Rev. Enferm. UFSM, v. 14, e8, p. 1-15, 2024
Submissão: 23/08/2023 • Aprovação: 20/02/2024 • Publicação: 04/04/2024
Relato de expêriencia
Use of moulage in the clinical simulation of dressings among nursing students: an experience report
Utilización del moulage en la simulación clínica de apósitos entre estudiantes de enfermería: informe de experiencia
Belisa Maria Santos da Silva I
Maithê de Carvalho e Lemos Goulart I
Fernanda Maria Vieira Pereira ÁvilaI
I Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Objetivo: relatar o uso de moulage na simulação clínica de curativos em lesões tegumentares entre estudantes de enfermagem. Método: relato de experiência sobre o uso de moulage para representar lesões tegumentares em simulação clínica de curativos para estudantes de enfermagem. Desenvolveu-se em cinco etapas: ponto de partida, perguntas iniciais, recuperação do processo vivido, reflexão de fundo e pontos de chegada. Resultados: realizaram-se três simulações clínicas, com 28 estudantes. Na produção da lesão tegumentar, utilizaram-se látex, massinha de maquiagem, amido de milho, tinta antialérgica, pincéis, esponja, sangue artificial e algodão, com um custo de R$107,35. No cenário simulado, havia um ator que representou o papel de paciente com lesão, após acidente automobilístico. As simulações ocorreram em três etapas: briefing, cena simulada e debriefing. Conclusão: a simulação clínica com moulage é uma estratégia para o ensino de curativos em lesões tegumentares e contribui para o processo de ensino-aprendizagem de estudantes de enfermagem.
Descritores: Treinamento por Simulação; Ferimentos e Lesões; Educação em Enfermagem; Tecnologia Educacional; Estudantes de Enfermagem
Abstract
Objective: to report on the use of moulage in the clinical simulation of dressings for skin injuries among nursing students. Methodology: experience report on the use of moulage to represent skin injuries in a clinical simulation of dressings for nursing students. It was developed in five stages: starting point, initial questions, recovery of the experienced process, background reflection and end points. Results: three clinical simulations were carried out with 28 students. In order to produce the skin injury, latex, makeup paste, cornstarch, anti-allergic paint, brushes, sponge, artificial blood and cotton were used, at a cost of R$107.35. In the simulated scenario, there was an actor who played the role of a patient with injuries after a car accident. The simulations took place in three stages: briefing, simulated scene and debriefing. Conclusion: clinical simulation with moulage is a strategy for teaching dressings for skin injuries and contributes to the teaching-learning process for nursing students.
Descriptors: Simulation Training; Wounds and Injuries; Education, Nursing; Educational Technology; Students, Nursing
Objetivo: informar sobre la utilización del moulage en la simulación clínica de apósitos para lesiones cutáneas entre estudiantes de enfermería. Metodología: informe de experiencia sobre la utilización del moulage para representar lesiones cutáneas en una simulación clínica de apósitos para estudiantes de enfermería. Se desarrolló en cinco etapas: punto de partida, preguntas iniciales, recuperación del proceso vivido, reflexión de fondo y puntos de llegada. Resultados: se realizaron tres simulaciones clínicas con 28 estudiantes. Para producir la lesión cutánea, se utilizó látex, pasta de maquillaje, almidón de maíz, pintura antialérgica, pinceles, esponja, sangre artificial y algodón, con un coste de R$107,35. En el escenario simulado, había un actor que representaba el papel de un paciente herido tras un accidente de coche. Las simulaciones se desarrollaron en tres etapas: briefing, escena simulada y debriefing. Conclusión: la simulación clínica con moulage es una estrategia para la enseñanza sobre apósitos de lesiones cutáneas y contribuye al proceso de enseñanza-aprendizaje de los estudiantes de enfermería.
Descriptores: Entrenamiento Simulado; Heridas y Lesiones; Educación en Enfermería; Tecnología Educacional; Estudiantes de Enfermería
Introdução
O modelo de ensino tradicional com aulas expositivas vem sofrendo constantes mudanças, principalmente na área da saúde, uma vez que essa estratégia não tem sido capaz de contemplar as demandas e as expectativas dos estudantes diante de um contexto de prática que exige, além do conhecimento científico e domínio das técnicas, o desenvolvimento de habilidades psicoemocionais no gerenciamento de emergências. Assim, as instituições de ensino superior passaram a implementar novas metodologias pedagógicas, visando sanar essas lacunas e aprimorar o conjunto de habilidades e competências, por meio do emprego de uma abordagem que associa a teoria à prática, englobando a utilização de cenários dirigidos e controlados, próximos do real, conhecida como simulação clínica.1
O ensino simulado é um processo que possibilita a participação ativa de alunos, com a criação de um cenário em que acontece a representação de uma cena real. A simulação clínica tem o objetivo de proporcionar experiências que se aproximam da prática profissional, tornando a aprendizagem mais fidedigna, além de ser considerada uma ferramenta de melhoria do ensino, pois favorece a vivência da realidade em um ambiente seguro e controlado. O uso da simulação clínica para a formação em enfermagem e em outras áreas da saúde está relacionado às metodologias ativas que proporcionam desafios a serem superados pelos estudantes, possibilitando que ocupem o lugar de sujeitos ativos na construção do conhecimento, participando ativamente da análise de todo o processo assistencial.2
A simulação clínica na realização de curativos tem sido empregada no ensino de enfermagem e se destaca por aprimorar o aprendizado e desenvolver habilidades baseadas em metodologias ativas, contudo, as lesões de simuladores de média e alta fidelidade não se aproximam da realidade da pele de um paciente.3 Portanto, a técnica moulage denota maior fidedignidade às lesões na pele e constitui-se ferramenta educacional que produz legitimidade e autenticidade à cena, podendo ser utilizada para simular feridas e lesões com a aplicação de produtos de efeito cosmético ou outros materiais, seja em manequins ou pessoas.3
Essa técnica permite, portanto, reproduzir com precisão lesões, tais como contusões, hematomas, feridas e úlceras em manequins e pacientes simulados, bem como imitar sangue, urina, fezes, vômitos, pus, dentre outros. Por meio do uso de materiais e substâncias de baixo custo e fácil aplicação, a moulage aumenta a fidelidade dos cenários, facilitando o engajamento dos aprendizes nas simulações e promovendo habilidades cognitivas e psicomotoras no ambiente de prática.4 Logo, o emprego dessa técnica na simulação de casos clínicos auxilia o estudante a praticar habilidades necessárias para lidar com um cenário real, utilizando a experiência sensorial, da visão, tato e olfato, uma vez que a moulage permite esta manipulação bem próxima da realidade.5
Durante a graduação de enfermagem, os estudantes têm a possibilidade de treinarem a técnica de curativos em manequins de simulação, contudo, existe relato que aponta a dificuldade de manejo de curativos mesmo após o término da graduação, o que reforça a relevância de intensificar seu uso durante a formação acadêmica. Neste sentido, a simulação clínica com feridas em moulage aliada ao debriefing possibilita o desenvolvimento de habilidades e competências que ultrapassam a técnica do curativo em si e capacitam o estudante para a tomada de decisão assertiva frente à assistência de enfermagem real após a graduação.6
Embora seja uma técnica recente e pouco divulgada, a moulage tem sido cada vez mais utilizada nos cursos da área de saúde, especialmente no âmbito da simulação na enfermagem, tornando-se necessário relatar uma experiência sobre o uso desta técnica em uma metodologia ativa de ensino com relevância para a formação dos estudantes. Permite-se, assim, a divulgação desta técnica, ampliando sua aplicabilidade no contexto dos cuidados de enfermagem com lesões tegumentares, uma vez que são escassas as pesquisas sobre a temática.
Assim, este estudo tem como objetivo relatar o uso de moulage na simulação clínica de curativos em lesões tegumentares entre estudantes de enfermagem.
Trata-se de um relato de experiência, desenvolvido de outubro a novembro de 2022, sobre o uso de moulage, a fim de representar lesões em simulação clínica de curativos na graduação em enfermagem. As simulações foram realizadas no Laboratório de Ensino em Enfermagem de uma universidade pública no interior do Estado do Rio de Janeiro e tiveram como público-alvo os estudantes de graduação em enfermagem.
O Laboratório de Ensino em Enfermagem é constituído por três ambientes: o primeiro deles é uma antessala para guarda de pertences pessoais e paramentação; o segundo é o ambiente principal, dotado de três leitos separados por cortinas hospitalares, com manequins de baixa fidelidade e todos os materiais médico-hospitalares necessários aos procedimentos de enfermagem; e o terceiro ambiente é uma sala de comando, separada por um vidro unidirecional, que permite a visualização do ambiente principal do laboratório, o qual foi organizado previamente para que toda a dinâmica da simulação pudesse ocorrer no ambiente principal, e todos os materiais para a realização de curativos foram dispostos de modo que fossem facilmente alcançáveis para uso durante as cenas.
Este relato segue um formato sistematizado que visa à produção do conhecimento desde a experiência a aspectos que apontam para a sua transcendência, onde a importância é recuperar o que foi vivido, reconstruindo o processo histórico para interpretá-lo e obter aprendizagens, tais como os novos conhecimentos gerados. Os relatos de experiência sistematizados contribuem para a identificação das tensões entre os projetos e os processos, identificando e formulando as lições aprendidas a partir da experiência primária. Portanto, torna-se fundamental documentar as experiências e divulgá-las para o registro de dados que podem ser riquíssimos para futuros estudos, contribuindo para a reflexão teórica com conhecimentos surgidos diretamente das experiências.7
Como formas de sistematizar a experiência sobre o uso de moulage em simulação clínica com estudantes de enfermagem, consideraram-se: 1) Ponto de partida; 2) Perguntas iniciais; 3) Recuperação do processo vivido; 4) Reflexão de fundo; e 5) Pontos de chegada.6 O ponto de partida refere-se ao começo de todo o processo de sistematização de uma experiência, a própria concepção da experiência em si, onde somente podem participar desse processo aqueles que fizeram parte dela, sendo os protagonistas do relato. Na sequência, para definir um objetivo de sistematização, tem-se a formulação de questões iniciais que irão direcionar e nortear as reflexões e a produção do conhecimento a partir dos aspectos centrais mais interessantes para o relato da experiência.
A recuperação do processo vivido trata-se de reconstruir a história da experiência de maneira cronológica, relatando feitos e situações que vão aparecendo e foram vividos pelos protagonistas de forma intensa, com os detalhes em forma narrativa, sem comentários interpretativos ou explicações dos eventos ocorridos. A reflexão de fundo se propõe, por meio do processo de análise e síntese, construir interpretações críticas sobre o que foi vivido, desde a riqueza da própria experiência, permitindo desvelar e explicitar aprendizagens mais profundas, localizando tensões e contradições principais que marcaram componentes distintos do processo da experiência e suas relações. Os pontos de chegada se referem às conclusões e comunicações de aprendizagem orientadas pela transformação da prática, devendo ser claras e concisas, abrangendo aspectos teóricos e práticos, expressando de forma concreta as afirmações resultantes da sistematização, as principais respostas às perguntas formuladas e as recomendações que surgem para a produção de mudanças na prática futura.7
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, sob o Parecer nº 4.740.757. Todos os aspectos éticos foram contemplados segundo a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
O ponto de partida para este relato se deu a partir da realização de simulações clínicas sobre a realização de curativos, cujo cenário simulado utilizou atores e a técnica de moulage na lesão simulada. Diante da surpresa expressada pelos estudantes de enfermagem que participaram das simulações, considerou-se relatar esta experiência, que pode contribuir para a ampliação do uso da referida técnica no ensino da enfermagem, uma vez que as simulações realizadas ocorreram no âmbito da pesquisa científica, onde os estudantes constituíram a amostra de participantes e consentiram sua participação.
Em seguida, elencaram-se as seguintes perguntas iniciais para nortear este relato: O uso de moulage é considerado uma estratégia relevante para o ensino de curativos em lesões tegumentares na graduação de enfermagem? O uso desta tecnologia por meio de uma metodologia ativa como a simulação clínica pode favorecer o processo de ensino-aprendizagem de estudantes de enfermagem?
Na recuperação do processo vivido, reconstruiu-se a história vivida pelos estudantes de enfermagem, que consistiu na participação em simulações clínicas para a realização de curativos. As simulações ocorreram em três etapas, sendo o briefing com duração média de 10 minutos; a cena simulada com duração média de 11 minutos; e o debriefing com duração média de 25 minutos.8
Foram realizadas três simulações clínicas para a realização de curativos, utilizando a mesma lesão simulada elaborada pela equipe do estudo com uso da técnica moulage, com a participação de 28 estudantes de enfermagem no total. Em cada cena simulada, participaram ativamente dois estudantes de enfermagem e os demais estudantes do grupo permaneceram observando a cena em silêncio e sem interação. No momento do briefing, foram apresentados os objetivos do cenário e descritas as etapas da pesquisa aos estudantes de enfermagem, que foram convidados a escolher um codinome para ser utilizado posteriormente no debriefing após a simulação.
Os objetivos das cenas simuladas sobre a realização de curativo foram relacionados às habilidades técnicas e não técnicas. Dessa forma, objetivaram-se o atendimento à técnica adequada de realização de curativos, a manipulação correta dos materiais e o desenvolvimento das habilidades para lidar com feridas em situações emergenciais. Para tanto, neste estudo, esperava-se o desenvolvimento das seguintes habilidades e competências: reconhecimento do ambiente, planejamento e organização de recursos, trabalho em equipe, designação de liderança, comunicação assertiva entre a equipe e o paciente, tomada de decisão ágil e intervenções assertivas, reconhecimento de suas próprias limitações, avaliação do nível de consciência do paciente, avaliação da lesão quanto às suas características (relação ao tipo de lesão, profundidade e tecidos atingidos), planejamento do cuidado e realização do curativo, aplicando a cobertura correta, conforme as boas práticas (utilizando técnicas assépticas). As cenas simuladas foram planejadas e conduzidas com um ator simulando o paciente, um ator simulando o acompanhante do paciente e o uso da técnica moulage para a simulação da lesão (Figura 1).
Figura 1 – Lesão tegumentar simulada com o uso da técnica moulage para simulações clínicas com atores, Rio de Janeiro, 2023
A lesão tegumentar em moulage foi produzida por uma acadêmica de enfermagem, que utilizou os seguintes materiais: látex, massinha de maquiagem, amido de milho, tinta antialérgica, pincéis, esponja, sangue artificial e algodão. Embora tenha sido produzida uma única lesão, o material comprado permite que sejam elaboradas muitas lesões que podem ser reutilizadas. O custo total foi de R$ 107,35, sendo a massinha de maquiagem o item de maior valor, o qual custou R$31,50.
As simulações eram postas em prática da seguinte maneira: após um sinal sonoro indicando o início da cena, um paciente ator adentrava no Laboratório de Ensino em Enfermagem, sendo carregado por um acompanhante ator que relatava um acidente automobilístico em via pública. Assim que o paciente era acomodado, o acompanhante se retirava de cena. O paciente encontrava-se lúcido, responsivo, angustiado, com queixa álgica e uma lesão em membro inferior esquerdo.
Durante as cenas simuladas, foi possível identificar a dificuldade dos estudantes de enfermagem em distinguir se o que havia ocorrido era real ou cena simulada, considerando o realismo da lesão e a interpretação dos atores. Por exemplo, em uma das cenas realizadas, os estudantes esperavam que houvesse ajuda externa do pesquisador (na figura do profissional enfermeiro formado) e demoravam a entender que era a simulação prevista, retardando o início dos cuidados a serem realizados com o paciente ator. As cenas foram encerradas sempre que se cumpriam os objetivos propostos ou se fosse observada uma elevação do nível de estresse entre os estudantes que estavam participando.
Após a realização da simulação, todos os estudantes do grupo eram conduzidos ao debriefing. Nesta etapa, notou-se certa agitação e incredulidade dos estudantes de enfermagem que participaram da simulação. Observou-se ainda que as expressões faciais, como bocas abertas, mãos cobrindo as bocas e olhos arregalados, revelavam surpresa pela cena que acabara de ocorrer. Passados alguns minutos para que os estudantes de enfermagem assimilassem o ocorrido, foi possível perceber expressões de alívio e momentos de descontração, com risadas claramente indicativas do relaxamento da tensão previamente vivenciada. Tais percepções ocorreram em todas as cenas simuladas que foram realizadas.
Como reflexões de fundo acerca da experiência vivida, destaca-se a produção da moulage como uma técnica simples, que permite a simulação de lesões fiéis à realidade, proporcionando experiências próximas a um cenário real da prática de enfermagem em ambiente simulado. Neste sentido, o uso de moulage para simulações clínicas, especialmente aquelas que também são realizadas com atores, constitui-se em relevante recurso para o processo de ensino-aprendizagem acerca das lesões tegumentares.
A técnica moulage demonstrou ser uma estratégia de baixo custo para desenvolver lesões tegumentares, que será utilizada no processo de ensino-aprendizagem na graduação em enfermagem. Ademais, a mesma “lesão” pode ser reutilizada em outros cenários de simulações clínicas. Sendo uma abordagem que demanda baixo investimento, é possível desenvolver grande variedade no catálogo de peças a serem usadas.
A lesão elaborada com a técnica moulage foi bem próxima à realidade de uma lesão tegumentar cortante, ou seja, mesmo sendo em um ambiente simulado utilizando técnicas de moulage e materiais de baixo custo, as simulações contam com uma alta fidelidade em relação às lesões reais.
Com o uso de um ator que assume o papel de paciente com lesão cortante elaborada com a técnica moulage, o ambiente simulado despertou nos alunos um sentimento de tensão ao serem expostos à simulação, em virtude da necessidade de terem habilidades que precisam ser aprimoradas para a prática, pois a cena de simulação de fato parecia muito real, dificultando a distinção do aluno entre o que era o início da cena da simulação e o que era a realidade.
Pelo fato de ser bem próxima da realidade, a cena simulada prepara o aluno para lidar emocionalmente em relação a pequenas ocorrências do dia a dia de um enfermeiro, aprimora as habilidades e atitudes assertivas diante das situações emergenciais e contribui para o ensino-aprendizagem, pois exige desenvolvimento técnico em relação às atividades práticas.
Cabe ressaltar que o ator utilizado na cena proporcionou, por meio da dramatização, grande impacto para os alunos participantes do estudo. Por não se tratar de um manequim, observou-se que os acadêmicos enfrentaram sensações de desconforto e ansiedade diante da realidade da cena, apresentando, inicialmente, dificuldade em compreender que se tratava, de fato, de uma ação fictícia, apesar de terem tido prévia explicação de que iriam participar de uma simulação para a realização de curativos, além de ouvirem um sinal sonoro que indicava o início da cena simulada.
Para o ponto de chegada, pode-se entender que o resultado do uso de uma única lesão com a técnica de moulage com atores em três simulações clínicas para a realização de curativos, conduzidas com 28 estudantes de enfermagem, apresentou um efeito positivo que aponta a necessidade tanto de mudança nos métodos utilizados para o ensino de curativos em lesões tegumentares na enfermagem como de implementação dessa técnica em simulações, para trabalhar não somente os aspectos técnico-científicos, mas, sobretudo, os aspectos relacionados ao domínio das emoções em situações emergenciais entre os estudantes. Ademais, o uso de moulage foi considerado como uma estratégia relevante, de baixo custo e sustentável para o ensino curativos de lesões tegumentares, podendo favorecer o processo de ensino-aprendizagem na graduação de enfermagem.
Dentre os objetivos das cenas simuladas sobre a realização de curativo relacionados às habilidades técnicas e não técnicas, compreende-se que foram alcançados plenamente: trabalho em equipe, designação de liderança, comunicação assertiva entre a equipe e o paciente, planejamento do cuidado e realização do curativo, aplicando a cobertura correta. Parcialmente, foram alcançados: reconhecimento do ambiente, planejamento e organização de recursos, intervenções assertivas, avaliação da lesão quanto às suas características (relação ao tipo de lesão, profundidade e tecidos atingidos) e aplicação de técnicas assépticas. Verificou-se que não foram contempladas nas cenas: tomada de decisão ágil, reconhecimento de suas próprias limitações e avaliação do nível de consciência do paciente; mas, no debriefing, essas questões foram exploradas, favorecendo a reflexão crítica sobre a experiência vivida.
Este relato de experiência traz a moulage como uma estratégia relevante para o ensino de curativos de lesões tegumentares entre estudantes de enfermagem durante a simulação clínica, favorecendo o processo de ensino-aprendizagem, especialmente quando aliada à simulação com atores. O arcabouço de publicações sobre o cenário de simulação clínica para o desenvolvimento de atividades da educação superior revela a importância dessa ferramenta como boa alternativa para a formação, por propiciar segurança, evitar erros e, também, solidificar a aprendizagem dos futuros trabalhadores de saúde.9
Nessa perspectiva, o uso da simulação clínica aliada às lesões tegumentares simuladas corrobora com a aplicação de tendências pedagógicas atuais da educação baseada em metodologias ativas, com foco na inovação e na análise crítica e reflexiva, buscando promover distintas competências e habilidades preconizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, especialmente as relacionadas à atenção à saúde, à tomada de decisões, à comunicação e à liderança, na articulação essencial entre teoria e prática.10 Assim, a construção da cena simulada com um ator, somada à moulage, despertou nos participantes um interesse diante dos acontecimentos, assim como evidenciou a necessidade de pensamento crítico sobre os cuidados práticos necessários na situação dramatizada.11
De forma similar ao que foi documentado em um estudo sobre a percepção de estudantes de enfermagem no desenvolvimento das habilidades e competências na simulação realística, os pontos de chegada relatados no presente estudo, mesmo que de forma parcial, permitiram identificar que a simulação é uma preparação para a prática clínica, contribui na articulação entre teoria e prática e estimula o pensamento crítico na tomada de decisões gerenciais e assistenciais, bem como o trabalho em equipe. Ademais, favorece aprimoramento técnico, preparo psicológico e desenvolvimento de habilidades de comunicação, que foram fundamentais na cena simulada referente aos curativos em lesões tegumentares.12
A construção do cenário de simulação clínica envolveu a lesão produzida com a técnica moulage que se apresentou como um recurso de baixo custo e sustentável, uma vez que é possível utilizar a mesma lesão em múltiplas simulações, contudo a elaboração requer conhecimento específico acerca das lesões tegumentares. Ressalta-se que é necessário ter domínio das características tissulares e de cada tipo de lesão para o desenvolvimento, sendo assim, o aluno que atua na criação das peças tem a oportunidade de aperfeiçoar e aprofundar seu conhecimento científico, tendo em vista a elaboração de peças cada vez mais fidedignas com realidade encontrada na prática profissional.13
Embora a simulação de baixo custo seja altamente desejável, só pode ser bem-sucedida se for realística o suficiente para permitir que o aluno seja imerso no ambiente. As simulações de alta fidelidade estão associadas a uma quantidade menor de intervenções por parte do facilitador durante a simulação, onde houve uma redução da tensão mental experimentada pelos participantes.14 Neste sentido, a técnica de moulage para confecção de lesões tegumentares, aliada a atores na simulação realística, é relevante para o ensino na enfermagem, em virtude de sua dinâmica interativa, e mostrou-se como uma metodologia promissora no processo de ensino-aprendizagem.
O momento de simulação envolve tomadas de decisões, erros, acertos, questionamentos, experiências sensoriais, experiências emocionais, entre outros, permitindo ao aluno um aprimoramento em relação ao seu domínio psicoemocional, que será de importante para lidar com as situações relacionadas à prática e, também, para seu futuro como profissional da saúde. O estresse e a ansiedade estão presentes na vida do ser humano, principalmente na vida acadêmica, quando o estudante é questionado pelo professor, durante processos avaliativos ou em relação ao desempenho, estágios e práticas clínicas. Desse modo, cabe ao aluno modular esses sentimentos e modificar as respostas de maneira que a interpretação diante do estresse possa contribuir no processo de aprendizagem.15
Apesar do briefing anterior à simulação e do sinal sonoro, estar diante de uma cena tão real confundiu os estudantes, fato que também foi encontrado em um estudo que usou atores na simulação realística.16 Um relato de experiência17 discute sobre a aplicação da simulação realística como metodologia de ensino e aprendizagem na enfermagem, apontando o nervosismo, a insegurança, a surpresa e a ansiedade dos alunos pela utilização do ator padronizado no debriefing realizado ao final de cada cenário. De acordo com o mesmo estudo, as simulações com atores tornam a simulação ainda mais realística pelas expressões corporais, falas e movimentações.
O processo de formação do acadêmico de enfermagem requer a superação de desafios, os quais geram ansiedade, estresse e insegurança, principalmente durante experiências simuladas, o que a literatura reconhece como dificuldades e lacunas nesse processo, que podem ser minimizadas diante de um feedback, etapa essencial no aperfeiçoamento das habilidades e competências do estudante, diante da reflexão a respeito da experiência simulada.12 Assim, o debriefing permite auxiliar o aluno na experiência clínica simulada de forma que possibilite o desenvolvimento do raciocínio durante a aprendizagem e reduza o estresse e a ansiedade em futuros cenários de práticas, especialmente nos relacionados à emergência. Segundo um estudo,18 que buscou investigar a ansiedade durante cenários de emergência em simulação de alta fidelidade, foi demonstrado que o desempenho pode ter sido melhor nos alunos que possuíam experiência prévia com pacientes graves.
As experiências vivenciadas podem contribuir para identificar as nuances do comportamento e reações a partir da execução dos cuidados de enfermagem comuns à prática da profissão. A técnica de moulage na produção de lesões tegumentares, que se assemelham a uma lesão real, combinada com o uso de ator simulado, permitiu o desenvolvimento do pensamento crítico e de habilidades técnicas que estão sendo solidificadas na graduação, para realizar o cuidado necessário, superando inclusive os desafios psicoemocionais.
Mediante a experiência relatada, foi possível perceber o uso de moulage como uma estratégia relevante para o ensino de curativos em lesões tegumentares na graduação de enfermagem, além de identificar como contributivo o uso desta tecnologia, por meio de uma metodologia ativa, como a simulação clínica, para o processo de ensino-aprendizagem de estudantes de enfermagem, especialmente quando combinados o uso da técnica moulage e atores, o que torna a cena mais fiel à realidade. Notou-se que a simulação fornece ao estudante uma oportunidade de vivenciar experiências práticas, possibilitando o desenvolvimento de habilidades, raciocínio lógico, pensamento crítico e domínio psicoemocional.
Assim, a combinação da moulage e dos atores simulados se aproximou tanto de uma cena real que gerou no aluno uma incredulidade em relação ao cenário, isto é, se era realmente uma simulação ou uma situação real. Aliado a esse aspecto, a interação por meio das falas, expressões corporais e movimentações tornou a cena fiel à realidade, alterando a percepção e a emoção do estudante, exigindo a tomada de decisões, habilidades técnicas e comportamentais.
Neste sentido, quanto mais o cenário se aproxima da prática da profissão, melhor será a percepção dos estudantes quanto à necessidade do domínio psicoemocional para a realização do cuidado de enfermagem, especialmente no contexto das emergências, podendo constituir-se em um aspecto relevante no ensino da avaliação de lesões tegumentares e realização de curativos na graduação em enfermagem.
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18. Al-Ghareeb A, McKenna L, Cooper S. The influence of anxiety on student nurse performance in a simulated clinical setting: a mixed methods design. Int J Nurs Stud. 2019;98:57-66. doi: 10.1016/j.ijnurstu.2019.06.006
Fomento: Declaro que este estudo é um produto de projeto de pesquisa contemplado em edital de Fomento de Pesquisa da Universidade Federal Fluminense no ano de 2021. Edital Fopesq 2020, referente ao projeto Tecnologias educacionais no ensino simulado da enfermagem no período pós-pandêmico: aplicação e avaliação.
Contribuições de autoria
1 – Belisa Maria Santos da Silva
Autor Correspondente
Graduanda em Enfermagem – belisasantos@id.uff.br
Concepção e desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
2 – Larissa Nunes Dutra
Graduanda em Enfermagem – larissadutra@id.uff.br
Concepção e desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
Graduando em Enfermagem – diaslucas@id.uff.br
Concepção e desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
4 – Maithê de Carvalho e Lemos Goulart
Enfermeira, Doutora maithegoulart@id.uff.br
Concepção e desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
5 – Fernanda Garcia Bezerra Góes
Enfermeira, Doutora – ferbezerra@gmail.com
Desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
6 – Fernanda Maria Vieira Pereira Ávila
Enfermeira, Doutora – fernandamvp@id.uff.br
Desenvolvimento da pesquisa, e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora Associada: Eliane Tatsch Neves
Como citar este artigo
Silva BMS, Dutra LN, Dias LO, Goulart MCL, Goés FGB, Ávila FMVP. Use of moulage in the clinical simulation of dressings among nursing students: an experience report. Rev. Enferm. UFSM. 2024 [Access at: Year Month Day]; vol.14, e8:1-16. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284878