A produção audiovisual no ensino fundamental: uma aposta na autoria e coautoria dos estudantes

 

Audiovisual production on elementary school: a wager in students’ authorship and co-authoring

 

* Ana Cláudia Oliveira Pavão

Professora doutora na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Brasil.

anaclaudiaoliveira.pavao@gmail.com – http://orcid.org/0000-0002-9914-3700

 

** Lilian Roberta Ilha Saccol

Doutoranda na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

saccollilian@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-7863-966X              

 

Recebido em 13 de março de 2018

Aprovado em 12 de março de 2019

Publicado em 11 de setembro de 2019

 

RESUMO

O presente artigo procura compreender de que modo as produções audiovisuais, por meio das tecnologias educacionais em rede, promovem processos de autoria e coautoria dos estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto, realizou-se um estudo exploratório, qualitativo, seguindo o delineamento de pesquisa ação.  A observação participante e o questionário de autoavaliação foram adotados como instrumentos de produção de dados neste estudo, que teve como público-alvo estudantes do quinto ano do ensino fundamental de uma escola pública do interior do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi desenvolvida por meio de propostas pedagógicas entrelaçadas às tecnologias educacionais em rede, especialmente, a produção audiovisual. A análise de conteúdo foi adotada para a interpretação dos dados, apontando a existência de quatro categorias de análise, quais sejam: tecnologias educacionais em rede; autoria e coautoria; produção audiovisual na escola e aprendizagem/desaprendizagem. Como resultado, os estudantes mostraram-se autores e coautores de seu processo de aprendizagem, a partir da criação de produções audiovisuais.

Palavras-chave: Produção audiovisual; Autoria e coautoria; Tecnologias educacionais em rede.

 

ABSTRACT

This article wishes to understand the way that audiovisual productions through educational technologies in network can promote authorship and co-authoring processes of elementary school’s first year students. For that, a exploratory and a qualitative study was made, following the action research delineation. The participant observation and the self-evaluation questionnaire were adopted as the data production instrument in this study which had as the target audience students from the fifth year of elementary school in a public school of Rio Grande do Sul. The research was developed through pedagogical proposals interlaced with educational technologies in network specially audiovisual production. The content analysis was chosen for the data interpretation, pointing the existence of four main categories of analysis which are educational technologies in network; authorship and co-authoring; audiovisual production in school; and learning/unlearning processes. As a result, the students showed themselves as authors and co-authors of their learning processes through the audiovisual production creation process.

Keywords: Audiovisual production; Authorship and co-authoring; Educational technologies in network.

Introdução

Os avanços tecnológicos trouxeram mudanças em todas as instâncias da vida humana. Diferentes tecnologias facilitam o cotidiano, modificando relações e interações entre as pessoas em todas as áreas de atuação, inclusive na educação.

Há alguns anos, a tarefa de ensinar baseava-se no planejamento e execução de aulas que seguiam determinados planos de estudos, para estudantes que não esperavam mais que o uso de livros, cadernos e, algumas vezes, a projeção de um vídeo, no espaço escolar. Porém, os desafios que se apresentam hoje aos professores de diferentes níveis de ensino parecem não ter fim, entre eles, o de investir em processos de ensino e aprendizagem, por meio das tecnologias.

Para Valente (2013), a implantação das TDIC (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação) na Educação vai muito além de prover acesso à tecnologia e automatizar práticas tradicionais. Precisam estar inseridas e integradas aos processos educacionais, agregando valor às atividades que estudantes e professores realizam. Sobre isso, Lévy (2007, p.17), assinala que o processo coletivo de troca e de convergência de reflexões sobre determinados temas encaminha processos de inteligência coletiva, que consiste em “descobrir ou inventar um além da escrita, um além da linguagem, tal que o tratamento da informação seja distribuído e coordenado por toda parte, [...] se integre naturalmente, a todas as atividades humanas, volte às mãos de cada um”.

Exemplos desses processos são professores em rede, construindo colaborativamente seus programas, trocando informações, atualizações e auxílios diversos. Professores e estudantes em rede, conscientes da necessidade de refletir, discutir, selecionar e filtrar informações recebidas das diversas fontes: livros, revistas, vídeos, internet, depoimentos e experiências vividas, sobre os mais diferentes temas (KENSKI, 2013).

Desse modo, a docência, na contemporaneidade, exige um profissional comprometido e atento às inovações tecnológicas, em um ambiente que requer cada vez mais otimização dos tempos e espaços escolares. Nesse cenário, é preciso reinventar os modos de ensinar, aprender e buscar outras possibilidades para se fazer educação. Além disso, “acontecimentos sociais e, portanto, os fatos que “respingam” nas escolas são outros e novos. Dramas sociais e pessoais, violência ao humano, tragédias familiares, descasos, são mais comuns e de uma dura realidade cotidiana do que os tratados pelas mídias” (NUNES, 2014, p.111).

Nesse contexto, ações pedagógicas, que proponham inovação nos processos de ensino e aprendizagem, são cada vez mais importantes, no sentido de motivar e instigar os estudantes às novas descobertas. Tais ações, especificamente no ensino público, quando envolvem estudantes que se encontram em condições de vulnerabilidade social, são ainda mais urgentes.

Sendo assim, a pesquisa relatada neste estudo ocorreu em um cenário onde promover o respeito à pluralidade e à construção coletiva, reconhecer nos estudantes, sujeitos ativos e não passivos, apostar na capacidade criativa de cada um, além de promover novas atitudes de ser e estar no grupo, constituíam-se em necessidades imediatas. Em uma turma de estudantes com altos índices de indisciplina e carências de toda ordem, a pesquisa apostou na autoria e coautoria estudantil, inserindo a produção audiovisual, por meio das tecnologias educacionais em rede, no contexto escolar.

Ao propor autoria e coautoria dos estudantes, alude-se à pedagogia da autoria, que, segundo Neves (2006), é uma pedagogia que incentiva o uso integrado de múltiplas linguagens, promovendo a autoria e o respeito à pluralidade e à construção coletiva, reconhecendo em estudantes, professores e gestores, sujeitos ativos e não passivos. Nesse processo, o uso das tecnologias educacionais em rede propõe interações colaborativas entre estudantes e professores, na construção e aprofundamento do conhecimento (KENSKI, 2012).

Nesse contexto, a produção de audiovisuais no ambiente escolar, permite o protagonismo e a emancipação dos estudantes, especialmente das camadas populares menos favorecidas, para que possam ter voz e vez na sociedade atual. Fantin (2007) relaciona cinema e educação, considerando a importância do uso e domínio das tecnologias e, a partir desse contato, também refletir em inserção social.

Considerar o cinema como um meio significa que a atividade de contar histórias com imagens, sons e movimento pode atuar no âmbito da consciência do sujeito e no âmbito sócio-político-cultural, configurando-se em um formidável instrumento de intervenção, de pesquisa, de comunicação, de educação e de fruição (FANTIN, 2007, p. 1).

Assim, o estreitamento da relação cinema e escola, o desvendamento de todas as potencialidades que essa arte pode imbuir no processo educativo e, consequentemente, a produção audiovisual no espaço escolar, são propostas que merecem ser experienciadas, especialmente como alternativa para promover processos de autoria e coautoria na aprendizagem de crianças e jovens que têm na escola, sua única possibilidade de emancipação social.

Para atender a essas demandas, este estudo buscou compreender de que modo as produções audiovisuais, por meio das tecnologias educacionais em rede, promovem processos de autoria e coautoria dos estudantes, nos anos iniciais do ensino fundamental.  

O percurso metodológico

A investigação do estudo deu-se por meio de um estudo exploratório, qualitativo, seguindo o delineamento de pesquisa-ação. Os dados da pesquisa foram produzidos em uma escola municipal de periferia, em um município do interior do estado do Rio Grande do Sul, que atende estudantes desde o berçário até o nono ano do ensino fundamental.

Constituiu o público alvo da pesquisa os estudantes do 5º ano do ensino fundamental, de uma classe composta por oito estudantes, sendo cinco meninas e três meninos, com idades entre 10 e 14 anos, que serão identificados pelas letras A, B, C, respectivamente, para fins éticos. Por meio da criação e edição de vídeos pelos estudantes, os dados foram produzidos pela observação das propostas pedagógicas entrelaçadas às tecnologias educacionais em rede, especialmente, a produção audiovisual.

Para tanto, o método adotado neste estudo, a Pesquisa-Ação, Kemmis (1988) propõe as etapas a serem realizadas em uma espiral reflexiva, onde cada ciclo compreende as etapas de planejar, atuar, observar e refletir sobre o processo, sucessivamente, propondo novas ações, a partir da reflexão do ciclo anterior. Portanto, a partir do objetivo de pesquisa deste estudo, foram propostas etapas distintas, que serão apresentadas a seguir:

 

Figura 1: Espiral reflexiva da pesquisa-ação

Fonte: Adaptado de Kemmis (1988).

 

Cada ciclo, com as etapas de planejamento, ação, observação e reflexão sobre o processo, levou à evidência de categorias de análise para o estudo, por meio dos instrumentos de produção de dados: a observação participante e o questionário de autoavaliação, considerando a importância de, ao final do estudo, saber das impressões e percepções dos sujeitos sobre a pesquisa.

O diário de campo foi o instrumento adotado para registrar a observação participante. A análise e tratamento dos dados deu-se com a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A partir da produção de dados, foram constituídas, quatro categorias distintas para a análise de conteúdo, efetuado em razão das características comuns desses elementos, quais sejam: Tecnologias Educacionais em Rede (TER); Autoria e Coautoria; Produção audiovisual na escola; e Aprendizagem/Desaprendizagem. Evidenciou-se tais categorias, combinadas ou não, em cada uma das etapas da pesquisa, conforme apontado nos resultados.

Resultados: Aprendendo e desaprendendo com o cinema na escola

O diário de campo evidenciou resultados significativos no decorrer da pesquisa. Para responder à questão norteadora: De que modo as produções audiovisuais, por meio das tecnologias educacionais em rede promovem processos de autoria e coautoria dos estudantes, nos anos iniciais do ensino fundamental? Adotou-se “a pesquisa-ação, como estratégia que permite melhorar o conhecimento de situações-problema e introduzir decisões para a mudança que melhore a prática” (HERNÁNDEZ, 1998).  Sobre este aspecto, pôde-se considerar as decisões como etapas do estudo.

A primeira etapa, motivação para o trabalho, consistiu na projeção do filme “O contador de histórias” (VILLAÇA, 2009). O filme retrata a vida de um menino de 13 anos, média da idade dos estudantes da turma, com uma realidade muito próxima da que os estudantes vivem. Esse filme foi projetado com o intuito de “vincular a aprendizagem a situações e problemas reais, trabalhar a partir da pluralidade e da diversidade [...]” (HERNÁNDEZ, p. 49, 1998).  Pôde-se perceber a emoção aflorada em cada estudante assistindo ao filme. Nesse momento, a produção audiovisual “nos impulsiona a tocar, com cinema, todos os espaços onde é necessário redescobrir o encantamento com o mundo” (FRESQUET, 2013, p. 62).

Desse modo, por meio das TER, pode-se vivenciar uma didática que valoriza a capacidade comunicacional humana, onde as tecnologias ganham a possibilidade de exercer seu poder transformador, rumo a uma educação escolar formadora (PENTEADO, 2008). Sobre essa questão, considerando a experiência da travessia do filme e o impacto causado nos estudantes pela história do menino Roberto Carlos (protagonista da obra), as fases de observação e reflexão desse ciclo, conduziram à etapa seguinte.

A segunda etapa da pesquisa, aqui denominada reflexão sobre a própria história de vida, teve o objetivo de que os estudantes refletissem sobre as dificuldades pelas quais já passaram, assim como o menino do filme. Esta atividade, por meio do audiovisual, investe em “gestar uma forma de olhar de novo para as próprias vidas, com olhos de sonho, resgata o extraordinário no familiar” (FRESQUET, 2013, p. 92). A seguir, a transcrição de alguns trechos significativos:

 “Eu tenho minha irmã mais velha que cuida de nós quando a minha mãe não está em casa. Meu sonho é ser professora, minha rainha é minha mãe” (ESTUDANTE B, 10 anos).

 “Eu moro com minha mãe, meu irmão e meu padrasto, que eu considero como pai [...]. Meu sonho é ser professor de português” (ESTUDANTE E, 11 anos).

“Quando eu era criança eu morava em uma fazenda [...]. Quando a gente ia pescar era a coisa que eu mais amava fazer [...]. Minha mãe ficou doente, ela tinha que viajar e as coisas mudaram. Não tinha mais sorrisos, só lágrimas. Eu achava que minha mãe ia morrer, aí ela voltou para casa, eu cuidei dela, fiquei feliz que estava em casa, mas ela voltou para o hospital. Passou uns dias e ela faleceu. Acabou a felicidade, os sorrisos e a alegria. Eu vim para Santa Maria. Tenho muitas saudades. Eu me acostumei com minha tia, é como uma mãe pra mim. Tem a minha escola, fiz amigos aqui, tem professores maravilhosos, colegas legais. Agora não fico mais com medo. Eu sou feliz de novo, aprendi que posso ser feliz, mesmo estando triste. Meu sonho é ser delegada” (ESTUDANTE G, 13 anos).

Ao relatar alguma passagem significativa de suas vidas, como de fato ocorreu, conforme sugerem os relatos, evidenciou-se a autoria, momento em que cada estudante decidiu o nível de entrega e socialização. Para Brancher (2006, p. 97), “trabalhar com História de Vida é desenvolver um processo, onde um narrador relata as experiências que ele considera mais importantes em sua trajetória”.

Chegou-se então, à terceira etapa do trabalho, aqui nomeada como fontes históricas, que consistiu que os estudantes trouxessem para a escola, objetos que tivessem um simbolismo em suas vidas, ou lhes provocassem alguma lembrança importante.

Os estudantes A, B, C, D, E e H trouxeram registros fotográficos da infância e da família. Relataram oralmente para a professora e aos colegas, o que cada fotografia representava, recebendo a atenção e escuta do grupo. Para Medeiros (2009), o uso pedagógico de variadas mídias e suas linguagens - aqui, a fotografia - instiga professores e alunos na busca de soluções para o processo de construir e organizar o conhecimento. A estudante G, que trouxe uma foto 3x4, única fotografia da infância. Contou que se lembrava muito bem do dia em que a mãe a levou na cidade para tirar o retrato, e que logo depois ela adoecera.  A estudante emocionou os colegas com o relato.

A quarta etapa da pesquisa, caracterizou-se pela evidência do quanto contar histórias – narrativas de vida, poderia ser significativo para os estudantes, retomando a aprendizagem do respeito, do compartilhamento, da colaboração no grupo. Os estudantes fizeram a organização escrita de uma história, para ser registrada por meio de uma câmera de celular. Nessa etapa da pesquisa, vale trazer o alerta de Bergala (2008, p. 34), para a necessidade de “pensar o filme como a marca de um gesto de criação, não como um objeto de leitura, decodificável, mas, cada plano, com a pincelada do pintor pela qual se pode compreender um pouco seu processo de criação”.

Sendo assim, a proposta deu a liberdade necessária à criação livre dos estudantes, o que gerou inquietação, acerca do que poderiam registrar, como filmar, por quanto tempo, entre outras dúvidas e, muita vontade de fazer foram observadas, levando à etapa seguinte.

A quinta etapa da pesquisa, pôde ser nomeada como primeiros registros, e constituiu-se da proposta de observar os menores detalhes do dia a dia dos estudantes, por meio de registros no formato de vídeos realizados com seus celulares. No dia seguinte, o estudante E (11 anos) veio para a escola filmando o trajeto. Tal fato demonstrou interesse e entusiasmo na proposta dos vídeos. “Quis filmar sobre a minha vida” (ESTUDANTE E).  Sobre essa captura do real, Fresquet (2013, p. 111), diz que “trata-se de filmar o possível. O que está mais próximo, mais perto do seu cotidiano, [...] temas que tenham relação com seu universo de interesses e necessidades”.

Os estudantes filmaram o futebol, o recreio, o percurso da casa até a escola, os animais de estimação, etc. Para Bergala (2008, p. 39), “uma das dimensões essenciais do cinema, que o distingue das outras artes, é a de representar a realidade através da realidade”.

Ao estimular a comunicação de sensações e experiências, por meio das TER, em uma aprendizagem voltada para os meios, evidenciou-se uma contribuição dessas práticas no desenvolvimento e participação dos estudantes (SILVA, 2014). Ao final dessa etapa, após as fases de observação e reflexão, observou-se a necessidade de formação, para a criação dos audiovisuais, levando à etapa seguinte do estudo.

A sexta etapa da pesquisa, nomeada como formação, provém dos inúmeros questionamentos que surgiam para os estudantes, à medida que faziam as gravações, realizavam as leituras e percebiam que criar audiovisuais requer estudo, preparo e, ao mesmo tempo, abre infinitas possibilidades para o trabalho pedagógico. Segundo Fresquet (2013, p. 96) “O filme é o produto de uma busca, não a transmissão de uma verdade ou mensagem. É na busca que se faz arte. É na busca que se aprende, ensinando”.

Desse modo, no intuito de atender a demanda por formação, buscou-se parcerias, no sentido de enriquecer e estreitar relações com o universo cinematográfico. Um grupo de pesquisa de uma universidade federal do município em que o estudo ocorre, que investiga sobre cinema na escola, ofereceu para os estudantes público-alvo da pesquisa, oficinas de cinema que aconteceram semanalmente. As treze oficinas caracterizaram a sétima etapa da pesquisa e, com base nos registros descritivos e reflexivos do diário de campo, foram analisadas a seguir.

As oficinas aconteceram de agosto ao dezembro de 2017. As primeiras movimentações dos estudantes para criarem seus primeiros ensaios em produção audiovisual, remeteram de imediato, às palavras de Fresquet (2013, p. 45): “A escola é o lugar da regra, da ordem, da transmissão de determinados saberes considerados essenciais para a formação das crianças e dos adolescentes. O cinema entra na escola como um germe de caos e desordem”.

Os temas trazidos pelos estudantes para a criação dos primeiros vídeos, evidenciaram a relação com as aprendizagens escolares, apontando, em meio ao que lhes é oferecido enquanto currículo, o que mais é significativo. Assim, a atividade realizada seria “uma proposta que busca fomentar maior autonomia de quem aprende [...]. A construção progressiva de uma certa cultura cinematográfica [...], seria uma estratégia sólida e não paternalista de formação” (FRESQUET, 2013, p. 45).

Observou-se também que, por meio das TER, ao aprender o uso de uma ferramenta, manusear a câmera dos celulares, passar os arquivos para o computador e depois vê-los projetados, os estudantes foram desafiados a tornarem-se autores e produtores de conteúdo, inovando na interação entre si e com os professores (DEMO, 2009).

Nas oficinas subsequentes, foi lançada a proposta de cada estudante dirigir seu próprio curta minuto. Para Moletta (2014, p. 62), “o trabalho do diretor começa por analisar o roteiro, estudar a forma como deseja contar a história, apresentar suas personagens e conflitos por imagens e sons”.

Desse modo, os estudantes ao aceitarem a proposta, assumiram o compromisso de imergir no desafio de fazer cinema na escola, ou seja, o desafio é criar, “não como solução de problemas ou forma de adaptação, mas como gesto de invenção. Aproximar o cinema da educação como possibilidade de “fazer arte” na escola” (FRESQUET, 2013, p. 68).

Na sequência, as oficinas passaram a ter um caráter mais explicativo, com o objetivo de que os estudantes aos poucos compreendam o discurso audiovisual, “e se apropriem da experiência de se tornarem, aos poucos, pequenos cineastas, no sentido de passar pelas principais etapas de pré-produção, produção e pós-produção de um filme” (FRESQUET, 2013, p. 146).

Nos dias subsequentes às primeiras oficinas, em sala de aula, os estudantes socializaram as ideias, opiniões e sugestões para os seus filmes. Além disso, houve a organização e elaboração escrita da pré-produção. Nesse momento do trabalho, foi possível vislumbrar que a produção audiovisual no contexto dessa turma de estudantes, promoveu um novo sentido nas relações, para encantá-los e torná-los autores e coautores de sua aprendizagem. Para Moletta (2014), a ideia de trabalhar o audiovisual na escola constitui-se um uma forma de protagonizar os estudantes em seu aprendizado e fomentar o desenvolvimento de habilidades técnicas e artísticas.

No entanto, para além dessas habilidades, Fresquet (2013, p. 61), diz que:

[...] fazer cinema na escola é uma experiência rica para reduzir assimetrias entre professores e estudantes e, entre eles próprios. A descoberta de novos interesses e capacidades, pode contribuir para uma reconfiguração da autoestima de alguns estudantes, o modo como eles são vistos pelos professores e colegas e inclusive, pelas próprias famílias. [...] Essa experiência pedagógica ensina para além dos conteúdos e muros da escola.

Assim, o que se pôde observar, é que a produção audiovisual pode humanizar as relações. Humanizar no sentido de possibilitar o diálogo, a colaboração, a emancipação, o respeito, o afeto. Fatores tão essenciais nas relações humanas e tão urgentes de serem buscados nesse contexto da pesquisa.

Nas oficinas seguintes, foram iniciadas as gravações. Nesse momento,

[...] curiosamente, eles não agem diante do uso das câmeras, como espectadores ou alunos passivos, que aguardam uma explicação. Diretamente partem para a ação de desvendar o funcionamento de cada botão, ajuste, dispositivo de entrada ou saída. Perguntam sim, mas arriscam, testam (FRESQUET, 2013, p. 103).

A cada oficina, percebeu-se que, na intimidade do contato dos estudantes com as câmeras e com as tecnologias em geral, houve o avanço de uma pedagogia da explicação, para uma pedagogia do risco, do descobrir, do criar (FRESQUET, 2013). Aos poucos, evidenciou-se também, a necessidade de intensificar o trabalho dos roteiros, o que exigiu um redirecionamento das etapas de pesquisa, no sentido de suprir essa carência.

Nessa reorganização dos roteiros, foi interessante observar a integração, a troca de ideias e opiniões, de uma forma construtiva e respeitosa. Nesse momento remete-se à Migliorin (2015, p. 14), quando diz que “com o cinema na escola, não se ensina mais isso ou aquilo, e sim o abandono; a potência de não ser mais isso ou aquilo. A experiência com o cinema instala-se na insegurança, estranhamento e instabilidade da criação”.

Nesse momento da pesquisa, evidenciava-se a ressignificação da sala de aula, a construção de aprendizagens por caminhos invertidos, transformados. A professora regente foi apenas espectadora da autoria de seus estudantes, que, colaborativamente, constroem e desconstroem aprendizagens. O imaginário deste viver cinema pode ser algo muito querido e esperado, significativo aos que fazem parte dele. Viver pedagogicamente outros saberes e outros fazeres, viver a perspectiva da ordem e da desordem (OLIVEIRA, 2017, p. 93).

Na sequência das oficinas, iniciaram-se as primeiras noções de edição dos vídeos. Por meio do programa Hitfilm4pro foi explicado aos estudantes as ferramentas principais da interface inicial, utilizando as cenas gravadas pelos estudantes, para mostrar como fazer cortes. Conforme o vídeo era editado, começaram a surgir as primeiras demonstrações de surpresa e curiosidade.

Os efeitos de áudio e vídeo, encantaram os estudantes. A edição é muito importante no trabalho com audiovisual, uma vez que “todo o trabalho de criação, produção e captação das cenas terá fim com a edição. Por isso, essa etapa é tão importante para qualquer projeto” (MOLETTA, 2014, p. 98). Depois da primeira edição finalizada, buscou-se perceber, como os estudantes reagiriam ao assistirem o primeiro curta produzido. Ficaram evidentes o orgulho e a euforia do grupo, denotados em algumas falas:

“Ei professora, ficou muito show!”, (ESTUDANTE D,13 anos).

“Ficou muito legal” (ESTUDANTE G, 13 anos).

Os estudantes A, B, C e D estavam com lágrimas nos olhos. A estudante D pediu para assistirem novamente e os demais concordaram. O estudante C pegou seu celular e começou a filmar a projeção. Questionados sobre o que acharam, as respostas foram todas positivas, discutindo-se a importância de cada um no trabalho, o espírito de equipe e o respeito necessários para que aquele resultado fosse alcançado.

Na sequência, foi perguntado ao estudante C, o motivo de estar filmando a projeção: “Pra mostrar pros meus amigos” (ESTUDANTE C, 14 anos). A partir dessa resposta, foi lançada a proposta de disponibilizar as produções em um canal no You Tube, ao que todos concordaram: “Aí a gente pode mostrar pra todo mundo!” (ESTUDANTE G, 13 anos).

Nesse momento da pesquisa, evidenciaram-se que os caminhos trilhados tateando a experiência de introduzir o cinema na escola, e por meio de sua linguagem promover a autoria e coautoria dos estudantes, estavam produzindo resultados sólidos naquele contexto. As palavras de Fresquet (2013, p.88), ilustram muito bem tal momento: “A sensação de autoria e de criação atrela uma emoção forte. Tímida e modesta, ela materializa alguma forma de intervir na produção da cultura e de sentir que aquilo tem um valor para si e para o entorno imediato (colegas, professores, familiares)”. 

As oficinas também ofereceram a projeção de filmes, como o curta nacional “Josué e o pé de macaxeira”, sob a direção e criação de Diogo Viegas. As nuances de criação e as possibilidades de edição do curta, bem como o entendimento dos estudantes em relação à história, foram discutidas. Para Fresquet (2013): 

Oferecer grupos de filmes (diversificados no que concerne a gêneros e épocas), selecionados por alguém com certa experiência e cultura cinematográficas constitui uma possibilidade de introduzir esses filmes na biografia pessoal dos estudantes na escola (FRESQUET, 2013, p. 47).

Na continuidade das edições, foram discutidos aspectos referentes aos créditos e a importância de referenciar as pessoas que trabalharam na execução do projeto. De acordo com Moletta (2014, p. 54): “É preciso valorizar a generosidade daqueles que aceitaram atuar em nossa obra audiovisual. Não podemos esquecer que essas pessoas estão se expondo publicamente e um trabalho como esse exige responsabilidade e respeito”.

Uma das oficinas teve uma característica de autoavaliação do projeto de cinema até então. Depois de uma conversa sobre tudo que vinha acontecendo na turma em relação à entrada do cinema nas atividades pedagógicas, foi perguntado: O que vocês percebem no convívio da turma, desde que começamos a fazer cinema? Algumas das respostas foram:

“A gente parou de brigar” (ESTUDANTE A);

“Bah sora... melhorou tudo. O respeito, a gente se entende melhor” (ESTUDANTE D);

“Não teve mais ata, tá bem melhor agora” (ESTUDANTE B).

Percebe-se nas falas dos estudantes uma nova postura do grupo para enfrentar os desafios e as diferenças. É notável que as agressões verbais e até mesmo físicas, deixaram de fazer parte do cotidiano dos estudantes, desde que se iniciou o trabalho com audiovisuais. Mais interessados e colaborativos, vendo a escola sob uma nova ótica. Afinal,

[...] o cinema provoca o devir da escola, prevê “outra escola”, renovando-se pelo exercício que só a alteridade permite. Eu diria que o cinema inclina a escola para a frente, mas também para trás, para os lados, ele a deixa de “pernas para o ar” mais de uma vez, basicamente, ele a desestabiliza (FRESQUET, 2013, p. 62).

As oficinas finais foram basicamente sobre a edição dos vídeos gravados. Para Fresquet (2013, p. 38), “[...] é possível transitar aproximando questões comuns ao cinema e à educação. Nesse trânsito, surge a aprendizagem concebida não como um processo de solução de problemas nem a aquisição de um saber, mas como um processo de produção de subjetividade”. Ver os estudantes tão concentrados, descobrindo-se e revelando suas preferências, seus gostos particulares com entusiasmo, é revelador, uma vez que permite desvendar as potencialidades que o fazer cinema produzem na escola.

Cunha (2009, p. 139), defende que práticas com o cinema na escola têm inclusive o efeito de resgate “da inversão de alunos “problemas” em contextos adversos no espaço escolar”. É o que se tem observado nesse contexto de pesquisa. Os estudantes mais resistentes às práticas escolares convencionais, demonstraram um interesse e uma participação singulares, no trabalho com a produção audiovisual.

Nesse momento da pesquisa, o trabalho encaminhava-se para o final, apontando a cada filme finalizado, que os estudantes surpreendiam-se com os resultados alcançados. Fresquet (2013, p. 89), diz que o trabalho com cinema “permite a quem o realiza fazer um processo individual e completar o ciclo da visualização coletiva do processo”.

Encontra-se aí, um resultado significativo com relação ao convívio dos estudantes na turma. Conforme eles apontam, depois do início do projeto houve uma significativa melhora no relacionamento entre todos, uma vez que para se produzir os filmes foi necessário contar com o outro, com a colaboração, com o coletivo.

Os filmes foram disponibilizados em canal no You Tube, com as devidas autorizações. Para Medeiros (2009, p. 147), “só há autores verdadeiros quando suas produções se tornam públicas”. Saber que estavam online com suas produções, deu-lhes um empoderamento perceptível em algumas falas:

“Não acredito que estamos no You Tube professora”! (ESTUDANTE F)

“Nossa! Agora vou mostrar pra todo mundo”! (ESTUDANTE E).

Portanto, a análise do diário de campo revelou que a produção audiovisual no espaço escolar, possibilita processos de autoria e coautoria dos estudantes por meio das Tecnologias Educacionais em Rede, basicamente, sobre quatro aspectos fundamentais, tratados nesse estudo como categorias:

As TER, meios que permitiram a produção dos filmes, constituindo-se nos dispositivos, softwares e compartilhamento em rede das imagens, que não só agradam, como fascinam os estudantes; A autoria e coautoria como pressuposto que transforma estudantes em sujeitos ativos e não passivos; A produção audiovisual na escola, como linguagem capaz de transformar as relações e empoderar os estudantes; E finalmente a aprendizagem e desaprendizagem que resulta desse entrelaçamento das categorias anteriores, permitindo que professores e estudantes descubram-se no espaço escolar, em uma nova dimensão, onde juntos produzem e compartilham mídias, em relações horizontais. A aprendizagem de novas possibilidades para a educação formal, de novos lugares, atores e cenários para se fazer educação e, a desaprendizagem de um modelo de ensino que formata, engessa possibilidades de criação e cristaliza relações, impedindo sua expansão. Enfim, as escritas, fotografias, áudios e vídeos do diário de campo revelaram que é possível aprender e desaprender com o cinema na escola.

O questionário de autoavaliação e as percepções dos estudantes

Para a produção de dados neste estudo, adotou-se ainda, o questionário de autoavaliação, como forma de saber das impressões e percepções dos estudantes sobre o projeto aplicado. A seguir, os resultados advindos desse instrumento.

O questionário adaptado de Palloff e Pratt (2004), constou de treze questões sobre a experiência de produzir filmes na escola. Foi aplicado aos estudantes na semana subsequente ao encerramento do projeto, no início do mês de dezembro de 2017. Para cada questão, os estudantes tinham à disposição as seguintes alternativas: 1- insuficiente; 2- razoável; 3- bom; 4- ótimo e 5- excelente.

Para a primeira questão: Como foi minha participação no projeto? Dos oito estudantes, dois (25%) responderam item 3- bom; três estudantes (37,5%) responderam item 4- ótimo e três (37,5%) dos estudantes responderam item 5- excelente. Possivelmente essa aceitação positiva do trabalho com cinema, resida no fato deste, ser um agente de socialização, que possibilita encontros de naturezas diversas: de pessoas com pessoas; das pessoas com elas mesmas; das pessoas com as narrativas fílmicas, das pessoas com as diferentes culturas e das pessoas com imaginários múltiplos (FANTIN, 2007). 

Para a segunda questão: Fui cooperativo(a) com as atividades em grupo? Dos oito estudantes, dois (25%) responderam item 3- bom; três estudantes (37,5%) responderam item 4- ótimo e três (37,5%) dos estudantes responderam item 5- excelente. Para Fantin (2007, p. 8): “A ideia de aprender cooperando, insere-se na discussão sobre a disciplina do trabalho escolar, que deve ser cooperativa”.

Acerca da terceira questão: Minhas contribuições foram significativas? Dos oito estudantes, dois (25%) responderam item 1- insuficiente; dois (25%) responderam item 2- razoável; um estudante (12,5%) respondeu item 3- bom; um estudante (12,5%) respondeu item 4- ótimo e dois dos estudantes (25%) responderam item 5- excelente.

Para esse questionamento, todas as opções apareceram nas respostas. É possível que alguns estudantes não tenham uma dimensão clara do quanto suas contribuições foram ou não, significativas para o trabalho como um todo, no entanto, considerou-se importante esse questionamento, no sentido de que “interagir com o cinema numa situação coletiva possibilita uma forma privilegiada de elaborar novas maneiras de sentir o mundo, o outro e a nós mesmos” (FANTIN, 2007, p. 8).

 Para a quarta questão: Compartilhei o que aprendi? Dos oito estudantes, dois (25%) responderam item 3- bom; dois estudantes (25%) responderam item 4- ótimo e quatro (50%) dos estudantes responderam item 5- excelente. Pôde-se perceber pelas respostas que o compartilhamento de aprendizagens foi constante durante o trabalho. Ao compartilhar saberes, admite-se “que o outro, sempre, significa um potencial de aprendizagem e de alargamento do nosso horizonte, para a produção de conhecimento e para a criação” (FRESQUET, 2013, p. 96).

Sobre a quinta questão: Senti-me à vontade com o trabalho em grupo? Um estudante (12,5%) respondeu item 3- bom; quatro (50%) responderam item 4- ótimo e três dos estudantes (37,5%) responderam item 5- excelente. Todos os estudantes, em maior ou menor grau, demonstraram pelas respostas que sentiram-se à vontade com o trabalho em grupo na produção de audiovisuais, uma vez que, esta produção pode “significar uma síntese entre educar para a linguagem, conhecer fazendo e aprender cooperando” (FANTIN, 2007, p. 8).

Para a sexta questão: Senti-me à vontade para expressar, abertamente minhas dúvidas e opiniões? Dos oito estudantes, dois (25%) responderam item 1- insuficiente; um estudante (12,5%) respondeu item 2- regular; três estudantes (37,5%) responderam item 3- bom e dois dos estudantes responderam item 4- ótimo. Nesta questão, chamou a tenção o fato de nenhum dos estudantes terem respondido o item 5- excelente e três estudantes sinalizarem os itens 1 e 2- insuficiente e regular, respectivamente. Esse fato evidenciou que provavelmente muitas dúvidas ficaram sem respostas, uma constante desacomodação no processo. Para Migliorin (2015, p. 14), “o cinema é um relacionar-se com o mundo que mais interroga, vê e ouve do que explica”.

Fantin (2007, p. 7), diz que:

[...] entender a potencialidade do cinema como instituição, dispositivo e linguagem, ampliar repertórios culturais, desencadear novas sensibilidades e fazer audiovisual na escola, implica uma forma de conhecimento, de expressão e de comunicação capaz de aproximar educação, comunicação, arte e cultura através de um processo coletivo e intencional.

Provavelmente neste processo, as interrogações sejam naturais e, em uma primeira experiência, introduzindo a produção audiovisual ainda nos anos iniciais do Ensino Fundamental, expressar abertamente dúvidas e opiniões, de acordo com o questionário, constitui-se ainda em um desafio para os estudantes.

Para a sétima questão: Fiz comentários pertinentes sobre o trabalho de outros participantes? Dois estudantes (25%) responderam item 1- insuficiente; um estudante (12,5%) respondeu item 2- regular; três dos estudantes (37,5%) responderam item 3- bom; um estudante (12,5%) respondeu item 4- ótimo e um estudante (12,5%) respondeu item 5- excelente. Para esta questão a maioria dos estudantes entendeu que opinou sobre o trabalho dos demais. Para Teixeira (2017, p.  17), “o cinema é arte coletiva, é partilha do sensível, é pelejar por uma vida melhor e mais bela para as coletividades humanas, juntos filmamos, criamos, registramos”.

Já a oitava pergunta: Aprendi sobre tecnologias e possibilidades de sua utilização a partir do projeto? Teve três estudantes (37,5%) que responderam item 4- ótimo e cinco estudantes (62,5%) responderam item 5- excelente. Aqui, a aprendizagem sobre as tecnologias ficou fortemente evidenciada. Para Fantin, (2007, p. 2), “o objetivo do trabalho educativo na escola não é apenas o uso das tecnologias em laboratórios multimídia, e sim que a criança atue nesse e noutros espaços estabelecendo interações e construindo relações e significações”. Não é o uso da tecnologia em si, mas as possibilidades de criação a partir das mídias.

Para a nona questão: Qual minha opinião sobre o trabalho colaborativo realizado por meu grupo? Dos oito estudantes, um estudante (12,5%) respondeu item 2- regular; três estudantes (37,5%) responderam item 3- bom; um estudante (12,5%) respondeu item 4- ótimo e três (37,5%) dos estudantes responderam item 5- excelente. Conforme Gaspar da Silva e Amante (2015), de consumidores de conteúdos e de informação, os novos cidadãos digitais passaram também a ser produtores de informação, permitindo a cada um, o controle de muitos processos e espaços, outrora dominados por corporações e instituições, mais particularmente pela escola. A vivência em rede, assente na partilha, no diálogo e na colaboração.

A décima pergunta: De que maneira a produção de audiovisuais contribuiu para melhorar as relações no meu grupo escolar? Teve os seguintes resultados: dois estudantes (25%), responderam item 4- ótimo e seis estudantes (70%) responderam item 5- excelente.

Essas respostas reforçam um dos resultados mais notáveis da pesquisa: a melhora significativa no convívio escolar do grupo pesquisado, a partir da produção de audiovisuais, dada a grande maioria responder o item 5- excelente. Retoma-se aqui Fresquet (2013), quando destaca que fazer cinema na escola pode reduzir assimetrias entre os estudantes, a partir da descoberta de interesses e capacidades comuns. Além disso,

Para a décima primeira questão: Senti-me autor de minha aprendizagem dirigindo um curta? Dos oito estudantes, um estudante (12,5%) item 3- bom; um estudante (12,5%) respondeu item 4- ótimo e seis estudantes (70%) responderam item 5- excelente. Com base nas respostas, infere-se que ao desafiar os estudantes a produzirem audiovisuais no ambiente escolar,

[...] a mediação educativa estaria cumprindo os objetivos e pressupostos da mídia-educação, fazendo educação com os meios (usando o cinema e os filmes em contextos de fruição), sobre os meios (leitura crítica através da análise cinematográfica) e através dos meios (produzindo audiovisual, fotografia, roteiros) (FANTIN, 2007, p.6).

A décima segunda questão: Senti-me valorizado vendo a projeção dos filmes que produzi e ou colaborei com a produção? Foi respondida da seguinte maneira: um estudante (12,5%) item 2- regular; dois estudantes (25%) item 3- bom; um estudante (12,5%) respondeu item 4- ótimo e três estudantes (37,5%) responderam item 5- excelente. Valorizar as produções e os trabalhos dos estudantes é fundamental. Fresquet (2013) aposta em uma reconfiguração da autoestima a partir do trabalho com audiovisuais.

Para a décima terceira e última pergunta: Senti-me emocionado(a) ao assistir filmes com meus colegas? Dos oito estudantes, um (12,5%) respondeu item 2- regular; um estudante (12,5%) item 3- bom; dois estudantes (25%) responderam item 4- ótimo e quatro estudantes (50%) responderam item 5- excelente. “O filme em si é a própria experiência, seja de alegria, de reconhecimento, de anseios, tristeza, seja o ser visto naquilo posto, o encontro do self. A busca de respostas e o deparar com perguntas”. (OLIVEIRA, 2017a, p. 138).

A análise do questionário de autoavaliação salientou portanto, que a produção audiovisual no contexto escolar imprimiu percepções positivas dos estudantes em relação ao trabalho realizado. Destacou-se também, nas respostas que tiveram maior positividade, a evidência das categorias elencadas no estudo: TER; Autoria e coautoria estudantil por meio da produção audiovisual na escola e Aprendizagem e Desaprendizagem. Esta última, especialmente no que tange ao relacionamento do grupo e outras possibilidades pedagógicas de aprendizagem, que englobam a construção de conhecimentos por meio da produção de filmes, estabelecendo relações horizontais em sala de aula, entre a professora pesquisadora e os estudantes e entre eles próprios.

Sobre isso, Oliveira (2017, p. 98), diz que se pode perceber que o cinema permite a produção de novos sentidos às práticas educativas, “bem como estabelece outras formas de estar em aula, e descentraliza o papel do professor como figura central do processo de ensino e aprendizagem, pois todos se colocam no mesmo sentido de frente à tela”.

Portanto, o alcance dessa condição de horizontalidade, que traz consigo o respeito, a colaboração, o compartilhamento, e a construção conjunta de novas aprendizagens, gerou as condições necessárias, para que os estudantes, público alvo do estudo, por meio das produções audiovisuais no ambiente escolar, alcançassem processos de autoria e coautoria. 

Considerações Finais

Este estudo, apresentou uma proposta de inserção das tecnologias educacionais em rede, nos anos iniciais do ensino fundamental, em uma escola da rede pública municipal do Rio Grande do Sul, localizada em uma comunidade carente, em que os estudantes, em maioria, estão em risco de vulnerabilidade social.

A partir de uma situação limite no convívio dos estudantes público-alvo do estudo, desenvolveu-se o projeto que buscou compreender de que modo as produções audiovisuais, por meio das tecnologias educacionais em rede, promovem processos de autoria e coautoria dos estudantes, nos anos iniciais do ensino fundamental.

Os objetivos do estudo foram alcançados na medida em que cada uma das fases da pesquisa foi sendo desenvolvida e as ações de planejar, atuar, observar e refletir conduziam ao próximo passo do estudo, que contou com o método da pesquisa-ação, permitindo que pesquisadora e pesquisados, trabalhassem de maneira colaborativa e reflexiva para a solução dos problemas e definição de cada uma das fases da pesquisa.

Sendo assim, apresentam-se as considerações relacionadas à produção de dados do estudo, as contribuições e limitações da pesquisa e perspectivas de continuidade da proposta de inserção da produção audiovisual nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A produção de dados destacou categorias que permitiram apontar as conclusões mais importantes do estudo, quais sejam:

As TER, constituíram-se nos meios pelos quais as produções foram realizadas. Os estudantes mostraram que a partir de dispositivos móveis simples, como uma câmera de celular, eram capazes de captar as imagens, decidir sobre ângulos e, pouco a pouco, foram construindo aprendizagens sobre seleção de imagens, criação e organização de arquivos, seleção de músicas, entre outras.

 A apresentação dos estudantes ao software de edição, foi uma etapa envolvente da pesquisa. Descobrir as possibilidades da edição, constituiu-se em momentos de aprendizagem e prazer. Ver o trabalho finalizado e a possibilidade de compartilhamento em rede, também foi marcante e positivo na trajetória escolar dos envolvidos. Enfim, todo o trabalho de filmar e produzir um curta, permeado pelas tecnologias envolvidas, confirmou a atração dos estudantes por diferentes mídias e a consolidação da necessidade de, cada vez mais, aproximar as possibilidades tecnológicas do território escolar.

Nesse cenário, a autoria e coautoria, ao dirigir seu próprio filme, permitiu que cada estudante, experimentasse a aprendizagem que resulta do processo, de cada tomada de decisão, da criação, da construção de roteiros, do percurso de construir-se, de eleger preferências, de decidir os rumos do trabalho, de buscar alternativas, de recrutar colaboradores, experimentando as sensações de frustação, curiosidade, surpresa, (des)contentamento, superação. O empoderamento que somente estudantes que se colocam de forma ativa no processo de construir conhecimentos podem experimentar.

Nesse contexto, a produção audiovisual na escola, destacou-se como uma linguagem que permite aos estudantes, para além das aprendizagens escolares, a aprendizagem da criação, que envolve criatividade, emoções, sensações, subjetividades e conhecimento do outro.

Por fim, do entrelaçamento de cada uma dessas categorias, surge a aprendizagem/desaprendizagem, resultante do processo de criar produções audiovisuais no ambiente escolar. Aprendizagem de novas habilidades e disposições para construir conhecimentos e, para isso, foi necessário desaprender velhas práticas e costumes tão arraigados ao ambiente escolar: o esperar que os conteúdos e conhecimentos sejam “passados” por um professor; a passividade nos bancos escolares; o descontentamento com o que é oferecido e que muitas vezes em nada relaciona-se ao contexto dos estudantes, que demonstram essa insatisfação por meio de indisciplina e ou, comportamentos que transformam o conviver na escola em algo tão difícil para todos.

Sendo assim, a pesquisa realizada contribuiu para que, naquele contexto específico, a produção audiovisual promovesse processos de autoria e coautoria dos estudantes, por meio das tecnologias educacionais em rede, permitindo que, para além dos objetivos traçados, se alcançasse ainda um novo modo de ser e estar no grupo. Uma convivência com mais respeito, colaboração e compartilhamento, entre todos os envolvidos no projeto, algo tão necessário e urgente.

No entanto, é preciso considerar que a pesquisa desenvolvida, pioneira na escola com a introdução do cinema nos anos iniciais, foi apenas o pontapé inicial de um trabalho que merece ainda percorrer outros caminhos na escola. Fica a certeza de que em cada um dos estudantes envolvidos no projeto, foi semeado o desejo de produzir na escola. Produzir seus conhecimentos, suas histórias, seus enredos. Ressalta-se também, que mais do que “ensinar”, o professor pode e deve se colocar também como aprendiz na escola e, que essa igualdade de condições, empodera seus estudantes e cria laços de comprometimento destes, com qualquer proposta que venha a ser lançada.

Portanto, este estudo foi uma aposta na produção audiovisual no espaço escolar como promotora da autoria e coautoria estudantil. Aposta que teve resultados muito positivos e que se espera, continue a possibilitar um contínuo aprender e desaprender na escola.

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Correspondência

Ana Cláudia Oliveira Pavão – Universidade Federal de Santa Maria – Av. Roraima, 1000 - Camobi, CEP 97105-900. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Basil.

 

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