Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.14, e4, p.1-13, 2024

ISSN 2179-7692  •

Submissão: 15/09/2023 • Aprovação: 16/01/2024 • Publicação: 31/01/2024

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 1

Método. 1

Resultados. 1

Discussão. 1

Conclusão. 1

Referências. 1

 

Artigo original

Identificação do contexto familiar e social em registros de consultas de enfermagem ao binômio mãe-bebê

Identification of the family and social context in records of nursing consultations with the mother-baby binomial

Identificación del contexto familiar y social en registros de consultas de enfermería para el binomio madre-bebé

 

Márcia Beatriz Berzoti Gonçalves IÍcone

Descrição gerada automaticamente

Ana Paula de Miranda Araújo SoaresIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Ana Izaura Basso de OliveiraIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Diene Monique CarlosIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Aline Cristiane Cavicchioli Okido IIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, SP, Brasil

II Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP, Brasil

 

 

* Extraído de um Trabalho de Conclusão de Curso “O olhar para o contexto familiar e social em consultas de enfermagem ao binômio mãe e recém-nascido” da Especialização em Enfermagem Pediátrica da Universidade Federal de São Carlos, 2023.

 

Resumo

Objetivo: identificar informações relacionadas ao contexto familiar e social em registros da primeira consulta de enfermagem ao binômio mãe-bebê. Método: estudo de Métodos Mistos com Estratégia Incorporada Concomitante de Dados. Utilizou-se roteiro composto por oito questões com respostas do tipo dicotômicas e espaço para transcrever as sentenças relacionadas ao contexto familiar e social. Dados analisados por estatística descritiva e análise de conteúdo dedutiva. Resultados: dos 326 registros, 30% descreveram a presença de outros familiares na consulta e o estado emocional da puérpera. Informações sobre estrutura familiar e rede de apoio estavam presentes em 27,3 e 21,8% deles, respectivamente. A experiência da gestação foi o aspecto menos mencionado (4,3%). O diagnóstico comumente incluído foi “Vínculo mãe e filho preservado”. As sentenças convergiram com os dados quantitativos ao indicar limitada exploração do contexto e centralidade no modelo biomédico. Conclusão: na maioria dos registros não constava informações sobre o contexto familiar e social.

Descritores: Enfermagem; Família; Mães; Recém-Nascido; Atenção Primária à Saúde

 

Abstract

Objective: to identify information related to the family and social context in records of the first nursing consultation with the mother-baby binomial. Method: Mixed-methods study with Concomitant Data Incorporated Strategy. A script was used consisting of eight questions with dichotomous answers and space to transcribe the sentences related to the family and social context. Data was analyzed using descriptive statistics and deductive content analysis. Results: of the 326 records, 30% described the presence of other family members at the appointment and the emotional state of the puerperal woman. Information on family structure and support networks was present in 27.3 and 21.8% of them, respectively. The experience of pregnancy was the least mentioned aspect (4.3%). The diagnosis most commonly included was "Mother-child bond preserved". The sentences converged and indicated a limited exploration of the context and a focus on the biomedical model. Conclusion: the majority of records lacked information on the family and social context.

Descriptors: Nursing; Family; Mothers; Infant, Newborn; Primary Health Care

 

Resumen

Objetivo: identificar información relacionada al contexto familiar y social en registros de la primera consulta de enfermería para el binomio madre-bebé. Método: estudio de métodos mixtos con estrategia integrada de datos concomitantes. Se utilizó un guion compuesto por ocho preguntas con respuestas dicotómicas y espacio para transcribir las frases relacionadas con el contexto familiar y social. Datos analizados mediante estadística descriptiva y análisis de contenido deductivo. Resultados: de los 326 registros, el 30% describió la presencia de otros familiares en la consulta y el estado emocional de la puérpera. La información sobre la estructura familiar y la red de apoyo estuvo presente en el 27,3 y el 21,8% de ellos, respectivamente. La experiencia del embarazo fue el aspecto menos mencionado (4,3%). El diagnóstico comúnmente incluido fue “Vínculo preservado entre madre e hijo”. Las frases convergieron con los datos cuantitativos al indicar una exploración limitada del contexto y la centralidad en el modelo biomédico. Conclusión: la mayoría de los registros no contenían información sobre el contexto familiar y social.

Descriptores: Enfermería; Familia; Madres; Recién Nacido; Atención Primaria de Salud

 

 

Introdução

O ambiente seguro e acolhedor, propício para o cuidado relacional e afetivo, fomenta a base para o desenvolvimento saudável da criança desde o início de sua vida. A qualidade das relações familiares, o acesso aos recursos mínimos para o desenvolvimento da vida, o contexto cultural, social, econômico e político vivenciado no âmbito da família devem ser considerados ao avaliar o crescimento e o desenvolvimento da criança.1-2

A partir dessa perspectiva, torna-se preponderante reconhecer a família como central para o cuidado do recém-nascido. O Cuidado Centrado na Criança e na Família (CCCF), enquanto filosofia de cuidado e modelo assistencial, apoia-se na premissa de que cada criança é única e deve ser considerada no contexto de sua família. O profissional de saúde que adota o CCCF apoia e valoriza os cuidadores e familiares, e os inclui nas tomadas de decisões, com o objetivo de oferecer à criança condições saudáveis para o seu pleno desenvolvimento.3

Contudo, a pouca centralidade das ações na família e na comunidade foi um dos desafios apontados em revisão sistemática que objetivou analisar a qualidade da assistência à saúde da criança na APS no Brasil.4 De acordo com os autores, a assistência é prioritariamente centrada nos indivíduos, com limitado foco no ambiente em que estão inseridos.4 Na mesma direção, outra revisão sistemática que descreve as recomendações para o cuidado pós-parto a mulheres na APS também enfatizam a importância de se investigar o suporte familiar e social bem como, ressaltam que a consulta de enfermagem é momento oportuno para identificar essas questões.5

O nascimento de um bebê se constitui num período de intensas transformações e adaptações físicas, mentais, emocionais e sociais.6 Alguns dos principais desafios se deve à preocupação excessiva com a segurança e o bem-estar do bebê, aos problemas com a amamentação e ao choro excessivo do bebê.7 Consequentemente, o apoio familiar e social podem minimizar possíveis sofrimentos psicológicos e facilitar a transição das mulheres para uma maternidade segura.7 Segundo revisão narrativa que buscou pelos fatores que afetam a adaptação das mulheres às mudanças pós-parto, a satisfação conjugal e as interações familiares desempenham um papel crucial no apoio às mulheres no pós-parto.8

No Brasil, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) enfatiza que a atuação da equipe de saúde da Atenção Primária em Saúde (APS) deve seguir a abordagem centrada no binômio mãe-bebê desde o primeiro atendimento, recomendado que aconteça na primeira semana de vida da criança.1

Rotineiramente, essa primeira consulta de saúde é realizada pelo enfermeiro e tem como foco avaliar o crescimento e desenvolvimento do recém-nascido (RN), incentivar o aleitamento materno exclusivo, orientar sobre o calendário de imunização, coletar o teste do pezinho, analisar os resultados dos demais exames de triagem neonatal, abordar os cuidados com o RN e identificar dificuldades, fatores de risco e vulnerabilidades que possam estar presentes e planejar as ações de saúde que se fizerem necessárias.1 Essa consulta inicial é estratégica para a redução da mortalidade infantil e de agravos, na infância, prevista nas políticas nacionais de atenção materno-infantil.1

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar informações relacionadas ao contexto familiar e social em registros da primeira consulta de enfermagem ao binômio mãe-bebê.

 

 

Método

Trata-se de um estudo de Métodos Mistos com Estratégia Incorporada Concomitante de Dados9. Os dados quantitativos e qualitativos foram coletados simultaneamente e a abordagem principal que guiou a investigação foi a quantitativa sendo a notação que o represente a seguinte: QUAN (qual). A integração dos dados ocorreu na apresentação dos resultados, à medida que a incorporação dos dados qualitativos teve o papel de apoiar as informações quantitativas.

A pesquisa foi conduzida em um município localizado no interior do estado de São Paulo organizado em cinco distritos sanitários, com 47 unidades de saúde da APS, sendo 17 Unidades de Saúde da Família (USF) e 30 Unidades Básicas de Saúde (UBS).10 Não houve abordagem direta a seres humanos, os dados foram coletados a partir de análise documental retrospectiva entre os meses de julho e agosto de 2023.

A população foi composta por registros das consultas de enfermagem ao binômio mãe-bebê, acessados por meio dos prontuários informatizados. Vale mencionar que embora o atendimento do binômio ocorra simultaneamente, de forma integrada, os registros são realizados nos prontuários individuais de ambos. A primeira consulta ao binômio mãe-bebê é rotineiramente realizada pelo enfermeiro da APS. Esse atendimento é agendado ainda na maternidade, pelo Programa Floresce uma Vida, programa implantado em 1995 com o intuito de reduzir a mortalidade infantil a partir da alta responsável e da vinculação oportuna do binômio às unidades de APS.10

Para selecionar quais registros seriam analisados, foi adotado como critério de seleção aqueles referentes aos nascimentos ocorridos nas maternidades públicas no mês de outubro de 2022. Não houve critérios de exclusão. Cabe reforçar que a escolha desse período foi aleatória, não havendo nenhum critério estabelecido a priori. Todavia, a definição por maternidades públicas se deu pelo fato do Programa Floresce uma Vida estar vinculado, especificamente, às instituições credenciadas ao Sistema Único de Saúde.

 Tais informações foram extraídas do Sistema de Informação em Saúde da Criança (SIS-Criança), software utilizado para o registro de informações de saúde de todas as crianças nascidas. O SIS-Criança possui um banco de dados que permite a emissão de relatórios e acompanhamento de indicadores de saúde. É possível identificar todos os nascimentos ocorridos mensalmente e anualmente, além de outras informações como local de nascimento, data do agendamento da primeira consulta, unidade de referência, entre outras. Cabe mencionar que a média anual de nascimentos é de 8 mil, sendo 660 por mês, dos quais, 60% ocorrem nas maternidades públicas e 40% nas maternidades privadas.

A partir desse relatório, identificaram-se os nascimentos ocorridos no mês elencado, e, a seguir, foi atribuído um código numérico para cada um dos binômios e realizado sorteio por meio de um programa digital gratuito disponível no portal < www.sorteador.com.br >. Desse modo, foram sorteados 50% dos atendimentos. A definição do percentual de registros a serem analisados se deu pela análise da viabilidade da coleta em tempo oportuno, não sendo calculado tamanho amostral.

Os registros foram analisados a partir de um roteiro semiestruturado composto por oito questões com respostas do tipo dicotômicas “SIM” e “NÃO”, e espaço para transcrever sentenças registradas pelos enfermeiros que remetiam ao contexto social e familiar (dados qualitativos). O referido instrumento norteador foi elaborado pelas próprias autoras, considerando a literatura atual sobre o tema. A seguir, foi previamente testado a partir da análise de dez prontuários aleatórios não elegíveis, sendo necessários pequenos ajustes antes de aplicação definitiva. A partir desse roteiro, uma das autoras, com autorização e login de acesso ao sistema informatizado da SMS analisou todos os registros das consultas de enfermagem selecionadas.

Com relação à análise dos dados, primeiramente, realizou-se a análise dos resultados quantitativos, uma vez que se tratava do banco de dados primário na conjuntura da estratégia incorporada concomitante. Nessa etapa, as informações foram digitadas em uma planilha do software Microsoft Excel® e, a seguir, submetidos à análise descritiva por meio de frequência absoluta e relativa. Num segundo momento, os dados qualitativos foram incorporados e organizados de modo a contemplar cada uma das questões objetivas do roteiro, caracterizando uma análise dedutiva.11

Considerando o envolvimento de seres humanos na pesquisa, essa pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em cumprimento à Resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado em julho de 2023, sob o número do protocolo 6.207.923. O anonimato dos enfermeiros responsáveis pelos registros foi assegurado. Uma vez que a coleta de dados foi realizada a partir de fonte de informação secundária, foi dispensada a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale mencionar que o projeto foi apreciado e devidamente autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde.

 

Resultados

Em outubro de 2022, ocorreram 575 nascimentos, sendo 368 em maternidades públicas. Desses 368, 352 binômios compareceram para a consulta de enfermagem, no entanto somente 326 (92,6%) atendimentos foram devidamente registrados no prontuário informatizado, enquanto os demais apresentavam status de comparecimento, sem registro da consulta de enfermagem.

Foram analisados 50% dos atendimentos, totalizando 163 consultas de binômios e 326 registros. No que se refere ao modelo de assistência vigente, 271 (83,12%) registros eram oriundos de UBS e 55 (16,87%) de USF. A Tabela 1 apresenta a distribuição da frequência dos registros que mencionaram sobre aspectos do contexto familiar e social.

 

Tabela 1- Distribuição da frequência dos registros (n=326) com informações relacionadas ao contexto familiar e social. Ribeirão Preto – SP, Brasil, 2022.

 

Consta no registro...

Sim

n (%)

Não

n (%)

Quem eram os outros membros da família que estavam presentes?

99 (30,4)

227 (69,6)

Referência à rede de apoio?

71 (21,8)

255 (78,2)

Informações a respeito da estrutura familiar?

89 (27,3)

237 (72,7)

O estado emocional da puérpera?

100 (30,7)

226 (69,3)

Sobre a experiência da gestação?

12 (3,7)

314 (96,3)

Diagnósticos de Enfermagem relacionados ao contexto familiar e social?

94 (28,9)

232 (71,1)

 

Embora aproximadamente 30% dos registros tenham mencionado a presença de outros membros da família na consulta de enfermagem, eram breves e pouco detalhados.

Avó materna acompanha esta consulta e também recebe orientações. (R34)

Puérpera e parceiro colaborativos e atentos as orientações, sem dúvidas. (R151)

RN comparece acompanhado pela mãe e pelo pai. (R21)

 

A presença de rede de apoio e a estrutura familiar estiveram presentes em 71 (21,8%) e 89 (27,3%) registros, respectivamente. Em geral, as sentenças registradas denotam uma tímida exploração do contexto social e familiar.

Apoio familiar presente. (R11. R72, R100)

Apoio familiar ausente. (R4. R15)

União estável. (R106)

 

Todavia, foram identificados registros que detalharam aspectos importantes da estrutura familiar e/ou rede de apoio.

Pai, 29 anos, trabalha como ajudante de pedreiro. Mãe, 30 anos, cursou ensino médio, trabalha como produtora de vendas. (R33)

Puérpera com 32 anos, tem ensino médio completo, é vendedora em agência de viagens, é natural e residente em Ribeirão Preto, reside em casa própria com o parceiro de 30 anos, tem ensino médio completo, vendedor. (R 122)

Refere ter sofrido violência doméstica do parceiro. Passou por atendimento com assistente social e refere estar morando em outro local com a RN e o filho de 7 anos. Os outros filhos não residem com ela. (R71)

 

Semelhantemente aos demais aspectos analisados, os registros relacionados ao estado emocional da puérpera foram pouco aprofundados.

Aspectos psicoemocionais: feliz com a chegada do bebê. (R41, R147)

Aspectos psicoemocionais: sem alterações. (R143)

Mãe tranquila, compreende bem as orientações recebidas. (R2)

Feliz e com vínculo com o RN. (R96)

 

Mesmo nas situações em que foi identificado alguma alteração, não foram descritos possíveis questionamentos com a intenção de compreender a experiência vivenciada pela puérpera, nem mesmo registros de estratégias de intervenção.

Parece tranquila, porém com traços de uma depressão pós-parto. (R165)

Vínculo mãe e RN comprometido pela falta de paciência da mãe. (R09)

Mãe ansiosa com a mamada. (R82)

 

A experiência da gestação raramente foi explorada, sendo identificado 12 (3,68%) registros com essa informação. Ademais, os principais aspectos da experiência da gestação que foram relatados se referiam ao planejamento da gestação ou às intercorrências clínicas.

Gestação não planejada, mas desejada.(R04,R19)

Gravidez não planejada. (R75)

Intercorrências na gestação: diabetes gestacional, sem desfecho adverso, com controle de glicemia. (R82)

Mãe não realizou pré-natal. (R71)

Mãe refere ter apresentado anemia e tratado com Noripurum, e infecção de urina […] tratamento com antibiótico. (R162)

Dados da Gestação: G2A1P1 (PC) [duas gestações, um aborto e um parto cesárea], realizou dez consultas de pré-natal, baixo risco. Mãe nega intercorrências na gestação. (R13)

 

Quanto aos Diagnósticos de Enfermagem (DE), observou-se que 94 (28,9%) dos registros elencaram DE referentes ao contexto familiar e social. O DE “Vínculo mãe e filho preservado” foi o mais comumente utilizado, sendo elencado 87 vezes. O DE “Vínculo familiar presente” foi o segundo com mais citações, constando em 15 atendimentos. Os DE “Manutenção do lar prejudicada”, “Vínculo familiar ausente”, “Apoio familiar prejudicado”, “Risco de maternidade e paternidade prejudicada” e “Ansiedade decorrente do estado de saúde atual” foram mencionados apenas uma vez.

Por fim, outra característica identificada foi a semelhança com anotações comuns no cenário hospitalar.

Puérpera admitida na unidade para consulta. (R05, R18, R 111))

Às 10h00, RN admitido nesta unidade para consulta de puericultura. (R134)

Está consciente, orientada, comunicando-se verbalmente com coerência. (R10, R87)

 

A integração dos dados quantitativos aos qualitativos permitiu melhor análise das questões relacionadas ao contexto familiar e social presentes nos registros de primeira consulta de enfermagem ao binômio. Apesar de aproximadamente um terço dos registros destacarem essas questões, inclusive presentes nos DE, o fazem de forma pouco detalhada e tímida. Aspectos relevantes como avaliação emocional da puérpera e experiência gestacional são explorados de forma inconsistente ou centrados no modelo biomédico.

 

Discussão

De acordo com os resultados apresentados, 26 (7,4%) consultas de enfermagem ocorreram, mas não foram registradas no prontuário informatizado. Estudo que investigou os Processos de Enfermagem na Atenção Básica identificou que 22,7% dos enfermeiros não utilizavam o Prontuário Eletrônico Cidadão (e-SUS) para registro de suas atividades, percentual ainda maior do que o encontrado no presente estudo. Sobrecarga, acúmulo de funções e déficit de recursos humanos são as justificativas mais comumente encontradas.12 No entanto, o prontuário é um importante instrumento de comunicação compartilhada entre profissionais da saúde, garantindo a continuidade e a integralidade do cuidado.13

A maioria dos atendimentos registrados ocorreu em UBS. Tal cenário é reflexo do modelo de atenção à saúde que predomina no município estudado, onde apenas 25% da população possui cobertura da ESF.10 Contudo, segundo revisão sistemática, o ideal seria uma cobertura de ESF >70%, a fim de possibilitar ampliação do acesso aos serviços de saúde, aumento na cobertura do pré-natal, da vacinação, a melhoria das condições nutricionais e ambientais, o incentivo ao aleitamento materno.14

O comparecimento de outros membros da família na consulta foi timidamente descrito e a participação do pai foi raramente citada. Tal achado pode ser um indicativo da ausência da figura paterna na consulta ou da desvalorização do mesmo como potencial cuidador do RN por parte dos enfermeiros. Faz-se importante problematizar tal aspecto, uma vez que a literatura aponta o envolvimento do pai no cuidado ao recém-nascido como benéfico para a construção e fortalecimento dos laços familiares bem como, mitigação de diversos prejuízos associados à sua ausência para o desenvolvimento infantil.15 Ademais, o não incentivo profissional legitima falhas e falta de interesse do homem no processo gravídico puerperal, em especial, no puerpério.

Em geral, os registros analisados consideraram superficialmente o contexto familiar e social corroborando com os resultados de uma investigação realizada a partir da observação participativa de 21 consultas de enfermagem a crianças entre zero a dois anos de idade. Segundo esse estudo, os enfermeiros consideraram pontualmente alguns elementos do contexto de vida e ambiente familiar da criança durante as consultas, mas não abordaram questões culturais e econômicas da família.16

Embora tenha sido pouco explorada a rede de apoio e a estrutura familiar, alguns registros detalharam aspectos importantes como ocupação e escolaridade dos genitores. Segundo pesquisa que avaliou os fatores socioeconômicos associados ao desenvolvimento infantil no primeiro ano de vida, a partir de informações de 3.061 crianças, mães com baixa escolaridade, com sintomas de depressão, com duas ou mais crianças menores de sete anos residindo no domicílio e que não relataram autopercepção de apoio/ajuda durante a gestação obtiveram menores pontuações de desenvolvimento em todos os domínios avaliados.17

Ainda foi possível inferir, por meio dos registros analisados, que questões relacionadas à saúde mental e ao estado emocional das puérperas foram pouco valorizadas, a despeito do fato de que a depressão pós-parto pode acometer as puérperas, em especial, aquelas em situação de vulnerabilidade e na ausência de apoio social.18 Esse dado merece atenção, ao considerar que mulheres vivenciando o período puerperal podem se sentir sozinhas, inseguras e manifestarem preocupações com o exercício da maternagem, aumentando o risco de agravos em saúde mental.18-19

Os achados apontaram que alguns registros da consulta de enfermagem do binômio puérpera/recém-nascido tendem a reproduzir uma lógica hospitalocêntrica, com utilização de jargões e linguagem própria do contexto hospitalar, como “foi admitido na unidade de saúde”. Tal tendência também foi identificada em um estudo realizado com 52 profissionais que atuavam em serviços de assistência domiciliar do estado de Minas Gerais, evidenciando discursos centrados em equipamentos de alta densidade tecnológica.20

Os DE registrados também valorizaram os aspectos biológicos da saúde do binômio. Observou-se que a amamentação, enquanto processo fisiológico, foi enfatizada nos registros da consulta de enfermagem ao binômio, descolada do contexto familiar, que é essencial para a manutenção do aleitamento materno. Esses resultados corroboram a literatura, ao apontar para o enfoque nos processos biológicos que refletem o olhar privilegiado aos agravos já estabelecidos, em detrimento da promoção à saúde.21

Apesar da APS ser o eixo central e coordenador do cuidado proposto como modelo de atenção brasileiro, a formação da Enfermagem ainda parece vislumbrar uma lógica hospitalocêntrica e centrada na doença. Mesmo com a delimitação de competências de promoção à saúde recomendadas em cursos da saúde, que envolvem a promoção do desenvolvimento saudável presente na APS, tal perspectiva ainda é um desafio. Considerar a construção de prática fundamentada na lógica da CCCF e da salutogênese envolve uma análise crítica constante da prática da Enfermagem, além do olhar para a formação dos enfermeiros – que demandam metodologias que envolvam participação ativa do sujeito no processo ensino-aprendizagem, a construção de uma visão contextualizada da realidade e o desenvolvimento de autonomia para análise e tomada de decisões.22

Faz-se importante resgatar que os registros analisados se referem à primeira consulta do binômio, portanto, é possível que informações relacionadas ao contexto familiar e social tenham sido investigadas posteriormente, à medida que o vínculo entre enfermeiro e família vai sendo estabelecido. Nessa direção, estudo de abordagem qualitativa que analisou as vivências e significados das consultas de enfermagem em puericultura identificaram falas de enfermeiros no sentido de desempenhar esforços para se aproximar da família, conhecer suas demandas e sua história.23 Os autores reforçam ainda, a importância de um número maior de consultas para a formação de vínculo e construção de confiança.23

Quanto as limitações, destaca-se o não registro de consultas de enfermagem em alguns prontuários; evoluções incompletas ou com informações genéricas, sem singularização do cuidado; e falta de clareza no registro, aspecto que pode ter comprometido a análise. Recomenda-se novas investigações que façam uma análise longitudinal dos atendimentos e que considerem a observação participante como estratégia de coleta de dados complementar.

Por fim, a presente investigação também esboça contribuições para avançar no conhecimento em Enfermagem. Há necessidade de educação permanente e formação que respalde uma construção de conhecimento pertinente à prática autônoma do enfermeiro na APS à criança, sua família e comunidade. Abordagens por meio de estudos de caso, que tragam realidades práticas, podem ser caminhos possíveis. Ademais, um olhar para a sobrecarga materna e suporte de outros familiares são necessários.

 

Conclusão

Na maioria dos registros da primeira consulta de enfermagem ao binômio mãe-bebê não constava informações sobre o contexto familiar e social. Aproximadamente, um terço escreveu, ainda que superficialmente, sobre a estrutura familiar e aspectos emocionais da puérpera, bem como, elencaram diagnósticos de enfermagem relacionados ao contexto familiar a social. A experiência da gestação foi o aspecto menos mencionado.

 

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Contribuições de autoria

 

1 – Márcia Beatriz Berzoti Gonçalves

Enfermeira. Mestre em Ciências. Ebeatrizberzoti@gmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Ana Paula de Miranda Araújo Soares

Psicóloga. Mestre em Psicologia - apmasoares@gmail.com

Revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Ana Izaura Basso de Oliveira

Enfemeira. Doutora em Ciências - anaizaura@gmail.com

Revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Diene Monique Carlos

Enfemeira. Doutora em Ciências - dienecarlos@ufscar.br

Revisão e aprovação da versão final.

 

5 – Aline Cristiane Cavicchioli Okido

Autor Correspondente

Enfemeira. Doutora em Ciências - alineokido@ufscar.br

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Aline Cammarano Ribeiro

 

Como citar este artigo

Gonçalves MBB, Soares APMA, Oliveira AIB, Carlos DM, Okido ACC. Identification of the family and social context in records of nursing consultations with the mother-baby binomial. Rev. Enferm. UFSM. 2024 [Access at: Year Month Day]; vol.14, e4: 1-13. DOI: https://doi.org/10.5902/21797685076