Rev. Enferm. UFSM, v.13, e28, p.1-13, 2023
Submissão: 23/02/2023 • Aprovação: 17/07/2023 • Publicação: 22/08/2023
Artigo original
Avaliação da intensidade e do desconforto da sede de pacientes em pós-operatório imediato*
Assessment of the intensity and discomfort of the thirst of patients in the immediate postoperative period
Evaluación de la intensidad y malestar de la sed en pacientes en el postoperatorio inmediato
Lara Adrianne Garcia Paiano da SilvaIII
Débora Cristina Ignácio AlvesIII
Fabiana Gonçalves de Oliveira Azevedo MatosIII
I Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel, Paraná, Brasil
II Universidade Paranaense – Unipar, Cascavel, Paraná, Brasil
III Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel, Paraná, Brasil
* Extraído do trabalho de conclusão de residência do Programa de Pós-Graduação Residência em Gerenciamento de Enfermagem em Clínica Médica e Cirúrgica da Universidade do Oeste do Paraná - Unioeste, 2023.
Resumo
Objetivo: avaliar a intensidade e o desconforto provocados pela sede em pacientes em pós-operatório imediato. Método: estudo exploratório-descritivo, desenvolvido com pacientes internados na sala de recuperação pós-anestésica de um hospital público paranaense. Avaliaram-se indivíduos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, com cognitivo preservado, internados de junho de 2021 a janeiro de 2022. A intensidade e o desconforto da sede foram mensurados por escalas específicas. Resultados: avaliaram-se 150 pacientes, com média de 43,9 anos. A maioria era do sexo masculino (65,3%), sem comorbidades (68,7%), submetida à raquianestesia (58%) e cirurgia ortopédica (59,3%), com soroterapia em curso (92,7%). O tempo médio de cirurgia foi 1,5 hora e 14,6 horas de jejum; 72,7% da amostra verbalizou sede, sendo que 37,6% queixaram-se de forma espontânea. Conclusão: os participantes de pesquisa apresentaram intensidade (6,6) e desconforto (7,6) moderados de sede no pós-operatório, tornando-se necessário discutir protocolos institucionais de intervenção para diminuir tal evento.
Descritores: Sede; Enfermagem Perioperatória; Período Pós-Operatório; Avaliação de Sintomas; Sala de Recuperação
Abstract
Objective: to evaluate the intensity and discomfort caused by thirst in patients in the immediate postoperative period. Method: exploratory-descriptive study developed with patients hospitalized in the post-anesthetic recovery room of a public hospital in Paraná. Individuals over 18 years of age, of both sexes, with preserved cognitive function, hospitalized from June 2021 to January 2022, were evaluated. Thirst intensity and discomfort were measured by specific scales. Results: 150 patients were evaluated, with a mean of 43.9 years. Most were male (65.3%), without comorbidities (68.7%), underwent spinal anesthesia (58%) and orthopedic surgery (59.3%), with ongoing serotherapy (92.7%). The mean surgery time was 1.5 hours and 14.6 hours of fasting; 72.7% of the sample verbalized thirst, and 37.6% complained spontaneously. Conclusion: the research participants presented moderate intensity (6.6) and discomfort (7.6) of thirst in the postoperative period, making it necessary to discuss institutional intervention protocols to reduce such event.
Decriptors: Thirst; Perioperative Nursing; Postoperative Period; Symptom Assessment; Recovery Room
Resumen
Objetivo: evaluar la intensidad y el malestar causado por la sed en pacientes en el postoperatorio inmediato. Método: estudio exploratorio-descriptivo, desarrollado con pacientes internados en la sala de recuperación postanestésica de un hospital público de Paraná. Se evaluaron personas mayores de 18 años, de ambos sexos, con habilidades cognitivas conservadas, hospitalizadas entre junio de 2021 y enero de 2022. Se midió la intensidad y el malestar de la sed mediante escalas específicas. Resultados: Se evaluaron 150 pacientes, con una edad media de 43,9 años. La mayoría eran hombres (65,3%), sin comorbilidades (68,7%), con anestesia espinal (58%) y cirugía ortopédica (59,3%), con sueroterapia en curso (92,7%). El tiempo promedio de cirugía fue de 1,5 horas y 14,6 horas de ayuno; El 72,7% de la muestra verbalizó sed, con un 37,6% quejándose espontáneamente. Conclusión: los participantes de la investigación presentaron moderada intensidad (6,6) y malestar (7,6) de la sed en el postoperatorio, siendo necesario discutir protocolos de intervención institucional para la reducción de ese evento.
Descriptores: Sed; Enfermería Perioperatoria; Periodo Posoperatorio; evaluación de síntomas; Sala de Recuperación
A sede é um sintoma multifatorial, com alta prevalência em indivíduos em pós-operatório imediato (POI).1 É definida como a vontade de beber água e atua como um mecanismo de compensação para o reestabelecimento do equilíbrio hídrico do organismo, podendo estar associada às condições culturais, emocionais, hábitos individuais e alimentares.2-3
No período perioperatório, a sede configura-se como um desconforto real e de grande magnitude, tendo como principais características referidas pelos pacientes: boca e língua secas, lábios ressecados, vontade de engolir, falta de saliva, saliva grossa e garganta seca.4
Existem algumas condições associadas ao processo cirúrgico que impõem estressores específicos ao paciente e contribuem para o agravamento da sensação da sede, como o tempo de jejum prolongado, medicações anestésicas, intubação orotraqueal, salas cirúrgicas climatizadas, perdas sanguíneas e fatores emocionais.5
Apesar de haver estudos que avaliem o desconforto da sede, observa-se que esta é uma prática escassa na rotina assistencial. A mensuração da sede é útil quando realizada no POI, sendo percebida por alguns pacientes como um desconforto intenso, sendo mais perturbador que a fome ou a própria dor.2
A sede apresenta alta incidência entre os pacientes em POI, entretanto estudo desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa da Sede no Perioperatório (GPS) da Universidade Estadual de Londrina evidenciou que de 13% a 18% das pessoas verbalizaram espontaneamente tal sensação, sendo necessário utilizar estratégias para compreender o silêncio do paciente cirúrgico.3 A cultura arcaica de que os pacientes devem ser mantidos em jejum absoluto durante o período perioperatório faz com que os mesmos permaneçam com sede por tempo prolongado.6 As intervenções, quando realizadas, costumam ser pontuais e isoladas.3
A sede apresenta sinais identificáveis que alteram o funcionamento físico, mental e social do paciente, podendo ser identificada e quantificada por meio de instrumentos válidos e confiáveis disponíveis na literatura,5 no entanto tais recursos ainda são pouco utilizados na prática clínica devido à subestimação da sede. Diante da sua magnitude e dos poucos esforços dispensados para o controle da sede no cenário perioperatório, questiona-se: qual é a intensidade e o desconforto da sede dos pacientes em pós-operatório imediato internados em um hospital público de ensino? Nesse contexto, objetivou-se avaliar a intensidade e o desconforto provocados pela sede em pacientes em pós-operatório imediato.
Trata-se de estudo descritivo-exploratório, com análise quantitativa dos dados, desenvolvido com pacientes em POI, internados em um hospital de ensino localizado na região Oeste do Paraná. O referido hospital é referência na região em atendimento a pacientes politraumatizados, com 298 leitos geridos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Conta com um Centro Cirúrgico (CC) composto de cinco salas cirúrgicas e uma Sala de Recuperação Pós-anestésica (SRPA) com capacidade para seis leitos.
Os critérios de inclusão dos participantes no estudo foram pacientes em POI internados na SRPA no período de junho de 2021 a janeiro de 2022, com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos. Excluíram-se da pesquisa os pacientes com capacidade cognitiva diminuída decorrente do ato anestésico, visto que tal condição clínica inviabilizaria a obtenção das informações necessárias.
Os procedimentos de coleta de dados foram norteados por dois instrumentos validados à realidade brasileira. O primeiro é denominado Escala Visual Numérica (EVN) e avalia o nível de intensidade da sede, em que 0 = nenhuma sede, 1 a 3 = pouca sede, 4 a 6 = sede razoável, 7 a 9 = sede média e 10 = excessiva. A referida escala utiliza a percepção do próprio indivíduo para avaliar a “intensidade da sede”.
O segundo instrumento é denominado Escala de Desconforto da Sede Perioperatória (EDESP) e avalia o desconforto provocado pela sede. Para a escolha de seus atributos, analisaram-se múltiplos fatores, tendo como eixo norteador o “desconforto da sede”.7 A referida escala avalia sete atributos relacionados à sede e possui escores que variam de zero a 14, em que 0 = nenhum desconforto, 1 a 5 = desconforto leve, 6 a 10 = desconforto moderado e 11 a 14 = desconforto intenso.7-8 A coleta dos dados foi realizada em duas etapas distintas e subsequentes: na primeira ocorreu a consulta aos pacientes que estavam internados na SRPA sobre o interesse em participar do estudo. Na sequência foram obtidas as informações para a caracterização dos participantes (sexo, idade, presença ou não de comorbidades, tipo da anestesia, especialidade cirúrgica, tempo de jejum, tempo de cirurgia e presença de soroterapia em curso); e posteriormente foram aplicadas as escalas EVN e EDESP para a avaliação da intensidade e do desconforto provocado pela sede, respectivamente.
Para a análise dos dados, utilizaram-se variáveis descritivas (média e desvio padrão para medidas quantitativas) e frequência absoluta e relativa (para as medidas qualitativas) de forma a avaliar os aspectos gerais dos pacientes relativos à intensidade e ao desconforto da sede, bem como a presença ou não de queixa espontânea de tal sintoma. As análises gráficas foram produzidas a fim de auxiliar na avaliação dos dados amostrais. As árvores de regressão foram construídas com as variáveis EVN e EDESP para melhor compreensão da relação de desconforto e de intensidade da sede com relação às demais variáveis levantadas na pesquisa.
As análises estatísticas foram desenvolvidas no software R Core Team,9 que além das funcionalidades básicas também utilizou o pacote “rpart”10 e “rpart.plot”11 para desenvolvimento do modelo e dos gráficos das árvores de regressão. Esta pesquisa ocorreu seguindo os padrões éticos exigidos de acordo com as resoluções 466/2012, 510/2016 e 580/2018, do Ministério da Saúde, obtendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, nº CAAE: 50066815.8.0000.0107, parecer 4.724. 388, em 20 de maio de 2021.
A amostra do estudo foi composta de 150 pacientes, com predominância de pessoas do sexo masculino (65,3%), sem comorbidades (68,7%), submetidas à cirurgia ortopédica (59,3%), sob raquianestesia (58%) e com presença de soroterapia em curso (92,7%) (Tabela 1). A média de idade dos pacientes foi de 43,9 (±16,6) anos; o tempo médio de jejum foi de 14,6 (±5,2) horas; e o tempo médio de cirurgia foi de 1,5 (±0,9) hora (Tabela 2).
Destaca-se que 72,7% (n=109) dos pacientes foram avaliados com sede, entretanto 37,6% (n=41) apresentaram queixa espontânea de tal evento (Tabela 1). Os pacientes avaliados apresentaram moderada intensidade (6,6±2,7) e moderado desconforto provocado pela sede (7,6±3,9) (Tabela 1).
Tabela 1 - Caracterização dos participantes e avaliação da sede conforme queixa espontânea de acordo com a Escala Verbal Numérica (EVN) e Escala de Desconforto de Sede Perioperatória (EDESP). Cascavel, 2022 (n=150)
Variáveis |
Total %(n) |
Teve queixa espontânea %(n) |
EVN* (0 a 10)‡ |
EDESP† (0 a 14)‡ |
|
Gênero |
|
|
|
|
|
|
Feminino |
34,7(52) |
21,1 (11) |
5±3,8 |
5,8±4,6 |
|
Masculino |
65,3 (98) |
30,6 (30) |
5±3,4 |
6±4,4 |
Comorbidades |
|
|
|
|
|
|
Não possui |
68,7 (103) |
30,1 (31) |
5±3,5 |
5,9±4,3 |
|
Hipertensão Arterial |
18 (27) |
18,5 (5) |
4,4±3,7 |
5,6±5 |
|
Diabetes Mellit(t)us |
13,3 (20) |
10 (2) |
5,2±3,2 |
7,1±4,6 |
|
Outras |
18,7 (28) |
17,9 (5) |
4,2±3,8 |
4,5±4,6 |
Anestesia |
|
|
|
|
|
|
Bloqueio |
3,3 (5) |
20 (1) |
5±4,1 |
7,8±5,2 |
|
Geral |
18, (27) |
25,9 (7) |
5,7±3,7 |
6±4,1 |
|
Geral + raquidiana |
6,7 (10) |
20 (2) |
5,2±3,2 |
6,1±3,8 |
|
Raquidiana |
58 (87) |
31 (27) |
5±3,6 |
6,1±4,8 |
|
Sedação |
14 (21) |
19 (4) |
4±3 |
4,3±3,7 |
Especialidade cirúrgica |
|
|
|
|
|
|
Ortopedia |
59,3 (89) |
29,2 (26) |
5±3,5 |
5,8±4,7 |
|
Geral |
24,7 (37) |
27 (10) |
5±3,6 |
5,8±4,1 |
|
Vascular |
4,7 (7) |
28,6 (2) |
6,6±4 |
8±5,6 |
|
Ginecologia |
4 (6) |
33,3 (2) |
5±4,5 |
6,8±3,8 |
|
Urologia |
2,7 (4) |
25 (1) |
5±3,6 |
4,7±4,1 |
|
Outros |
4,7 (7) |
- (0) |
4±2,9 |
5,6±4,0 |
Presença de soroterapia |
92,7 (139) |
28,1 (39) |
5,1±3,5 |
5,9±4,5 |
|
Paciente avaliado com sede |
72,7 (109) |
37,6 (41) |
6,6±2,7 |
7,6±3,9 |
|
Total |
100 (150) |
27,3 (41) |
5,0±3,5 |
5,9±4,5 |
* Escala Visual Numérica. †Escala de Desconforto da Sede Perioperatória. ‡Média ± desvio padrão.
Tabela 2 - Média e desvio padrão conforme aspectos gerais e queixa espontânea de sede. Cascavel, 2022 (n=150)
Variáveis |
Total |
Queixa espontânea de sede |
|
|
Sim |
Não |
|
Tempo de jejum (horas)* |
14,6±5,2 |
14,6±4,4 |
14,6±5,5 |
Tempo de cirurgia (horas)* |
1,5±0,9 |
1,7±0,9 |
1,4±0,8 |
EVN† |
5±3,5 |
7,9±2,1 |
3,9±3,3 |
EDESP‡ |
5,9±4,5 |
9,6±3,5 |
4,5±4 |
Total de pacientes# |
|
27,3 (41) |
72,7 (109) |
*Média ± desvio padrão. †Escala Visual Numérica. ‡Escala de Desconforto da Sede Perioperatória
Ao desenvolver as árvores de regressão para a nota atribuída na EVN (Figura 1), as informações que entraram no modelo foram ser avaliado com sede, queixa espontânea de sede, tipo de anestesia e tempo de jejum (em horas). O modelo foi estimado com erro absoluto médio de 1,46 ponto na EVN (que varia de 0 a 10). Ressalta-se que, entre os pacientes que apresentaram queixa espontânea de sede, as maiores notas na EVN (que indicam maior intensidade da sede) foram atribuídas ao tempo de jejum ser igual ou superior a 12 horas (x̄ 8,4 pontos).
Figura 1 - Árvore de regressão para a variável resposta EVN
Nota: erro absoluto médio de 1,46 ponto e parâmetro de complexidade truncado em 0,02.
Para a árvore de regressão da nota atribuída na EDESP (Figura 2), as informações que entraram no modelo foram ser avaliado com sede, ter queixa espontânea de sede, idade (em anos) e tempo da cirurgia (em horas). O modelo foi estimado com erro absoluto médio de 2,6 pontos na EDESP (que varia de 0 a 14). Destaca-se que, entre os pacientes que apresentaram queixa espontânea de sede, as maiores notas na EDESP (que indicam maior desconforto provocado pela sede) foram atribuídas ao tempo de cirurgia ser igual ou maior que 2,2 horas (x̄ 12 pontos).
Figura 2 - Árvore de regressão para a variável resposta EDESP
Nota: erro absoluto médio de 2,56 pontos e parâmetro de complexidade truncado em 0,02.
O estudo observou a predominância de pacientes adultos jovens (média de 43,8 anos), sem comorbidades, do sexo masculino e em POI de cirurgia ortopédica. Dados similares foram apontados em pesquisa desenvolvida em hospital do nordeste brasileiro, referência em atendimento ao trauma, que identificou maior frequência de pacientes cirúrgicos do sexo masculino (60,2%) em idade produtiva (média inferior a 50 anos).12 O elevado número de internamentos de pacientes do sexo masculino relacionado a trauma pode ter relação com suas atividades laborais, maior exposição a risco ambiental, cultura negligente de saúde e comportamento violento.12-13
O fato de a ortopedia ser a especialidade cirúrgica mais frequente pode ser atribuído ao perfil do hospital investigado que é referência regional para traumas de média e alta complexidade. O quantitativo de cirurgias do sistema osteomuscular registrado no sistema de informação do Ministério da Saúde brasileiro (DATASUS) apontou que tal especialidade ocupou a segunda colocação em número total de atendimentos entre os anos de 2015 e 2020.13-14
A raquianestesia foi a modalidade anestésica que apresentou maior frequência. Tal achado pode ser explicado porque esse tipo de anestesia é amplamente utilizado em cirurgias pélvicas e de membros inferiores, com destaque para as ortopédicas.15 O paciente submetido à raquianestesia permanece consciente durante o procedimento cirúrgico e algumas reações fisiológicas (bradicardia, hipotensão e hiposaturação) e emocionais (medo, ansiedade) tendem a intensificar a sensação de boca seca e de sede.15 A administração de oxigênio por períodos prolongados, a administração de opioides e anticolinérgicos, a perda sanguínea e a permanência da cavidade oral aberta durante a cirurgia colaboram para o aumento da sensação da sede no POI.3,16
O tempo médio de duração cirúrgica foi de 1 hora e 50 minutos. Destaca-se que os pacientes que apresentaram queixa espontânea de sede tiveram um tempo médio cirúrgico maior (1,7 horas) que os que não se queixaram espontaneamente de sede (1,4 horas). O tempo prolongado de transoperatório infere na perda de fluidos corporais e de temperatura devido à exposição ambiental corroborando para o aumento da sensação de sede.17
Observou-se no estudo que quase a totalidade dos pacientes avaliados apresentavam soroterapia em curso no POI (92,7%). O uso de terapias adjuvantes como a soroterapia, quando utilizada adequadamente, consiste em uma medida protetora segura para minimizar a sede perioperatória.17
Esta investigação identificou que o tempo médio de jejum pré-operatório dos pacientes cirúrgicos foi elevado (14,6 horas). O tempo de jejum prolongado pode ocorrer por diversas razões, dentre elas, erro de comunicação, atraso no início da cirurgia, transferência de horário cirúrgico, adiamentos do procedimento para outro período do dia, cancelamento cirúrgico, demora em prescrever o retorno da dieta no PO, entre outros.18 Tanto o jejum prolongado quanto os fármacos utilizados durante o período transoperatório contribuem para a ocorrência de reações bioquímicas que desencadeiam e intensificam a sede, que pode ser caracterizada por desconfortos intensos.19
O desconforto da sede é real e considerado um fator estressante ao indivíduo.20 Ingerir líquidos em momentos de sede é uma necessidade básica humana, ainda que o mesmo compreenda racionalmente a necessidade do jejum, isso não diminui seu desconforto e sofrimento.20 É comum os pacientes permanecerem em jejum por períodos prolongados, mesmo que novas evidências científicas demonstrem que reduzir o tempo de jejum total ou manter a ingesta de líquidos claros até duas horas antes da operação não aumenta o risco de morbidade associada à anestesia.2,4 Estudos indicam que a ingestão de uma solução de líquido enriquecida com carboidrato proporciona ao paciente em pré-operatório maior satisfação, menor irritabilidade, redução do vômito, aumento do pH gástrico e, principalmente, menor resposta orgânica ao estresse cirúrgico.18,21
Estudo realizado com cirurgiões especialistas em cirurgia bariátrica investigou o tempo de jejum pré-operatório prescrito para sólidos e para líquidos. As respostas verbais foram comparadas com os registros em prontuários. As entrevistas indicaram que era rotina prescrever oito horas de jejum para alimentos sólidos e três horas de jejum para líquidos. No entanto, o tempo médio de jejum registrado nos prontuários foi de doze horas para alimentos sólidos e dez horas para líquidos claros.21-22 Na prática, as prescrições de jejum não são individualizadas de acordo com os diferentes tipos de alimentos e o tempo de jejum vai além do prescrito.18
A identificação da sede perioperatória baseia-se na percepção individual e na verbalização espontânea do paciente. Esta pesquisa verificou que 72,7% dos pacientes investigados foram avaliados com sede, entretanto pouco mais de um terço da amostra de estudo (37,6%) verbalizou estar com sede de forma espontânea. De igual forma, outras duas pesquisas brasileiras também identificaram alta incidência de pacientes com sede no POI e baixa queixa espontânea do referido evento. 3,12
Um dos motivos que pode levar o paciente a não se queixar espontaneamente de sede é a cultura institucional sobre a necessidade de manter o jejum a todo custo até a liberação médica no período pós-operatório.4,6 Destaca-se que os indivíduos adotam o comportamento de “paciente grato” e tendem a não se queixar ou subestimar o seu limiar de sede. Apesar de a repercussão negativa, ainda se desconhece a dimensão da interferência cultural na percepção que a mesma tem sobre a sede perioperatória e sobre sua disposição de comunicá-la à equipe.4,6
De forma geral, os resultados da pesquisa evidenciaram que os pacientes avaliados apresentaram moderada intensidade e moderado desconforto provocado pela sede no POI. Durante a coleta de dados, verificou-se que alguns pacientes tiveram dificuldade em graduar o desconforto e a intensidade da sede.
A literatura aponta que existem estratégias seguras e de baixo custo para minimizar a sede do paciente no POI.2-3,23-24 Estudo que avaliou o efeito do uso da goma de mascar sobre a sede em adultos evidenciou que a utilização da goma reduziu os desconfortos em indivíduos com restrição de ingestão de líquidos por meio do aumento do fluxo salivar, do alívio da xerostomia e da redução da intensidade da sede.23 Pesquisa de revisão de escopo apontou que a oferta de líquidos congelados (solução fisiológica como picolé) e de cubo de gaze embebida em água e lascas de gel foram mais eficientes na redução da sede quando comparadas com soluções em estado líquido.2 Da mesma forma, o uso de picolé mentolado também se mostrou significativamente eficaz para a redução da sede.3 Uma outra estratégia inovadora implementada em recente estudo clínico randomizado foi a utilização de picolé de carboidrato no período pré-operatório, que obteve resultados promissores tanto na redução do tempo de jejum pré-operatório quanto na diminuição do desconforto da sede pós operatória, corroborando, assim, com aumento da assertividade do protocolo de Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória (ACERTO).24
No tocante às limitações da pesquisa, destaca-se que o baixo letramento em saúde dos participantes possa ter contribuído para a incompreensão de alguns níveis (ENV) e itens (EDESP) das escalas utilizadas para mensurar a sede no POI. Durante a coleta de dados, percebeu-se que alguns pacientes não utilizavam os mesmos critérios para responder às perguntas das escalas (EVN e EDESP), visto que indicaram notas altas em uma escala e, ao mesmo tempo, indicaram notas baixas em outra.
Por fim, conhecer a intensidade e o desconforto provocados pela sede no POI contribui para minimizar tal evento. Este estudo levantou dados que permitem promover a mudança da cultura institucional acerca do jejum, discutir protocolos de intervenção perante a sede no período pós-operatório e proporcionar uma assistência pós-operatória mais segura.
A pesquisa identificou que a prevalência da sede nos pacientes em POI foi elevada, visto que mais da metade dos participantes avaliados teve sede, entretanto cerca de um terço dessa clientela apresentou queixa espontânea de tal evento.
Os indivíduos investigados apresentaram moderada intensidade e moderado desconforto provocados pela sede no POI. Entre os fatores que corroboraram para tais resultados, destacam-se o elevado tempo de jejum e o elevado tempo de transoperatório.
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Fomento / Agradecimento: “não possui”.
Contribuições de autoria
1 – Cirlei Piccoli
Autor Correspondente
Enfermeira com residência em Gerenciamento de Enfermagem - cirlei.177030@edu.uniparbr
Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
2 – Jéssica Carine Bald
Enfermeira - jessica_baldpr@hotmail.com
Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
3 – Lara Adrianne Garcia Paiano da Silva
Enfermeira, Doutora em Enfermagem
laraagps@gmail.com - Revisão e aprovação da versão final.
4 – Débora Cristina Ignácio Alves
Enfermeira. Doutora em Ciências - dcialves@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final.
5 – Alessandra dos santos
Matemática. Doutora -alessandra.santos@unioeste.br
Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
5 – Fabiana Gonçalves de Oliveira Azevedo Matos
Enfermeira Doutora em Ciências - fabianamatos@hotmail.com
Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.
Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago
Editora Associada: Rosângela Marion da Silva
Como citar este artigo
Piccoli C, Bald JCm Silva LAGP, Alves DCI, Santos A, Matos FGOA. Assessment of the intensity and discomfort of the thirst of patients in the immediate postoperative period. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access: Year Month Day]; vol.13, e28:1-13. doi: https://doi.org/10.5902/2179769274281