Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.13, e50, p.1-12, 2023

ISSN 2179-7692

Submissão: 18/09/2023 • Aprovação: 06/11/2023 • Publicação: 04/12/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução  1

Método  1

Resultados 1

Discussão  1

Conclusão  1

Referências  1

 

Artigo original                                                                                                                                                                              

Psicofármacos e características socioeconômicas e de saúde de profissionais de Enfermagem de um pronto atendimento*

Psychotropic drugs and socioeconomic and health characteristics of Nursing professionals in an emergency room

Psicofármacos y características socioeconómicas y de salud de los profesionales de enfermería en un servicio de urgencia

 

Carolina Renz PrettoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Rosângela Marion da SilvaIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Ana Carolina Cunha AlmeidaIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Ana Caroline Cabreira BarretoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Flávia Camef Dorneles LenzIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

 

* Trata-se do artigo original premiado no IV Seminário Internacional Tecendo Redes na Enfermagem e na Saúde.

 

 

Resumo

Objetivo: avaliar a associação entre o uso de psicofármacos e as variáveis socioeconômicas e de saúde de profissionais de Enfermagem de um pronto atendimento. Método: estudo transversal com profissionais de Enfermagem de um pronto atendimento, realizado de janeiro a fevereiro de 2021, com questionário sociodemográfico e clínico, Lista de Sinais e Sintomas de Estresse e Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh. Utilizou estatística descritiva e analítica. Resultados: dos 34 participantes, 61,8% tinham menos de 40 anos, 70,6% praticavam atividade física ao menos duas vezes na semana, 70,6% apresentavam distúrbios do sono e 29,4% estresse alto à altíssimo. O uso de psicofármacos foi relatado por 38,2% deles, principalmente antidepressivos e ansiolíticos, associados ao estresse e à renda. Conclusão: problemas socioeconômicos e psíquicos podem favorecer o uso de psicofármacos pela Enfermagem. Melhores condições de trabalho e remuneração são necessárias para a saúde.

Descritores: Enfermagem em Emergência; Saúde Ocupacional; Psicotrópicos; Sono; Estresse Psicológico

 

Abstract

Objective: To evaluate the association between the use of psychotropic drugs and socioeconomic and health variables among Nursing professionals in an emergency department. Method: a cross-sectional study with Nursing professionals from an emergency room, carried out from January to February 2021, using a sociodemographic and clinical questionnaire, a List of Signs and Symptoms of Stress, and the Pittsburgh Sleep Quality Index. Descriptive and analytical statistics were used. Results: of the 34 participants, 61.8% were under 40, 70.6% practiced physical activity at least twice a week, 70.6% had sleep disorders and 29.4% had high to very high stress. The use of psychotropic drugs was reported by 38.2% of them, mainly antidepressants and anxiolytics, associated with stress and income. Conclusion: Socio-economic and psychological problems can favor the use of psychotropic drugs by nurses. Better working conditions and pay are necessary for health.

Descriptors: Emergency Nursing; Occupational Health; Psychotropic Drugs; Sleep; Stress, Psychological

 

Resumen

Objetivo: evaluar la asociación entre el uso de psicofármacos y las variables socioeconómicas y de salud de profesionales de enfermería en un servicio de urgencia. Método: estudio transversal con profesionales de enfermería de un servicio de emergencia, realizado de enero a febrero de 2021, utilizando cuestionarios sociodemográfico y clínico, Lista de Signos y Síntomas de Estrés e Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh. Se utilizó estadística descriptiva y analítica. Resultados: de los 34 participantes, el 61,8% tenía menos de 40 años, el 70,6% practicaban actividad física al menos dos veces por semana, el 70,6% presentaban trastorno del sueño y el 29,4% experimentó estrés alto a muy alto. El uso de psicofármacos fue reportado por el 38,2% de ellos, principalmente antidepresivos y ansiolíticos, asociados al estrés y al ingreso. Conclusión: problemas socioeconómicos y psicológicos pueden favorecer el uso de psicofármacos en enfermería. Mejores condiciones de trabajo y salarios son necesarias para la salud.

Descriptores: Enfermería de Urgencia; Salud Laboral; Psicotrópicos; Sueño; Estrés Psicológico

 

Introdução

Os psicofármacos, também chamados de psicotrópicos ou fármacos psicoativos, são substâncias químicas caracterizadas pelo potencial de ação no sistema nervoso central, e podem resultar em mudanças de comportamento, de percepção e de consciência no indivíduo.1 Sabe-se que os psicofármacos possuem a capacidade de causar dependência e, em virtude disso, entende-se que o uso dessas substâncias deve ser acompanhado por profissionais especializados.2

Ao longo da história mundial, foram descobertos diversos tipos de psicofármacos que, posteriormente, foram reunidos em categorias de acordo com a atuação no organismo, embora uma classe possa ser utilizada para tratar sintomas atribuídos a outra.2 Dessa forma, na atualidade, entre os fármacos psicoativos mais utilizados estão os antidepressivos, os ansiolíticos e os hipnótico-sedativos.3

Os antidepressivos atuam no bloqueio da recaptação de neurotransmissores, como a serotonina, a dopamina e a noradrenalina, o que aumenta a sua disponibilidade no organismo e permite tratar os sintomas de depressão, distúrbios da dor e as outras disfunções.4 São classificados em tricíclicos, inibidores da monoaminoxidase, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina e inibidores da recaptação da noradrenalina e dopamina. Entre estes, são frequentemente utilizados a Sertralina, a Venlafaxina e a Bupropiona.5

Os ansiolíticos e os hipnótico-sedativos, por sua vez, caracterizam-se pela ação depressora do Sistema Nervoso Central, podem induzir o sono, causar sedação, diminuir ansiedade e tensão. Classificam-se em benzodiazepínicos, como o Diazepam e o Alprazolam e os não benzodiazepínicos, entre os quais Zolpidem e Eszopiclona.6

O uso de psicofármacos tem sido analisado em diversos países devido ao seu aumento significativo nas últimas décadas e compõem um dos maiores problemas de saúde pública mundial, particularmente devido à notada popularização e os benefícios irrecusáveis no tratamento de transtornos mentais e comportamentais.7 Os profissionais de Enfermagem estão entre os indivíduos que fazem uso destes medicamentos. Nesse sentido, um estudo com enfermeiros identificou que 72,4% já haviam usado os medicamentos psicotrópicos alguma vez na vida, e que mais de 35% haviam feito uso no último mês, particularmente, sedativos ou tranquilizantes.8 A pandemia causada pelo novo coronavírus, em 2020, também elevou o consumo de substâncias psicoativas por parte da Enfermagem, relacionado ao transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e trauma secundário, ligados à falha cognitiva.9

Na área de urgência e emergência, 62,5% dos profissionais de Enfermagem relataram que seu trabalho influencia no uso de psicofármacos.10 A atuação em serviços de urgência e emergência, como exemplo, as Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h), durante a pandemia, pode ter aumentado a suscetibilidade dos profissionais de Enfermagem ao uso de psicofármacos. Isso, porque estas unidades requerem agilidade no atendimento com o propósito de restabelecer os parâmetros vitais dos indivíduos com risco de morte iminente, e por terem constituído a linha de frente no enfrentamento ao novo coronavírus.

É válido ressaltar que o uso de medicamentos psicoativos pode causar efeitos adversos no indivíduo, como cefaleia, sonolência diurna, agitação e tremores.11 Em profissionais da Enfermagem, o abuso de substâncias psicoativas pode repercutir em capacidade laboral reduzida, absenteísmo e elevar as chances de ocorrência de acidentes de trabalho.12

Tem-se como objetivo avaliar a associação entre o uso de psicofármacos e as variáveis socioeconômicas e de saúde de profissionais de Enfermagem de um pronto atendimento.

 

Método

Trata-se de um estudo do tipo transversal e analítico, desenvolvido com profissionais de Enfermagem de uma UPA 24h, durante a pandemia da doença causada pelo coronavírus (COVID-19). A unidade situa-se em um município do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, responsável pelo atendimento de urgência e emergência para uma população estimada de 84.041 habitantes.13

A população desta pesquisa compreendeu 36 profissionais de Enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem) que foram convidados, pessoalmente e via WhatsApp, a integrá-la. Foram incluídos aqueles profissionais de Enfermagem que estavam atuando na unidade de pronto atendimento, local da investigação, a pelo menos um mês, em virtude dos instrumentos de coleta de dados utilizados e do processo de adaptação do trabalhador ao contexto de trabalho. Uma enfermeira e uma técnica de Enfermagem foram excluídas por estarem em licença maternidade.

Os dados foram coletados entre janeiro e fevereiro de 2021, sendo consideradas as normas sanitárias vigentes referentes à prevenção da COVID-19 e as orientações do local onde ocorreu a pesquisa. Utilizaram-se o questionário sociodemográfico e clínico, Lista de Sinais e Sintomas de Estresse (LSS/VAS) e Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh. Anteriormente à aplicação, o questionário sociodemográfico e clínico foi respondido e avaliado por integrantes do grupo de pesquisa, no qual integram os autores deste estudo, e não foram feitas sugestões de alterações ou de ajustes. Os instrumentos foram entregues individualmente aos participantes no local de trabalho, em horário agendado e recolhidos posteriormente, pois são autoaplicáveis. Não houve perdas.

O questionário sociodemográfico e clínico incluiu as variáveis: idade, companheiro, renda familiar per capita (mensal), profissão, prática de atividade física e frequência, uso de psicofármacos e nome da medicação psicoativa. A qualidade do sono foi avaliada pelo Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, versão validada para o português do Brasil, estruturada a partir de 19 perguntas relacionadas aos hábitos de sono durante o último mês, cuja pontuação varia de zero a 21. Para este instrumento, os escores maiores que 5 foram considerados como qualidade do sono ruim.14

O nível de estresse foi verificado pela Lista de Sinais e Sintomas de Estresse, instrumento construído por Vasconcelos composto por 59 sinais ou sintomas de estresse, no qual o participante avalia a frequência das situações apresentadas a partir de uma escala do tipo Likert, com possibilidades de resposta de 0 (nunca) à 3 (sempre). A pontuação varia de 0 a 177 e indica os níveis: ausência (0 a 11 pontos); baixo nível (12 a 28 pontos), médio nível (29 a 60 pontos), alto nível (61 a 120 pontos) e altíssimo nível (acima de 120 pontos).15

Os dados foram registrados em um banco no programa Microsoft Excel e as variáveis categorizadas e expressas em frequências absolutas e relativas. Posteriormente, os dados foram analisados com auxílio do software SPSS Statistics 21.0. Para a verificação de associação foi aplicado o Teste Exato de Fisher, considerando significativos os resultados com p<0,05.

Para a realização desta pesquisa, foram respeitados os preceitos éticos relativos às pesquisas com pessoas exigidos pelas Resoluções nº 466/2012, nº 510/2016 e nº 580/2018, do Ministério da Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria em 19 de janeiro de 2021, sob parecer nº 4.503.318. Os participantes foram orientados a ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e no caso de anuência, assiná-lo.

 

Resultados

Participaram da pesquisa 34 profissionais de Enfermagem, com idade predominante inferior a 40 anos (61,8%). Houve prevalência de profissionais que possuíam companheiro (67,6%) com renda maior ou igual a 2,9 mil reais mensais (64,7%).

Quanto aos psicofármacos, 38,2% utilizavam; destes, 84% eram antidepressivos, 46,2% ansiolíticos ou hipnótico-sedativos e 46,2% outros fármacos para a indução do sono. Em alguns casos, o mesmo profissional fazia uso de mais de uma classe de psicoativo (Tabela 1).

Tabela 1 - Classes de psicofármacos utilizados por profissionais de Enfermagem de uma unidade de pronto atendimento. Rio Grande do Sul, Brasil, 2021 (n=13).

Classes de psicofármacos

 

Total

 

n (%)

n (%)

Antidepressivos

 

11 (84,6)

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina

8 (72,7)

 

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina

2 (18,1)

 

Inibidores da recaptação de noradrenalina e dopamina

1 (9,1)

 

Ansiolíticos e hipnótico-sedativos

 

6 (46,2)

Benzodiazepínicos 

5 (83,3)

 

Não benzodiazepínicos

1 (16,7)

 

Outros indutores de sono

 

6 (46,2)

Hormônio

3 (50)

 

Relaxantes musculares

2 (33,3)

 

Anti-histamínicos ou derivados

2 (33,3)

 

 

Entre os antidepressivos, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina foram os mais citados (72,7%). Referente aos ansiolíticos ou hipnótico-sedativos, os benzodiazepínicos possuíam maior adesão (83,3%) e quanto aos indutores do sono, a utilização de hormônio (melatonina) foi preferido (50%).

Ao analisar a relação entre o uso de psicofármacos e as características socioeconômicas, verificou-se a associação estatisticamente significativa entre possuir renda inferior a 2,9 mil reais e a utilização desses medicamentos (Tabela 2).

Tabela 2 - Relação entre o uso de psicofármacos e características socioeconômicas de profissionais de enfermagem que atuam em uma unidade de pronto atendimento. Rio Grande do Sul, Brasil, 2021 (n=34).

Características socioeconômicas

Uso de psicofármacos

Total

p-valor*

Sim

Não

 

n (%)

n (%)

n (%)

 

Idade

 

 

 

 

< 40 anos

7 (53,8)

14 (66,7)

21 (61,8)

0,491

> 40 anos

6 (46,2)

7 (33,3)

13 (38,2)

 

Companheiro

 

 

 

 

Sim

9 (69,2)

14 (66,7)

23 (67,6)

>0,05

Não

4 (30,8)

7 (33,3)

11 (32,4)

 

Renda

 

 

 

 

< 2,9 mil

8 (61,5)

4 (19,0)

12 (35,3)

0,025

> 2,9 mil

5 (38,5)

17 (81,0)

22 (64,7)

 

Profissão

 

 

 

 

Enfermeiro

4 (30,8)

5 (23,8)

9 (26,5)

0,704

Técnico ou Auxiliar de Enfermagem

9 (69,2)

16 (76,2)

25 (73,5)

 

*Teste Exato de Fisher.

 

Em relação às características de saúde dos profissionais de Enfermagem, 70,6% praticavam atividade física ao menos duas vezes na semana, 70,6% apresentaram distúrbios do sono e 29,4% nível de estresse alto ou altíssimo (Tabela 3).

 

Tabela 3 - Associação entre o uso de psicofármacos e as características de saúde de profissionais de Enfermagem que atuavam em uma unidade de pronto atendimento. Rio Grande do Sul, Brasil, 2021 (n=34).

Características de saúde

Uso de psicofármacos

Total

p-valor*

Sim

Não

n (%)

n (%)

Atividade física

 

 

 

< 2x na semana

2 (15,4)

8 (38,1)

10 (29,4)

0,251

> 2x na semana

11 (84,6)

13 (61,9)

24 (70,6)

Distúrbios do sono

 

 

 

Sim

11 (84,6)

13 (61,9)

24 (70,6)

0,251

Não

2 (15,4)

8 (38,1)

10 (29,4)

Estresse alto ou altíssimo

 

 

Sim

7 (53,8)

3 (14,3)

10 (29,4)

0,022

Não

6 (46,2)

18 (85,7)

24 (70,6)

 

*Teste Exato de Fisher.   

Ainda na Tabela 3, apresenta-se que entre os profissionais com estresse alto ou altíssimo, maior número fazia uso de psicofármacos (p<0,05).

 

Discussão

Entre os principais resultados deste estudo, verificou-se que um percentual importante de profissionais de Enfermagem estava fazendo uso de algum tipo de psicofármaco, principalmente das classes dos antidepressivos e ansiolíticos ou hipnótico-sedativos. O uso dessas substâncias pelos profissionais de Enfermagem é comumente relacionado aos fatores pessoais e laborais,12 e o contexto da pandemia da COVID-19 tornou-se um agravante por desencadear sentimentos como medo, ansiedade, depressão, angústia, sono prejudicado e outros, relacionados ao risco à exposição e à transmissão do vírus.16

De acordo com os resultados do estudo, entre os antidepressivos, encontrou-se predominância do uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina, o que pode estar relacionada à maior aceitação pelos indivíduos e à menor ocorrência de efeitos adversos ao se comparar com as demais classes.17 Em relação aos ansiolíticos ou hipnótico-sedativos, o uso prevalente dos benzodiazepínicos pode ser justificado pelo baixo custo de compra e pela facilidade de aquisição destes medicamentos.18 Quanto aos indutores do sono, a preferência de escolha pelo hormônio melatonina por metade dos profissionais de Enfermagem pode ser em razão de produzir efeitos semelhantes ao processo fisiológico do sono e ausência de reações adversas significativas em adultos.19

Ao se avaliar as características socioeconômicas e o uso de psicofármacos, identificou-se que quase metade dos indivíduos com 40 anos ou mais estavam usando estas substâncias. Os estudos com profissionais de Enfermagem evidenciaram que os indivíduos com idade mais avançada apresentaram percentuais mais elevados de estresse, ansiedade e depressão,20 o que pode motivar o uso destes medicamentos. No público feminino, isso pode estar associado ao período da menopausa, visto que a partir desta idade as mulheres podem desenvolver as alterações físicas e psíquicas, como a baixa autoestima, alterações no padrão sexual e a diminuição da libido.21

No que diz respeito ao predomínio de trabalhadores de Enfermagem com os companheiros que não faziam uso de psicoativos, uma pesquisa na Grécia, com enfermeiras, evidenciou que aquelas sem companheiro tinham 4,63 vezes mais chance de desenvolver transtorno de ansiedade em comparação às casadas.22 Dado que pode ser explicado pelo fato de que a satisfação no relacionamento se associa ao apoio social, o que pode minimizar os efeitos estressores diários e favorecer a saúde mental.23

Ainda, relativo às características socioeconômicas, identificou-se a associação significativa entre possuir uma renda inferior a 2,9 mil reais e o uso de psicofármacos. Nesse sentido, um estudo mostra que as preocupações financeiras afetam diretamente a saúde mental do indivíduo e podem causar níveis elevados de sofrimento psíquico.24 Além disso, a baixa remuneração dos profissionais de Enfermagem, muitas vezes, faculta a esses profissionais assumir dupla ou tripla jornada de trabalho e vivenciar a sobrecarga de trabalho e exaustão.25 Estes fatores, juntamente com os recursos pessoais e sociais de enfrentamento limitados, podem motivar o uso de psicofármacos pelos sujeitos.

Nesta pesquisa, o percentual elevado de profissionais de Enfermagem apresentava um nível de estresse alto ou altíssimo, dado convergente com o resultado de um estudo realizado em Kosovo.26 A exaustiva demanda nos serviços de pronto atendimento somadas às condições físicas e à organização do ambiente de trabalho elevam os níveis de estresse entre os profissionais.27

A identificação de associação entre estresse alto e o uso de psicofármacos pode ter relação com as características da profissão da Enfermagem, a relação dos profissionais com o trabalho e capacidade de enfrentamento de estressores. Destaca-se que atuar na Enfermagem implica em conviver com situações de iminência de morte, sofrimento, longas jornadas, muitas exigências assistenciais, condições de trabalho desfavoráveis e acesso facilitado a diversos medicamentos, de modo que, a forma como os profissionais se relacionam com isso, sua capacidade de resolver conflitos, enfrentar as situações estressantes, o conhecimento prévio e o apoio que recebem podem favorecer o uso de psicofármacos.28 Muitas vezes os profissionais encontram em tais medicamentos conforto, diminuição da tensão e do desgaste diário.

Neste estudo, também foi verificado o elevado percentual de distúrbios do sono, embora sem a associação com o uso de psicofármacos. Tal dado é semelhante ao resultado de estudo que identificou uma taxa importante para os distúrbios do sono em profissionais de Enfermagem associada aos transtornos mentais comuns, atuar em hospital público e ter maior tempo de trabalho na instituição.29 Os mesmos autores apontaram que o uso de medicação para dormir pela Enfermagem relaciona-se à busca por melhor qualidade do sono, às experiências e às condições de trabalho e ao acesso facilitado.

Em relação à atividade física ao menos duas vezes na semana, os resultados mostraram que mais da metade dos profissionais eram adeptos, embora não tenha sido identificada a associação com o uso de psicofármacos. Sobre isso, uma pesquisa evidenciou que a atividade física é preditor da saúde psicológica e dos níveis de estresse percebido.30 Ademais, a atividade física crônica pode promover adaptações metabólicas como diminuição do cortisol, redução da inflamação e melhora da função imunológica,30 trazendo benefícios para a saúde em geral.

Salienta-se que as situações de estresse entre os profissionais de Enfermagem, principalmente em uma UPA 24h, podem levar a desgastes físicos e psíquicos, e que as condições laborais, a facilidade de aquisição dos medicamentos psicoativos pela equipe de saúde, a sobrecarga de trabalho, a exaustão e o medo de contaminação por COVID-19 podem contribuir para o uso de psicofármacos.

Como limitações deste estudo, destaca-se a amostra pequena e o método transversal, que não permite inferir causalidade. Contudo, as evidências apresentadas contribuem para a área da saúde e Enfermagem à medida que estimulam as reflexões sobre a forma e a organização do trabalho dos profissionais de Enfermagem, sobre o reconhecimento, a remuneração e o impacto destes fatores na saúde destes trabalhadores, e em suas escolhas em busca do bem-estar. Ainda, sustentam as ações dos gestores de serviços de pronto atendimento com vistas à saúde do trabalhador e à mobilização dos próprios profissionais para a sua saúde, com repercussão na qualidade do cuidado prestado.

 

Conclusão

O uso de psicofármacos por profissionais de Enfermagem de unidades de pronto atendimento foi relacionado à baixa renda e ao estresse. Nesse sentido, evidencia-se que os problemas socioeconômicos e psíquicos podem tornar os trabalhadores de Enfermagem desses serviços suscetíveis ao uso de psicofármacos, por serem uma alternativa rápida e acessível para o bem-estar. Os movimentos profissionais e ações de gestão relacionadas à melhor remuneração e às condições de trabalho saudáveis são necessárias e repercutem na qualidade de vida do trabalhador e na satisfação do usuário.

Os dados apresentados sinalizam para a saúde do trabalhador de serviço de urgência e emergência e motiva a realização de novas pesquisas sobre o tema com o intuito de colaborar com o conhecimento atualmente disponível e favorecer a implantação de medidas para o uso racional de psicofármacos, inclusive entre os profissionais de Enfermagem.

 

Referências

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Fomento / Agradecimento: Ao CNPq, Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021 – UNIVERSAL, processo 404263/2021-6.

 

Contribuições de autoria

1 - Carolina Renz Pretto

Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem - carol.renzpretto@gmail.com

Concepção e desenvolvimento da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 - Rosângela Marion da Silva

Enfermeira, Pós-Doutora - rosangela.silva@ufsm.br

Concepção e desenvolvimento da pesquisa, revisão e aprovação da versão final.

 

3 - Ana Carolina Cunha Almeida

Acadêmica de Enfermagem - ana.cunha@acad.ufsm.br

Concepção e desenvolvimento da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

4 - Ana Caroline Cabreira Barreto

Acadêmica de Enfermagem - barreto.ana@acad.ufsm

Redação do manuscrito e revisão e aprovação da versão final.

 

5 - Flávia Camef Dorneles Lenz

Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem - flaviacamefd@gmail.com

 Redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

 

Como citar este artigo

Pretto CR, Silva RM, Almeida ACC, Barreto ACC, Lenz FCD. Psychotropic drugs and socioeconomic and health characteristics of Nursing professionals in an emergency room. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e50:1-12. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769285107