Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.14, e7, p.1-21, 2024

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 17/07/2023 • Aprovação: 19/02/2024 • Publicação: 03/04/2024

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 1

Método. 1

Resultados. 1

Discussão. 1

Conclusão. 1

Referências. 1

 

Artigo Original

Linhas de ações dos hospitais universitários a partir dos planos de contingência na pandemia COVID-19*

Action lines adopted by university hospitals based on contingency plans during the COVID-19 pandemic

Líneas de acción adoptadas por hospitales universitarios a partir de los planes de contingencia durante la pandemia de COVID-19

 

Pollyana Plautz Gorris EgerI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Heluana Cavalcante RodriguesI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Patricia Nicolle Bravo MancillaII Ícone

Descrição gerada automaticamente

Alacoque Lorenzini Erdmann I Ícone

Descrição gerada automaticamente

José Luís Guedes dos Santos I Ícone

Descrição gerada automaticamente

 

I Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

II Universidade de Magalhães, Punta Arenas, Magallanes y la Antártica Chilena, Chile

 

* Extraído do banco de dados do macroprojeto multicêntrico intitulado “Avaliação do cuidado de enfermagem a pacientes com COVID-19 em hospitais universitários brasileiros”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 2023.

 

Resumo

Objetivo: demonstrar as linhas de ações implementadas pelos gestores dos hospitais universitários federais a partir do plano de contingência da pandemia de COVID-19. Método: pesquisa multicêntrica com abordagem qualitativa, a partir de dezesseis entrevistas com gestores de oito hospitais universitários que participaram da construção dos planos de contingência. A coleta ocorreu de abril a outubro de 2021, com análise temática de conteúdo. Resultados: surgiram seis linhas de ações: implementação e organização de unidades específicas de pacientes com COVID-19 e o aumento do número de leitos; aquisição de equipamentos de proteção individual e insumos; elaboração de novos protocolos e realização de educação permanente; contratação de profissionais; preocupação e apoio em saúde mental aos trabalhadores. Conclusão: os hospitais universitários foram a principal porta de entrada dos casos graves de COVID-19. Para assistência segura e eficiente, precisaram reorganizar fluxos de atendimento, mudanças estruturais, capacitações e acolhimento a saúde mental dos profissionais.

Descritores: Coronavírus; Pandemias; COVID-19; Gestão em Saúde; Hospitais Universitários

 

Abstract

Objective: to demonstrate the action strategies implemented by managers of federal university hospitals based on the COVID-19 pandemic contingency plan. Method: multicenter qualitative research based on sixteen interviews with managers from eight university hospitals involved in the development of contingency plans. Data collection took place from April to October 2021, with thematic content analysis. Results: six lines of action emerged: implementation and organization of specific COVID-19 patient units and increased bed capacity; acquisition of personal protective equipment and supplies; development of new protocols and continuous education; hiring of professionals; focus on and support for mental health of health workers. Conclusion: university hospitals served as the primary hate way for severe COVID-19 cases. For safe and efficient care, they needed to reorganize patient flow, implement structural changes, provide training and offer mental health support for professionals.

Descriptors: Coronavirus; Pandemics; COVID-19; Health Management; Hospitals, University

 

Resumen

Objetivo: demostrar las líneas de acción implementadas por gerentes de hospitales universitarios federales a partir planes de contingencia elaborados para hacer frente a la pandemia de COVID-19. Método: trabajo de investigación multicéntrico con enfoque cualitativo, basado en dieciséis entrevistas a gerentes de ocho hospitales universitarios que participaron en la elaboración de los planes de contingencia. Los datos se recolectaron entre abril y octubre de 2021, con análisis temático de contenido. Resultados: surgieron seis líneas de acción: Implementación y organización de unidades específicas para pacientes con COVID-19 y aumento en la cantidad de camas; Adquisición de equipos de protección personal e insumos; Elaboración de nuevos protocolos e implementación de programas de educación permanente; Contratación de profesionales; y Preocupación y apoyo en términos de la salud mental de los trabajadores. Conclusión: los hospitales universitarios fueron la principal vía de ingreso de los casos graves de COVID-19. Para brindar asistencia segura y eficiente, debieron reorganizar flujos de atención, implementar cambios estructurales, ofrecer programas de capacitación y proporcionar apoyo en términos de la salud mental de los profesionales.

Descriptores: Coronavirus; Pandemias; COVID-19; Gestión en Salud; Hospitales Universitarios

 

Introdução

O mundo foi surpreendido por uma doença emergente causada pelo novo SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda Grave de Coronavirus 2), que causou a pandemia de COVID-19,¹ identificado pela primeira vez em 2019 em Wuhan, na China.2-3

Neste caminho de enfrentamento à pandemia, o Brasil, por meio do Ministério da Saúde (MS), em 04 de fevereiro de 2020 decretou oficialmente emergência sanitária para todo o território nacional, objetivando antecipar ações de controle e combate à COVID-19. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, no dia 11 de março de 2020, a situação de pandemia devido à COVID-19.4-5 Assim, conforme os casos de COVID-19 foram aumentando, foi necessária a reestruturação das unidades de saúde, incluindo ampliação de leitos, recursos humanos e equipamentos de proteção individual (EPIs). Tais medidas somaram-se às recomendações de distanciamento social, isolamento de pessoas contaminadas, fechamento de comércios, medidas de controle de entrada e saída do país, e uso de máscaras e lavagem das mãos.4,6

Diante deste cenário mundial, a pandemia trouxe visibilidade à atuação dos profissionais de saúde, principalmente em países que alcançaram aceleradamente alto número de casos da doença e índices de mortalidade alarmantes. O empenho e o esforço de todos os profissionais de saúde permitiram enfrentar da melhor forma possível essa pandemia sem precedentes, cada um cumprindo uma função essencial, como o médico a partir de sua gestão nas unidades de saúde, especialmente na tomada de decisões ou no atendimento direto ao paciente, bem como a enfermagem, que representa a maior parcela da força de trabalho, aproximadamente 59% das profissões de saúde, emergindo a necessidade de reinventar e valorizar a profissão.7-11

Usualmente, durante a assistência à saúde, é assegurada a aplicação das precauções padrão, com objetivo de garantir a segurança dos profissionais e pacientes. Durante a pandemia foi necessário que os serviços ajustassem seus protocolos, seja com medidas administrativas, ambientais, assistenciais ou de engenharia.11

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) enfatiza que, para garantir a segurança dos trabalhadores da saúde, é necessário realizar capacitações adequadas, afastar profissionais de grupos de risco, garantir medidas preventivas, fornecer informações, adquirir e distribuir uma quantidade adequada de EPIs, implementar protocolos para o gerenciamento e monitoramento de casos, e assegurar que os funcionários saibam como identificar os sintomas.12

Como cenário, os Hospitais Universitários Federais (HUFs) no Brasil têm grande importância no atendimento a pacientes com COVID-19, sendo centros de referência de média e alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda, têm papel significativo na formação de recursos humanos em saúde e no apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, nas instituições de ensino superior às quais estão vinculados.13-14

Nas instituições hospitalares, as ações de enfrentamento à COVID-19 variam conforme a gravidade dos pacientes, o perfil assistencial, e a epidemiologia local da doença. Desta forma, observou-se que os principais desafios dos hospitais envolvem a ampliação de leitos em unidades de terapia intensiva (UTI), capacitação dos profissionais, e aquisição de equipamentos de proteção individual em qualidade e quantidades adequadas.14-16

Essas intervenções devem ser dinâmicas e adaptáveis à evolução epidêmica da doença. Desta maneira, o sucesso no processo de gestão hospitalar desse quadro de emergência de saúde pública demanda oferta de cobertura assistencial com foco na avaliação, prevenção e tratamento dos casos diagnosticados.15,17

Logo, o enfrentamento da pandemia de COVID-19 foi permeado de desafios os quais demandaram planejamento de políticas e práticas gerenciais eficazes para fornecimento de condições estruturais para o cuidado em saúde nos cenários hospitalares.18 Dentre as problemáticas que emergiram com a pandemia COVID-19 e a necessidade de construção imediata de um plano de contingência, naquele momento foi urgente a demanda para estruturar os serviços hospitalares, com o propósito de atender de forma segura e efetiva os pacientes com COVID-19, também buscando a prevenção da infecção pelos profissionais de saúde. A partir do exposto, delineou-se como objetivo demostrar as linhas de ações implementadas pelos gestores dos hospitais universitários federais a partir do plano de contingência da pandemia de COVID-19.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva e com abordagem qualitativa proveniente do macroprojeto multicêntrico intitulado: avaliação do cuidado de enfermagem à pacientes com COVID-19 em hospitais universitários brasileiros.

No que se refere aos cenários da pesquisa foram oito hospitais universitários (HUs) de grande porte vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Quanto à localização geográfica, dois hospitais eram localizados na região norte, dois na região sul, dois no centro-oeste e dois na região nordeste. Dessa forma, a escolha desses locais para realização do estudo ocorreu com a finalidade de explorar diferentes contextos e estratégias de enfrentamento da pandemia de COVID-19.

Após a adesão dos hospitais universitários com a empresa pública EBSERH, os HUs passaram por um processo de reformulação de suas características estruturais e gerenciais. A empresa criada por meio da lei 12.550 de 2011 demonstra inovações para o setor da saúde, principalmente em relação as exigências em nível de desempenho e resultados.19

A Sede da EBSERH, localizada em Brasília, encaminhou durante a pandemia COVID-19 um modelo de plano de contingência para os HUs, e estes deveriam encaminhar o plano de contingência atualizado sempre que houvesse alteração na estrutura física do HU ou alteração de fluxos de atendimentos aos pacientes COVID-19.

A população do estudo foram os gestores que estavam atuando nas instituições hospitalares pesquisadas. Para a seleção dos entrevistados foi utilizado a estratégia de amostragem intencional e “bola de neve.”20 na qual os primeiros entrevistados de cada instituição hospitalar selecionados intencionalmente indicavam outros integrantes para a pesquisa com características semelhantes. Foram entrevistados nove enfermeiros e sete médicos, entre eles estavam enfermeiros chefes das unidades de gestão de qualidade e da gerência de atenção à saúde, médicos que estavam na superintendência, como chefe da divisão do cuidado, como chefe das unidades de gestão de qualidade, e como gerência de ensino e pesquisa. Tais participantes foram incluídos no estudo por estarem envolvidos com a elaboração dos planos de contingência de cada instituição hospitalar, assim como suas linhas de ação. Como critérios de inclusão foram todos os gestores que participaram da construção, implementação e avaliação dos planos de contingência da sua instituição de saúde. Os vinte e quatro gestores que estavam afastados, de férias ou que não foram selecionados intencionalmente ou indicados na estratégia bola de neve foram excluídos da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada de abril a outubro de 2021 por professores das universidades federais participantes do estudo. Para a realização das entrevistas foi construído um manual norteador, com o objetivo de padronizar os procedimentos de coleta e transcrição de dados, com a finalidade de conferir maior confiabilidade aos resultados da pesquisa. O manual está disponível no repositório institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com o título de “Manual Norteador para entrevistas com gestores e profissionais da saúde que participaram da elaboração e implementação dos planos de contingência contra a COVID-19 em hospitais universitários brasileiros”.

Os dados apresentados no estudo correspondem a duas partes do instrumento de coleta de dados. A primeira, com dados de caracterização socioprofissional: idade, sexo, setor, função, turno de trabalho e tempo de experiência profissional. A segunda parte foi composta por entrevistas semiestruturadas, utilizando um roteiro construído a partir do objeto, da questão de pesquisa, e do objetivo. Antes de iniciar a entrevista, foram apresentados os objetivos de pesquisa, e após autorização do participante iniciou-se a gravação da entrevista, seguindo o roteiro. O tempo de resposta das entrevistas foi de aproximadamente 60 minutos; algumas entrevistas ocorreram de forma presencial, respeitando o distanciamento social e o uso de máscaras, e outras ocorreram de forma remota. Todas foram transcritas posteriormente e enviadas novamente aos participantes, para validação da transcrição.

Os depoimentos dos participantes foram identificados: com “E” seguido pela numeração de 1 a 9 (enfermeiro) e “M” de 1 a 7 (médicos).

Para a organização e análise dos dados foi utilizado a análise de conteúdo, a qual possui diversas técnicas, entre elas a análise de avaliação, da enunciação, proposicional do discurso, da expressão, das relações e a análise categorial, na qual se encontra a análise temática.21

Decidiu-se utilizar a análise temática de conteúdo por esta identificar um ou vários temas ou núcleos de sentido que compõem a comunicação em unidade de codificação previamente definida. Para esse tipo de análise recomenda-se que a informação coletada seja organizada em pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos. 21

Durante a análise dos dados, procedeu-se a leitura flutuante para a seleção e análise das dezesseis entrevistas que trouxeram sobre as mudanças realizadas no ambiente de trabalho a partir dos planos de contingência diante da pandemia de COVID-19, e organização destas entrevistas em planilhas de Excel na pré-análise. Na fase de exploração do material, foram realizadas leituras aprofundadas e criadas categorias, para posteriormente ser efetuado o tratamento dos dados por meio da interpretação dos resultados.

Como aspectos éticos, este estudo integra um macroprojeto multicêntrico, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa, com número do parecer: 4.347.463 em 19 de outubro de 2020. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para confirmar sua anuência em relação aos termos do estudo para realização da entrevista. Desta forma, atenderam-se às Resoluções nº 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

Quanto à caracterização socioprofissional, predominaram participantes do sexo feminino (n=12, 75%), com idade média de 54,8 anos e 28,71 anos em média de experiência profissional. A maioria atuava como chefe do setor de gestão de qualidade (n=6; 37,5%) e na superintendência (n= 4, 25%).

Os planos de contingência serviram como guia de implementação das linhas de ações nas unidades hospitalares para os atendimentos aos pacientes COVID-19. Como resultado da exploração do material, apareceram seis categorias: Organização de unidades específicas de pacientes com COVID-19; Equipamentos de proteção individual e insumos; Educação permanente em saúde em relação a COVID-19; Aumento de leitos; Aumento e realocação de pessoal, Apoio em saúde mental aos profissionais da saúde.

Organização de unidades específicas de paciente com COVID-19

A categoria um refere-se à criação e separação de unidades específicas, mudanças na estrutura física das unidades hospitalares para o atendimento exclusivo de pacientes suspeitos ou diagnosticados com COVID-19, assim como a criação de fluxos de movimentação dos pacientes COVID-19 dentro do hospital.

Qual seria esse fluxo do óbito dentro das unidades até chegar ao necrotério onde esse corpo ia ficar, se ia abrir para a família poder ver, a gente mapeou o caminho no hospital, desde a recepção até a saída dele, ou por alta ou por óbito. (E2)

A nossa medida, no meu ponto de vista, mais acertada foi separar áreas: uma área COVID e não COVID, desde a porta de entrada. Separado essas áreas, não havia mais nenhuma possibilidade de misturar nem profissionais e nem pacientes, que, porventura, apresentassem qualquer tipo de sintoma. (E6)

Nós fizemos uma readequação em todos os setores do hospital [...] todas as unidades do hospital, a neurocirúrgica, a neurológica, todo o hospital virou COVID, nós deixamos apenas o oitavo andar, que era a parte administrativa, com os nossos pacientes da clínica e cirurgia, que ficavam remanescentes, que não podiam ir de alta, todos os demais setores ficaram COVID, sem exceção. (M2)

 

A partir da necessidade de manter isolado o paciente suspeito ou confirmado de COVID-19, identificou-se que novos fluxos precisariam ser elaborados. Com isso, ficou definido, por exemplo, em um determinado HU, que um dos elevadores seria para deslocamento apenas para pacientes suspeitos ou confirmados da COVID-19 com a equipe.

[...] nós estávamos com dois elevadores, totalmente incoerente em relação ao que preconizava [...] findava que a gente estava com dois elevadores para circular, alimentação, roupa suja, roupa limpa, paciente, funcionário, o elevador ficava muito tempo parado para limpar [...] Já para a segunda onda, a gente conseguiu liberar mais os elevadores[...] já que nós definimos uma enfermaria específica para troca de vestimentas, aí houve coerência, mas em relação ao elevador na primeira onda, a gente teve bastante dificuldade. (E1)

 

A situação de criar ambientes foi muito desafiadora, foi necessário adaptar a estrutura de ambulatório para funcionar como uma emergência, bem como adaptar uma UTI dentro de um espaço que funcionava uma enfermaria.

Nós tiramos a nossa emergência normal para o ambulatório, tivemos que fazer toda uma adaptação da área física no ambulatório para poder comportar a emergência. Também destinamos leitos específicos de UTI, arrumamos uma UTI específica para COVID. Com isso nós tiramos a nossa UTI e levamos para uma unidade de internação a UTI normal e deixamos a nossa UTI que tinha possibilidade de ter até 20 leitos para UTI COVID [...]. (E7)

[...] A primeira atividade que a gente fez foi, como todos os atendimentos ambulatoriais, os eletivos estavam suspensos: cirurgias, consultas ambulatoriais, utilizou o espaço do ambulatório para fazer uma emergência não respiratória para atendimento dos pacientes não-respiratórios e a emergência geral, a nossa unidade de emergência ficou só para atendimento dos pacientes COVID. (E9)

 

Com a criação desses novos espaços dentro dos HUs, as equipes da assistência tiveram que receber uma nova formatação, sendo uma parte dos profissionais deslocados para enfermarias COVID, UTI COVID, e emergência COVID.

Foi todo um movimento de mudanças, uma série de espaços do hospital para colocar COVID no lugar mais isolado e seguro possível, mudamos muitas equipes de lugar [...]. (M1)

 

A reorganização hospitalar em sua estrutura física e de processos corroborou como uma das principais estratégias implementadas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19. À medida em que se conhecia sobre a COVID-19 e a pandemia avançava com suas complexidades, novos desafios se revelavam aos profissionais, tais como medidas para reduzir ou evitar a disseminação do vírus.

Equipamentos de proteção individual e insumos

A categoria dois está relacionada às dificuldades encontradas nas instituições de saúde devido à escassez de EPIs e outros insumos durante os picos da pandemia.

 

A maior dificuldade da gente foi realmente os equipamentos de proteção individual, logo no momento inicial da pandemia, que foram as máscaras e os aventais. A máscara a gente conseguiu, naquele momento, empréstimo com a Secretaria de Saúde do Estado. (E2) 

Um outro desafio que nós tivemos no início, foi em relação aos equipamentos de proteção individual [...] porque não existia, desapareceu no mercado. Tivemos uma parceria bem significativa inclusive com a Universidade, a engenharia de produção que começou a fazer as Face Shield junto com Instituto Federal de Educação [...]. (E7) 

Recebemos doação [...], a universidade produziu álcool em gel que era um nó crítico pois estava com problema de abastecimento de álcool, a gente conseguiu unir a universidade com hospital e conseguiu de fato cumprir o papel. (M5) 

 

Vale ressaltar que os HUs no início da pandemia não tinham essa previsão de aumento de cota imediata de EPIs. Foi preciso buscar estratégias para a obtenção desses itens, por meio de doações, compras diretas, e licitações. O consumo desses EPIs cresceu exponencialmente em todo o mundo, uma vez que era necessário para proteção individual e coletiva, cumprindo as normas instituídas.  

Somada à elevação da demanda real por EPIs, paralelamente observou-se um consumo exagerado de máscara tanto cirúrgica quanto N95, geradas pelas informações desencontradas naquele momento.

Os insumos eles vieram só que eles são finitos houve um uso indiscriminado que está relacionado a muitas vezes a desinformação [...], que a gente lembra bem que o nosso estoque de N95 acabou antes do primeiro caso confirmado no hospital, porque todo mundo queria usar N95 diante do desconhecido, do medo. (E5) 

 

Outra problemática vivenciada pelos profissionais e gestores foi o alto consumo de alguns insumos, dentre os quais algumas medicações que chegaram em determinado momento a ficar escassas no mercado, gerando repercussões sérias na economia e na saúde pública. 

E aí comprometendo inclusive a questão de alguns insumos, principalmente os sedativos, os bloqueadores neuromusculares [...] os casos chegaram assim com o volume maior e eram casos mais agudos, se percebeu que o volume de medicação que se usava num paciente era muito maior do que normalmente se usava com outros pacientes. Nós também tivemos alguns momentos de muita angústia [...] principalmente em relação a essa questão da falta de medicamentos, de termos que usar algumas medicações que não fariam um efeito tão bom. (E7) 

Muitas compras que aconteceram com muitos fornecedores no início da pandemia, eles cancelaram, porque eles queriam vender por fora num preço maior, então a gente começou a ter desabastecimento por falta de idoneidade das empresas. (E8) 

No auge da pandemia também a demanda de insumos, cito principal insumo o oxigênio [...] o hospital tinha uma demanda de dez pacientes usando oxigênio, de uma hora para outra ele teve mais de cem pacientes demandando oxigênio, e alto fluxo, e isso se sabe o resto da história o que aconteceu. (M2)  

 

Para o controle da pandemia, o uso de EPIs e materiais específicos foi obrigatório. Em instituições públicas, foi necessário planejamento das aquisições e avaliação da situação devido ao aumento da demanda. Paralelamente às compras emergenciais, a sociedade civil, por meio de doações, reduziu essa demanda. Observou-se que conforme a população iria sendo instruída acerca da COVID-19, houve também um aumento no uso desses itens.  

Educação permanente em saúde em relação a COVID-19

A categoria três corresponde às capacitações realizadas para os profissionais de saúde: cuidados aos pacientes críticos, uso correto de EPIs, uso do ventilador mecânico, dentre outras. Apesar de que uma parte considerável dos profissionais que foram alocados para trabalharem diretamente na linha de frente da COVID-19 já disporem de conhecimento e habilidades sobre EPIs, respiradores, dentre outros, foi necessário realizar abordagens educacionais sobre os temas dentro das equipes. Observou-se um grande envolvimento dos profissionais de saúde e da gestão promovendo esses momentos de educação permanente.

No treinamento ficou uma enfermeira responsável, o papel dela era de fazer o treinamento de EPI, de paramentação, desparamentação[...]. Ventilação mecânica, nós tivemos a Sede [...] cursos de ventilação mecânica, de atendimentos intensivos, para as pessoas fazerem. (E1)

Educação dos profissionais, principalmente em relação ao uso dos EPIs e [...] em relação ao cuidado do paciente crítico, porque esse paciente é diferente dos pacientes da UTI. Eles têm alguns cuidados específicos e desde a questão do posicionamento desses pacientes no leito, a mudança de decúbito são aspectos bem complicados e que todo o pessoal foi treinado. (E7)

Porque além da gente capacitar os colaboradores a gente tinha que capacitar os residentes, os alunos do internato. Então a questão da capacitação a gente teve um apoio grande da gerência de ensino e pesquisa [...]. E com apoio da divisão de gestão de pessoas também [...]. (M1)

Na área médica que tinha a questão da intubação, como ela deveria ser feita, de que forma, existiram equipamentos, e treinamentos feitos pelo grupo, pela anestesia, pelos médicos anestesistas que fizeram treinamento todo dia. (M4)

 

A educação permanente é importante para desenvolver processos de reflexão e troca de conhecimentos, utilizando diversas estratégias dentro da própria unidade em que o profissional trabalha. Nos depoimentos, constata-se que uma das ferramentas utilizadas para o aprendizado foi a simulação, oportunizando ao trabalhador treinar diante de uma suposta situação real.

Novas ações foram feitas nas mais diversas modalidades e a mais importante delas chegou a contemplar 1400 pessoas, que foi um programa de treinamento de simulação realística, com várias estações, que teve uma participação fundamental da gestão que colocou um caráter de obrigatoriedade a todos os funcionários. (E5)

A gente criou uma série de coisas [...], utilização de ambiente de simulação, laboratório de habilidades da universidade para você intubar. Intubação é o dia a dia desses pacientes com COVID principalmente o que tem a necessidade de atenção crítica [...]. (M3)

 

Dentro dos HUs identificou-se a construção de diversos materiais (cartilhas, protocolos) com o apoio também de unidades como a CCIH, buscando proporcionar um conhecimento uniformizado dentro da instituição. O próprio plano de contingência de cada HU se constituiu nesses documentos.

A UTI sentiu necessidade de fazer os protocolos e capacitar as equipes [...] os próprios profissionais da UTI, fisioterapeutas em relação à ventilação mecânica, os próprios intensivistas e a equipe de enfermagem fez capacitação para aquela equipe, para aquela área. Paralelo a isso, a emergência também fez todos os protocolos de atendimento no primeiro momento e fez a capacitação também da equipe, principalmente lá na linha de frente. E o serviço de controle de infecção, ele fez o manual bem completo [...] que envolve todas essas questões do COVID, de EPIs, quando utilizar um EPI, quando utilizar o outro, com fotos. De EPIs, a gente capacitou mais de mil colaboradores [...]. (E8)

 

Assim, a implementação de educação permanente em saúde para ampliar o nível de conhecimento dos profissionais com relação aos cuidados dos pacientes COVID-19 auxiliou na adesão de um trabalho mais seguro e colaborativo entre os profissionais de saúde e gestão. Essa atitude foi relevante para o desenvolvimento da rotina de cuidado diante da expansão da pandemia ao longo dos anos.

Aumento de leitos

A categoria quatro diz respeito ao aumento de leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e demais unidades específicas para COVID.

 

Na primeira onda a gente conseguiu no máximo oferecer dezoito leitos de enfermaria e dez leitos de UTI, para a segunda onda não, eu vou ter que dar cem leitos, [...] houve muito problema em relação a isso. (E1)

 

Como mencionado nas entrevistas, embora não seja o cenário ideal, leitos com estrutura de UTI tiveram que ser organizados dentro de algumas emergências devido à gravidade em que o paciente se encontrava e por não haver leitos de UTI disponíveis.

Nós ficamos com a retaguarda do paciente grave, que foram os primeiros 5 leitos de UTI estruturados dentro da emergência para o paciente grave, para aquele paciente que chegava na porta de entrada que era a UPA, ia para ventilação mecânica, porque é uma doença que evolui muito rapidamente, nós recebíamos esses pacientes bastante comprometidos. (E6)

Porque além dos 10 leitos de CTI adulto que virou COVID a gente fechou pronto socorro e implantamos 18 leitos de CTI COVID dentro do espaço físico do pronto socorro, nós ficamos com 28 leitos de COVID. (M1)

 

Vários locais do mundo se viram diante da urgente necessidade de mobilização para ampliar os espaços de cuidado. Salvar vidas e reduzir as complicações relacionadas à COVID-19 estavam relacionadas ao aumento de leitos em enfermarias e em UTIs, pois os casos surgiam com uma variedade de complicações. Vale ressaltar que para esse incremento no número de leitos era necessário, dentre outras ações, ter o espaço físico equipado com rede de gases, equipamentos e insumos, bem como ter uma equipe capacitada para a assistência.

Aumento e realocação de pessoal

A categoria cinco refere-se às contratações temporárias por processo seletivo emergencial que foram necessárias na pandemia, assim como a realocação dos profissionais que estavam em setores que foram fechados e transferidos para unidades mais críticas. Identificou-se que alguns desses novos profissionais, para assumirem emergencialmente essas vagas, eram pessoas com pouca ou nenhuma experiência profissional na área.

Onde nós tivemos uma maior dificuldade foi na anatomia patológica em relação ao técnico de necrópsia e em uma das UTI que inicialmente já tinha restrição de quantitativo de médicos, tivemos que pedir a EBSERH a contratação de mais três intensivistas, de um técnico de necrópsia para anatomia patológica e  alguns técnicos de enfermagem também porque a enfermagem é a categoria que mais fica na linha de frente e houve um grande afastamento desses profissionais da enfermagem, por gravidez, por licença maternidade [...] por estarem acima  60 anos, alguns com quadro de diabetes, hipertensão [...]. (E3)

Nós criamos uma UTI nova, com as pessoas que nós tínhamos lá, que não eram especialistas, que eram pessoas que não atuavam em intensivismo há muito tempo, os profissionais da área ambulatorial [...]. No terceiro mês que a EBSERH conseguiu fazer um processo seletivo para começar a contratar profissionais exclusivos para atender COVID. (E6)

Os recursos humanos foi o nosso grande problema [...], tanto é que a EBSERH fez processo seletivo emergencial, exclusivamente para COVID e que no início eram só médicos e o pessoal da enfermagem, aí depois foi estendendo para fisioterapeuta, hoje em dia tenho uma série de profissionais para auxiliar, por exemplo até arquiteto eu consegui porque com a pandemia iriam abrir novos serviços e a gente precisava modificar. (M6)

 

Com o avanço descontrolado da pandemia, ter profissionais de saúde suficientes e capacitados foi um desafio diário. Diversas situações contribuíram para a redução dos profissionais de saúde atuando nas áreas COVID, levando os gestores a implementarem formas de recrutamento de profissionais para esse apoio.

Apoio em saúde mental aos profissionais da saúde

A categoria seis relaciona-se aos atendimentos de psicólogos e psiquiatras aos profissionais de saúde que, diante da pandemia, tiveram sentimentos de medo e angústia em relação a contaminação da doença COVID-19. Sabe-se que as UTIs e as emergências de maneira geral são ambientes que geram desgaste físico e mental nos profissionais de saúde, e com a pandemia tal cenário agravou ainda mais o sofrimento e o adoecimento destes profissionais. Houve HUs que ofereceram, em um determinado momento, tanto apoio psicológico como também quartos em hotéis para os profissionais que estavam na assistência na linha de frente e que queriam evitar o contato com familiares por temerem a transmissão do vírus.

[...] Alguns profissionais, tiveram inclusive síndrome do pânico e eles tinham muito receio, não só de adoecerem, mas principalmente de contaminarem familiares. E aí foi fundamental o trabalho realizado pelo nosso pessoal da psicologia e da psiquiatria. Nós formamos um grupo de apoio aos trabalhadores, com atendimentos individuais, atendimentos grupais, estabelecimento de uma sala até para eles poderem ir quando precisassem sair um pouquinho do seu espaço, que eles pudessem ter alguém para conversar. (E7)

A gente tinha essa equipe de psicólogos e psiquiatras também [...] foi criado oficinas de acolhimento desses grupos para compartilhar com o psicólogo, para trazer essas angústias, porque muitas vezes eles estavam com medo mesmo de levar para casa a doença. Foi criado uma área externa ao hospital, que era tipo um alojamento [...] com o microondas, com cama para os profissionais que não se sentiam seguros, talvez tivesse alguém do grupo de risco em casa [...] A gente pactuou com hotéis também que se prontificaram para os profissionais estarem nesses locais [...]. (E8)

 

Os profissionais de saúde que trabalhavam principalmente com os pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19 experienciaram uma mistura de sentimentos que interferiram em sua saúde mental. Assim, algumas instituições de saúde, percebendo que o cuidador também precisava ser cuidado, disponibilizaram serviços e profissionais especializados para amenizar os efeitos psicológicos vivenciados na pandemia.

 

Discussão

Em relação à categoria um, que corresponde a organização de unidades específicas de paciente com COVID-19, sabe-se que a partir dos primeiros casos atendidos a gestão, juntamente com alguns profissionais, precisaram de imediato se (re)organizarem para planejarem de maneira eficaz e no menor intervalo de tempo o seu plano de contingência, constando o fluxo do paciente desde o momento de sua entrada no HU até a sua alta por cura ou óbito.

Em um estudo no Brasil, constatou-se que a separação da UTI COVID da UTI Geral e a decisão de transferir a UTI Geral para outro espaço geraram anseios na equipe multiprofissional e perturbações no clima de segurança da unidade.22

Sabia-se que era preciso organizar espaços dentro da instituição que pudessem isolar esses pacientes dos demais, bem como a necessidade de oferecer um cuidado diferenciado ao paciente suspeito e/ou confirmado de COVID-19 com relação às patologias e condições que até então os hospitais universitários assistiam. Essa reestruturação ocasionou impacto na oferta de serviços. Assim, os HUs se viram obrigados a suspender os agendamentos por vários meses, cirurgias eletivas, e algumas consultas ambulatoriais.

Como resultado de um estudo realizado na Inglaterra, concluiu-se que o cancelamento de cirurgias eletivas foi a maior contribuição para o aumento da capacidade disponível. Estratégia amplamente implementada em vários lugares na Europa. No entanto, isso pode ter tido um custo substancial para os pacientes cujos tratamentos foram cancelados.23

Um estudo na Suíça demonstrou que a taxa de mortalidade na UTI COVID era inferior comparada à de outros países com gravidade semelhante. O resultado é associado a uma organização eficaz para cuidar dos pacientes mais graves da COVID-19, juntamente com a rápida expansão de leitos para novos espaços, aliado ao suporte de recursos humanos, insumos, treinamentos, protocolos e programas. Nesse período, houve um rápido recrutamento de médicos e enfermeiros, devido à suspensão de todas as cirurgias eletivas.24

No que diz respeito à categoria dois, que traz sobre os equipamentos de proteção individual e insumos, a institucionalização das novas rotinas dentro dos HUs impactou ao elevar a demanda de alguns insumos. Como demonstrado nas entrevistas, algumas vezes observou-se a carência dos EPIs em quantidade suficiente, expondo os profissionais que estavam no atendimento direto a esses pacientes.

Conforme um estudo, antes da pandemia COVID-19 o Japão dependia em grande parte da importação de máscaras, álcool e muitas matérias-primas usadas para produzir medicamentos. A qualidade das máscaras, EPI e outros suprimentos de controle de infecção foi afetada negativamente pela disponibilidade limitada de matérias-primas importadas, o que impossibilitou a produção de suprimentos de controle de infecção no Japão. Também, alguns medicamentos estavam disponíveis em menor quantidade devido à redução da oferta de materiais importados.25

A proteção da saúde dos profissionais de saúde é fundamental para evitar a transmissão de COVID-19 nos estabelecimentos de saúde e nos domicílios dos mesmos, sendo necessário adotar protocolos de controle de infecções (padrão, contato, via aérea) e disponibilizar EPIs, incluindo máscaras N95, avental, óculos, protetores faciais e luvas.26

Relacionado à categoria três, que é o processo de educação permanente em saúde em relação à COVID-19, infere-se que o processo de ensinar-aprender deve ser uma constante nos serviços de saúde, principalmente quando esse envolve uma demanda de uma nova pandemia. A COVID-19 trouxe novos conhecimentos, novas rotinas de trabalho, exigindo de toda a equipe envolvida uma compreensão destas bases teóricas da prática.

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde promove a formação e desenvolvimento dos trabalhadores no SUS, a partir dos problemas cotidianos referentes à atenção à saúde e à organização do trabalho em saúde. Ela contribui para a identificação de necessidades de Educação Permanente em Saúde dos profissionais do SUS, e para a elaboração de estratégias que visam qualificar a atenção e gestão em saúde.27

O movimento da educação permanente exige que os profissionais assumam uma postura proativa, com atitudes mais seguras, e para isso precisam entender como utilizar os EPIs corretamente, e se sensibilizem para tal.

Uma importante estratégia apontada para o contingenciamento dos riscos, redução do medo e aumento do grau de atualização das equipes e da gestão seria acelerar a comunicação de informações científicas acumuladas ao longo da pandemia, incluindo-se aquelas que diziam respeito ao autocuidado.28          

Sobre a categoria quatro, que traz depoimentos sobre o aumento de leitos, observou-se que muitas cidades do interior não dispunham em suas unidades hospitalares de leitos de UTI, essa demanda recaiu sobre os leitos de cidades maiores. A necessidade de aumento de leitos hospitalares foi crescente nos dois picos da pandemia.

Para esse incremento de leitos de UTI, os HUs tiveram que adquirir autorização da Secretaria de Estado da Saúde, órgão responsável pela gestão dos leitos habilitados e contratados. A ampliação de leitos nos hospitais privados pelo sistema público foi observada em alguns países.29

Sobre o aumento e realocação de pessoal descrito na categoria cinco, no início da pandemia instalou-se um cenário significativo de carência em relação à força de trabalho dentro dos HUFs, agravado por diversas situações que obrigaram alguns profissionais a se afastarem das atividades presenciais por situação de priorização, em razão de possuirem fator e/ou condição de risco para agravamento de COVID-19, como exemplo: estado de gestantes ou lactantes, doenças cardíacas e obesidade.

Para suprir esta necessidade, a EBSERH lançou editais para contratação temporária em caráter emergencial de profissionais de diversas áreas, sobretudo técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos.

Durante a pandemia foram lançados editais para processos seletivos simplificados em algumas regiões do país, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, por tempo determinado. Ainda com relação a novos editais teve-se o processo seletivo emergencial nacional visando o atendimento à população no combate à pandemia da COVID-19. Esse aporte extra de profissionais para trabalhar na linha de frente foi fundamental para a garantia do cuidado continuado e de qualidade. 13

Coincidindo com outro estudo18 que destacou no âmbito da gestão que os HUFs durante a pandemia, uma das frentes que possibilitaram a sua reorganização foram as contratações emergenciais de novos profissionais e as capacitações das equipes de saúde. A busca de novos profissionais foi uma necessidade decorrente do aumento da demanda de pacientes por atendimento, principalmente para dar conta do pico da pandemia.

A categoria seis traz depoimentos sobre o apoio em saúde mental aos profissionais da saúde, pois sabe-se que estar na linha de frente foi um grande desafio para os profissionais de saúde e seus familiares. Diante dessa realidade, muitos profissionais tiveram necessidade de buscar apoio psicológico e/ou psiquiátrico. As situações geradoras de estresse exemplificam-se por falta de leito de UTI, medo de contrair a doença e morrer, medo de transmitir a doença para algum ente querido, receio de ter que se afastar do trabalho e deixar a equipe ainda mais sobrecarregada, ver colegas adoecendo, sobrecarga de trabalho devido aos afastamentos, e pelas jornadas de trabalho que muitos profissionais estavam submetidos. 

Um estudo realizado no Japão trouxe que a carga de trabalho daqueles que prestaram atendimento aos pacientes com COVID-19 aumentou significativamente e foi desafiador manter a motivação e diminuir o medo de infecção da equipe profissional. As causas de estresse dos profissionais da linha de frente estavam relacionadas a cargas de trabalho e responsabilidades pesadas e mal distribuídas, método desconhecido de prestação de cuidados devido a medidas de controle de infecção, medo de contágio pelo trabalho, pressão contínua para que os profissionais não fossem infectados, além da discriminação da população em geral, no início da pandemia.24

Em certa pesquisa,30 os profissionais relatam em diversos momentos, e de diferentes formas, o medo de contrair a doença, sendo esse um dos principais fatores relacionados ao sofrimento psíquico. Trabalhar no contexto em que a morte chega tão perto e os faz lidar com a perda de colegas e de outras pessoas amplia o desejo de preservar a vida e a saúde de familiares e pessoas próximas. O medo de contrair a doença leva profissionais a atuarem com maior desconforto e insegurança durante procedimentos que realizam, afetando, principalmente, os contatos que exigem uma maior aproximação com o paciente.        

Em um estudo18 constatou-se que a adoção de medidas de suporte emocional aos profissionais foi evidenciada nos HUs, pois foram disponibilizados atendimentos psicológicos para os trabalhadores, com terapias complementares e atividades de relaxamento. Essa atenção especial à saúde mental dos profissionais é imprescindível em um momento de crescente carga de trabalho e tratamento de uma doença nova.

Quanto às contribuições para os profissionais ocupantes de cargo de gestão, o estudo evidenciou as fragilidades que algumas instituições apresentam no que se refere ao planejamento, monitoramento e avaliação das atividades de assistência e de gestão. Nesse sentido, a enfermagem e a medicina, por historicamente se inserirem nesses espaços como profissionais ocupantes de cargos de chefia, devem incorporar esses processos de maneira mais orgânica em seu cotidiano.

O SUS trabalha com a promoção, a prevenção, a proteção e a reabilitação da saúde da população. Os hospitais públicos tiveram participação essencial durante a pandemia, já que se reorganizaram para aumentar leitos, quadro de funcionários e insumos para suprir os atendimentos realizados cotidianamente além dos pacientes com COVID-19.

Como limitações da pesquisa, evidenciou-se o tamanho da amostra, alguns profissionais não participaram devido a de sobrecarga de trabalho, falta de tempo para participar, afastamentos devido às perícias ou decorrentes da pandemia da COVID-19. Uma sugestão para novos estudos seria de pesquisar o documento na íntegra, bem como o olhar de mais profissionais de saúde gestores envolvidos no plano de contingência.

 

Conclusão

Com o estudo identificou-se que os enfermeiros e médicos gestores participaram ativamente da implantação das linhas de ações, a partir da construção dos planos de contingência para o enfrentamento da pandemia da COVID-19.

Os gestores entrevistados declararam que tiveram vários desafios em relação a implementação das linhas de ações do plano de contingência, tais como adquirir em quantidade suficiente EPIs, insumos e equipamentos, contratação de profissionais de saúde, elaboração de novos protocolos, capacitações, organização de espaços para a assistência dos pacientes suspeitos e/ou confirmados da COVID-19, e a preocupação com a saúde mental dos profissionais de saúde.

Apesar das dificuldades, várias estratégias na área da assistência, gestão, extensão e pesquisa do plano de contingência foram essenciais para um melhor resultado na assistência e controle da pandemia, como a colaboração interprofissional entre os profissionais dos HUs e o apoio das universidades federais.           

Os HUs vinculados à EBSERH atenderam e recuperaram milhares de pacientes graves de COVID-19 em virtude do SUS. Podemos compreender a partir dos depoimentos dos gestores que todas as mudanças realizadas nas instituições hospitalares foram possíveis devido ao apoio do SUS, que atende integralmente e universalmente.

Sabe-se que em muitas instituições de saúde, como nos HUs, grande parte das chefias de unidades são enfermeiros e médicos. Na pandemia, constatou-se o quão importante foram esses trabalhadores no planejamento e tomadas de decisões. Diante disso, infere-se que estes profissionais devam buscar ainda mais aperfeiçoamento para atuarem nessas funções.

 

Referências

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Contribuições de autoria

 

1 –Pollyana Plautz Gorris Eger

Autor Correspondente

Enfermeira, doutoranda – pollyanapgorris@gmail.com

Concepção, planejamento do projeto de pesquisa, obtenção ou análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica

 

2 – Heluana Cavalcante Rodrigues

Enfermeira, doutoranda – helucavalcante@yahoo.com.br

Interpretação dos dados, redação e revisão crítica

 

3 – Patricia Nicolle Bravo Mancilla

Enfermeira, doutorandapatricia.bravo@umag.cl

Redação, revisão crítica, tradução, formatação

 

4 – Alacoque Lorenzini Erdmann

Enfermeira, doutora – alacoque.erdmann@ufsc.br

Concepção, planejamento do projeto de pesquisa, obtenção ou análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica

 

5 – José Luís Guedes dos Santos

Enfermeira, doutor– santosjlg29@gmail.com

Interpretação dos dados, redação e revisão crítica

 

Editora Científica Chefe:  Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Alexa Pupiara Flores Coelho Centenaro

 

 

Como citar este artigo

Eger PPG, Rodrigues HC, Mancilla PNB, Erdmann AL, Santos JLG. Action lines adopted by university hospitals based on contingency plans during the COVID-19 pandemic. Rev. Enferm. UFSM. 2024 [Access at: Year Month Day]; vol.14, e7:1-21. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284459