Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.13, e48, p.1-18, 2023

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 16/06/2023 • Aprovação: 30/10/2023 • Publicação: 28/11/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução  1

Método  1

Resultados  1

Discussão  1

Conclusão   1

Referências  1

 

Artigo original                                                                                                                                                                                                                                                                  

Famílias, minorias sexuais e diversidades na perspectiva de profissionais da atenção primária: conceitos e abordagens*

Families, sexual minorities and diversity from primary care professionals’ perspective: concepts and approaches

Familias, minorías sexuales y diversidad desde la perspectiva de los profesionales de atención primaria: conceptos y enfoques

 

André Inácio da SilvaIÍcone

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Mayckel da Silva BarretoIÍcone

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Anderson Reis de SousaIIÍcone

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Hellen Pollyanna Mantelo CecilioIIIÍcone

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Miriam Leiko TerabeIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Sonia Silva MarconIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Universidade Estadual de Maringá - UEM. Maringá, PR, Brasil

II Universidade Federal da Bahia - UFBA. Salvador, BA, Brasil

III Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Três Lagoas, MS, Brasil

 

*Extraído do trabalho de conclusão de curso: “O Conceito e a Abordagem de Família na Perspectiva de Profissionais da Atenção Primária em Saúde”, Universidade Estadual de Maringá, 2023.

 

 

Resumo

Objetivo: apreender o modo com que os profissionais da Estratégia Saúde da Família conceituam e abordam as famílias, e as dificuldades e facilidades advindas deste processo de trabalho. Método: estudo descritivo-exploratório, qualitativo. Dados coletados mediante entrevista e submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática. Resultados: duas categorias revelaram que a concepção de família é centrada nas relações afetivas, sendo o vínculo um fator facilitador da assistência, enquanto a falta de preparo profissional para uma abordagem acolhedora e inclusiva às famílias que fogem do padrão heteronormativo é obstáculo no cotidiano dos serviços. Conclusão: o conceito de família baseia-se predominantemente na afetividade, persistindo modos tradicionais de concepção e de ação junto a ela. Os profissionais têm dificuldade de lidar com famílias não heteronormativas e com aquelas que não se corresponsabilizam durante o processo terapêutico. O vínculo entre profissionais e famílias é crucial para superar as dificuldades e fragilidades do processo assistencial.

Descritores: Saúde da Família; Saúde Pública; Enfermagem; Família; Minorias Sexuais e de Gênero

 

 

Abstract

Objective: to understand the way in which Family Health Strategy professionals conceptualize and approach families, and the difficulties and facilities arising from this work process. Method: a descriptive-exploratory, qualitative study. Data collected through interviews and submitted to content analysis, thematic modality. Results: two categories revealed that the conception of family is centered on affective relationships, with the bond being a factor that facilitates assistance, while the lack of professional preparation for a welcoming and inclusive approach to families that deviate from the heteronormative standard is an obstacle in daily services. Conclusion: the concept of family is predominantly based on affection, with traditional ways of conception and action persisting within it. Professionals have difficulty dealing with non-heteronormative families and those who do not take co-responsibility during the therapeutic process. The bond between professionals and families is crucial to overcoming the difficulties and weaknesses of the care process.

Descriptors: Family Health; Public Health; Nursing; Family; Sexual and Gender Minorities

 

 

Resumen

Objetivo: comprender la forma en que los profesionales de la Estrategia Salud de la Familia conceptualizan y abordan a las familias, y las dificultades y facilidades que surgen de ese proceso de trabajo. Método: estudio descriptivo-exploratorio, cualitativo. Datos recolectados a través de entrevistas y sometidos a análisis de contenido, modalidad temática. Resultados: dos categorías revelaron que la concepción de familia se centra en las relaciones afectivas, siendo el vínculo un factor que facilita la asistencia, mientras que la falta de preparación profesional para un trato acogedor e inclusivo hacia las familias que se desvían del estándar heteronormativo es un obstáculo en los servicios diarios. Conclusión: el concepto de familia se basa predominantemente en el afecto, persistiendo en él modos tradicionales de concepción y acción. Los profesionales tienen dificultad en el trato con familias no heteronormativas y que no asumen corresponsabilidad durante el proceso terapéutico. El vínculo entre profesionales y familias es crucial para superar las dificultades y debilidades del proceso asistencial.

Descriptores: Salud de la Familia; Salud Pública; Enfermería; Familia; Minorías Sexuales y de Género

 

 

 

Introdução

Ao longo do tempo, a concepção de família passou por processos de significativas transformações. Até determinado momento da história, a família  adotou uma lógica patriarcal, nuclear, centrada em laços sanguíneos e genitivos, mas, devido à junção de diversas transformações sociais e novos valores culturais, cedeu espaço aos arranjos familiares centrados nas relações afetivas.1 Assim, discutir família significa falar sobre a união de pessoas que buscam, por meio da convivência, uma mútua companhia que promova apoio moral e psicológico, fatores esses que não necessariamente dependem da consanguinidade para se concretizarem.2

A Constituição Federal do Brasil conceitua família como instituição básica da sociedade e objeto especial da proteção do Estado. O texto de lei discorre sobre a existência e a permanência do casamento, civil ou religioso, como base da família, contudo, não determina sua exclusividade. Para fins de proteção do Estado, reconhece a entidade familiar como aquela formada pela união estável de homem e mulher, e também a formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.3

Todavia, para atender as demandas das transformações sociais, um conceito moderno de família foi estabelecido, infraconstitucionalmente, no campo jurídico, por meio da Lei 11.340/06, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, que apresenta como definição de família a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.4 E, por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, decidiu  equiparar a união homoafetiva à união estável. Desse modo, garante todos os direitos conferidos pela Constituição e demais leis pertinentes à união entre pessoas do mesmo sexo desde que, por óbvio, cumpram os requisitos estipulados por lei na União Estável. Demonstra, assim, uma abertura a novos modelos familiares, por parte do legislador, frente a mudanças visíveis, tanto culturais quanto sociais, ocorridas na sociedade brasileira.5

Além dos tipos de união que caracterizam as famílias, atualmente são discutidos os termos homoparentalidade, monoparentalidade e transparentalidade, conceitos estes que buscam descrever os novos arranjos familiares presentes na sociedade. Tais arranjos são cada vez mais acessíveis devido ao sistema de adoção e às tecnologias de reprodução assistida.6 É importante, portanto, destacar as discussões em torno de pautas que envolvem gênero, identidade de gênero e orientação sexual que, de maneira generalizada e resumida, afirmam que sexo é uma verdade anatômica, enquanto gênero é uma construção sociocultural.7

Algo é certo: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers e todas as outras orientações sexuais e identidades de gêneros (LGBTQIA+) vivem em e constituem famílias, denominadas, genericamente, de famílias plurais. Contudo, estudos realizados no Brasil,8 na Austrália9 e na Suécia10 indicam que essa população encontra uma série de problemas/dificuldades no atendimento à saúde, cuja causa principal centra-se na falta de preparo dos profissionais.

Uma revisão sistemática corrobora as afirmações preexistentes ao evidenciar que indivíduos pertencentes à comunidade LGBTQIA+ enfrentam disparidades dentro do sistema de saúde, principalmente em razão de experiências discriminatórias perpetradas por alguns profissionais, fator que nutre sentimentos de desconfiança e apreensão desses indivíduos em relação aos serviços de saúde. Contribuindo para a persistência de taxas elevadas de problemas de saúde mental, abuso de substâncias, práticas sexuais de risco, autolesões e suicídio dentro desta comunidade.11

No contexto nacional, o atendimento à saúde oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser pautado pelos princípios que orientam a execução da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB): universalidade, acessibilidade, integralidade, equidade, continuidade do cuidado, responsabilização e humanização, tendo como propósito a valorização do usuário/paciente como sujeito único, digno de cuidado qualificado e resolutivo. E é por meio da integralidade do cuidado que uma atenção holística, efetiva e que atenda às necessidades de saúde da comunidade adscrita é propiciada.12

O atendimento holístico dos indivíduos, considerando-se sua singularidade e complexidade, requer profissionais capacitados e especializados em diferentes áreas do saber. Portanto, de acordo com a PNAB, para o funcionamento efetivo da Estratégia Saúde da Família (ESF) é necessário estabelecer uma equipe multiprofissional.13

No entanto, a formação cidadã, social e profissional desses indivíduos segue a lógica binária cis-hetero-normativa e, por mais que o conceito de família tenha passado por inúmeras readequações ao longo dos anos, um ideal do que seria “família tradicional” permanece latente na sociedade. Isto tem potencial para se refletir na limitação dos profissionais em desenvolver um olhar que não seja preconceituoso ou discriminatório direcionado às pessoas que fogem à lógica cisgênero e heterossexual, e também às famílias formadas por esses grupos.8

Diante do exposto questiona-se: de que modo os profissionais atuantes na ESF concebem o conceito de família e como ela é abordada no cotidiano do serviço? É importante obter respostas para essa questão, pois esses profissionais atuam de maneira direta na prestação de assistência às famílias brasileiras e seu entendimento do que é “família” pode influenciar o processo assistencial. Outrossim, mediante uma perceptível carência de informações capazes de responder a tal questionamento, e considerando-as relevantes para o avanço e o aprimoramento do processo de trabalho no campo da saúde, definiu-se o objetivo deste estudo: apreender o modo com que os profissionais da ESF conceituam e abordam as famílias, e as dificuldades e facilidades advindas deste processo de trabalho.

 

Método

Estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa, realizado com profissionais atuantes na ESF do município de Maringá, Paraná, Brasil, o qual contava, à época da investigação, com 33 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 78 equipes da ESF, quatro Unidades de Apoio a Saúde da Família e Serviço de Atenção Domiciliar.14

A secretaria de saúde do município autorizou a realização do estudo em três das UBS que já constituem campo de estágio para a instituição à qual os pesquisadores são vinculados. Uma destas UBS tem, em sua área de abrangência, uma população com perfil de maior vulnerabilidade socioeconômica, enquanto nas outras duas predomina a classe média.

Foram realizadas três visitas em cada uma das unidades de saúde com o intuito de identificar potenciais colaboradores. A seleção dos profissionais centrou-se em profissionais de saúde que satisfizessem o seguinte critério de inclusão: atuar na ESF há pelo menos um ano. Importante ressaltar que não foram incorporados ao estudo os profissionais de saúde que não estavam presentes ou que não puderam ser contatados em nenhuma das três visitas realizadas, devido aos seus compromissos ocupacionais.

Antes das visitas destinadas à coleta de dados, o pesquisador principal solicitou ao coordenador da UBS a indicação dos profissionais que atendiam ao critério de inclusão previamente estabelecido. Em seguida, o pesquisador aproveitou ao máximo as oportunidades para contactar pessoalmente possíveis profissionais. Para tanto, nos dias estabelecidos para a coleta de dados, permaneceu durante todo o período (manhã ou tarde) no serviço. O convite para participar do estudo foi realizado pessoalmente, ocasião em que era informado o objetivo e o tipo de participação desejada. Ao todo foram convidados 15 profissionais e todos aceitaram, com exceção de um cirurgião-dentista que alegou indisponibilidade de tempo devido à agenda de atendimentos. Sempre que possível, a entrevista era realizada no mesmo dia da realização do convite para participação.

Os dados foram coletados nos meses de novembro e dezembro de 2022, mediante entrevistas individuais, realizadas em sala privativa na própria UBS, em dia e horário conforme disponibilidade dos profissionais. Com cada um deles realizou-se apenas um encontro, com duração média de 15 minutos.

As entrevistas foram conduzidas pelo mesmo pesquisador (homem gay cisgênero, aluno do último ano do curso de enfermagem que foi capacitado para realizar entrevistas e a análise de dados qualitativos), durante as quais utilizou-se um roteiro constituído de duas partes. A primeira delas continha questões relacionadas às características sociodemográficas dos profissionais (idade, religião, escolaridade, função exercida, tempo de profissão), e a segunda constituía-se por uma questão norteadora: “O que você entende como família?”. E algumas questões de apoio, entre as quais: Como você vê a família atualmente? Em sua opinião, quem compõe a família e quais suas funções? Quando você faz atendimento no seu dia a dia, consegue abordar a família como um todo? O que facilita e o que dificulta a abordagem da família no âmbito da Atenção Primária em Saúde (APS)?

As entrevistas foram áudiogravadas, após consentimento do profissional, por meio de dispositivo eletrônico, e, após, transcritas na íntegra e armazenadas em arquivos individualizados no Microsoft® Word para análise. As transcrições foram submetidas à análise de conteúdo, modalidade temática, que preconiza a realização de três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados.15 A operacionalização da análise foi norteada por um roteiro prático.16 Na pré-análise após a impressão de cada uma das transcrições, fez-se a leitura flutuante do material, seguida por uma leitura exaustiva de todo o conteúdo, com identificação das ideias centrais. Na etapa de exploração do material, fez-se o agrupamento das ideias centrais por similaridade, dando origem aos Núcleos de Sentido. A seguir, foram identificadas as falas que melhor representavam as ideias centrais de cada núcleo e, posteriormente, as sínteses descritivas elaboradas foram agrupadas em categorias.

Por fim, na etapa de tratamento dos resultados, realizou-se uma síntese geral dos achados, os quais foram discutidos com a literatura pertinente, seguida por inferência e interpretação. Para garantir a qualidade do registro desta pesquisa foram empregados os parâmetros do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). O estudo foi desenvolvido em consonância com preceitos éticos contidos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº. 5.385.925/2020). Os profissionais foram orientados quanto aos preceitos éticos de autonomia, anonimato, sigilo, beneficência, não maleficência e justiça social. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

 

Resultados

Os 14 profissionais em estudo tinham entre 33 e 60 anos, todos se autodeclaram heterossexuais e cisgêneros, 13 são do sexo feminino, 10 casados, oito evangélicos/protestantes, oito com ensino superior completo e 11 com mais de cinco anos de atuação na ESF. Quatro deles eram agentes comunitários de saúde; três eram enfermeiros; três, técnicos/auxiliares de enfermagem; dois, médicos; um era cirurgião-dentista e um auxiliar de consultório dentário. A partir da análise dos dados emergiram duas categorias.

 

Existem vários tipos de famílias: “No meu caso, é pai, mãe e filhos”

Na percepção dos profissionais que participaram da pesquisa, a família atual centra-se principalmente nas relações de afetividade e sua conjugação não está ligada necessariamente à consanguinidade. Em seus depoimentos, eles reconhecem que as famílias contemporâneas não são mais obrigatoriamente formadas por pai, mãe e seus filhos biológicos, e que inúmeros são os modelos possíveis para se constituir família. E destacam, entre eles, pessoas que se amam, que cuidam um do outro e se apoiam mutualmente, como fenômenos afetivos definidores do conceito de família.

Família para mim é um conjunto de pessoas que se amam, que estão cuidando um do outro, que estão se apoiando, que estão morando juntos, vivendo juntos, em um certo acordo, na mesma visão [...] no meu caso, é pai, mãe e filhos, mas existem outros tipos de famílias, famílias só de dois, de três, de dez, de homens, de mulheres, crianças. (Agente Comunitário de Saúde 03)

Para mim família é um núcleo de pessoas que tem uma ligação emocional e também de parentesco [...] não só de sangue, mas mais da parte emocional, hoje em dia a gente vê os vários tipos de família, não só aquelas relacionadas ao sangue. É um núcleo onde as pessoas se relacionam. (Agente Comunitário de Saúde 02)

Família é um grupo de pessoas que moram na mesma casa, que tem objetivos comuns naquela casa e que um cuida do outro. A ligação não precisa ser necessariamente consanguínea [...] hoje as famílias são muito diferentes umas das outras, e se elas convivem e têm um laço de união, um laço fraterno [...] não importa [...] aquilo é família! (Médico 01)

 

Contudo, o discurso de alguns entrevistados revela uma percepção de família atrelada diretamente aos princípios religiosos. Uma visão conservadora, na qual o conceito de família é excludente da diversidade presente na atual sociedade.

A família foi formada lá no princípio por Deus, é constituída por homem e mulher. (Técnica de Enfermagem 02)

 

Em contrapartida, outros entrevistados que apresentam discursos atrelados a uma concepção de família centrada em raízes religiosas, às quais se sentem pertencentes, demonstram a preocupação de incluir a pluralidade em suas conceitualizações acerca do tema, principalmente devido a fatores profissionais.

O que é família para mim, conforme os princípios da religião que eu sigo, que é a católica, é constituída por um homem, uma mulher e os filhos, um, dois, três [...] isso é de cada casal. [...] agora pensando voltado para a atenção básica, o que é família em termos de trabalhar em saúde, acho que vai um pouquinho além desse conceito da religiosidade. (Enfermeira 01)

 

O estudo mostrou que a presença e, por conseguinte, a assistência às famílias plurais é uma realidade no cotidiano dos serviços de saúde.

[...] a gente atende toda e qualquer variedade de pessoas, tem a família, vamos colocar entre aspas, como “padrão”, que são casais heterossexuais, com sua composição de filhos, mas também temos e atendemos sim famílias homoafetivas. [...] mas para gente, principalmente no âmbito profissional, hoje diante do acesso à informação, diante daquilo que está tudo que é divulgado na mídia, é muito natural para gente, e eles também têm perdido um pouco do preconceito, em relação de, ou querer esconder ou manter um sigilo [...] não, é muito natural hoje! (Enfermeira 03)

[...] já tive crianças morando com tios, tias, avós, casais homossexuais, tanto mulheres, quanto homens, para mim se a criança estava bem, não teve diferença, foi bom o contato. (Técnico de Enfermagem 03)

 

Por mais que   perdurem conceitos conservadores e excludentes da pluralidade de tipos de famílias existentes na atual sociedade, esses parecem ser minoritários frente às afirmações que reconhecem a atual heterogeneidade. Os relatos destacam a existência de famílias não heteronormativas, inclusive na realidade cotidiana das instituições de saúde. Ao perceber a existência de tanta diversidade, questiona-se como é feito o atendimento e quais aspectos facilitam e/ou dificultam o andamento da assistência? Busca-se responder esses questionamentos na categoria a seguir.

 

Aspectos que facilitam e que dificultam a assistência à família no cotidiano

Conforme revelam os depoimentos, a confiança, a comunicação efetiva, as demonstrações de apoio e, principalmente, o vínculo formado entre profissionais e as famílias que são assistidas nas UBS são os principais facilitadores para o sucesso da assistência. Nesse contexto, é preciso atentar para o fato de que a maioria dos profissionais entrevistados possui longa história de atuação nas equipes que integram, sendo esse um fator importante para a efetivação do vínculo.

[...] o que facilita, é que na atenção primária existe uma organização do território. Qual equipe que ele é, quando o paciente vem realmente sempre referenciado para a equipe, a gente conhece, faz mais vínculo. (Enfermeira 01)

A comunicação que facilita. A comunicação entre o profissional e a família. O profissional vai ver a situação da pessoa, o profissional vai orientar e vai ouvir o que ela tem para falar [...]. (Auxiliar de Consultório Dentário 01)

Eu estou há cinco anos aqui, eu não tinha um vínculo com PSF, eu vim de hospital, hoje em dia eu conheço mais os pacientes por nome. O que facilita é você conhecer eles, conviver com eles, saber sobre a vida deles, eles terem uma certa confiança em você, com os profissionais que trabalham com eles, eles terem uma certa abertura para falar sobre um problema sem ser julgado. (Técnico de Enfermagem 01)

Eu acho que é demonstrar que a gente está lá para ajudar, “Eu vim aqui para te auxiliar”, “Eu vim aqui para fazer o cadastro, você não vai precisar ir até a UBS” [...] identificar a necessidade do usuário, e acompanhar essa necessidade e estar sempre auxiliando da melhor forma possível naquilo que nos cabe. Eu acho que isso faz com que a gente crie vínculo, onde eles pegam mais confiança na gente, eles sabem que: “Eu posso passar para ela, que ela vai fazer o possível para resolver a minha necessidade”. (Agente Comunitário de Saúde 01)

 

Há, por outro lado, uma ambiguidade em relação ao vínculo, pois ele é considerado um dos desencadeadores do alto nível de dependência do paciente e familiares, que deixam de assumir o papel de protagonistas no cuidado de seus entes, e até mesmo no autocuidado, delegando, de maneira quase exclusiva, a responsabilidade de ações de cuidado, prevenção e promoção às equipes de saúde.

[...] tem os pontos positivos do vínculo e os negativos, claro, ele cria uma dependência muito grande da gente, às vezes, a gente tem que tomar cuidado com o isso, até onde vai esse vínculo para não criar essa dependência tão grande. (Enfermeira 01)

Em seus depoimentos, os profissionais revelaram que o perfil paternalista, muito presente na sociedade, dificulta o andamento do serviço, dado que as famílias não se responsabilizam pela sua saúde, mostrando resistência ao autocuidado. Esse fator é agravado quando há um idoso no núcleo familiar.

[...] a gente padece ainda com o perfil assistencialista que nós trazemos, e um pouco, quando não bastante, com o perfil paternalista, porque se deixar eu tenho que levar balança na casa do paciente, eu tenho que dar a hora do remédio para o paciente, pegar na mãozinha do paciente e falar “Vamos! Caminha!”. (Enfermeira 03)

A gente nota pessoas que querem delegar a obrigação deles para a gente. Na pandemia a gente trazia muitas receitas para evitar que os pacientes viessem até a UBS, muitos acharam que ia ser assim vida toda, “Ai tô precisando de remédio", não, mas agora você tem que passar pelo médico [...] (Agente Comunitário de Saúde 01)

Tem alguns casos que eles acham que a gente tem que resolver tudo, a família acha que o trabalho é nosso, [...] eu até faço, levo remédio, levo receita, mas não é minha obrigação, essa é uma obrigação da família. Em alguns casos, eu deixo de fazer. Eu poderia fazer, mas eu deixo de fazer para não tirar a responsabilidade da família, porque se você vai fazendo tudo, a família vai se afastando e deixando por sua conta. (Agente Comunitário de Saúde 02)

Eu acho que a maior dificuldade hoje em dia, em questão de família, é o idoso. Porque a criança vai para a creche e o idoso, vai para onde? (Médica 01)

A família é extremamente importante [...] mas eu vivencio muitas situações de negligência dos familiares, isso nos entristece. Quando a gente tem aquele idoso e o filho chega na minha porta e fala: "Aciona o ministério público porque eu não vou cuidar, não é minha responsabilidade [...] (Enfermeira 03)

 

Alguns grupos familiares não assumem sua parcela de responsabilidade na assistência à saúde de seus membros. É necessário ressaltar que o fator corresponsabilidade está previsto na PNAB, porém, os relatos evidenciaram que não se trata de uma realidade dos serviços. Com a não efetivação desse fator, o vínculo se torna uma barreira e não um facilitador do processo assistencial. A pandemia da COVID-19, de acordo com os depoimentos, colaborou para que esse problema se tornasse ainda mais expressivo.

Pode-se dizer, além disso, que, por mais que a presença de famílias plurais seja uma realidade nos serviços de saúde, o depoimento de alguns profissionais evidencia a dificuldade que eles possuem para abordar essa população, principalmente devido ao desconhecimento acerca dos universos que fogem à regra heteronormativa.

[...] na abordagem, por exemplo, de pessoas da parte homoafetiva, que às vezes você tem uma certa dificuldade de lidar, de tentar entender esse universo, porque você não é dele, essa poderia ser uma dificuldade que eu tenho de entrar e tentar dar um suporte. Seria uma das dificuldades, para você poder chegar lá, e aconselhar, e conversar, enfim, essa seria uma dificuldade, porque demais situações da parte psiquiátrica ou de patologias, não vejo nenhum problema [...] (Médico 02)

[...] porque às vezes até a gente fica constrangido, vai chamar o paciente, é o nome de uma mulher, a hora que a gente olha, a aparência é de um homem, e daí o que a gente faz? Qual é a nossa reação? Às vezes você chama um nome feminino, aí você vê é nítido que a pessoa não é mais uma mulher, qual a nossa reação com relação a isso, e nossa abordagem em relação ao paciente? (Dentista 01)

 

Todavia, por mais que tenham externalizado uma série de dificuldades na abordagem e no atendimento a essas famílias, ressalta-se, aqui, a preocupação de alguns profissionais em aderir a uma atitude inclusiva, utilizando dispositivos previstos em lei, por exemplo o nome social. Os entrevistados demonstram preocupação em fornecer um atendimento de qualidade à clientela adscrita a sua unidade de atuação, contudo, demonstram carência de conhecimento para concretizar tal anseio.

Por fim, para além das questões relacionadas aos profissionais, um dos depoimentos evidenciou a fragilidade dos serviços de saúde na dispensação de tratamentos frente às necessidades especificas apresentadas por esta população.

[...] veio um casal de homo, são duas mulheres, e ela veio para iniciar o pré natal dela, aí eu falei “Vocês escolheram um doador e foi feito uma inseminação artificial?”, “Foi!”, “E como vocês fizeram?”, “Em casa!”, aí eu falei: “Ué, como assim em casa?!” [...] fizeram uma inseminação artificial caseira, que até então eu desconhecia, mas ela me explicou, que tem até como ensinar, optaram por um amigo em comum que colaborou, se permitiu ser o doador, sem nenhum vínculo legal [...] “Deu certo, engravidamos, depois de alguns dias: “É gêmeo!", falei “Menina, que inseminação caseira que funcionou!”. (Enfermeira 03)

 

O relato expõe uma das dificuldades enfrentadas pelas famílias contemporâneas, especialmente as homoafetivas, no que se refere ao acesso ao planejamento familiar. Isso faz com que esta população recorra a métodos conceptivos que as expõem a uma série de riscos à saúde, indicando a necessidade de os profissionais estarem aptos a intervir e promover orientações em saúde que minimizem os riscos aos envolvidos, inclusive ao concepto.

 

Discussão

A análise do conteúdo apreendido evidenciou que o conceito de família se centra principalmente nas relações de afetividade, e que são inúmeros os modelos possíveis para se constituir família. O vínculo, de acordo com os depoimentos, é considerado o principal mecanismo para diminuir as dificuldades no acesso e na abordagem, e o principal meio de se obter intervenções em saúde bem-sucedida. Identificou-se a fragilidade para efetuar um processo assistencial de qualidade com grupos familiares que os profissionais consideram não alinhados ao fator corresponsabilidade no que diz respeito ao processo terapêutico.

Os profissionais também revelam a dificuldade em abordar as famílias que fogem do padrão heteronormativo. Situação semelhante também foi identificada na Suécia, onde as pessoas da comunidade LGBTQIA+ que buscaram atendimento em saúde reprodutiva revelaram inadequações e maus-tratos nos cuidados de saúde, o que foi atrelado às consequências da heteronormatividade.10

Os resultados da presente pesquisa demonstram que para os profissionais de saúde, atualmente, o entendimento de família é moldado, principalmente, por relações de afetividade. Corroborando, um estudo brasileiro afirma que a ligação biológica não é determinante da forma e da intensidade da relação entre indivíduos de uma família, e sim o vínculo que permeia as memórias e as vivências partilhadas pelos membros do grupo familiar.17

Contudo, por mais que ocorram ampliações dos conceitos de família condizentes com a pluralidade existente, ainda permanece latente, na sociedade,  um modelo considerado ideal de formação familiar, que ganha destaque principalmente durante ondas de conservadorismo político e social, semelhante às que ocorreram recentemente em países como o Brasil e os Estados Unidos,18 ou de forma tradicional em países de origem árabe, nos quais se utiliza a terapia de conversão da orientação sexual.19 Essa tendência conservadora foi observada quando alguns profissionais entrevistados revelaram uma visão excludente da diversidade típica da contemporaneidade, principalmente ao relatarem uma percepção de família atrelada direta e unicamente aos princípios religiosos.

Os depoimentos dos profissionais também ressaltam a dificuldade dos profissionais em abordar, orientar e intervir nas necessidades específicas das famílias que fogem do padrão heteronormativo. Corroborando o exposto, um estudo realizado em Santa Catarina, com o objetivo de descrever as vivências de pessoas transgênero e equipe de enfermagem na atenção à saúde em nível primário e terciário, apontou que devido a circunstâncias socioculturais, no qual o paradigma hetero-cis-normativo é considerado natural, ideal e moralmente correto, o processo formativo dos profissionais da saúde é deficitário. Isto porque os conhecimentos perpassados na academia são influenciados pela cultura em vigor, fazendo com que não haja conhecimento suficiente do universo de possibilidades de ser e estar no mundo, prejudicando diretamente as possibilidades de uma assistência equânime e eficaz.8

Esse contexto revela a importância de se repensar o processo formativo dos profissionais de saúde. Resultados de pesquisas nacionais destacam que, no Brasil, houve avanços consideráveis para a concretização de políticas públicas voltadas aos direitos humanos, à diversidade sexual e de relações de gênero. Em outros termos, o que antes era feito de modo indireto, por meio de frases generalistas que pregavam o bem comum, livre de qualquer forma de preconceito, como é o caso da Constituição Federal de 1988, hoje se solidificou com implantações de programas e estratégias públicas direcionadas a atender uma demanda específica de uma parcela subjugada da população brasileira.20-21

Na condição de exemplos de programas e estratégias existentes tem-se  o Programa Brasil sem Homofobia; a inclusão do nome social no Cartão Nacional de Saúde; a efetivação e ampliação do processo transexualizador no SUS; a inclusão do campo “motivação da violência” por “homo/lesbo/bi/transfobia” no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN); a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, dentre outros.20-21 Contudo, é necessário que haja uma educação direcionada a atender ao que está posto nesses documentos, para que seus pressupostos sejam efetivados na prática assistencial dos profissionais.

Pesquisadores brasileiros, espanhóis e australianos9,11,22 enunciam que não somente é necessária a produção de conhecimentos sobre saúde da população LGBTQIA+, mas também a capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento a essa população. Ou seja, os profissionais precisam ter acesso ao conhecimento produzido, e isso deve ocorrer desde o seu processo formativo para aqueles que ainda estão inseridos nas academias, e também por meio de capacitação continuada àqueles que estão inseridos nos serviços.

No presente estudo mostrou-se que, apesar do reconhecimento por parte do Estado, do direito ao planejamento familiar e dos direitos sexuais e reprodutivos, essa não é uma realidade assegurada à população. Conforme depoimento de um dos profissionais, diante do anseio à maternidade biológica, algumas famílias precisaram recorrer a métodos caseiros. Essa é uma verdade de famílias que não possuem recursos financeiros para realizar o tratamento na rede privada, pois a Reprodução Humana Assistida detém uma série de procedimentos de alto custo. Nesta pesquisa foi evidenciada uma situação bem-sucedida, porém, que foge à regra da maioria dos casos, porque, as famílias plurais e até mesmo as heteronormativas, que expressam o desejo da maternidade/paternidade biológica, encontram uma série de dificuldades para concretizar seus anseios.23

Estudos respaldam esses achados ao revelar que alguns países, entre os quais a Espanha, possuem incentivo governamental para a reprodução humana assistida, principalmente devido ao baixo crescimento demográfico de suas populações. Contudo, essa não é a realidade do Brasil, onde o tratamento não tem cobertura pelos planos de saúde e o acesso público existe, porém, limitado.23-24

Entretanto, a despeito das barreiras de acesso aos tratamentos conceptivos, observa-se o aumento significativo no número de pais que se autoidentificam como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Todavia, uma revisão de literatura que analisou publicações oriundas da Austrália, Suécia, Estados Unidos e Finlândia revelou que, apesar de muitos pais LGBTQIA+ terem vivenciado experiências positivas ao utilizar serviços de saúde para seus filhos, ainda são numerosos os casos de homofobia registrados. Ademais, de acordo com os autores dessa revisão resiste um arraigado sentimento de heteronormatividade, manifestado pela tendência de profissionais de saúde em fazer suposições de cunho heterossexista e pelos modos de prestação de cuidados em saúde heterocentrado. Em razão disto, os pesquisadores enfatizam a premente necessidade de adaptar a documentação utilizada nos ambientes de saúde, de sensibilizar os profissionais por meio de capacitações que permitam a esses trabalhadores identificar e acolher famílias LGBTQIA+ de maneira inclusiva.25

Nos depoimentos, para os profissionais, o vínculo é considerado o principal mecanismo para diminuir as dificuldades no acesso e na abordagem, e o meio de se obter uma intervenção em saúde exitosa. Isso é apontado em estudos no Brasil, com destaque para o campo da Saúde Coletiva, os quais mostram que o vínculo pode ser entendido como mecanismo de enfrentamento das situações de vulnerabilidade, pois amplia a eficácia das ações de saúde. Os pesquisadores também afirmam que o vínculo em si é um encontro intersubjetivo permeado de espontaneidade, empatia e troca, sendo um elemento importante para atender, de maneira efetiva, as expectativas dos sujeitos, sendo, portanto, uma necessidade de saúde.26-27

O despreparo dos profissionais para uma atuação sensível e acolhedora pode ser considerado uma barreira ao vínculo, e a ausência do vínculo, uma barreira para a qualidade da assistência. Tais evidências foram relatadas em uma pesquisa realizada no Brasil8 e outra na Austrália,9 as quais enunciaram uma série de dificuldades vivenciadas pela comunidade LGBTQIA+ ao fazer uso dos serviços de saúde, principalmente devido ao distanciamento entre equipe e paciente, e por experiencias negativas na utilização dos serviços. Em consonância com esses achados, uma pesquisa norte-americana evidenciou que as minorias sexuais possuem, em virtude de vivências desfavoráveis permeadas por preconceito, má comunicação e comportamentos desrespeitosos por parte dos profissionais, uma percepção negativa dos atendimentos em saúde.28

A abordagem às famílias, se, por um lado, é facilitada por meio do vínculo, em contraponto, os discursos dos profissionais convergem para uma alta dependência dos pacientes e da família, quando o vínculo se torna muito acirrado. Isso se relaciona, principalmente, ao fator corresponsabilidade, previsto no novo modelo da Atenção Básica. Uma pesquisa brasileira evidenciou que o termo está posto em vários documentos oficiais que tratam sobre APS e ESF, contudo, enquanto os profissionais de saúde têm suas responsabilidades bem delimitadas, as famílias, não. Os direitos, as obrigações e os recursos necessários para que a família assuma sua parte na responsabilidade do cuidado não estão totalmente claros, somando-se a isso, a mesma pesquisa declara que os profissionais não realizam o repasse das informações necessárias às famílias para o segmento do cuidado e o efetivo funcionamento da corresponsabilidade.29

Assim, profissionais de saúde qualificados e preparados para atender a pluralidade de famílias existentes na atual conjuntura social, tanto quanto a efetivação de políticas públicas de saúde que são uma realidade distante do dia a dia dos brasileiros, constituem um desafio do sistema de saúde. Nesse sentido, há apontamentos de pesquisadores indicando que a educação continuada está prevista nos documentos do SUS e é fundamental na atualização e no intercâmbio de conhecimento entre os diversos membros da Rede de Atenção em Saúde, incluindo os usuários.30

Possíveis limitações do estudo podem estar relacionadas ao fato de as entrevistas terem sido realizadas durante o horário e no local de trabalho dos profissionais, o que pode ter restringido o tempo de participação e até mesmo inibido manifestações mais aprofundadas acerca de algumas questões. Soma-se a isso a ocorrência de interrupções não planejadas, o que atravancou o andamento de algumas entrevistas. Para superar essas questões, estudos futuros poderiam ter o propósito de observar a atuação dos profissionais no exercício de sua função, de modo a identificar como os profissionais, de fato, atuam no cotidiano.

De qualquer modo, os resultados do estudo são relevantes e podem contribuir substancialmente com a prática assistencial, ao apontar que a formação tradicional e de caráter heteronormativo precisa ser superada. Tal mudança possibilitará que os profissionais de saúde estejam preparados para atuar nos mais variados cenários e capacitados para suprir as demandas de saúde dos diferentes grupos populacionais.

 

Conclusão

Evidenciou-se que as concepções de família, na perspectiva dos profissionais da Estratégia Saúde da Família, abordados neste estudo, ainda que pautadas em ideais religiosos, englobam, de certa forma, a pluralidade de composições familiares presentes na sociedade contemporânea, com destaque para as monoparentais, intergeracionais e as homoafetivas. A abordagem ocorre principalmente a partir do vínculo construído e estabelecido ao longo do tempo, tendo como fator preponderante para sua efetivação o respeito, a confiança e o diálogo.

Os profissionais demonstraram em seus depoimentos que reconhecem a importância de ter a família como parceira do cuidado. Em consonância, destacaram as dificuldades que enfrentam ao implementar um processo terapêutico quando consideram que a família não assume sua parcela de corresponsabilidade no tratamento e no cuidado de seus membros. Fato que afirmam ser mais frequente em núcleos familiares com presença de idosos, sobretudo aqueles que apresentam dependência para atividades básicas da vida diária.

Alguns profissionais manifestaram dificuldades em abordar e assistir famílias que fogem da regra heteronormativa, que revela a urgência na implementação de mudanças no processo formativo para que profissionais estejam capacitados para atender aos grupos sociais.

 

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Contribuições de autoria

1 – André Inácio da Silva

Autor Correspondente

Enfermeiro, Mestrando em Enfermagem - andreinacio97@hotmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Mayckel da Silva Barreto

Enfermeiro, Doutor em Enfermagem - mayckelbar@gmail.com

Redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Anderson Reis de Sousa

Enfermeiro, Doutor em Enfermagem - son.reis@hotmail.com

Redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Hellen Pollyanna Mantelo Cecilio

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - pollymantelo@gmail.com

Redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

5 – Miriam Leiko Terabe

Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem - terabemiriam@yahoo.com.br

Revisão e aprovação da versão final.

 

6 – Sonia Silva Marcon

Enfermeira, Doutora em Filosofia da Enfermagem - soniasilva.marcon@gmail.com

Concepção da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Nara Marilene Oliveira Girardon-Perlini

 

Como citar este artigo

Silva AI, Barreto MS, Sousa AR, Cecilio HPM, Terabe ML, Marcon SS. Families, sexual minorities and diversity from primary care professionals’ perspective: concepts and approaches. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e48:1-18. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284122