Rev. Enferm. UFSM, v.13, e56, p.1-20, 2023
Submissão: 17/08/2023 • Aprovação: 01/12/2023 • Publicação: 20/12/2023
Artigo original
Conhecimento e práticas de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis entre homens jovens universitários*
Knowledge and practices of sexually transmitted infection prevention among young male university students
Conocimientos y prácticas para prevenir Infecciones de Transmisión Sexual entre jóvenes universitarios
Vinícius Rodrigues Fernandes da FonteI
Luciana Ramos Bernardes dos SantosI
Leonardo Michel Corrêa de BarrosI
I Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
* Extraído da dissertação “Práticas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis entre homens jovens universitários”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2022.
Objetivo: identificar o conhecimento e as práticas de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis (IST) entre homens jovens universitários. Método: estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa, realizado em uma universidade pública. Participaram 20 universitários do sexo masculino, na faixa etária de 18 a 29 anos e sexualmente ativos. Realizou-se a coleta de dados por meio de um roteiro semiestruturado e os dados foram analisados pela técnica de análise de conteúdo temático-categorial. Resultados: apesar de os participantes reconhecerem que as IST são transmitidas pela prática do sexo desprotegido, a imprevisibilidade das práticas sexuais, a confiança na parceria sexual em relacionamentos estáveis e o consumo de bebidas alcoólicas são fatores que favorecem o não uso de preservativos. Testes diagnósticos e antirretrovirais são adotados em substituição ao uso de preservativos. Conclusão: o grupo populacional se expõe a riscos e carece de ações de educação em saúde e acesso a serviços de prevenção de doenças.
Descritores: Conhecimento; Adulto Jovem; Saúde do Homem; Infecções Sexualmente Transmissíveis; Universidades
Abstract
Objective: to identify the knowledge and prevention practices regarding sexually transmitted infections (STIs) among young male university students. Method: a qualitative nature descriptive-exploratory study, conducted at a public university. 20 sexually active male university students between 18 and 29 years old participated in the study. Data collection was conducted using a semi-structured script, and the data were analyzed using the thematic-categorical content analysis technique. Results: despite participants recognizing that sexually transmitted infections (STIs) are transmitted through unprotected sex, factors such as unpredictability of sexual practices, trust in sexual partners in stable relationships, and alcohol consumption favor the non-use of condoms. Diagnostic tests and antiretroviral medications are adopted as substitutes for condoms use. Conclusion: the population group exposes itself to risks and lacks health education initiatives and access to disease prevention services.
Descriptors: Knowledge; Young Adult; Men's Health; Sexually Transmitted Diseases; Universities
Resumen
Objetivo: identificar conocimientos y prácticas para prevenir infecciones de transmisión sexual (ITS) entre jóvenes universitarios. Método: estudio descriptivo-exploratorio, de carácter cualitativo, realizado en una universidad pública. Participaron veinte estudiantes universitarios varones, con edades entre 18 y 29 años y sexualmente activos. La recolección de datos se realizó mediante un guion semiestructurado y los datos se analizaron mediante la técnica de análisis de contenido temático-categórico. Resultados: aunque los participantes reconocen que las ITS se transmiten a través de relaciones sexuales sin protección, la imprevisibilidad de las prácticas sexuales, la confianza en las parejas sexuales, en relaciones estables y el consumo de bebidas alcohólicas son factores que favorecen el no uso del condón. Se adoptan pruebas diagnósticas y antirretrovirales en sustitución del uso de preservativos. Conclusión: el grupo poblacional está expuesto a riesgos y requiere acciones de educación en salud y acceso a servicios de prevención de enfermedades.
Descriptores: Conocimiento; Adulto Joven; Salud del Hombre; Enfermedades de Transmisión Sexual; Universidades
Este estudo tem como objeto as práticas de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) de homens universitários. As IST podem ser definidas como infecções transmitidas, principalmente, por via sexual, por bactérias, vírus e outros microrganismos e também por transfusão sanguínea e transmissão vertical, quando ocorre na gestação, parto ou amamentação, caso a mãe esteja infectada.
Essas infecções são um problema de saúde pública de ordem mundial. Se não forem tratadas, podem levar a efeitos graves e crônicos à saúde, entre os quais doenças neurológicas e cardiovasculares, infertilidade, gravidez ectópica, natimortos e aumento do risco de vírus da imunodeficiência humana (HIV). Essas infecções também estão associadas a níveis significativos de estigma e violência doméstica.1 Estima-se que por dia ocorra mais de um milhão de novos casos de IST curáveis, na população entre 15 e 49 anos, isso equivale a 376 milhões de casos por ano de sífilis, clamídia, tricomoníase e gonorreia.2
No que tange a grupos populacionais, adolescentes e jovens adultos totalizam 25% da população sexualmente ativa, contudo representam 50% dos registros de novas infecções por IST.3 Dados evidenciam que os jovens possuem conhecimento limitado sobre IST, baixa percepção de risco quanto à possibilidade de infecção, uso inconsistente do preservativo externo e quase inexistente do interno.2,4 Mesmo no ambiente universitário, onde é esperado um melhor acesso à informação em relação às IST e, consequentemente, um cuidado maior em relação à saúde sexual, estudos reforçam que jovens não têm recebido educação sexual completa e precisa em suas escolas ou lares, sendo observados comportamentos que os expõem a riscos.5-6 Além disso, o acesso desses jovens aos serviços de saúde fica limitado, em função da rotina de estudos, que pode ser em turno integral ou associado a jornadas de trabalho/estágio, e de aspectos psicocomportamentais dessa fase.7
A juventude é caracterizada por aspectos psicocomportamentais marcantes, que podem variar de indivíduo para indivíduo, mas no geral são comuns a essa fase da vida. Tais características favorecem práticas sexuais de risco para IST, pois se trata de uma fase de construção da identidade, de autodescoberta, curiosidades e experimentações, por exemplo de álcool e outras drogas. Ocorre também a busca por independência, liberdade e autonomia para tomar suas próprias decisões e exercer controle sobre suas vidas. Observa-se ainda nessa fase uma ampla gama de sentimentos, de intensidade emocional, como euforia, paixão, entusiasmo, mas também de ansiedade, tristeza e confusão. É comum os jovens possuírem a sensação de invulnerabilidade e subestimação de riscos e sofrerem influência dos pares, buscando aceitação e aprovação social dos grupos nos quais estão inseridos, inclusive no que tange a comportamentos considerados arriscados.7-8
Para além dos aspectos psicocomportamentais inerentes à juventude, as relações sociais de gênero também estão associadas às vulnerabilidades de homens no que concerne ao enfretamento das IST, seja no acesso ao conhecimento, seja nas práticas de prevenção. Em algumas culturas, pressões sociais estimulam os homens a pensar que são fortes e invulneráveis e, por isso, tendem a não se reconhecerem fracos ou doentes. Barreiras práticas e financeiras também são apontadas como dificultadores do acesso dos homens aos serviços de saúde, já que costumam deixar o cuidado em segundo plano pela falta de tempo em decorrência das responsabilidades profissionais ou familiares. Assim, a negligência do cuidado com a saúde básica na fase da juventude entre os homens está associada à morbimortalidade e ao aparecimento de doenças crônicas em outras fases da vida.6,9
Os aspectos sociais e psicocomportamentais fazem com que os jovens universitários do sexo masculino sejam um grupo prioritário para as ações de enfrentamento das IST. Há um consenso de que o conhecimento desse contingente populacional seja insuficiente sobre a temática. O conhecimento inadequado coloca os jovens em risco de contrair IST, por isso as atividades de educação em saúde são imprescindíveis no ambiente universitário.10-11 Nesse contexto, estudos enfatizam que a oferta constante dessas atividades no ambiente universitário melhora o conhecimento dos estudantes sobre as IST e as práticas de prevenção.12-13
No Brasil, o modelo de prevenção adotado é o da prevenção combinada, que visa informar e educar de modo a promover a autonomia de indivíduos na escolha de métodos de prevenção mais apropriados às suas circunstâncias e condições de vida para uma prática sexual segura. O uso da palavra “combinada” sugere que não existe um único método de prevenção, mas uma variedade, e a pessoa pode escolher entre os métodos e combiná-los de acordo com seu desejo, sem necessidade de excluir ou substituir.14 Apesar de o termo sexo seguro ser, geralmente, associado ao uso do preservativo, de modo contínuo, em todas as práticas sexuais, seu uso possui limitações. Assim, outras medidas de prevenção são importantes e complementares para uma prática sexual mais segura.1 Organizações comunitárias e especialistas em saúde pública consideram que apenas o uso de preservativos não é suficiente para controlar a incidência do HIV.15
Diante desse contexto, objetivou-se identificar o conhecimento e as práticas de prevenção às IST entre homens jovens universitários.
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa, realizado em uma instituição de ensino superior pública, localizada no município do Rio de Janeiro, Brasil. A escolha da instituição levou em consideração a oferta de cursos em todas as áreas do conhecimento, em um mesmo campus, e o funcionamento nos três turnos, matutino, vespertino e noturno.
Participaram 20 jovens estudantes universitários do sexo masculino, na faixa etária de 18 a 29 anos e que eram sexualmente ativos. Para a definição de jovens, utilizou-se o referencial do Estatuto da Juventude do Brasil, que considera jovem a população na faixa etária de 15 a 29 anos.16 Nesta investigação, os menores de 18 anos, devido à necessidade ética e legal de consentimento dos responsáveis para participação em pesquisa envolvendo seres humanos, não foram incluídos. Para reduzir o viés de pesquisa, em razão dos aspectos biopsicossociais que atravessam a construção da masculinidade, participaram apenas as pessoas cisgênero, ou seja, o indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu. Adotou-se como critério de exclusão não estar matriculado na instituição cenário desta pesquisa.
A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2021, durante um período marcado pela pandemia da covid-19. Nesse contexto pandêmico, as práticas de ensino e de convívio se modificaram em razão do necessário distanciamento social. O ambiente universitário, então, adotou as plataformas de ensino on-line, ferramenta também escolhida nesta investigação, que empregou o Google Meet® para a realização de videochamadas e a amostragem por conveniência, com utilização da técnica de Snowball (“Bola de Neve”). Essa técnica é constituída com a presença de indivíduos nomeados como sementes e esses localizam algumas pessoas com o perfil necessário para a pesquisa. As sementes ajudam o pesquisador a iniciar seus contatos, e o primeiro indivíduo selecionado indica outros da sua rede social para participarem, e assim sucessivamente. O primeiro participante foi escolhido de modo intencional, sendo um aluno do curso de graduação em enfermagem pertencente ao diretório central dos estudantes. Tal aluno possibilitava a aproximação dos pesquisadores com os participantes durante a pandemia da covid-19, época em que o ensino presencial foi substituído pelo ensino remoto.
A coleta de dados foi realizada por dois enfermeiros do gênero masculino, discentes da pós-graduação stricto sensu, mediante a aplicação de dois instrumentos, o tempo médio de coleta foi de 50 minutos. O primeiro foi um questionário, com 30 questões para levantar as características sociodemográficas dos participantes, além daquelas relacionadas a conhecimento e práticas de prevenção de IST. O segundo foi um roteiro de entrevista semiestruturado.
O roteiro foi organizado em blocos temáticos. Assim, foi estimulado o diálogo com o respondente acerca das práticas sexuais, conhecimento sobre às IST e formas de prevenção, tendo sido priorizadas nesse recorte as informações referentes a relacionamentos afetivos; práticas sexuais; conhecimento sobre às IST e formas de transmissão; práticas de prevenção; emprego de práticas de prevenção e o uso do preservativo. Foram obedecidas as regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, até a saturação das informações, para a finalização das entrevistas.17 Para garantir a privacidade e o sigilo, os participantes foram instruídos a realizar a entrevista em um local que lhes fosse confortável, privativo e com uma boa conexão com a internet, de modo a não inviabilizar a manutenção do contato. Solicitou-se autorização para gravação da entrevista por um aparelho de áudio, com o que todos os participantes concordaram. Os entrevistados foram identificados com a letra “E”, da palavra “entrevistado”, sucedida pelo algarismo arábico correspondente à ordem das entrevistas (1, 2, 3, etc.).
Os questionários foram digitados no programa Microsoft Excel 2003, inicialmente formando um banco de dados, para posterior realização das análises descritivas. Os dados das entrevistas foram analisados com o emprego da técnica de análise de conteúdo temático-categorial.17
Assevera-se que todos os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, constantes na Resolução nº 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Parecer n. 3.316.944, em 9 de maio de 2019.
Conforme evidenciado na Tabela 1, o perfil social dos participantes desta pesquisa é caracterizado pela predominância de jovens adultos, com idades entre 25 e 29 anos, negros, em relacionamento estável, residem com os pais e não têm religião, apesar de acreditarem em Deus. Um dos participantes possui companheiro(a) e reside com o(a) mesmo(a) e os sogros, seus familiares.
Tabela 1 – Perfil social de homens jovens universitários de uma instituição de ensino pública. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022. (n = 20)
Perfil social |
f |
% |
Faixa etária |
|
|
27 a 29 anos |
9 |
45 |
24 a 26 anos |
6 |
30 |
20 a 23 anos |
5 |
25 |
Cor da Pele |
|
|
Preta ou Parda |
15 |
75 |
Branca |
4 |
20 |
Amarela |
1 |
5 |
Status de relacionamento |
|
|
Possuem companheiro(a) |
14 |
70 |
Não possuem namorado(a) ou companheiro(a) fixo(a) |
6 |
30 |
Moradia / com quem reside |
|
|
Pais e/ou familiares |
10 |
50 |
Companheiro(a) |
6 |
30 |
Companheiro(a) e familiares |
1 |
5 |
Sozinho |
3 |
15 |
Religião |
|
|
Acreditam em Deus, mas não seguem nenhuma religião |
8 |
40 |
Evangélica/Protestante |
4 |
20 |
Católica |
3 |
15 |
Umbanda |
2 |
10 |
Candomblé |
2 |
10 |
Espírita/Kardecista |
1 |
5 |
A Tabela 2 demonstra o perfil dos aspectos sexuais dos participantes. A maioria possui orientação homossexual, a idade da primeira relação sexual ocorreu entre 16 e 20 anos, contudo apenas dez estudantes usaram preservativo. Nas práticas sexuais dos últimos 12 meses, a maioria informou usar sempre o preservativo.
Tabela 2 - Perfil Sexual dos Participantes. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022. (n = 20)
Perfil Sexual dos Participantes |
f |
% |
Orientação sexual |
|
|
Homossexuais |
10 |
50 |
Heterossexuais |
8 |
40 |
Bissexuais |
2 |
10 |
Idade da primeira relação sexual |
|
|
16 a 20 anos |
18 |
90 |
10 a 15 anos |
1 |
5 |
21 a 25 anos |
1 |
5 |
Uso do preservativo durante a primeira relação sexual |
|
|
Sim |
10 |
50 |
Não |
10 |
50 |
Utilização do preservativo nas relações sexuais |
|
|
Utiliza preservativo em todas as relações sexuais |
14 |
70 |
Não utiliza preservativo nas relações sexuais |
5 |
25 |
Utiliza preservativo somente no início do relacionamento |
1 |
5 |
Descontinuidade no uso do preservativo |
|
|
Utiliza sempre |
10 |
50 |
Não utiliza |
7 |
35 |
Não utiliza nos relacionamentos fixos após testes rápidos de IST* |
2 |
10 |
Não utiliza nos relacionamentos com parceiros fixos |
1 |
5 |
Nota: *infecções sexualmente transmissíveis.
No que tange à análise das entrevistas, o Quadro 1 evidencia que o corpus resultou em 386 unidades de registro (UR) que foram agrupadas em três categorias.
Quadro 1 – Categorias que emergiram no processo de análise das entrevistas
Categoria |
Descrição |
UR* |
% |
Categoria 1 |
O conhecimento dos homens universitários sobre as infecções sexualmente transmissíveis |
69 |
17,9 |
Categoria 2 |
Vulnerabilidade dos homens universitários às infecções sexualmente transmissíveis |
185 |
48 |
Categoria 3 |
Práticas de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis |
132 |
34,1 |
Total |
386 |
100 |
Nota: *unidades de registro.
O conhecimento dos homens universitários sobre as infeções sexualmente transmissíveis
A categoria apresenta o conhecimento acerca das IST e concentra 69 UR e 17,9% do corpus investigado. Entre os estudantes entrevistados, 18 relataram que as IST são infecções que se adquirem por meio de uma relação sexual.
Eu acho que é uma doença que você acaba se infectando através da atividade sexual. (E10)
São doenças que são transmitidas através do ato sexual, como: o sexo oral, [...] anal, sexo com penetração. (E1)
São doenças que ocorrem através do contato direto sem o uso do preservativo no ato sexual. (E5)
Com relação aos agentes infecciosos que ocasionam as IST, que podem ser vírus, bactérias, fungos e outros microrganismos, os participantes mencionam:
Eu entendo que há o vírus que ele [...] está espalhado no mundo, ao nosso redor e qualquer um pode [...] ter contato e o contágio. (E2)
O agente infeccioso, o agente que causa patologia, pode ser vírus, bactéria, fungo, microrganismos. (E18)
No que concerne à transmissão das IST, foi apontado que as relações sexuais não são a única via de contágio e que as infecções são também transmitidas por meio de beijo, transfusão de sangue, fluídos corporais e pela má higienização genital, como nos recortes:
A maioria é transmitida na hora do sexo sem proteção, que é sem a camisinha, e tem algumas que [...] são transmitidas pelo contato com fluidos corporais. (E8)
Acredito que você se infecta com uma doença sexualmente transmissível através do sexo oral. Se uma das pessoas [...] tem uma ferida na boca, uma inflamação na glande do pênis, aumenta a probabilidade de infecção e transmissão. (E10)
Uma pessoa que tenha um vírus pode transmitir por um beijo, se tiver uma ferida na boca. Ou através de uma relação [sexual]. (E7)
Entre os participantes desta pesquisa, apenas um comentou que as IST são também infecções de transmissão vertical:
Tem aquelas que são congênitas [...] foi adquirida através do sexo, mas passou para outra pessoa de forma congênita, [...] da mãe para o filho, [...] vertical. (E13)
Vulnerabilidade dos homens universitários às infecções sexualmente transmissíveis
Esta categoria apresenta a vulnerabilidade dos homens jovens universitários às IST em decorrência de diversos fatores, como os relacionamentos afetivos e o uso de álcool antes da relação sexual, e representa 48% do corpus investigado, com 185 UR. Nos relatos dos estudantes, percebe-se que os relacionamentos afetivos são um fator preponderante em suas vidas e que podem influenciar a adoção de comportamentos de risco pelo grupo.
Para nós [pessoas com orientação homossexual], é muito difícil. Tem muita gente, principalmente pelo medo familiar, de entrar no motel com uma pessoa do mesmo sexo, nem todo mundo tem carro. Tem essa questão do lugar onde fazer sexo, nem todo mundo tem uma condição financeira para motel, por isso que muitas vezes tem relações no mato, em vários lugares. As pessoas [...] dizem que é fetiche, mas não é. Muitas vezes é porque não tem onde fazer. (E14)
Nos relacionamentos afetivos, vai depender da confiança [estabelecida entre os parceiros], do histórico que a gente tem, de vivência. Confia e não precisa usar [preservativo]. Agora, se for alguém novo e desconheço o histórico da pessoa, então é melhor usar. (E 11)
Uma vez, quando eu tive relação com uma pessoa desconhecida, me deixou preocupado [...], mas, como não existia um vínculo afetivo mais forte e eu sabia que era só uma noite, eu não confiava nessa pessoa. No início do meu relacionamento afetivo [como não confiava na pessoa], usava preservativo. Foram cerca de dois a três meses. Depois conversamos sobre isso e combinamos deixar de usar. (E04)
No que tange à vulnerabilidade dos jovens universitários do gênero masculino, percebe-se nos relatos que eles associam a desinformação dos indivíduos à situação socioeconômica.
Eu penso que é uma doença [IST] que está muito ligada com uma população mais carente de informação, mais carente financeiramente e que muitas pessoas acabam se infectando por falta de informação. (E12)
Acho que, devido à desinformação da população, fica muito difícil combater essas doenças [IST], mas acho que é algo bem tranquilo de ser evitado. Até pessoas que têm formação e sabem a respeito das doenças, dos riscos e perigos acabam tendo atitude de riscos devido à falta de responsabilidade ou informação [...]. (E10)
Nos depoimentos, também foi observado o preconceito vivenciado por pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer/questionando, intersexo, assexuais/arromânticas/agênero, pansexuais/polissexuais, não binárias e mais (LGBTQIAPN+) que, muitas vezes, são estigmatizadas e apontadas como portadoras de IST.
Então isso acaba trazendo um estigma que todo LGBTQIA+ tem infecção sexualmente transmissível, mas nem sempre isso é verdade. E eu posso dizer isso por mim e diversos amigos que eu conheço. Eles não têm nenhuma IST. (E16)
Foi tranquilo, o meu noivo ele é positivo para HIV e, quando eu o conheci [...], foi meio complicado desconstruir todos os preconceitos que eu tinha, conversei bastante com ele, com médicos, enfermeiros com mais experiência e eu fui quebrando os tabus que eu tinha, hoje em dia, normal para mim. (E11)
Na verdade, a maioria das pessoas procuram sexo, porque, na cultura LGBTQIA+, como sempre teve muito preconceito, para nós, é muito difícil [...]. Para a gente, é difícil isso, porque existe ainda homofobia, o preconceito, porque às vezes algumas pessoas da família não conseguem enxergar que a gente tem uma relação como qualquer um, nos olham como promiscuidade. (E14)
Outro aspecto associado à vulnerabilidade do grupo tem relação com a ingestão de bebidas alcoólicas e a prática do sexo desprotegido. Alguns jovens têm conhecimento sobre os riscos do sexo sem proteção, porém, ao ingerirem bebidas alcoólicas, ficam suscetíveis.
Tem pessoas que bebem loucamente e vão logo transar, sem pensar nos [seus] atos. De alguma forma, isso aumenta o risco da pessoa porque ela perde totalmente a forma de pensar [o controle sobre] aquele risco. A bebida alcoólica libera um “Eu” mais solto, mais desinibido e também diminui os medos da pessoa. Acaba que isso auxilia. O álcool torna a pessoa mais vulnerável. (E16)
Quando você usa o álcool, fica mais suscetível de fazer as coisas sem refletir [fica vulnerável]. (E 12)
Quando faço uso do álcool, isso é um agravo [vai transar sem pensar em prevenção]. É uma questão de janela de oportunidade para isso acontecer. Porque às vezes é uma questão que eu não penso direito [vai ficar vulnerável]. (E 19)
Acredito que o jovem muitas vezes transa [faz sexo] sem pensar nas consequências seja pelo uso de bebidas alcoólicas e deixa ser levado pelo momento, cometendo uma atitude de risco [fazer sexo sem preservativo]. (E10)
Práticas de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis
Esta categoria apresenta 34,1% do corpus analisado e traz a percepção dos jovens universitários acerca dos cuidados com a saúde sexual, a motivação (ou não) para a adoção do preservativo e outras práticas para prevenção das IST e a importância da divulgação das informações sobre a prevenção.
A percepção dos jovens acerca da transmissão das IST pode influenciar a adoção (ou não) do preservativo em suas práticas sexuais. Nos depoimentos dos universitários, eles apresentam algumas justificativas para o uso ou não do preservativo nas relações sexuais:
O motivo eu não lembro, [...] acho que era devido à perda da sensibilidade. (E10)
Eu não gostava de usar [preservativo]. (E4)
Algo que é complicado, mas vou te dizer que já aconteceu sim de a relação estar quente e, muitas vezes, até retirar o preservativo para continuar o ato sexual. (E15)
Olha eu vejo o preservativo como algo fundamental assim de usar, mas é algo que não gosto muito [usar preservativo]. Eu acho que tira meu prazer, uso quando tem que usar por precaução, prevenção de doenças. (E1)
Sim, por conta disso [para prevenir a transmissão de IST] que eu sempre, em todas as relações sexuais, eu uso camisinha. (E5)
Eu acredito que a prevenção [com o uso de preservativos] seja a melhor saída [...] em relação às doenças sexualmente transmissíveis. (E15)
As ações de promoção da saúde são eficazes para a difusão de conhecimentos e o estímulo ao “autocuidado” com a saúde. Os participantes mencionaram a relevância dos métodos de prevenção, o impacto das mídias sociais e internet nas práticas sexuais e de prevenção de agravos para a saúde sexual e os modos de acesso a essas informações.
Mídia social esclarece sobre DST [IST]. (E6)
Hoje em dia, há promoção em saúde, tem que continuar havendo uma divulgação muito maciça a respeito dos métodos preventivos para que essa infecção não continue pelo menos em níveis tão alarmantes assim, quebrar também o tabu do tema e não só do HIV, pois tem hepatite e outras doenças que são transmitidas através do contato sexual. Eu acredito que a prevenção e promoção da saúde são as melhores saídas que a população tem. A utilização dos preservativos, da Profilaxia Pré-exposição (PrEP) é superimportante. (E9)
Pesquiso pelo Ministério da Saúde, ligo muito na fonte que eu estou pesquisando, [...] mas eu sei que são várias fontes porque eu clico em vários links que são conhecidos como: Brasil Escola, em outro também que é a Nossa Saúde. (E10)
Eu costumo pesquisar bastante na internet e conversar com amigos e amigas, mas, dessa vez, eu procurei um serviço de saúde porque eu fiquei bem assustado quando eu tive a relação e tudo mais. (E4)
No entanto, o acesso à informação ainda apresenta seus desafios, especialmente no ambiente familiar em razão do tabu, conforme aponta o seguinte depoimento:
Praticamente não tive isso [informações sobre sexualidade e prevenção de agravos], meu pai nunca falou sobre isso comigo, minha mãe também não. Eram pais antigos, então ficou mais dificultoso [para os pais], mesmo eu sendo homem, de comentar, trazer esse assunto para conversar comigo. Ultimamente uso muito o Google [para obter informações]. (E3)
Com relação aos cuidados de saúde e a procura por serviços de saúde, os entrevistados relatam:
Costumo fazer exame de sangue, um check-up geral no meu organismo a cada seis meses. [...] A partir do momento que eu faço exames, eu já faço testagem para HIV, sífilis, hepatite, tudo isso. (E4)
Como eu faço uso da PrEP [...] a gente sempre faz todos os exames sexuais e alguns de rotina. (E11)
Eu faço de três em três meses ou de seis em seis meses. Se eu tiver algum tipo de relação, o número de testes de seis em seis vai para três em três. Eu utilizei [PEP] e não quero utilizar mais, por isso, eu me controlo e me previno da maior e melhor maneira possível. (E19)
Eu acredito que a prevenção e promoção da saúde são as melhores saídas que a população tem. A utilização dos preservativos, dos PrEP é superimportante. (E9)
Com o advento da PrEP, outras IST são banalizadas.
Não acho legal, mas sei que a PrEP protege, quando as pessoas vão fazer relações sexuais, elas falam: “Então vamos tomar PrEP”, “Eu tomo PrEP, relaxa”. (E18)
Tenho amigos que muitos deles falam que, hoje em dia, tem a PrEP e eles usam só com medo do HIV porque as outras IST são tratáveis e, por isso, não ligam. (E19)
Contudo as profilaxias estimulam os indivíduos que aderem a esse tipo de cuidado a um aumento nos atendimentos de saúde, realização de cuidados com profissionais capacitados e a obtenção de informação, conforme os relatos:
Eu participei de um estudo na Fiocruz sobre a prevenção contra o HIV, e, nesse estudo, eles me indicaram para fazer a PrEP, perguntaram se eu queria e eles me encaminharam para PrEP e eu comecei a fazer [...]. No caso, eu faço uso combinado das duas coisas, a camisinha com a PrEP. (E11)
Eu tive uma relação com uma pessoa desconhecida [...]. Foi quando eu procurei a clínica da família e foi receitado com Profilaxia. (E4)
Já fiz uso duas vezes e nessas duas vezes da Profilaxia Pós-exposição (PEP), que é após a exposição, mesmo que o exame tenha dado negativo nas duas vezes, eu utilizei por forma de segurança e depois realizar o exame novamente, 30 dias após o uso, para confirmar e, depois disso, após três meses, fazer outro exame para confirmar realmente se não houve nenhuma contaminação. (E19)
Os relatos também demonstram que os jovens têm maior receio da infecção pelo HIV porque ainda não tem cura, já as demais infecções entendem que são tratáveis.
Sobre o HIV eu tenho medo de adquirir essa doença porque envolve mais preconceito associada a ela, mais tabu da sociedade com a própria doença. Por ser incurável, ela acaba trazendo esse sentimento de medo, de angústia. Por exemplo, em outras doenças, eu já não tenho, como a sífilis, que, na verdade, eu teria mais medo de tomar “benzetacil” [...]. (E13)
Embora, o sentimento de medo possa impulsionar a adoção das práticas de prevenção às IST, alguns participantes revelaram que, caso o preservativo tivesse rompido durante uma relação sexual, ficariam mais preocupados com a ocorrência de uma gestação indesejada que com o contágio por IST, como os depoimentos revelam:
Às vezes, nem tenho receio da DST [IST] em si, mas pela questão de engravidar a pessoa e tudo mais. (E6)
Houve um momento que eu vivenciei um sexo sem preservativo e acabei procurando um serviço de saúde. E acabou que estourou a camisinha, eu fiquei preocupado na hora não foi nem com a DST [IST], mas sim de repente um filho. Depois eu caí em si [percebeu] que a gente poderia pegar doença. (E8)
Neste estudo, identificou-se que a maioria dos participantes possuem orientação sexual homossexual, o que difere da realidade brasileira. Estimativas conservadoras descrevem que 10% da população brasileira é homossexual.18 Em investigação com 1268 universitários sexualmente ativos brasileiros, 6,5% se declararam como homossexuais e 7,84% como bissexuais.2 Acredita-se que, por se tratar de um estudo que utilizou a metodologia de “snowball”, as redes sociais da semente, para indicação dos próximos participantes, tenham influenciado o perfil da amostra. No entanto, a participação deste grupo populacional valoriza as múltiplas masculinidades existentes no país, principalmente em um grupo que sofre por estigmas e discriminações.
No tocante à cor da pele, observou-se que a maioria dos participantes se declarou preto ou pardo, demonstrando o avanço das políticas afirmativas brasileiras em educação, como exemplo as políticas de promoção da igualdade racial. Mesmo assim, esta investigação apresenta um número expressivo e divergente de outros estudos, com a participação de 75% de pessoas negras. Tal fato pode estar associado à rede social da primeira semente da técnica de snowball e, dessa forma, os resultados deste estudo podem apresentar um viés racial.2,8,19
No que diz respeito à compreensão dos homens universitários sobre as infecções de transmissão sexual, os participantes entendem que existem microrganismos que causam as IST, porém sem um esclarecimento sobre quais são eles, seus principais sinais e sintomas. Para além do entendimento de que existe uma infecção que é causada por “vírus, bactérias, fungos e microrganismos” (E18), é essencial a orientação sobre quais são e sobre quais os seus principais sinais e sintomas, para a identificação e a busca oportuna de atendimento em saúde. O conhecimento também possibilita ao jovem reconhecer as infecções assintomáticas e a necessidade de utilização do preservativo e/ou uso de outras tecnologias de prevenção, como a ida regular a serviços de saúde.7-8,19-20
Com relação ao conhecimento sobre as principais formas de transmissão das IST, o estudo evidencia que os jovens têm ciência, inclusive fazem apontamentos sobre os comportamentos de risco e sexo desprotegido. Porém, a transmissão vertical só foi abordada por um participante. Apesar de o cuidado pré-natal ser ainda fortemente associado ao sexo feminino, os homens precisam ser incluídos e corresponsabilizados nesse cuidado.1,7
É essencial explicar que a prática sexual faz parte da vida e que ela pode ser desejada e vivenciada sem culpas, mas com informação, comunicação e conhecimento. A educação em saúde sobre saúde sexual e práticas de sexo mais seguro deve ser iniciada antes mesmo do início da atividade sexual, inclusive em séries iniciais, como na pré-escola. Para além da prevenção de IST e gravidez indesejada, a educação sexual tem um papel muito mais importante, que é o de promover a valorização da diversidade sexual, namoro e prevenção de violência por parceiro íntimo, desenvolvimento de relacionamentos saudáveis, prevenção de abuso sexual infantil, melhor aprendizado social/emocional e maior alfabetização midiática.21
A atitude dos jovens em relação ao uso de preservativos pode variar amplamente com base em diversos fatores, como cultura, educação sexual, crenças pessoais e experiências individuais. Mesmo que a maioria dos jovens reconheçam e valorizem o uso do preservativo como método eficaz de prevenção de IST e gravidez indesejada, ainda assim sua utilização pode ser preterida devido a uma variedade de motivos, incluindo falta de conhecimento sobre sua importância, utilização de outros métodos contraceptivos, preocupações quanto a possível redução do prazer sexual, pressão social ou até mesmo a crença errônea de que estão em um relacionamento seguro e, portanto, não suporta preocupações adicionais.
Estudo nacional e internacional também corroboram os dados apresentados nesta investigação, sinalizando que a inconsistência do preservativo está associada à antipatia pelo seu uso ou percepção de que reduz o prazer. Nesses casos, a utilização irá ocorrer quando os homens julgam, por meio de normas sociais e culturais, que tal relação pode apresentar risco ou não. Desqualificando o conhecimento primário de que toda relação sexual tem um risco em potencial.8,22
A percepção de risco de IST entre jovens em relações estáveis muitas vezes é influenciada por uma sensação de confiança mútua e compromisso emocional. Esses jovens podem subestimar a possibilidade de contrair IST, uma vez que associam a estabilidade de seus relacionamentos à segurança sexual. No entanto, é importante reconhecer que a fidelidade no relacionamento não é uma garantia absoluta de proteção contra IST. A falta de comunicação aberta sobre históricos sexuais anteriores e a ausência de exames regulares podem criar uma falsa sensação de segurança. É essencial promover uma abordagem educativa que incentive a discussão franca, a tomada de decisões controladas e o acesso a serviços de saúde para a prevenção e o diagnóstico precoce de IST, mesmo dentro de relacionamentos estáveis.8
A discriminação e o preconceito se perpetuam na vida das pessoas que compõem o grupo populacional de LGBTQIAPN+. Neste estudo, foi evidenciado que homens desse grupo populacional são muitas vezes identificados como pessoas infectadas por alguma IST. Tal fenômeno remete ao conceito ultrapassado de grupos de risco, termo que promove um julgamento moral e social, como se a infecção só circulasse por esses grupos populacionais.14
Apesar de os dados epidemiológicos da população masculina brasileira indicarem um predomínio dos casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) entre homens que fazem sexo com homens (HSH) na faixa etária de 13 a 39 anos, a situação muda em relação aos homens com 40 anos ou mais, nesse grupo, a epidemia se torna predominante entre os heterossexuais.23 Evidencia-se que HSH possuem comportamentos e conhecimento melhores de enfrentamento ao HIV, com mais realizações de testagem para o HIV e conhecimento sobre PEP.24 Entretanto, a população LGBTQIAPN+ permanece sendo invisibilizada nas atividades de educação sexual, especialmente nas escolas, inclusive sofrendo com atitudes homofóbicas. Tais atitudes, além de ser uma violação dos direitos humanos e das minorias sexuais, acarretam vulnerabilidade à saúde desse estrato populacional.25
Outro aspecto associado à vulnerabilidade do grupo tem relação com a ingestão de bebidas alcoólicas e a prática do sexo desprotegido. Os estudantes em seus relatos deixam transparecer que, sob o efeito do álcool, abdicam do uso do preservativo e ficam vulneráveis e expostos aos agravos de saúde. A ingestão de drogas ilícitas e/ou bebidas alcoólicas interfere diretamente na percepção de risco para a saúde e favorece a prática do sexo sem proteção.
A população universitária é composta majoritariamente de jovens com vida sexual ativa. A entrada na universidade possibilita a vivência de um mundo novo, repleto de novas experiências. O fato de adentrar na universidade, ainda na juventude, faz com que convivam com uma nova realidade, tendo de se adaptar ao curso, estabelecer vínculos e criar amizades. Além disso, costumam frequentar festas, ficam expostos ao álcool e drogas e vivenciam situações que antes eram proibidas ou limitadas pela proximidade com a família.26 Nesse cenário, pesquisas apontam que os universitários se envolvem frequentemente com o uso de drogas lícitas e ilícitas. Esse fato pode ser considerado como um mediador de risco, visto que o uso dessas substâncias reduz a percepção do indivíduo, gerando vulnerabilidade e favorecendo, inclusive, situações de exposição às IST.4,8
É inegável que o avanço trazido pelas tecnologias de prevenção, por meio das profilaxias pré e pós infecção ao HIV, é essencial para o enfrentamento e a erradicação da epidemia. Contudo, a política de prevenção brasileira recomenda que tais estratégias entrem no rol de uma combinação de métodos. Ao adotarem única e exclusivamente as profilaxias de prevenção ao HIV, protegem-se contra esse agravo, mas ficam vulneráveis às demais infecções de transmissão sexual. Assim, é necessário integrar as profilaxias de prevenção ao HIV a outras estratégias de cuidado, como educação em saúde, identificação e tratamento oportuno de outras IST e estímulo ao uso de preservativos.27-28 O HIV ainda é a IST mais conhecida e temida. Por sua vez, a aids permanece como uma doença percebida como a que atinge pessoas de comportamentos transgressores, moral e socialmente reprováveis.29
No que tange ao acesso do homem aos serviços de saúde, sabe-se que, em geral, os homens não costumam ser estimulados ao autocuidado, sendo esse comportamento recorrente em diversas culturas. O ato de cuidar da saúde, via de regra, não é valorizado no âmbito masculino, sendo entendido como uma prática feminina. A cultura de ser forte e viril remete à ideia de que o homem perde sua masculinidade ao adoecer, e assim não desenvolve o hábito de prevenção de agravos à saúde.9,24
Fatores culturais e sociais, presentes no imaginário social sobre os modelos de masculinidade, e, até mesmo, as dificuldades enfrentadas nos serviços de saúde em lidar com a presença masculina ou incorporá-la às atividades do sistema são apontados como desencorajadores do cuidado do homem nos serviços de saúde.9,30 Estudo ressalta que, no que concerne à promoção da saúde do homem, observou-se o avanço de algumas iniciativas que buscam adotar a perspectiva de gênero nesse cuidado, com articulação das dimensões biomédica, psicológica e sociocultural. Porém, verifica-se que ainda existem dificuldades na atenção básica em lidar com a presença desse público.30 Para superar a barreira do acesso, é preciso reconhecer e (des)construir a visão de masculinidade. Nesse sentido, é essencial promover serviços de saúde acessíveis e sensíveis ao gênero e desafiar estereótipos prejudiciais que podem impedir ou limitar o autocuidado.
Como limitação deste estudo, evidencia-se que a pandemia da covid-19 impediu o contato presencial com os participantes, sendo necessário realizá-lo por meio digital. A escolha de apenas uma semente, para realização da técnica de snowball, pode ter acrescentado um viés para o estudo, mas os dados encontrados se assemelham aos achados de outras investigações e aprofundam a discussão sobre as minorias sexuais, que ainda sofrem por estigma e discriminação, como os homossexuais que compuseram a maioria dos participantes. É oportuna a replicação em outras instituições, para um maior aprofundamento da temática das práticas de prevenção entre homens jovens universitários.
Esta investigação visa trazer contribuições para que as universidades sejam um ambiente de apoio e fortalecimento das estratégias de educação em saúde nos seus ambientes, como um compromisso ético e cidadão para um mundo saudável e convergente aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Ao fornecer informações precisas e abrangentes sobre transmissão, prevenção e tratamento das IST, a educação capacita esses jovens a tomar decisões responsáveis em relação à sua saúde sexual. Além disso, a educação em saúde desafia estigmas e equívocos que podem cercar as IST, promovendo uma abordagem mais aberta e consciente sobre a saúde sexual. Ao aumentar a conscientização sobre os riscos envolvidos e incentivando práticas de proteção, a educação em saúde desempenha um papel vital na promoção de comportamentos saudáveis.
Este estudo evidencia que os universitários do sexo masculino possuem conhecimento, especialmente, sobre as formas de transmissão das IST. Apesar do acesso a vasta quantidade de informações, por meio da internet e das mídias sociais, a qualidade nem sempre é confiável.
Conhecimento sobre sinais e sintomas, transmissão sanguínea ou vertical e práticas de prevenção ainda é insuficiente entre os participantes. Mesmo o preservativo sendo o método de prevenção mais incentivado pelas políticas públicas e valorizado pelos jovens, percebe-se que seu uso está atrelado ao prazer e confiança na parceria sexual, contudo, outras práticas preventivas podem ser adotadas. Acrescenta-se ainda que os universitários procuraram as profilaxias pré e pós-exposição por meio do acesso aos serviços de saúde. Porém, o preconceito e a discriminação permanecem afetando as diversas masculinidades, especialmente entre os homossexuais.
Investir em uma educação sexual abrangente nas universidades e melhorar o acesso aos serviços de saúde é fundamental para fornecer informações precisas e desmitificar equívocos sobre as IST. Além disso, promover discussões sobre sexualidade no ambiente de casa e na sociedade é primordial para eliminar estigmas e criar espaços onde os jovens se sintam acolhidos e com liberdade para buscar ajuda, quando necessário. Acrescenta-se que a educação sexual busca empoderar os jovens a tomar as melhores decisões para viver uma sexualidade saudável e segura.
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Contribuições de autoria
1 - Thelma Spindola
Enfermeira. Doutora em enfermagem - tspindola.uerj@gmail.com
Concepção e desenvolvimento da pesquisa, revisão e aprovação da versão final.
2 - Vinícius Rodrigues Fernandes da Fonte
Autor Correspondente
Enfermeiro. Mestre em enfermagem - vinicius-fonte@hotmail.com
Desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
3 - Luciana Ramos Bernardes dos Santos
Enfermeira. Mestranda - lucianabernardes2604@gmail.com
Desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
4 - Milena Preissler das Neves
Enfermeira. Mestranda - milenapreissler@gmail.com
Desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
5 - Andressa da Silva Medeiros
Enfermeira. Mestranda - medeirosandressaenf@gmail.com
Desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
6 - Leonardo Michel Corrêa de Barros
Enfermeiro. Mestre em enfermagem - ltmbarros12@gmail.com
Desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito.
Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora Associada: Aline Cammarano Ribeiro
Como citar este artigo
Spindola T, Fonte VRF, Santos LRB, Neves MP, Medeiros AS, Barros LMC. Knowledge and practices of sexually transmitted infection prevention among young male university students. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e56:1-20. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284817