Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.13, e43, p.1-18, 2023

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 19/06/2023 • Aprovação: 28/09/2023 • Publicação: 10/11/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 3

Método. 5

Resultados 7

Discussão. 11

Conclusão. 17

Referências. 17

 

Artigo original                                                                                                                                                                              

Felicidade no trabalho e interação familiar em enfermeiros: estudo transversal*

Happiness at work and family interaction in nurses: cross-sectional study

Felicidad en el trabajo e interacción familiar en enfermeros: estudio transversal

 

Sofia Alexandra Ribeiro LoureiroIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Helena Maria Almeida Macedo LoureiroIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Letícia de Lima TrindadeIIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Elisabete Maria das Neves BorgesIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal

II Escola Superior de Saúde, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal

III Universidade do Estado de Santa Catarina, Chapecó SC, Brasil

 

 

* Extraído da tese “Felicidade no trabalho e interação familiar: um estudo com enfermeiros em contexto hospitalar”, Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direção e Chefia de Serviços de Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 2021.

 

 

Resumo

Objetivo: analisar a associação entre felicidade no trabalho, interação familiar e variáveis sociodemográficas/profissionais em enfermeiros do contexto hospitalar. Métodos: estudo transversal com amostra de conveniência de 363 enfermeiros. Foram aplicados questionário para caracterização sociodemográfica/profissional, Shorted Happiness at Work Scale e Survey Work-Home Interaction Nijmegen. Na análise e tratamento de dados, recorreu-se à estatística descritiva e inferencial. Resultados: observaram-se níveis moderados de felicidade no trabalho (4,44±1,15) e níveis moderados a baixos de interação familiar (1,02±0,31). Estado civil, atividades de lazer, local de trabalho, tempo de experiência profissional, categoria profissional, horário de trabalho e percepção de trabalho estressante associaram-se à felicidade no trabalho. Idade, sexo, filhos, dependentes, atividades de lazer, tempo de experiência profissional, horário de trabalho e percepção de trabalho estressante associaram-se à interação familiar. Conclusão: os enfermeiros apresentaram níveis moderados de felicidade no trabalho e moderados a baixos de interação familiar, associados a variáveis sociodemográficas e profissionais específicas.

Descritores: Felicidade; Equilíbrio Trabalho-Vida; Enfermeiros; Enfermeiras e Enfermeiros; Saúde Ocupacional

 

Abstract

Objective: to analyze the association among happiness at work, family interaction and sociodemographic/professional variables in nurses in the hospital context. Methods: cross-sectional study with a convenience sample of 363 nurses. Questionnaires for sociodemographic/professional characterization, Shorted Happiness at Work Scale and Survey Work-Home Interaction Nijmegen were applied. In data analysis and processing, descriptive and inferential statistics were used. Results: moderate levels of happiness at work (4.44±1.15) and moderate to low levels of family interaction (1.02±0.31) were observed. Marital status, leisure activities, place of work, length of professional experience, professional category, working hours and perception of stressful work were associated with happiness at work. Age, gender, children, dependents, leisure activities, length of professional experience, working hours and perception of stressful work were associated with family interaction. Conclusion: nurses showed moderate levels of happiness at work and moderate to low levels of family interaction, associated with specific sociodemographic and professional variables.

Descriptors: Happiness; Work-Life Balance; Nurses, Male; Nurses; Occupational Health

 

 

Resumen

Objetivo: analizar la asociación entre felicidad en el trabajo, interacción familiar y variables sociodemográficas/profesionales en enfermeros en el contexto hospitalario. Métodos: estudio transversal con muestra por conveniencia de 363 enfermeros. Se aplicaron un cuestionario de caracterización sociodemográfica/profesional, el Shorted Happiness at Work Scale y el Survey Work-Home Interaction Nijmegen. En el análisis y procesamiento de los datos, se utilizó estadística descriptiva e inferencial. Resultados: se observaron niveles moderados de felicidad en el trabajo (4,44±1,15) y niveles moderados a bajos de interacción familiar (1,02±0,31). El estado civil, las actividades de ocio, el lugar de trabajo, la duración de la experiencia profesional, la categoría profesional, la jornada laboral y la percepción de trabajo estresante se asociaron con la felicidad en el trabajo. La edad, el sexo, los hijos, las personas dependientes, las actividades de ocio, la duración de la experiencia profesional, la jornada laboral y la percepción del trabajo estresante se asociaron con la interacción familiar. Conclusión: los enfermeros mostraron niveles moderados de felicidad en el trabajo y niveles moderados a bajos de interacción familiar, asociados a variables sociodemográficas y profesionales específicas.

Descriptores: Felicidad; Equilibrio entre Vida Personal y Laboral; Enfermeros; Enfermeras y Enfermeros; Salud Laboral

 

Introdução

O estudo das condições de trabalho e da saúde dos trabalhadores tem ganhado notável importância. Especificamente na Enfermagem, os contextos laborais têm sofrido várias modificações (teletrabalho, novas tecnologias e exigências), dificultando a separação entre o trabalho e a família, o que pode aumentar os riscos psicossociais (estresse, bullying, burnout) e comprometer a vida profissional e familiar, a saúde e o bem-estar.1 Assim, é essencial que a análise do trabalho seja conduzida a partir de uma perspetiva positiva, explorando construtos como bem-estar, motivação e felicidade.

A felicidade no trabalho adquire-se pela vivência de sentimentos e experiências positivas, envolvendo a necessidade de ser significativo para o trabalhador. É um construto abrangente que inclui fatores organizacionais e individuais do contexto laboral, que podem ser transitórios (emoções e humores) e estáveis (disposições e atitudes), como também os conceitos de engagement (envolvimento afetivo e cognitivo e prazer na realização do trabalho), compromisso organizacional afetivo (sentimentos de apego, pertença e identificação com os valores organizacionais) e satisfação com o trabalho (julgamentos sobre remuneração, hierarquia e colegas).2 Considerando as características dos contextos em que os enfermeiros exercem a sua profissão, é essencial que estes profissionais estejam felizes para serem mais produtivos e prestarem cuidados de qualidade. A felicidade dos enfermeiros está relacionada com independência e valores e influencia a intenção de rotatividade.3-4

As evidências mostram que os enfermeiros apresentam níveis moderados a baixos de felicidade,3-5 sendo que, em contexto hospitalar, um em cada sete se sente feliz no exercício da sua profissão.4 Assim, fomentar a felicidade desses profissionais é fulcral, contribuindo para o aumento da produtividade, melhoria das condições de trabalho, redução do absentismo, abandono e diminuição das doenças profissionais, com impacto na garantia da qualidade do trabalho e dos sistemas de saúde.4,6 Destaca-se, ainda, a existência de preditores organizacionais e individuais promotores ou dificultadores da felicidade nos enfermeiros. Ambientes de trabalho favoráveis, incentivos à formação, salários mais elevados e hierarquias bem definidas2-4,7 são fatores promotores, enquanto o mau relacionamento com os colegas e superiores hierárquicos, instabilidade na vida pessoal e profissional e barreiras na progressão da carreira são dificultadores da felicidade no trabalho.3-4

Por outro lado, também a interação trabalho-família e família-trabalho têm sido apontadas como possíveis variáveis que impactam no desempenho desses profissionais, uma vez que o “processo em que o funcionamento (comportamento) do indivíduo num domínio (exemplo: casa) é influenciado pelas reações (positivas ou negativas) que foram desenvolvidas no outro domínio (exemplo: trabalho)”.8:322 Mas, o inverso também poderá ocorrer, na medida em que as alterações da dinâmica familiar e o efeito que apresentam nos seus elementos também poderão repercutir na forma como estes desempenham os seus diferentes papéis na sociedade, entre os quais o de trabalhador.8 Neste sentido, o construto de interação familiar reflete a perspetiva integradora da análise da relação entre o trabalho e a família, pois associa a direção (trabalho-família e família-trabalho) e o tipo de influência (positiva e negativa). Este é um tema complexo e cada vez mais atual, visto que a interação familiar é considerada como um dos principais fatores que influenciam a condição de saúde física e mental dos enfermeiros.9 Além disso, os enfermeiros estão constantemente expostos a exigências profissionais (sobreposição de papéis, responsabilidades nos cuidados, coordenação com a equipe multidisciplinar, interação com os pacientes e famílias) e a exigências familiares (filhos, pessoas dependentes), o que se agravou durante a pandemia de Covid-19.

Os enfermeiros estão expostos a ambos os subtipos de interação, mas vivenciam mais a interação trabalho-família, o que pode ser relacionado com o aumento da intenção de rotatividade, deterioração do estado de saúde, exaustão, insatisfação profissional e burnout.10 Igualmente, a interação familiar influencia a segurança, o desempenho e o bem-estar dos enfermeiros, podendo gerar insatisfação, estresse, aumento do absentismo, diminuição da produtividade e intenção de abandonar o trabalho.1

Os enfermeiros gestores têm um papel preponderante na promoção de ambientes de trabalho saudáveis. A avaliação da felicidade no trabalho e da interação familiar é essencial, uma vez que contribui para a qualidade dos cuidados prestados e o bem-estar dos enfermeiros.1,5

Este estudo é relevante em função da escassez de evidência identificada em pesquisa realizada nas mais diversas bases de dados de publicação científica na área da felicidade no trabalho e da interação familiar, tendo os enfermeiros do contexto hospitalar como população- alvo, tanto em nível nacional como internacional. O objetivo foi analisar a associação entre felicidade no trabalho, interação familiar e variáveis sociodemográficas e profissionais em enfermeiros do contexto hospitalar.

 

Método

Desenvolveu-se uma pesquisa transversal com enfermeiros do contexto hospitalar, os quais ocupavam cargos de gestão ou prestavam cuidados diretamente aos doentes, com horário diurno e noturno, em regime de 35 horas semanais, em uma Unidade Local de Saúde (ULS) do norte de Portugal, que abrange uma população de cerca de 175.000 habitantes. Essa ULS dispõe de cerca de 370 leitos de internação e ambulatoriais, incluindo, entre outros, serviços de internação nas especialidades médico-cirúrgicas, bloco operatório, serviço de urgência e emergência, pediatria, ginecologia e consulta externa. A redação do artigo foi orientada pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology (STROBE).

Definiram-se como critério de inclusão possuir tempo de exercício profissional na instituição igual ou superior a seis meses e como critério de exclusão estar ausente com algum tipo de licença: parental, casamento ou férias. De uma população elegível de 696 enfermeiros, a amostra selecionada por conveniência foi constituída de 363, representando uma taxa de adesão de 52,2%.

A coleta de dados ocorreu entre 11 de março e 22 de abril de 2021, com aplicação de um questionário online, elaborado no programa Microsoft Forms, contendo três grupos de informações: sociodemográfica/profissional (sexo, idade, estado civil, presença de filhos, dependentes a cargo, ajuda na prestação de cuidados, atividades de lazer, local de trabalho, habilitações literárias, tempo de experiência profissional, categoria profissional, horário de trabalho, percepção de trabalho estressante); a Shorted Happiness at Work Scale (SHAW);2,11 e o Survey Work-Home Interaction Nijmegen (SWING).8,12 Os participantes foram informados previamente pelo investigador sobre os objetivos do estudo. Seguindo o procedimento da instituição, foi enviado pelo gabinete de comunicação da ULS, simultaneamente, a todos os enfermeiros que exerciam em contexto hospitalar, um e-mail que continha a hiperligação de acesso ao questionário. Esta foi também publicitada na página da intranet da ULS. Ao acederem ao link, os participantes só poderiam responder ao questionário após concederem e manifestarem expressamente o seu consentimento livre e esclarecido. As normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foram atendidas.

A SHAW está validada para a população portuguesa,2,11 sendo constituída de nove itens e três dimensões: engagement, satisfação com o trabalho e compromisso organizacional afetivo, avaliados em uma escala de Likert de sete pontos (1- discordo totalmente e 7- concordo totalmente), podendo assumir valores entre 1 e 7, e quanto maior a pontuação obtida, maior o nível de felicidade no trabalho.2,11 Os valores da SHAW total e das suas dimensões são calculados pela média dos itens. A consistência interna da SHAW foi analisada a partir dos valores de coeficiente Alpha de Chronbach, que oscilaram entre 0,682 e 0,896, representativos de uma boa consistência desse instrumento e semelhantes aos valores do estudo original, que variaram entre 0,631 e 0,867.11

O SWING está validado para a população portuguesa,8,12 incluindo 22 itens, com respostas formuladas em uma escala de Likert de quatro pontos (0- nunca e 3- sempre), distribuídos em quatro subescalas: interação trabalho-família negativa (oito itens); interação família-trabalho negativa (quatro itens); interação trabalho-família positiva (cinco itens); e interação família-trabalho positiva (cinco itens). A utilização dessa escala permite obter um resultado para cada subescala, podendo assumir valores entre 0 e 3, sendo que valores elevados representam níveis elevados de interação entre o trabalho e a família, positiva e negativa.12 A consistência interna do SWING foi analisada a partir dos valores de coeficiente Alpha de Chronbach, que oscilaram entre 0,76 e 0,86, representativos de uma boa consistência deste instrumento e análogos aos valores do estudo original, que variaram entre 0,72 e 0,87.12 Os valores do SWING total e das suas subescalas são calculados pela média dos itens.

Os dados obtidos por meio do programa Microsoft Forms em formato online foram transferidos digitalmente para análise e tratamento de dados para o software de análise estatística IBM®SPSS®, versão 26.0. Na análise exploratória dos dados, calcularam-se as frequências absolutas e relativas, média e desvio padrão. No que se refere à estatística inferencial, dada a dimensão amostral (n=363), considerou-se que a distribuição amostral das médias paras as escalas e suas dimensões pode ser aproximada por uma distribuição normal. Assim sendo, recorreu-se à correlação de Pearson, teste t de Student e análise de variância - one-way ANOVA. As comparações múltiplas, quando necessárias, foram efetuadas com recurso ao teste de Scheffé. O nível de significância estatística assumido em todas as análises foi de 0,05.

A Comissão de Ética para a Saúde e o Conselho de Administração da ULS aprovaram a realização deste estudo (Nº103/CE/JAS de 11/12/2020).

 

Resultados

Da população elegível de 696 enfermeiros, após a remoção de dez participantes pelos critérios de exclusão e pelo não preenchimento de alguma questão do questionário, integraram a amostra de conveniência 363 enfermeiros. Esta foi constituída por profissionais do sexo feminino (n=317; 87,6%), com média de idade de 37,9(±10,1) anos, com parceiro(a) (n=208; 57,3%), com filhos (n=187; 51,5%), sem dependentes (n=212; 58,4%), sem ajuda na prestação de cuidados (n=78; 51,7%), com atividades de lazer (n=221; 60,9%), enfermeiros generalistas (n=247; 68%), da área médico-cirúrgica (n=218; 60,1%), com tempo médio de experiência profissional de 14,8(±10,0) anos, com licenciatura ou pós-graduação (n=318; 87,6%), com horário rotativo (n=284; 78,2%) e que considerava o trabalho estressante (n=320; 88,2%).

Nos níveis de felicidade no trabalho, os enfermeiros apresentaram uma pontuação média de 4,44 (±1,15) na SHAW total. A dimensão com média superior foi o engagement (5,02 ±1,32) e a dimensão com média inferior, a satisfação com o trabalho (3,34 ±1,20) (Tabela 1).

Na relação entre felicidade no trabalho e variáveis sociodemográficas e profissionais, verificou-se que os participantes com parceiro(a) apresentaram médias superiores de compromisso organizacional afetivo (p=0,018). Os enfermeiros que praticavam atividades de lazer apresentaram médias superiores de engagement (p=0,011). Os enfermeiros que trabalhavam na área da mulher, criança e jovem evidenciaram médias superiores na SHAW total (p=0,005), engagement (p=0,008) e compromisso organizacional afetivo (p=0,002), quando comparados com os enfermeiros da área médico-cirúrgica. Observou-se a existência de uma associação linear positiva entre o tempo de experiência profissional e o compromisso organizacional afetivo (p=0,018). Os enfermeiros gestores e os enfermeiros com horário fixo apresentaram médias superiores na escala total (p=0,001) e todas as dimensões (p=0,004; p=0,020; p=0,002). Os enfermeiros que consideraram o trabalho estressante apresentaram médias inferiores na escala total (p<0,001) e todas as dimensões (p<0,001; p=0,001; p=0,016) (Tabela 1).

Tabela 1 - Níveis de felicidade no trabalho e sua variação de acordo com características sociodemográficas e profissionais. Porto, Portugal, 2021 (n=363)

Variáveis

 

Engagement

Satisfação com o trabalho

Compromisso organizacional afetivo

 

SHAW total

Felicidade no trabalho

 

 

 

 

Média (Desvio-padrão)

5,02 (1,32)

3,34 (1,20)

4,96 (1,47)

4,44 (1,15)

Sexo

 

 

 

 

Feminino

5,06 (1,32)

3,37 (1,20)

4,98 (1,48)

4,47 (1,16)

Masculino

4,79 (1,36)

3,16 (1,19)

4,88 (1,41)

4,28 (1,13)

p-valor

0,203

0,258

0,685

0,293

Idade (anos)

0,015

-0,005

0,096

0,045

p-valor

0,769

0,931

0,067

0,288

Estado civil

 

 

 

 

   Com parceiro

5,06 (1,27)

3,29 (1,16)

5,13 (1,26)

4,49 (1,04)

   Sem parceiro

4,97 (1,39)

3,42 (1,26)

4,74 (1,70)

4,38 (1,29)

   p-valor

0,503

0,294

0,018*

0,364

Filhos

 

 

 

 

Sim

5,00 (1,39)

3,24 (1,16)

5,10 (1,34)

4,45 (1,12)

Não

5,05 (1,25)

3,45 (1,24)

4,82 (1,59)

4,44 (1,19)

p-valor

0,723

0,108

0,080

0,995

Dependentes a cargo

 

 

 

 

Sim

4,96 (1,42)

3,25 (1,19)

5,12 (1,34)

4,44 (1,13)

Não

5,07 (1,25)

3,41 (1,21)

4,85 (1,55)

4,44 (1,17)

p-valor

0,440

0,225

0,078

0,990

Atividades de lazer

 

 

 

 

   Sim

5,17 (1,23)

3,43 (1,18)

5,00 (1,50)

4,54 (1,13)

   Não

4,80 (1,43)

3,20 (1,23)

4,91 (1,44)

4,30 (1,18)

   p-valor

0,011*

0,069

0,548

0,058

Local de trabalho

 

 

 

 

   Médico-cirúrgica

    4,85 (1,37)

3,30 (1,29)

4,78 (1,56)

4,31 (1,24)

   Mulher, criança, jovem

5,52 (1,13)

3,65 (1,16)

5,66 (1,08)

4,94 (0,96)

   Doente crítico

5,16 (1,24)

3,30 (1,00)

5,00 (1,35)

4,49 (0,97)

   Comissões técnicas

5,07 (1,55)

3,00 (0,53)

5,07 (0,64)

4,38 (0,74)

   p-valor

0,008*

0,233

0,002*

0,005*

Habilitações literárias

 

 

 

 

Licenciatura/Pós- graduação

4,98 (1,34)

 

3,33 (1,23)

4,93 (1,50)

4,42 (1,18)

Mestrado/Doutoramento

5,31 (1,18)

3,40 (1,01)

5,19 (1,26)

4,63 (0,93)

p-valor

0,120

0,694

0,283

0,165

Tempo de experiência    profissional (anos)

0,041

0,003

 

0,125

 

0,070

 

p-valor

0,441

0,958

0,018*

0,186

Categoria profissional

 

 

 

 

Especialista

5,34 (1,17)

3,54 (1,14)

5,24 (1,42)

4,71 (1,05)

Generalista

4,81 (1,35)§

3,20 (1,20)

4,76 (1,48)

4,26 (1,16)

Gestor

6,01 (0,78)§

4,04 (1,17)

6,07 (0,88)

5,38 (0,78)

   p-valor

<0,001*

0,001*

<0,001*

<0,001*

Horário de trabalho

 

 

 

 

   Fixo

5,41 (1,30)

3,62 (1,22)

5,43 (1,35)

4,82 (1,10)

   Rotativo

4,92 (1,31)

3,27 (1,19)

4,84 (1,48)

4,34 (1,15)

   p-valor

0,004*

0,020*

0,002*

0,001*

Trabalho estressante

 

 

 

 

  Sim

4,92 (1,33)

3,27 (1,20)

4,90 (1,46)

4,36 (1,15)

   Não

5,80 (0,94)

3,90 (1,03)

5,47 (1,49)

5,06 (0,99)

   p-valor

<0,001*

0,001*

0,016*

<0,001*

*p<0,05; †Coeficiente de Pearson;Ajustamento de comparações múltiplas - teste de Scheffé; §Ajustamento de comparações múltiplas - teste de Scheffé

 

Na interação familiar, os enfermeiros apresentaram média na escala SWING total de 1,02 (±0,31), sendo que a subescala interação família-trabalho positiva obteve médias superiores (Tabela 2).

Na relação entre interação familiar e variáveis sociodemográficas e profissionais, verificou-se que as mulheres apresentaram médias superiores na interação família-trabalho positiva (p=0,022). Constatou-se a existência de uma associação linear negativa entre a idade e a escala total (p=0,001) e a interação trabalho-família positiva (p=0,013) e negativa (p=0,041) e a interação família-trabalho positiva (p=0,004), bem como uma associação linear positiva entre a idade e a interação família-trabalho negativa (p=0,025).

Os profissionais com filhos apresentaram médias superiores na interação família-trabalho negativa (p=0,029) e médias inferiores na subescala trabalho-família positiva (p=0,008). Nos enfermeiros com dependentes, verificaram-se médias superiores na interação família-trabalho negativa (p=0,024). Aqueles que praticavam atividades de lazer tiveram médias inferiores na interação trabalho-família negativa (p<0,001) e médias superiores na subescala trabalho-família positiva (p=0,007). Observou-se a existência de uma associação linear negativa entre o tempo de experiência profissional e a escala total (p<0,001), subescala trabalho-família negativa (p=0,022) e positiva (p=0,005) e subescala família-trabalho positiva (p=0,003). Houve uma associação linear positiva entre o tempo de experiência profissional e a subescala família-trabalho negativa (p=0,030). Os profissionais com horário rotativo apresentaram médias superiores na interação trabalho-família negativa (p=0,014) e os que consideraram o seu trabalho estressante apresentaram médias superiores na interação trabalho-família negativa (p<0,001) e médias inferiores na interação família-trabalho positiva (p=0,020) (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Níveis de interação familiar e sua variação de acordo com características sociodemográficas/profissionais. Porto, Portugal, 2021 (n=363)

Variáveis

Interação trabalho-família negativa

Interação família-trabalho negativa

Interação trabalho-família positiva

Interação família-trabalho positiva

 

SWING total

Interação familiar

 

 

 

 

 

Média (Desvio-padrão)

1,09 (0,46)

0,47 (0,42)

1,07 (0,59)

1,29 (0,73)

1,02 (0,31)

Sexo

 

 

 

 

 

   Feminino

1,09 (0,45)

0,47 (0,42)

1,08 (0,60)

1,32 (0,73)

1,03 (0,30)

   Masculino

1,10 (0,51)

0,45 (0,40)

0,94 (0,53)

1,06 (0,65)

0,94 (0,32)

   p-valor

0,916

0,746

0,127

0,022*

0,055

Idade (anos)

-0,107

0,118

-0,130

-0,151

-0,168

   p-valor

0,041*

0,025*

0,013*

0,004*

0,001*

Estado civil

 

 

 

 

 

Com parceiro

1,13 (0,44)

0,48 (0,40)

1,02 (0,56)

1,30 (0,70)

1,03 (0,30)

Sem parceiro

1,04 (0,48)

0,46 (0,44)

1,12 (0,62)

1,28 (0,77)

1,01 (0,32)

   p-valor

0,070

0,694

0,102

0,787

0,611

Filhos

 

 

 

 

 

   Sim

1,14 (0,47)

0,52 (0,39)

0,99 (0,56)

1,29 (0,70)

1,02 (0,30)

   Não

1,05 (0,44)

0,42 (0,44)

1,15 (0,61)

1,29 (0,76)

1,01 (0,32)

   p-valor

0,069

0,029*

0,008*

0,999

0,719

Dependentes a cargo

 

 

 

 

 

   Sim

1,15 (0,46)

0,53 (0,39)

1,02 (0,58)

1,34 (0,69)

1,05 (0,31)

   Não

1,06 (0,45)

0,43 (0,43)

1,10 (0,60)

1,26 (0,76)

1,00 (0,31)

   p-valor

0,057

0,024*

0,220

0,287

0,105

Atividades de lazer

 

 

 

 

 

Sim

1,00 (0,39)

0,43 (0,38)

1,13 (0,59)

1,29 (0,75)

1,00 (0,29)

   Não

1,23 (0,52)

0,52 (0,47)

0,96 (0,58)

1,29 (0,70)

1,06 (0,33)

   p-valor

<0,001*

0,056

0,007*

0,969

0,070

Local de trabalho

 

 

 

 

 

   Médico-cirúrgica

1,10 (0,47)

0,45 (0,39)

1,06 (0,57)

1,29 (0,73)

1,01 (0,31)

Mulher, criança, jovem

1,00 (0,39)

0,44 (0,40)

1,07 (0,65)

1,45 (0,72)

1,02 (0,25)

   Doente crítico

1,13 (0,47)

0,54 (0,48)

1,06 (0,60)

1,22 (0,72)

1,03 (0,33)

Comissões técnicas

1,05 (0,36)

0,65 (0,52)

1,40 (0,80)

1,12 (0,73)

1,07 (0,48)

p-valor

0,409

0,239

0,647

0,310

0,968

Habilitações literárias

 

 

 

 

 

Licenciatura/Pós-graduação

1,10 (0,47)

 

0,46 (0,42)

 

1,08 (0,60)

 

1,29 (0,75)

 

1,02 (0,31)

Mestrado/Doutoramento

1,03 (0,37)

0,51 (0,44)

0,97 (0,52)

1,33 (0,58)

0,99 (0,32)

p-valor

0,343

0,479

0,245

0,661

0,515

Tempo de experiência profissional (anos)

-0,120

0,114

 

-0,147

 

-0,156

-0,185

   p-valor

0,022*

0,030*

0,005*

0,003*

<0,001*

Categoria profissional

 

 

 

 

 

Especialista

1,03 (0,44)

0,53 (0,40)

1,00 (0,58)

1,27 (0,74)

0,99 (0,29)

Generalista

1,13 (0,46)

0,45 (0,43)

1,08 (0,59)

1,31 (0,72)

1,03 (0,32)

Gestor

0,98 (0,47)

0,47 (0,36)

1,17 (0,68)

1,23 (0,84)

0,98 (0,23)

p-valor

0,092

0,212

0,397

0,848

0,420

Horário de trabalho

 

 

 

 

 

   Fixo

0,98 (0,48)

0,54 (0,41)

1,07 (0,60)

1,31 (0,75)

1,00 (0,27)

   Rotativo

1,13 (0,45)

0,45 (0,42)

1,06 (0,59)

1,29 (0,72)

1,02 (0,32)

   p-valor

0,014*

0,086

0,887

0,790

0,489

Trabalho estressante

 

 

 

 

 

   Sim

1, 14 (0,45)

0,48 (0,42)

1,06 (0,58)

1,26 (0,71)

1,03 (0,31)

   Não

0,73 (0,37)

0,41(0,36)

1,13 (0,69)

1,53 (0,83)

0,94 (0,31)

   p-valor

<0,001*

0,295

0,476

0,020*

0,089

*p<0,05; †Coeficiente de Pearson

 

Na relação entre felicidade no trabalho e interação familiar, observou-se uma correlação positiva entre felicidade no trabalho e interação trabalho-família (p<0,001) e família-trabalho positiva (p<0,001) e uma correlação negativa entre felicidade no trabalho e interação trabalho-família e família-trabalho negativa (p<0,001; p=0,011) (Tabela 3). Verificou-se ainda que o aumento dos níveis de engagement e satisfação com o trabalho potenciou o aumento da interação positiva e a diminuição da interação negativa, em ambas as direções, e o aumento dos níveis de compromisso organizacional afetivo potenciou o aumento da interação positiva, em ambas as direções, e a diminuição da interação trabalho-família negativa.

 

Tabela 3 – Correlação entre felicidade no trabalho e interação familiar. Porto, Portugal, 2021 (n=363)

 

Escalas

Engagement

Satisfação com o trabalho

Compromisso organizacional afetivo

Total

Trabalho-família negativa

-0,330

-0,335

-0,225

-0,338

p-valor

<0,001*

<0,001*

<0,001*

<0,001*

Família-trabalho negativa

-0,141

-0,114

-0,093

-0,133

p-valor

0,007*

0,030*

0,077

0,011*

Trabalho-família positiva

0,378

0,337

0,317

0,363

p-valor

<0,001*

<0,001*

<0,001*

<0,001*

Família-trabalho positiva

0,368

0,286

0,370

0,397

p-valor

<0,001*

<0,001*

<0,001*

<0,001*

Total

0,150

0,092

0,193

0,172

p-valor

0,004*

0,082

<0,001*

0,001*

*p<0,05

 

Discussão

Os níveis de felicidade no trabalho identificados nos profissionais deste estudo foram moderados. A dimensão engagement obteve pontuação mais elevada e a satisfação com o trabalho mais baixa, valores semelhantes aos de outros investigadores.2-3

A felicidade relaciona-se com sentimentos de orgulho, alcance de objetivos pessoais e organizacionais, realização profissional e ações significativas para os outros,4 fatores que estão relacionados com o engagement e o compromisso organizacional afetivo. Os níveis mais elevados no engagement e compromisso organizacional afetivo obtidos podem estar associados à motivação, ao sentido de missão por estarem na linha da frente no combate à pandemia e à vontade que esses profissionais têm de proporcionar os melhores cuidados de saúde em plena pandemia de Covid-19. Contudo, o contexto pandêmico levou a profundas mudanças nos contextos laborais (alterações organizacionais, mobilidade de enfermeiros para serviços destinados a doentes com Covid-19, alteração dos turnos de trabalho, ausência de pausas durante a jornada de trabalho devido ao equipamento de proteção indivi­dual, recurso ao teletrabalho), acentuando ainda mais a escassez de recursos humanos e materiais, as más condições de trabalho, os baixos vencimentos e a sobrecarga de trabalho, contribuindo, assim, para o aumento da insatisfação profissional.4

Os participantes com parceiro(a) apresentaram níveis superiores de compromisso organizacional afetivo, fato corroborado por outros investigadores,5,13 o que pode se justificar devido aos enfermeiros com parceiro terem mais encargos econômicos e responsabilidades familiares, estando mais comprometidos com a organização, potenciando, dessa forma, a garantia do seu posto de trabalho e por inerência segurança financeira.

Praticar atividades de lazer esteve associado a níveis superiores de engagement. Resultados similares foram obtidos em estudos com idêntica população em outros países.3,5,7 A realização de atividades de lazer influencia a adoção de comportamentos de autocuidado, promovendo o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde mental, que são promotores da felicidade.5

Trabalhar na área da mulher, criança e jovem representou valores superiores no engagement, compromisso organizacional afetivo e felicidade no trabalho, quando comparada com a área médico-cirúrgica. Em relação a essa variável, outros investigadores identificaram a existência de correlação entre a felicidade e o local de trabalho5,13. As características dos serviços que integram a área da mulher, criança e jovem poderão justificar os resultados obtidos, uma vez que poderão proporcionar ambientes de trabalho mais agradáveis por permitirem aos enfermeiros a vivência de experiências positivas e rotinas dinâmicas. Por outro lado, nesses serviços, constatam-se a presença da família no ambiente de cuidados e uma abordagem centrada na família, o que poderá ser um estímulo à motivação, ao envolvimento, à realização profissional e, consequentemente, promover a felicidade no trabalho.

Os resultados demonstraram que com o aumento do tempo de experiência profissional os enfermeiros apresentaram um aumento dos níveis de compromisso organizacional, o que corrobora as evidências obtidas por outros investigadores em Portugal3 e no Irã.5 À medida que envelhecem as pessoas são mais felizes porque têm maior experiência de trabalho5 e, habitualmente, ocupam cargos profissionais estáveis e com probabilidade de progressão para cargos de gestão, proporcionando visibilidade e reconhecimento institucional e social.

Os enfermeiros com a categoria de gestor apresentaram níveis superiores de felicidade no trabalho, engagement, satisfação com o trabalho e compromisso organizacional afetivo, corroborando as evidências obtidas em outra investigação.3 Esses profissionais têm horário fixo, salários mais elevados e melhor posicionamento na carreira, contribuindo para a satisfação com o trabalho, engagement, compromisso organizacional afetivo e felicidade no trabalho.5

Os profissionais com horário fixo apresentaram níveis superiores de engagement, satisfação com o trabalho, compromisso organizacional afetivo e felicidade no trabalho, dados idênticos aos obtidos por outros investigadores.5 Trabalhar em turnos implica trabalhar à noite, fim de semana e em épocas festivas, tendo o trabalho rotativo e/ou noturno consequências negativas na saúde dos profissionais (alterações do sono e do metabolismo), com impacto na satisfação profissional, na saúde mental e no desempenho profissional.14

Os participantes que consideraram o trabalho estressante apresentaram níveis inferiores de felicidade no trabalho e todas as dimensões, o que é corroborado por um estudo realizado com enfermeiros portugueses.3 A profissão de Enfermagem é das mais expostas ao estresse devido às exigências físicas e emocionais às quais está sujeita em nível pessoal e profissional, e o contexto pandêmico que se vivia no momento da coleta de dados pode ter levado ao aumento das situações de sofrimento que esses profissionais vivenciam diariamente e que afetam o seu bem-estar físico e psicológico.1,4,8

Na interação familiar, os resultados evidenciaram níveis superiores de interação família-trabalho positiva e inferiores de interação família-trabalho negativa, resultados semelhantes ao estudo desenvolvido com enfermeiros portugueses e espanhóis.1 A interação negativa foi superior na direção trabalho-família e a interação positiva superior no sentido família-trabalho, à semelhança de outros resultados.1 Esses achados podem estar relacionados à existência de um bom suporte familiar e ao contexto pandêmico que acentuou as características penosas e desgastantes em que esses profissionais exerceram a sua profissão. Além disso, a família apresenta uma maior permeabilidade, adaptando-se melhor às exigências profissionais, sendo mais frequente protelar a realização de uma atividade familiar do que uma atividade profissional.1

As mulheres apresentaram níveis superiores de interação família-trabalho positiva. Muitos são os estudos que demonstram que as mulheres têm valores mais elevados de interação,1,9,15 contudo verificam-se resultados diferentes na direção (positiva e negativa) e no tipo de influência (trabalho-família e família trabalho). Culturalmente, as mulheres assumem em complementaridade compromissos laborais e responsabilidades familiares, o que poderá dificultar a interação familiar.1 Todavia, o desempenho de múltiplos papéis poderá levar à aquisição de competências para lidar com os diversos desafios e ao desenvolvimento da capacidade de negociação e gestão de problemas e do tempo, podendo ser uma mais-valia para o desempenho laboral.

O aumento da idade e do tempo de experiência profissional foram associados a uma diminuição da interação trabalho-família negativa, interação trabalho-família positiva e interação família-trabalho positiva e a um aumento da interação família-trabalho negativa, tal como observado em profissionais portugueses, espanhóis e brasileiros a exercer em contexto hospitalar.1,10 Existe evidência de que o tempo de experiência profissional é um fator preditor da interação trabalho-família e da interação família-trabalho.10 Os mais jovens vivenciam uma maior multiplicidade de papéis e exigências na carreira e os mais velhos são mais experientes e possuem maior autonomia e capacidade na tomada de decisão, facilitando a resolução de problemas relacionados ao trabalho e à vida pessoal e familiar.1,16

Possuir filhos correspondeu a níveis superiores de interação família-trabalho negativa e níveis inferiores de interação trabalho-família positiva, indiciando a mesma tendência já encontrada em idêntica população.16-17 Os conflitos familiares e profissionais podem ser mais comuns em trabalhadores com filhos, devido ao aumento das responsabilidades, exigências e tensões na vida familiar, podendo causar conflito com as exigências na vida profissional quando não são geridas adequadamente.16-18

Entre os participantes com dependentes observaram-se níveis superiores de interação família-trabalho negativa, à semelhança de outros estudos desenvolvidos.17,19 A prestação de cuidados informais é um desafio para muitos trabalhadores, com impacto na interação familiar e cada vez mais se assiste à necessidade de serem cuidadores a tempo inteiro, ou seja, cuidadores no local de trabalho e cuidadores em casa.16

A prática de atividades de lazer esteve associada a níveis superiores de interação trabalho-família positiva e níveis inferiores de interação trabalho-família negativa, o que foi corroborado pelo trabalho desenvolvido com profissionais portugueses e espanhóis.1 Autores defendem que a realização de atividades de lazer ajuda o trabalhador a se recuperar psicologicamente das exigências profissionais, aumenta a vivência de emoções positivas e proporciona uma melhoria nas relações familiares, diminuindo, desse modo, o conflito trabalho-família.1

Os enfermeiros que atuam em horário rotativo apresentaram níveis superiores de interação trabalho-família negativa, corroborando as evidências de outros estudos efetuados em diferentes países.1,19 O trabalho por turnos exige uma organização eficaz da vida familiar e afeta negativamente a vida social e familiar dos trabalhadores, na medida em que há um desajuste com os horários dos familiares, amigos e serviços públicos e diminuição do tempo disponível para as responsabilidades familiares,18 interferindo, assim, na necessidade de lazer que é imprescindível para o restabelecimento da saúde física e mental.

Os trabalhadores que consideraram o trabalho estressante apresentaram níveis superiores na interação trabalho-família negativa e níveis inferiores na interação família-trabalho positiva, dados semelhantes aos obtidos no estudo comparativo entre portugueses e espanhóis.1 Isso porque a Enfermagem é uma das profissões mais estressantes, resultado das exigências emocionais, interação com outros profissionais, pacientes e famílias, sobrecarga de trabalho e trabalho em turnos.4 Salienta-se o impacto do estresse nos conflitos familiares, o qual pode emergir devido às expectativas e exigências dentro do ambiente familiar.

Na relação entre felicidade no trabalho e interação familiar, observou-se que com aumento da felicidade no trabalho houve um aumento da interação positiva e uma diminuição da interação negativa, corroborando as evidências de outros trabalhos de investigação.20 Além disso, verificou-se que a interação positiva promove o aumento dos níveis de engagement, compromisso organizacional afetivo e satisfação com o trabalho, tendência igualmente verificada por outros investigadores.10

A relação entre felicidade no trabalho e interação familiar é ainda pouco estudada pelo fato de que não foram encontrados estudos que analisem a sua relação, contudo, sabe-se que a Enfermagem é uma das profissões com maior exposição a fatores de estresse no local de trabalho e na família, o que tem impacto na felicidade no trabalho. Os resultados observados demonstram que a felicidade no trabalho é influenciada pela qualidade da relação entre o trabalho e a família, ou seja, pode-se inferir que a interação familiar é um fator facilitador da felicidade no trabalho15 e que o engagement, o compromisso organizacional afetivo e a satisfação com o trabalho são preditores da interação familiar.10 Assim, melhorar a qualidade da relação entre o trabalho e a família poderá contribuir para o aumento dos níveis de felicidade no trabalho.

A literatura tem reconhecido a importância do suporte do enfermeiro gestor, o qual permeia diferentes áreas do processo de trabalho da enfermagem (assistir, administrar, ensinar e pesquisar), na qualidade dos cuidados prestados, no domínio da interação familiar e na ligação com a equipe de saúde ocupacional, fundamental para a identificação de fatores que possam prejudicar a saúde dos enfermeiros. Desse modo, a investigação desenvolvida sobre a felicidade no trabalho e a interação familiar em enfermeiros portugueses fornece um importante contributo para ampliar o corpo científico do conhecimento em Enfermagem, bem como permite aos enfermeiros gestores compreender as implicações que a felicidade no trabalho e a interação familiar têm na promoção de  ambientes de trabalho saudáveis, que são fundamentais para a saúde física e mental desses profissionais e para a segurança e qualidade dos cuidados.

Considerando a conjuntura atual, é fundamental o desenvolvimento de estratégias que fomentem a felicidade no trabalho e a interação familiar, nomeadamente, comunicação eficaz, mindfulness, flexibilidade de horários, gestão do estresse e atividade física.1

Como limitações, consideram-se o fato de a coleta de dados ter sido realizada em um contexto de pandemia e por via online, o que poderá ter condicionado a adesão dos participantes; a amostra de conveniência e o delinemanento do estudo, o qual não permite a extrapolação dos resultados obtidos; e, por último, ser circunscrito a uma ULS poderá ter condicionado as respostas, já que todos os enfermeiros estavam sob a influência do mesmo clima organizacional.

Este trabalho de investigação pode contribuir para a consciencialização de enfermeiros, gestores e organizações quanto à importância da promoção de saúde no local de trabalho, em virtude de a promoção da felicidade no trabalho e da interação familiar trazer benefícios para o trabalhador e para a organização, reduzindo o absentismo, o presentismo e as doenças profissionais, com consequente melhoria na produtividade e qualidade de vida dos trabalhadores. Assim, a investigação nessa área deve ter continuidade, considerando a análise de outras variáveis como clima organizacional, estilos de liderança, motivação e suporte social.

 

Conclusão

Os enfermeiros apresentaram níveis moderados de felicidade no trabalho que se associaram às variáveis estado civil, atividades de lazer, local de trabalho, tempo de experiência profissional, categoria profissional, horário de trabalho e percepção de trabalho estressante. Os níveis de interação familiar encontrados foram moderados a baixos e se associaram às variáveis idade, sexo, possuir filhos, dependentes, atividades de lazer, tempo de experiência profissional, horário de trabalho e trabalho estressante. O estudo evidenciou a existência de uma correlação positiva entre felicidade no trabalho e interação positiva em ambas as direções (trabalho-família e família-trabalho) e uma correlação negativa entre felicidade no trabalho e interação negativa em ambas as direções.

 

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Contribuições de autoria

 

1 – Sofia Alexandra Ribeiro Loureiro

Enfermeira, Mestrado em Enfermagem - sofiaalexandral23@gmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Helena Maria Almeida Macedo Loureiro

Enfermeira, Pós-Doutoramento em Enfermagem, hloureiro@ua.pt

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Letícia de Lima Trindade

Enfermeira, Pós-Doutoramento em Enfermagem, letrindade@hotmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Elisabete Maria das Neves Borges

Autor Correspondente

Enfermeira, Pós-Doutoramento em Enfermagem, elisabete@esenf.pt

Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

 

Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

Editora Associada:  Alexa Pupiara Flores Coelho Centenaro

 

 

Como citar este artigo

Loureiro SAR, Loureiro HMAM, Trindade LL, Borges EMN. Happiness at work and family interaction in nurses: cross-sectional study. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e43:1-18. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769284078