensino fundamental ou porque querem ou precisam começar a trabalhar. Guilherme tem 15 anos e veio para a EJA porque a escola matutina achou que ele já estava com muita idade para o sétimo ano. Estava procurando emprego em um shopping para ganhar seu próprio dinheiro. Ele gosta de música eletrônica e RAP. Lima tem 16 anos e ajuda o pai que trabalha como pedreiro. Gosta de música gospel e sertanejo e toca violão com amigos na igreja. Santana tem 17 anos, é natural de Laranjeiras do Sul, interior do Paraná, e trabalhava num supermercado no programa jovem aprendiz. Gosta de todos os estilos musicais, mas prefere o rock; toca guitarra numa banda com amigos e violão na banda de rock gospel da igreja que frequenta. Diogo tem 17 anos, natural de Cipó, interior da Bahia, e trabalhava como servente de pedreiro. Veio morar em Florianópolis com um primo porque acha que a cidade oferece mais oportunidades. Gosta de cantar e pretende aprender a tocar violão.
São trabalhadoras e trabalhadores, mães e pais de família como Clara, Paula e João. Clara tem 25 anos, três filhos, trabalhava como faxineira em uma empresa de terceirização de serviços. Gosta de música gospel e pagode. Já participou de bandas, coros e grupos de jovens. Paula tem 37 anos, dois filhos e trabalhava como diarista. Ouve música com fone de ouvido enquanto faz as faxinas e gosta de música gospel. Já cantou em coro de igreja e gosta de cantar sozinha e escrever músicas no caderno. Pretende fazer aula de canto e tem vontade de tocar violão e cantar. João é baiano, está em Florianópolis há mais de dez anos, tem 40 anos, dois filhos e trabalha. como pedreiro e pintor. Seu rádio está sempre ligado enquanto trabalha. Ouve música prestando atenção na letra. Para ele, a música serve para tirar o estresse e ganhar conhecimento.
Pessoas recomeçando a vida, como Martinho e Reginaldo. Martinho tem 36 anos e toca percussão e bateria. Sua família é de Porto Alegre, mas brigou com o pai e veio morar em Florianópolis. Segundo ele, sua situação na cidade ainda não estava estabelecida, ainda não fixou trabalho e está passando por uma situação difícil na rua. Reginaldo tem 41 anos e é natural de Campina Grande, Paraíba. Trabalhava numa empresa de construção civil que realiza obras nas estradas da cidade. Pretende estabelecer-se aqui no sul e buscar a família. Identifica-se mais com pagode, partido alto e forró. Para ele, a música serve para embalar a vida, é a trilha sonora da vida.
Vivências em composição: temas geradores e composição musical
O objetivo da atividade de composição proposta foi extrair e debater temas geradores presentes em músicas para produzir material para compor suas músicas usando as ideias levantadas pelo grupo. Os estudantes foram convidados a descodificar[10] os temas geradores em seus elementos constituintes buscando relacioná-los com música. A ideia foi analisar os elementos musicais e não musicais que emergem nesse processo e, a partir de uma reflexão e registro desses elementos, realizar as composições. As músicas propostas para essa dinâmica e as questões que nortearam o debate são mostradas a seguir.
Quadro 1: Músicas utilizadas e questões norteadoras
Música |
Questões norteadoras |
· Brasil (Cazuza) |
· De que maneira faz crítica à política? E à sociedade? Qual a visão do Brasil? Qual a mensagem que a música passa? |
· Salão de Beleza (Zeca Baleiro) |
· Qual a crítica que a música faz? A que beleza o autor se refere? Que mensagem sobre beleza a música passa? |
· O Mundo é um Moinho (Cartola) |
· Incentivar a falarem sua impressão sobre o que diz a letra. Depois, confrontar essas visões com uma história sobre a música, que Cartola teria composto para sua enteada que estava querendo sair de casa para se prostituir. |
· Inverno - Vivaldi |
· Contar para os alunos que o compositor fez uma obra para cada estação do ano. Qual das estações será que ele quis representar nessa música? Ouvir a opinião dos alunos. Concordam? Se não, qual das estações ele acha que a música melhor representa? Por quê? |
· Pra Que Chorar (Vinicius de Moraes e Baden Powell) |
· Ouvir a opinião dos alunos sobre a mensagem dessa música. Depois, ouvir o depoimento de Vinicius de Moraes[11] contando que fez a letra da música durante uma noite que estava internado um uma clínica e ouviu durante a noite toda um velhinho chorando baixinho e este morreu pela manhã. Dialogar sobre a visão de cada participante. |
Fonte: OLIVEIRA (2016)
Após as apreciações e o debate, os estudantes se reuniram em dois grupos e receberam uma “ficha de descodificação” proposta para o registro das ideias surgidas nos debates. Como exemplo, preenchemos coletivamente uma ficha sobre a música Salão de Beleza após nova apreciação.
Figura 1 – Descodificação da música Salão de Beleza
Fonte: OLIVEIRA (2016)
Os grupos foram orientados a, nas próximas semanas, repetir esse exercício, debater sobre o tema que estivesse no centro da ficha, buscar as questões a ele relacionadas e usar essas ideias para iniciar uma composição. Essa ação foi feita com três temas diferentes, sempre com a formação de dois grupos de trabalho.
O primeiro tema a ser descodificado foi escolhido pelos próprios estudantes. Foram orientados a decidir em grupo o tema que estaria no centro da ficha para debater e realizar a composição. O segundo tema foi “escola”, proposto pelo pesquisador. A escolha desse tema está relacionada ao movimento de assembleias que estavam acontecendo na escola naquele momento, devido a problemas relativos a saídas sem autorização, uso de drogas na escola e brigas dos estudantes, entre outros. O terceiro tema – “mensagem” – também foi proposto pelo pesquisador. Durante essas semanas observando o processo de composição percebemos que os estudantes enfatizaram bastante a importância de a música fazer sentido, contar alguma história, passar uma mensagem. Esse tema teve o objetivo de levá-los a refletir sobre as formas de musicalmente passar uma mensagem e deixar livre para que mandassem sua própria mensagem a quem quisessem.
O quadro a seguir mostra as vivências, sua duração e as composições
Quadro 2: Vivências, atividades e composições produzidas
Vivências |
Semana |
Atividades |
Composições |
Vivência 1 |
Semana 1 |
Diálogos sobre música: Debates e registro |
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Semana 2 |
Trabalhar a música: Composição com o tema consumo musical |
Do meu lado é o seu Lugar Consumo Musical |
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Vivência 2 |
Semana 3 |
Diálogos sobre música: Extrair e debater temas geradores presentes em músicas. |
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Semana 4 |
Trabalhar a música: Composição com tema livre |
O Churrasco Vou te levar daqui |
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Semana 5 |
Trabalhar a música: Composição com tema escola |
Escola da vida |
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Semana 6 |
Trabalhar a música: Composição com tema Mensagem |
Mensagem pra você Siga em Frente |
Fonte: OLIVEIRA (2016)
Durante o processo de criação os estudantes viveram também momentos de aprendizado musical. O pesquisador-professor acompanhou os processos de composição atendendo a todos sempre que chamado e que julgou necessário. A ideia sempre foi de ajudá-los a transformar suas ideias musicais em música. Nesse processo, muitos conhecimentos musicais foram ensinados e aprendidos. Algumas pessoas aprenderam o conceito de melodia ao criar uma melodia para a letra que fizeram. Outros aprenderam como fazer a transposição de tonalidade ao buscarem resolver uma melhor forma de cantar sua composição. Leitura rítmica foi realizada para fazê-los tocar percussão juntos. Técnicas de dedilhado e levadas no violão foram aprendidas para transformar um rock num samba. Enfim, atividades de criação e de aprendizado musical caminham lado a lado de acordo com interesses e necessidades de cada um.
Conscientização musical: criando cultura e fazendo história
Como ação pedagógica, a composição pode incentivar o estudante a manifestar de forma própria suas ideias, revelando como pensa musicalmente. A possibilidade de fazer escolhas, proporcionada na composição, permite ao estudante tomar decisões que influenciam na definição dos rumos do seu processo de aprendizagem. A educação problematizadora (FREIRE, 1987), concepção de educação baseada no diálogo e que busca a conscientização (FREIRE, 1982; 1987; 2001a; 2001b, apresenta como pressuposto o potencial do ser humano de agir e pensar sobre sua realidade de forma crítica e reflexiva, tomando consciência da realidade e das nuances que a cercam, mudando sua percepção do mundo de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.
Nesse sentido, inferimos que as possíveis relações entre a aprendizagem musical por meio da composição (SWANWICK 2003; 2014) e a dialogicidade e tomada de consciência do processo educativo problematizador (FREIRE, 1987) emergem na medida em que o estudante pode participar do processo de aprendizagem como sujeito ativo, experienciando situações onde aprende música, vivendo sua realidade musical[12], dialogando sobre ela e abrindo espaço para ampliar sua visão a partir de maior compreensão do discurso musical. Assim, a análise de questões referentes à conscientização caminhou junto com a identificação de aspectos que permearam os diálogos durante os processos de composição.
Um deles foi o reconhecimento do outro. Analisando o que falaram quando perguntados sobre suas divergências e como esses conflitos foram resolvidos, identificamos questões como companheirismo, diferença de idade, culturas e significados musicais. Em alguns momentos essas divergências resultaram em definições, trazendo material sonoro para a composição, fundindo experiências musicais. Em outros, resultou em imposição de ideias e até rompimento do grupo.
O aprendizado musical também permeou os diálogos durante as composições. Os estudantes falaram que desenvolveram habilidades musicais durante o processo, que aprenderam música com os colegas e que o pesquisador desempenhou um papel de organizador dos grupos durante as composições. Os momentos em que se perceberam aprendendo ou ensinando estiveram ligados às necessidades musicais demandadas durante a ação de compor, de acordo com as decisões que iam tomando.
A valorização da experiência musical dos sujeitos também foi um aspecto que se destacou na construção do diálogo durante as composições. Quando questionados sobre o surgimento das ideias para as composições, os estudantes falaram muito sobre suas experiências musicais, remetendo à família, a círculos sociais e suas preferências musicais. A valorização dos seus discursos musicais, presentes na ação pedagógica de composição, influenciou no papel do estudante como sujeito ativo ou passivo no processo educativo, e isso tem muita importância quando se quer compreender o caráter dialógico e conscientizador da relação.
Durante as composições os estudantes puderam expressar-se musicalmente com base em suas experiências, numa relação que envolveu seus discursos musicais e os dos colegas. No momento em que eles assistiram aos vídeos dos processos de composição, refletiram sobre a realidade vivenciada e deram alguns depoimentos que puderam ser olhados sob a perspectiva do processo de tomada de consciência. Eles disseram que, ao compor, conseguiram entender melhor a música, percebendo que a composição está mais próxima das pessoas do que imaginavam, e compararam suas músicas com as da mídia. Nessa direção, analisamos o que falaram sobre possíveis transformações em sua relação com a música a partir da compreensão mais ampla do discurso musical e do seu reconhecimento como sujeitos musicais.
Ampliação de compreensões do discurso musical
A possível ampliação da compreensão do discurso musical foi analisada nas falas dos estudantes Santana e Lima durante o grupo focal sobre a composição da música Do meu lado é o seu lugar. Ambos não se mostraram totalmente satisfeitos com o resultado. Santana disse: “Eu não gostei porque a letra é pequena, acho que tinha que ter uma continuação”. Lima também se mostrou insatisfeito e disse que falta alguma coisa, a música é meio “solta” e, assim como Santana, teve dificuldade de expressar, afinal, qual era seu descontentamento com a música.
No movimento de esclarecer o que não gostaram na composição, o professor perguntou o que eles acharam mais difícil de fazer, e Lima disse:
Achar o sentido da música. Porque toda música tem um sentido, tem uma história, digamos, por trás dela... Se tu jogar uma palavra só porque rima ali, ela vai ser uma música, mas às vezes, se for ver, não tem sentido. Mas se você criar uma música bem certinha, tu vai ver ali que tem alguma coisa a ver, entendeu? (Lima).
Analisando suas impressões sobre o processo e a composição, foi possível perceber que o valor que agora estavam atribuindo ao sentido da música não estava presente no momento da composição. Para Lima, a música ficou sem sentido porque “a gente jogou uma letra por cima e formamos umas frases. Achamos que era legal usar essa base e jogar uma letra em cima”.
Durante a entrevista, o pesquisador não deu a devida importância à expressão “jogar uma letra” no contexto. O fato de eles terem “jogado” uma letra, sem pensar na música como um todo, foi determinante para o que dizem ser o ponto fraco da composição. Agora que estão pensando mais sobre música, e de um jeito diferente, consideram que foi uma falha, e que fariam diferente em outra oportunidade. Essa crítica ao próprio trabalho sugere um novo olhar sobre a música, atribuindo valores que antes não estavam tão presentes. Segundo Santana,
Eu estava pegando umas notas, juntei nessa base e fizemos uma letra ali já na hora mesmo. A música tem um começo, mas ficou meio sem sentido, falta alguma coisa... Isso foi uma experiência pra nós, temos que fazer as palavras fazer sentido, não adianta escrever e não entender o que escreveu (Santana).
Para Clara, na composição da música Siga em frente, a maior dificuldade para compor foi fazer “um ritmo para a letra, achar o jeito de cantar aquela letra”. Analisando outros momentos da entrevista e as conversas com Clara durante os processos de composição, foi possível pensar sobre o significado que ela atribui a “colocar a letra no ritmo”. Para ela, é como mobilizar elementos do discurso musical para fazer a composição: fazer uma letra, base harmônica, melodia, definir a forma. A estudante dá pistas sobre sua aprendizagem musical quando fala de questões que sugerem uma ampliação das suas ideias de música. Disse que aprendeu um pouco mais “da música” e consegue fazer e pensar musicalmente coisas que antes não conseguia. Nas suas palavras, Clara explica:
Eu aprendi compondo música a fazer o ritmo da música, uma coisa que nunca tinha feito na minha vida porque eu cantava na banda hinos evangélicos igual ao CD, a gente nunca inventou. A gente compôs uma música e fizemos o ritmo, coisa que não imaginava fazer. A gente aprendeu um pouco mais da música e conseguimos colocar as letras nos ritmos. É bom se ver fazendo uma coisa que não sabia fazer antes (Clara).
Na mesma entrevista, Paula falou menos, mas também sugeriu uma ampliação das suas ideias sobre música. Ela tenta explicar: “não sei, a música aumentou na minha vida, fui mais além”. Ela destaca a satisfação em compor e explica, do seu jeito, como isso ampliou suas ideias sobre música:
Eu gostei de fazer o que a gente tá fazendo, porque é uma coisa que eu gosto, de cantar... E a composição ajudou a abrir mais a mente, porque tu podes pensar um pouco mais na frente. Se tu pensavas aquele tantinho, tu podes pensar esse tantinho e um pouco a mais (Paula).
Para Martinho, compor desenvolve os “dotes de compor”, que interpretamos serem as diferentes ações musicais necessárias para fazer e mostrar uma música. Conseguir compor e mostrar uma música é como fazer uma coisa do início ao fim, passando pelos diferentes elementos que a formam. Em suas palavras,
A gente aprende a compor, é claro! (risos). Essa foi a aprendizagem que eu saí daqui porque tu tá nesse trabalho, justamente pra desenvolver os dotes de compor. Minha primeira vitória foi essa, conseguir compor. É bacana tu sair já com esse ensinamento, pô: eu sei fazer! Posso fazer uma batida e escrever uma letra, porque eu sei dominar uma letra, eu sei fazer o tempo da música certinho (Martinho).
A visão dos estudantes sobre a aprendizagem durante o processo de composição parece indicar maior compreensão musical a partir da mobilização de elementos e da elaboração de pensamentos para transformar opções sonoras em música. Para fazer as composições, precisaram manipular elementos que não tinham experimentado antes. Em alguns casos, as dificuldades relatadas podem sinalizar os elementos musicais que ampliaram a percepção de cada um.
Uma visão crítica e a ampliação da percepção sobre a realidade leva à tomada de consciência. Segundo Freire (2001a), o ser humano é “criador de cultura” quando reflete sobre as condições de seu contexto de vida e leva respostas aos desafios que são apresentados. E que “a partir das relações que estabelece com seu mundo, o homem [ser humano], criando, recriando, decidindo, dinamiza este mundo. Contribui com algo do qual ele é autor. Por este fato cria cultura” (idem, p. 38).
Além disso, a conscientização também envolve a consciência do sujeito sobre seu papel ativo nessa realidade, de que faz parte dela e, por isso, está ao seu alcance transformá-la. Para Freire, os homens e mulheres não só criam cultura como também fazem história. Para o autor, a história se trata das respostas dadas pelos homens à natureza, aos próprios homens e às estruturas sociais. Afirma que a história “não é outra coisa que a procura do homem [ser humano], sua intenção de ser mais e mais homem, respondendo e relacionando-se” (2001a, p. 39). Pelas relações que estabelece e pelas respostas que constrói é não só “criador de cultura”, mas também “fazedor de história”. Nesse sentido, outro aspecto analisado nos depoimentos dos estudantes foi sua identificação como sujeitos musicais. Ao realizarem as composições, criaram cultura, criaram música, mas foram também “fazedores de história”?
Ao refletir sobre a composição da música Siga em frente, Clara valorizou muito o fato de fazer a própria música e comparou a experiência de composição que viveu com o trabalho dos músicos que tocam na mídia e fazem parte do seu cotidiano musical. Demonstrou satisfação em sentir-se, mesmo só um pouquinho, parte da realidade musical. Para ela
A gente sabe cantar, né, só que a gente só cantava a música das outras pessoas, de quem grava CD. Eles são famosos, eles têm quem faça pra eles, mas nós compomos com as nossas palavras, botando as ideias com a nossas palavras, não precisou ninguém fazer pra gente (Clara).
Na entrevista sobre a música Mensagem para você, Martinho mostrou estar satisfeito com sua composição. Ele comparou sua música com as de artistas de sucesso, mostrando suas semelhanças. Seu depoimento parece estar ligado ao sentimento de um papel mais ativo na realidade musical, o que poderia indicar um caminho para uma consciência mais crítica sobre a música: “É muito bom saber que a gente escreveu uma música com uma melodia e com um arranjo. Ela pode superar aquelas músicas de lá, ela pode chegar lá, não precisa ficar lá, mas só de saber que pode chegar lá...”.
Santana também dá pistas de que se percebe mais integrado à realidade musical na medida em que se sente capaz de fazer coisas que se assemelham às músicas das paradas de sucesso. Em suas palavras: “eu fico mais feliz em fazer uma coisa própria, minha, que um dia pode tá lá nas alturas, todo mundo escutando”.
Quando os estudantes enfatizam que expõem suas ideias com as próprias palavras e que se percebem capazes de fazer uma música que pertence à realidade que vivem, sugerem uma integração a essa realidade musical na condição de sujeitos ativos. Paulo Freire (2001b, p. 114) relaciona integração ou superposição à realidade com consciência crítica ou consciência ingênua: “é próprio da consciência crítica a sua integração com a realidade, enquanto que da ingênua o próprio é sua superposição à realidade”.
Temos consciência de que seria muito ingênuo dizer que eles são hoje outras pessoas em relação à música, após terem participado de algumas composições musicais em grupo. Porém, ficou evidente certo sentimento de pertencimento à realidade musical em suas demonstrações de satisfação, suas críticas, a consciência do que podem fazer e na vontade de continuarem fazendo.
Além da consciência crítica da realidade, o papel do ser humano enquanto “fazedor” de cultura envolve também a inserção crítica na história. Nesse caso, além de se integrarem à realidade musical desenvolvendo certa consciência de seu espaço e papel ativo, os estudantes deveriam também buscar inserir-se nessa história, ocupando seu papel e ajudando a escrevê-la.
Identificação como sujeitos musicais
Convém repetir que seria ingênuo pensar que os estudantes desenvolveriam, no curto prazo da pesquisa, a consciência musical e o grau de abstração necessário para falarem espontaneamente em participar como sujeitos ativos na sua realidade musical e em sua transformação. Porém, Martinho, por exemplo, falou na possibilidade de suas músicas chegarem a fazer parte da história de outras pessoas, e como a experiência de compor passou a fazer parte da sua própria história. Para ele, a composição em grupo foi um momento musical em que cada um participou e fez história:
Vai ser sucesso pra mim a vida inteira, porque esse é um momento da tua vida, é a tua história, tu tá fazendo uma história comigo, o Santana tá fazendo, o João tá fazendo, isso vai ficar no teu arquivo, no teu coração, na tua vida. Acho que traz uma marca registrada da tua história, é como se tu tivesse ali, vai passar aquela fase, tu sabes que aquilo vai terminar um dia (Martinho).
Foi nesse contexto que a conversa tomou esse caminho de fazer parte da história, de fazer história, e da satisfação de Martinho em ver que sua música tem esse potencial. Isso já pode ser um indício de que ele se percebe como “fazedor de história” (FREIRE, 2001a) musical dentro dos espaços do seu cotidiano. Para Martinho, os colegas que fizeram as composições fizeram história; e a sua música, mesmo se for conhecida só entre eles, pode espalhar-se e cumprir sua função. Para ele, “se só ficar entre nós, mas espalhar entre nós, vai ser legal também. Ela vai estar sendo produtiva, tá sendo agregada em outras famílias, outras pessoas”.
Analisando o que os estudantes disseram nas entrevistas e nos diálogos estabelecidos em todos os momentos em que estivemos juntos, percebemos que essa experiência pedagógica em educação musical proporcionou aos estudantes a percepção de que transformaram, cada um do seu jeito, a percepção do seu papel na realidade musical. Eles falaram em continuar compondo, tocar instrumentos, gravar um CD com seu grupo da Igreja. Mostraram que se percebem mais próximos à música, e com mais possibilidades de integração com ela. Criticando suas próprias músicas e as comparando com o mercado musical, mostraram satisfação de se colocar no papel de quem faz e não somente de quem consome música.
De acordo com as ideias de Freire (2001a), foram “criadores de cultura”, à medida que durante o processo de composição refletiram sobre seu contexto musical e trouxeram respostas aos desafios que lhes foram apresentados. Se foram sujeitos “fazedores de história”? Bom, se ser fazedor de história é desenvolver consciência de que, com o outro, ampliou sua percepção enquanto sujeito ativo que existe “no” mundo e “com” o mundo (FREIRE, 1982; 2001a), pensamos que a experiência que vivenciaram caminha nessa direção.
Foi possível observar que os estudantes se mostraram felizes em perceber que fazer música está ao seu alcance, falaram sobre planos para o futuro mostrando indícios de uma nova relação com a música e demonstraram satisfação ao relacionarem a música das paradas de sucesso com as suas. Alguns falaram sobre o papel dessa experiência em sua história e sobre como percebem que podem participar ativamente na realidade musical como um todo e ao seu redor.
Concluindo: em direção à conscientização musical
A composição enquanto ação pedagógica na EJA mostrou seu potencial em proporcionar situações de aprendizagem musical baseadas no contato com o outro. As vivências em composição musical mobilizaram os estudantes para pensar e movimentar suas ideias musicais, promovendo debates que envolveram os conhecimentos, as habilidades, as concepções e gostos musicais de cada um. A partir disso, viveram uma experiência musical significativa e aprenderam usando suas ideias e as transformando em música, com a ajuda dos colegas. Essa dimensão do outro como parte da experiência do aprendizado musical mostrou a possibilidade de aproximar a ação de compor na escola com as ideias freireanas para a Educação de Jovens e Adultos. Paulo Freire destaca a importância de o ato educativo estar vinculado com o outro nessa dimensão de alteridade.
Na prática, foi possível perceber que, compondo, os estudantes puderam participar do processo de aprendizagem como sujeitos ativos, no qual aprenderam vivendo sua realidade musical, dialogando sobre ela e abrindo espaço para ampliar sua visão a partir de maior compreensão do discurso musical. O movimento de tomar decisões musicais para contemplar as necessidades que a composição lhes trouxe fez com que diferentes vozes fossem ouvidas, e significados musicais fossem estabelecidos entre as diferentes culturas musicais dos estudantes.
A participação como sujeitos ativos no processo de aprendizagem se mostrou muito relacionada ao fato dos estudantes partirem daquilo que compreendem. Inferimos que isso ocorre porque, dessa forma, reconhecem a realidade a ponto de fazer as perguntas que precisam. Trocam entre si experiências musicais e histórias, ao usarem nas composições sua trajetória de vida, situações que estão passando atualmente e até o que estão pesquisando na escola. Paulo Freire (2001b, p. 112) esclarece que, em sua relação com a realidade, o ser humano trava uma relação específica de sujeito para objeto, que é expressa pela linguagem. No movimento de captar essa realidade, capta também seus “nexos causais”, e a apreensão dessa causalidade colabora para ampliar a compreensão por meio de uma consciência crítica.
Enquanto estavam compondo, os estudantes estabeleceram uma relação deles (sujeitos) com o objeto (música) e expressaram essa relação na composição musical. A realidade que os desafiou foi compor uma música e, no movimento de captar essa realidade, precisaram integrar-se a ela conhecendo e pensando sobre suas “causalidades” (FREIRE, 2001b). Quais seriam as causalidades da música? Considerando a música como a realidade (objeto), quais elementos que a fazem ser como é temos de conhecer para estabelecer com ela uma relação crítica, na qual possa ser ampliada a percepção do sujeito?
Nesse sentido, em nossa visão, os estudantes vivenciaram uma experiência que se aproximou de uma prática educativa e conscientizadora em educação musical. Se pensamos numa possível conscientização musical, é porque consideramos que o processo vivenciado envolveu uma relação crítica e reflexiva com a música, onde a compreensão da realidade esteve ligada à compreensão da música enquanto discurso. A ampliação da compreensão musical dos estudantes, sob nosso ponto de vista, esteve ligada à ampliação de elementos do discurso musical de cada um.
Olhar para os resultados da presente pesquisa de forma isolada, e querer analisar a questão da tomada de consciência de forma estanque, seriam atitudes contraditórias com o próprio discurso aqui desenvolvido, pois recairia no que o próprio Paulo Freire chamaria de ingenuidade. Freire (2001a) ensina que a percepção de uma nova realidade não esgota o processo de conscientização, mas deve tornar-se objeto de uma nova reflexão crítica. “Considerar a nova realidade como algo que não possa ser tocado representa uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a antiga realidade é intocável” (idem, p. 27).
Temos consciência de que, durante a pesquisa, os estudantes vivenciaram uma experiência pedagógica que caminha na direção da tomada de consciência. Não é possível falar que depois de participarem da pesquisa eles já têm uma consciência crítica pronta e acabada com relação à música e à realidade em que vivem. A conscientização não é algo que se esgota, mas um constante processo de análise crítica da realidade.
Outras possibilidades de pesquisa envolvendo a composição como ação pedagógica em educação musical na EJA poderiam abordar, por exemplo, as temáticas trazidas pelos estudantes nas composições, analisar o produto das composições por meio de diferentes lentes teóricas, identificar padrões culturais nas composições, discutir o papel do professor durante experiências pedagógicas com composição, ou investigar as particularidades da EJA nesse processo.
Todavia, a pesquisa apresentada neste artigo pode contribuir para a área de Educação e, mais especificamente, da Educação Musical em primeiro lugar, à medida que ajuda a ampliar as discussões da área no âmbito da educação básica para a modalidade Educação de Jovens e Adultos. A aproximação aqui realizada, entre autores da Educação Musical e concepções de Paulo Freire, também pode ampliar a elaboração de referenciais teórico-metodológicos que considerem como o pensamento pedagógico freireano pode subsidiar reflexões e práticas em educação musical.
A composição musical também pode oferecer mais uma possibilidade para os professores que atuam na EJA pensarem a ação pedagógica para o ensino de música nesse contexto. A música está presente nas diretrizes curriculares nacionais compondo a disciplina de Arte com artes visuais, teatro e dança, mas sua presença ainda não está consolidada na EJA, por isso o reduzido número de propostas de atividades pedagógicas e possibilidades nessa modalidade. Por fim, pode contribuir com reflexões que procuram pensar a escola e, em especial, a educação musical, enquanto espaço criativo orientado pelo diálogo e pelos processos de conscientização que constituem princípios de uma educação libertadora, voltada para a transformação social.
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Correspondência
Rafael Dias de Oliveira – Universidade do Estado de Santa Catarina – Av. Madre Benvenuta, 2007, CEP 88.035-901, Itacorubi, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Notas
[1] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
[2] A pesquisa foi desenvolvida no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGMUS/UDESC), sob orientação da profa. Dra. Viviane Beineke.
[3] Para Gadotti (2010, p. 32), a rigor não se poderia falar em método, pois se trata muito mais de uma teoria do conhecimento, de uma filosofia da educação do que de um método de ensino. Todavia, para o autor, Paulo Freire ficou conhecido pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, chamemos este de método, sistema, filosofia ou teoria do conhecimento.
[4] Nas obras de Paulo Freire utilizadas nesta pesquisa, a maioria das décadas de 1960 e 1970, o autor generalizava o uso do masculino, utilizando a palavra homem para referir-se ao ser humano. Em trabalhos posteriores, já no final da década de 1980 e início de 1990, ele adota uma escrita não sexista. Segundo Eggert (2010, p. 277), isso pode ser identificado em seu livro Pedagogia da Esperança (1992), em que faz uma reflexão sobre a questão ideológica do uso da linguagem machista, inclusive por ele mesmo. Por tal motivo, em alguns momentos, utilizamos entre colchetes as expressões [e as mulheres] ou [ser humano] com o intuito de contemplar essa atualização do autor em seu próprio trabalho.
[5] Paulo Freire esclarece que a consciência crítica é construída pelo próprio sujeito: “Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens [seres humanos] como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o humano faz do mundo, a posição normal, fundamental não é uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem, ao aproximar-se da realidade, faz simplesmente a experiência na qual está e procura” (FREIRE, 2001a, p. 26).
[6] Referência ao título do livro “O Caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social” de Paulo Freire e Myles Horton (2003)
[7] Este processo foi conduzido pelo primeiro autor deste artigo.
[8] O projeto foi aprovado com o Certificado de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) 37092214.3.0000.0118.
[9] Para saber mais sobre os planejamentos didáticos dessas vivências e conhecer as composições, ver Oliveira (2016).
[10] Na proposta Paulo Freire para alfabetização conscientizadora, a descodificação busca relacionar a palavra com a realidade do estudante decompondo o código (palavra ou tema gerador) em seus elementos constituintes. Cada palavra geradora escolhida é apresentada ao grupo (codificada) através de uma descodificação e busca relacionar a imagem (desenho, pintura, foto) que deve sugerir naturalmente um debate a respeito do que é visto. Dessa forma, educadores e alunos podem refletir juntos, de modo crítico, sobre o objeto em questão.
[11] Áudio disponível em www.youtube.com pesquisado com as palavras chave Vinicius+ Pra que chorar
[12] Freire se refere a realidade como aquilo que transformamos a partir de nossa tomada de consciência. Ela se torna um objeto cognoscível a partir do momento em que o homem toma distância e assume uma posição crítica frente a ela. É a nossa relação com o mundo e as nuances que permeiam essa relação. Nesta análise, estamos considerando como realidade musical a relação que cada sujeito estabelece com a música com todas as nuances sonoras, culturais, sociais e educacionais que a formam.