Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.13, e53, p.1-14, 2023

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 04/08/2023 • Aprovação: 23/11/2023 • Publicação: 14/12/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 1

Método. 1

Resultados 1

Discussão. 1

Conclusão. 1

Referências 1

 

Artigo original                                                                                                                                                                              

Fatores maternos e neonatais associados às anomalias congênitas*

Maternal and neonatal factors associated with congenital anomalies

Factores maternos y neonatales asociados a anomalías congénitas

 

Franciela Delazeri Carlotto I Ícone

Descrição gerada automaticamente

Rafael Cerva Melo I Ícone

Descrição gerada automaticamente

Deise Lisboa Riquinho I Ícone

Descrição gerada automaticamente

 

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

* Extraído do trabalho de conclusão de curso “Fatores maternos e neonatais associados às anomalias congênitas no estado do Rio Grande do Sul, Brasil”, Curso de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2020.

 

Resumo

 

Objetivo: analisar os fatores maternos e neonatais associados às anomalias congênitas no estado do Rio Grande do Sul. Método: estudo transversal com dados secundários. A amostra foi composta por 5.830 nascidos vivos entre 2012 a 2015. Foram analisadas variáveis maternas e neonatais que descreviam aspectos demográficos e de saúde. Aplicou-se estatística descritiva e inferencial. Resultados: a ocorrência de anomalias congênitas esteve presente em 0,8% dos nascidos vivos e as mais frequentes foram relacionadas ao sistema osteomuscular, circulatório e geniturinário.  Houve associação estatística significativa entre mães com filhos com histórico de natimortalidade prévia, prematuridade e menor índice de Apgar no 5º minuto com a ocorrência de anomalias. Conclusão: o estudo analisou os fatores maternos e neonatais associados às anomalias congênitas, demonstrando os grupos com maior risco para as anomalias congênitas. Ressalta-se a importância de proporcionar acesso aos cuidados pré-natais, considerando as condições de vida e trabalho da gestante.

Descritores: Anormalidades Congênitas; Doenças e Anormalidades Congênitas, Hereditárias e Neonatais; Saúde Materno-Infantil; Mortalidade Infantil; Fatores de risco

 

Abstract

Objective: to analyze maternal and neonatal factors associated with congenital anomalies in the state of Rio Grande do Sul. Method: cross-sectional study with secondary data. The sample consisted of 5,830 live births between 2012 and 2015. Maternal and neonatal variables that described demographic and health aspects were analyzed. Descriptive and inferential statistics were applied. Results: the occurrence of congenital anomalies was present in 0.8% of live births and the most frequent were related to the musculoskeletal, circulatory and genitourinary systems. There was a significant statistical association between mothers with children with a history of previous stillbirth, prematurity and a lower Apgar score in the 5th minute with the occurrence of anomalies. Conclusion: the study analyzed maternal and neonatal factors associated with congenital anomalies, demonstrating the groups at highest risk for congenital anomalies. The importance of providing access to prenatal care is highlighted, considering the living and working conditions of the pregnant woman.

Descriptors: Congenital Abnormalities; Congenital, Hereditary, and Neonatal Diseases and Abnormalities; Maternal and Child Health; Infant Mortality; Risk Factors

 

Resumen

Objetivo: analizar factores maternos y neonatales asociados a anomalías congénitas en el estado de Rio Grande do Sul. Método: estudio transversal con datos secundarios. La muestra estuvo compuesta por 5.830 nacidos vivos entre 2012 y 2015. Se analizaron variables maternas y neonatales que describieron aspectos demográficos y de salud. Se aplicó estadística descriptiva e inferencial. Resultados: la aparición de anomalías congénitas estuvo presente en el 0,8% de los nacidos vivos y las más frecuentes estuvieron relacionadas con los sistemas musculoesquelético, circulatorio y genitourinario. Hubo asociación estadística significativa entre madres con hijos con antecedentes de muerte fetal previa, prematuridad y menor puntaje de Apgar en el 5.° minuto con la aparición de anomalías. Conclusión: el estudio analizó factores maternos y neonatales asociados a anomalías congénitas, demostrando los grupos de mayor riesgo para anomalías congénitas. Se destaca la importancia de brindar acceso a la atención prenatal, considerando las condiciones de vida y trabajo de la gestante.

Descriptores: Anomalías Congénitas; Enfermedades y Anomalías Neonatales Congénitas y Hereditarias; Salud Materno-Infantil; Mortalidad Infantil; Factores de Riesgo

 

Introdução

As anomalias congênitas (AC) constituem um importante fator para o aumento global da mortalidade infantil,1 sendo a segunda maior causa de morte de recém-nascidos e crianças nas Américas.2 No Brasil, entre 2010 e 2021, a prevalência de AC foi de 0,8%,3 esse dado pode demonstrar subnotificação do agravo devido a falhas no preenchimento ou sub-diagnósticos.4

As AC são alterações estruturais ou funcionais que se originam na vida uterina, podendo ser classificadas em malformação, displasia, deformação e disrupção. Ocorrem por meio de sequências, associação ou como uma síndrome.4 O desenvolvimento de AC durante a gestação tem origem multifatorial, incluindo infecções virais, alterações genéticas, fatores ambientais e teratogênicos,5 são visíveis no nascimento ou se manifestem após.6

O Brasil apresenta distribuição irregular de índices de AC em cada Unidade da Federação. Os tipos prioritários de anomalias para a vigilância no nascimento são os defeitos do tubo neural, microcefalia, cardiopatias congênitas, fendas orais, defeitos de órgãos genitais, de membros, de parede abdominal e síndrome de Down.³ O Rio Grande do Sul (RS), por sua vez, possui a segunda maior prevalência de AC relacionadas ao sistema circulatório.4

No que concerne aos fatores maternos associados às AC, o histórico de abortos e natimortos pode representar condições que desencadeiam a ocorrência de anomalias.7 Estudo realizado em uma comunidade rural da Índia8 descreveu que mulheres que sofreram abortos prévios tiveram quatro vezes mais chances de ter filhos com AC. Apesar da importância para a prática clínica, a relação da natimortalidade prévia é um fator de alarme pouco documentado.

Outros fatores associados descritos na literatura são: histórico de malformações congênitas,8-9 idade,9 cor da pele, suplementação de ácido fólico e uso de tabaco.5 Em relação aos fatores neonatais associados às AC estão: prematuridade, sexo masculino e escore de Apgar menor de 7.10-11 Estudos indicam que a exposição a agrotóxicos no período pré-concepcional ou durante a gestação também pode estar associada ao surgimento de anomalias.12-13

Diante disso, as políticas públicas brasileiras e mundiais devem priorizar as evidências científicas sobre as AC e seus fatores associados, de forma a oferecer orientações aos profissionais de saúde, tendo em vista as possíveis intervenções no período gestacional e pré-concepcional. Assim, a equipe de saúde também pode estar apta a acolher e compreender a família em casos de AC, situações que geram medo e impactam quem recebe a notícia.14

Assim, considerando a alta taxa de mortalidade infantil causada por AC e o impacto no decorrer da vida da família, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores maternos e neonatais associados às anomalias congênitas no estado do RS.

 

Método

Trata-se de um estudo transversal15 desenvolvido a partir de dados secundários disponíveis na Declaração de Nascido Vivo (DNV). A população foram as mães e nascidos vivos de 2012 a 2015 (Tabela 1) no estado do RS. Esse período de tempo foi delimitado a partir de 2012, porque em 2011 ocorreu uma mudança na DNV referente ao campo das AC.16

Tabela 1 – Incidência de anomalia congênita no Rio Grande do Sul, nos anos de 2012 a 2015.

Ano

Total de Nascimentos RS

Anomalia Congênita

 N            %

2012

138.941

1.413      1,01

2013

141.350

1.382      0,97

2014

143.315

1.234      0,86

2015

148.359

1.262     0,85

Total

571.965

5.291

Fonte: DATASUS, 2020.

O tamanho da amostra foi baseado nos dados do DATASUS, considerando um nível de confiança de 95%, incidência de AC estimada em 1% e margem de erro de 0,3%, obtendo-se um mínimo de 5.830 nascidos-vivos, de um total de 571.965 nascimentos. Foram incluídas as DNV de 2012 a 2015, que se justifica devido ao período utilizado pelo serviço para qualificação e liberação dos dados, e excluídas 67.565 DNV que continham algum campo não preenchido referente às variáveis estudadas, sendo a variável ocupação destacada pelo não preenchimento.

A coleta de dados ocorreu a partir das DNV solicitadas ao SINASC, em um banco de dados previamente construído. Foram consideradas as variáveis maternas: escolaridade, ocupação, idade, raça/cor, trimestre gestacional do início do pré-natal, número de consultas de pré-natal, tipo de gravidez, idade gestacional, tipo de parto, número de gestações anteriores, número de filhos e número de filhos mortos/abortos. As variáveis neonatais foram: sexo, tipo de anomalia congênita e Apgar no 1° e 5° minutos de vida.

Os dados de interesse foram digitados e armazenados em uma planilha do programa Excel®, validados, e posteriormente transportados para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 21.0, para as análises estatísticas.

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica e as variáveis categóricas por frequências absolutas e relativas. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas, foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. Em caso de variáveis politômicas, a análise dos resíduos ajustados foi utilizada para localizar as associações significativas. Para comparar médias, o teste t-student foi aplicado. Em caso de assimetria, o teste de Mann-Whitney foi aplicado. Para controle de fatores confundidores, o modelo de Regressão de Poisson multivariado foi utilizado. O critério para a entrada da variável no modelo multivariado foi de que a mesma apresentasse um valor p<0,20 na análise bivariada e o de permanência no modelo final foi de que a variável apresentasse um valor p<0,10. Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05). Utilizou-se o checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

Desenvolvida durante o ano de 2020, a pesquisa segue os padrões éticos exigidos pelas Resoluções 466/2012, 510/2016 e 580/2018 do Ministério da Saúde. O estudo faz parte do projeto maior intitulado “A Exposição a Agrotóxicos e os Desfechos Perinatais no estado do Rio Grande do Sul”, contemplado pela chamada universal MCTIC-CNPq nº 28/2018, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 05 de julho de 2018, sob o número 84275318.4.0000.5347, e da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, em 08 de agosto de 2018, sob o número 84275318.4.3001.5312.

 

Resultados

A partir da amostra de n=5830 nascidos vivos, a incidência de AC foi de 0,8% (n=49), sendo 61,2% (n=30) do sexo masculino e 38,8% (n=19) apresentaram prematuridade. Em relação às variáveis maternas nos casos de AC, a média de idade foi de 26,8 anos e 57,1% (n=28) referiram ter de 8 a 11 anos de escolaridade. Além disso, 77,6% (n=38) tiveram cesárea como via de nascimento. Quanto à ocupação materna, não foi observada associação estatística com AC (p>0,05). As variáveis maternas e neonatais estão descritas nas Tabelas 2 e 3.

Tabela 2Caracterização da amostra segundo variáveis maternas. Porto Alegre, RS, 2020. N=5830.

Variáveis

Amostra

 total 

(n=5830; 100%)

Com anomalia congênita 

(n=49; 0,8%)

Sem anomalia congênita

(n=5781; 99,2%)

p

Idade da mãe (anos) – média ± DP

26,8 ± 6,7

26,4 ± 6,5

26,8 ± 6,7

0,709

Raça/cor da mãe - n (%)

 

 

 

0,140

Branca

4679 (81,9)

39 (79,6)

4640 (81,9)

 

Preta

436 (7,6)

8 (16,3)

428 (7,6)

 

Amarela

10 (0,2)

0 (0,0)

10 (0,2)

 

Parda

559 (9,8)

2 (4,1)

557 (9,8)

 

Indígena

30 (0,5)

0 (0,0)

30 (0,5)

 

Ocupação da mãe – n (%)

 

 

 

1,000

Agrícola

324 (5,6)

2 (4,1)

322 (5,6)

 

Não agrícola

5506 (94,4)

47 (95,9)

5459 (94,4)

 

Número de filhos – mediana (P25-P75)

1 (0 – 1)

1 (0 – 1)

1 (0 – 1)

0,683

Natimortos – n(%)

 

 

 

0,034

Sim

922 (16,4)

14 (28,6)

908 (16,3)

 

Não

4702 (83,6)

35 (71,4)

4667 (83,7)

 

Escolaridade da mãe – n(%) 

 

 

 

0,475

Nenhuma

14 (0,2)

0 (0,0)

14 (0,2)

 

1 a 3 anos

140 (2,4)

3 (6,1)

137 (2,4)

 

4 a 7 anos

1392 (24,0)

10 (20,4)

1382 (24,0)

 

8 a 11 anos

3145 (54,1)

28 (57,1)

3117 (54,1)

 

12 e mais

1120 (19,3)

8 (16,3)

1112 (19,3)

 

Gravidez – n(%)

 

 

 

0,006

Única

5692 (97,6)

44 (89,8)

5648 (97,7)

 

Dupla/Tripla ou mais

138 (2,4)

5 (10,2)

133 (2,3)

 

Trimestre da gestação de início do pré-natal - n(%)

 

 

 

0,906

4483 (79,9)

38 (79,2)

4445 (78,9)

 

1019 (17,9)

8 (18,8)

1010 (17,9)

 

180 (3,2)

1 (2,1)

179 (3,2)

 

Via de nascimento – n(%)

 

 

 

0,019

Vaginal

2322 (39,8)

11 (22,4)

2311 (40,0)

 

Cesárea

3507 (60,2)

38 (77,6)

3469 (60,0)

 

Número de consultas de Pré-Natal – n(%)

 

 

 

0,118

Nenhuma

116 (2,0)

1 (2,1)

115 (2,0)

 

1 a 3

353 (6,1)

2 (4,2)

351 (6,1)

 

4 a 6

1140 (19,6)

16 (33,3)

1124 (19,5)

 

7 e mais

4198 (72,3)

29 (60,4)

4169 (72,4)

 

Idade gestacional do nascimento – n(%)

 

 

 

<0,001

<22 semanas

2 (0,0)

0 (0,0)

2 (0,0)

 

22 a 27 semanas

20 (0,3)

1 (2,0)*

19 (0,3)

 

28 a 31 semanas

64 (1,1)

2 (4,1)*

62 (1,1)

 

32 a 36 semanas

629 (10,9)

16 (32,7)*

613 (10,7)

 

37 a 41 semanas

4944 (85,8)

28 (57,1)

4916 (86,1)*

 

Sexo do bebê – n(%)

 

 

 

0,246

Masculino

3029 (52,0)

30 (61,2)

2999 (51,9)

 

Feminino

2801 (48,0)

19 (38,8)

2782 (48,1)

 

Número de gestações anteriores – mediana (P25-P75)

1 (0 – 2)

1 (0 – 2)

1 (0 – 2)

0,240

Número de partos vaginais –

mediana (P25-P75)

0 (0 – 1)

0 (0 – 1)

0 (0 – 1)

0,969

Número de partos cesárea

mediana (P25-P75)

0 (0 – 1)

0 (0 – 1)

0 (0 – 1)

0,373

* associação estatisticamente significativa pelo teste dos resíduos ajustados a 5% de significância.

 

 


 

Tabela 3 – Caracterização da amostra segundo variáveis neonatais. Porto Alegre, RS, 2020. N=5830.

Variáveis

Amostra

 total 

(n=5830; 100%)

Com anomalia congênita 

(n=49; 0,8%)

Sem anomalia congênita

(n=5781; 99,2%)

p

Sexo do bebê – n(%)

 

 

 

0,246

Masculino

3029 (52,0)

30 (61,2)

2999 (51,9)

 

Feminino

2801 (48,0)

19 (38,8)

2782 (48,1)

 

Apgar 1º minuto – 

média e desvio padrão

9 ± 4

8 ± 2,3

9 ± 4

0,016

Apgar 5º minuto

média e desvio padrão

10 ± 4

9 ± 2

10 ± 4

0,001

* associação estatisticamente significativa pelo teste dos resíduos ajustados a 5% de significância.

 

Em relação à idade gestacional, 38,8% (n=19) dos casos de AC foram considerados pré-termo, em comparação com 12,1% (n=694) dos nascimentos sem AC. Além disso, 28,6% (n=14) das mães dos recém-nascidos com AC referiram já terem tido natimorto ou aborto. 

Dos 49 casos de AC na amostra, os tipos mais frequentes foram do sistema osteomuscular com incidência de 32,3% (n=20), do aparelho circulatório com 14,5% (n=9) e geniturinário com 14,4 (n=9) (Figura 1).

Figura 1 - Caracterização das anomalias congênitas nos nascidos vivos. Porto Alegre, RS, 2020. N=49.

Gráfico

Após as análises de regressão (Tabela 4), as chances de AC foram maiores em recém-nascidos prematuros (IC 95% 2,79; 1,53 - 5,10; p 0,001) e em mães que já tiveram natimortos (IC 95% 1,94; 1,07 - 3,53; p 0029) e, para cada ponto a mais no APGAR no 5º minuto, houve redução das chances na ocorrência de AC (IC 95% 0,72; 0,64 - 0,80; p 0,001).

 

Tabela 4 – Análise de Regressão de Poisson para avaliar fatores independentemente associados com anomalia congênita

Variáveis

Razão de Prevalências (OR) 

IC 95%

p

Filhos mortos

1,94 

1,07 - 3,53

0,029

Prematuridade (<37 semanas)

2,79 

1,53 - 5,10

0,001

Apgar 5º minuto

0,72

0,64 - 0,80

0,001

 

Discussão

A incidência de AC no estado do RS foi de 0,8%, próximo ao valor encontrado em estudo anterior,17 de 0,9%. Segundo dados oficiais, a incidência de AC no Brasil é de 0,8%,3 menor do que os dados mundiais, que referem 5%.17 Isso pode evidenciar a subnotificação de casos no Brasil, o que dificulta a análise de dados, além de demonstrar a dificuldade em se detectar certas anomalias não visíveis ao nascimento.

No período avaliado, houve prevalência de malformações osteomusculares, sendo 32,3% da amostra, principalmente polidactilia. A prevalência desse tipo de AC corrobora os achados da literatura18 e pode estar relacionada à facilidade do diagnóstico, já que são visíveis ao realizar o exame físico do recém-nascido.4

O estudo também demonstrou que 61,2% dos nascidos com AC eram do sexo masculino, mesmo resultado encontrado em avaliações prévias.10,19 Além disso, o segundo tipo de anomalia congênita mais prevalente foi relacionada ao sistema geniturinário (14,5%), o que pode ser explicado pela exposição materna a disruptores endócrinos, ocasionando flutuação de hormônios femininos e masculinos no período gestacional e dificultando a diferenciação geniturinária, levando a AC.20 As anomalias relacionadas ao sistema circulatório também apresentaram prevalência de 14,5%, assemelhando-se a dados oficiais sobre o RS, que mostram o estado como o segundo com maior prevalência desse tipo de AC.³

Houve associação estatisticamente significante entre a natimortalidade prévia, a partir da variável que contempla os natimortos e abortos prévios, e a ocorrência de AC. Essa associação evidencia disfunções no processo gestacional, podendo ser de ordem genética, ambiental, infecciosa e/ou por complicações obstétricas.21 Corroborando o resultado encontrado, estudo de série temporal19 também verificou associação entre a quantidade de nascidos mortos com as AC, assim como inquérito realizado na Índia,8 que verificou que mães que já tiveram abortos prévios têm quatro vezes mais chances de terem filhos com AC.

Além disso, a chance de ter AC foi maior em prematuros (<37 semanas), o que é descrito na literatura como desfecho esperado relacionado às AC.22 Em relação ao escore de Apgar, foi observado que, quanto maior o escore no 5º minuto, menor foi a chance de ocorrência de AC. Visto que a grande parte dos recém-nascidos com anomalia apresenta complicações, como distocias, problemas respiratórios ou infecções,9 infere-se que seus índices de Apgar sejam menores quando comparados aos recém-nascidos sem anomalia.

A literatura apresenta evidências relacionando a exposição materna a agrotóxicos com a ocorrência de AC,13,20 sendo um fator que deve ser levado em consideração em consultas de pré-natal. Contudo, tal associação não foi evidenciada no presente estudo, levando à suposição que o contato com o agrotóxico se faz independente da ocupação, seja por meio de água contaminada, alimentos ou agrotóxicos domésticos, considerando difícil estabelecer tal relação.

Acredita-se que as características individuais presentes nos determinantes sociais em saúde, representadas por sexo, idade e fatores genéticos devem ser levadas em consideração no estudo das AC. Em pesquisa realizada no RS,23 a cor preta esteve associada ao aumento de 20% na chance de AC, quando comparada à cor branca, o que demonstra a necessidade de enfrentamento ao racismo estrutural, inclusive no sistema de saúde. Além disso, piores condições no acesso à saúde, socioeconômicas, de moradia e de emprego evidenciam situações de vulnerabilidade a que as mulheres estão expostas e que podem interferir em desfechos desfavoráveis à prole, como a mortalidade infantil.24 Entre esses desfechos, as AC apresentaram forte associação com a mortalidade infantil nas capitais do Brasil.

Apesar de o estudo não contar com dados relativos ao uso de ácido fólico durante a gestação, sabe-se que sua suplementação previne a ocorrência de AC, principalmente relacionadas aos defeitos do tubo neural.9 Dessa maneira, o atendimento ao pré-natal deve levar em consideração esse fator e assegurar a suplementação adequada de acordo com as evidências científicas disponíveis.

A triagem neonatal por meio de teste cardíaco, ocular, auditivo e sanguíneo é essencial para a identificação de doenças no recém-nascido, incluindo as AC, principalmente as que são assintomáticas e não visíveis no nascimento. Além disso, os testes cumprem papel fundamental para o diagnóstico precoce de comorbidades e diminuição das sequelas associadas. Contudo, apesar da instituição do Programa Nacional de Triagem Neonatal, em 2001, a prevalência de realização dos testes é desigual no Brasil, sendo significativamente maior entre as crianças cujos responsáveis possuem maior renda domiciliar.25

A preparação para o atendimento ao pré-natal deve atender a protocolos assistenciais estabelecidos, mas também deve considerar as dinâmicas sociais e seus determinantes de saúde-doença em cada território. Destaca-se o papel dos profissionais de enfermagem na política de Atenção Primária à Saúde no Brasil e sua relevância nas consultas de pré-natal. Desta forma, pensar a política de atenção à saúde pré-natal é também refletir sobre o fortalecimento do trabalho da enfermagem nesse cenário.26

O cuidado pré-natal em diversos contextos está relacionado com o acompanhamento de melhores desfechos de nascimento. É sobretudo, uma complexa e importante ação de saúde. Considerando o contexto brasileiro, é preciso que se pense na qualificação não somente de políticas de atenção ao pré-natal,27 como também de planejamento reprodutivo.28

Entretanto, sugere-se que sejam realizadas pesquisas longitudinais para a investigação dos fatores de risco para as AC, de forma a considerar as demais variáveis relacionadas à temática. Por tratar-se de uma análise que utiliza dados secundários, existem limitações no preenchimento e na interpretação dos dados em relação às características maternas e no diagnóstico das AC, que, em muitos casos, podem ocorrer tardiamente.      

Por fim, destaca-se a importância do estudo para guiar as consultas de pré-natal, de forma a assegurar o desenvolvimento da gestação por meio da identificação e orientação sobre fatores de risco para o desenvolvimento de AC.14 Além disso, os profissionais de saúde, principalmente os da enfermagem, que são os maiores responsáveis pela coordenação do cuidado, podem estar aptos a orientar de forma adequada e acolhedora a família que teve um filho com o diagnóstico de AC. É fundamental estabelecer vínculos e fornecer orientações sobre a rede de saúde disponível, a fim de auxiliar no cuidado do recém-nascido. A caracterização desse desfecho também tem importância para o desenvolvimento de novos programas e protocolos que atendam às famílias nessa situação.

 

Conclusão

O presente estudo buscou analisar os fatores maternos e neonatais relacionados à ocorrência de AC, encontrando associação com o histórico materno de natimortalidade prévia, prematuridade e menor índice de Apgar no 5º minuto. Evidencia-se a necessidade de considerar as especificidades de cada mulher e suas condições de vida e trabalho durante o pré-natal. Além disso, é fundamental que o diagnóstico de AC seja feito ainda no período fetal ou nascimento, visando à comunicação à família sobre o prognóstico e o encaminhamento a locais de saúde especializados. Também se considera importante que os profissionais de saúde sejam sensibilizados para a relevância da identificação das AC considerando a saúde pública do país, de forma a ampliar o diagnóstico precoce e o registro adequado.

 

Referências

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Fomento / Agradecimento:  o estudo faz parte do projeto maior intitulado “A Exposição a Agrotóxicos e os Desfechos Perinatais no estado do Rio Grande do Sul”, contemplado pela chamada universal MCTIC-CNPq n. 28/2018.

 

Contribuições de autoria

 

1 – Franciela Delazeri Carlotto

Autor Correspondente

Enfermeira especialista em saúde da família - francielacarlotto@gmail.com  

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Rafael Cerva Melo

Enfermeiro sanitarista, doutorando em enfermagem - rafael.melo@factum.edu.br

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Deise Lisboa Riquinho

Professora adjunta - deise.riquinho@gmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Graciela Dutra Sehnem

 

Como citar este artigo

Carlotto FD, Melo RC, Riquinho DL. Maternal and neonatal factors associated with congenital anomalies. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e53:1-14. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284591