Desenho de rosto de pessoa visto de perto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Rev. Enferm. UFSM, v.13, e23, p.1-18, 2023

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 09/02/2023 • Aprovação: 26/06/2023 • Publicação: 12/07/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 1

Método. 1

Resultados 1

Discussão. 1

Conclusão. 1

Referências. 1

 

Artigo original                                                                                                                                

Vivências de familiares cuidadores de idosos dependentes no processo de cuidado*

Experiences of family caregivers of dependent older people in the care process

Experiencias de cuidadores familiares de personas mayores dependientes en el proceso de cuidado

 

Mayckel da Silva BarretoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Daisy Loza QuispeIIÍcone

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Lígia CarreiraIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Tania Antonieta Pinto UcharicoIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Estela Melguizo HerreraIIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Sonia Silva MarconIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, PR, Brasil

II Universidad Mayor de San Andrés (UMSA). La Paz, La Paz, Bolívia

III Universidad de Cartagena (UC). Cartagena de Índias, Bolívar, Colômbia

 

*Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso: “Vivências de cuidadores familiares de idosos diante do processo de cuidado” apresentado ao curso de enfermagem da Universidade Estadual de Maringá, 2023.

 

 

 

 

Resumo

Objetivo: compreender as vivências de cuidadores familiares de idosos em relação ao cuidado. Método: estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado em um município do Sul do Brasil com 14 cuidadores familiares de idosos dependentes. As entrevistas realizadas entre outubro e novembro de 2022 foram audiogravadas, transcritas na íntegra e submetidas à Análise de Conteúdo, modalidade temática. Resultados: os familiares assumem o cuidado de forma inesperada. Apesar de ele ser pouco compartilhado, a família, especialmente nos primeiros tempos, se reorganiza para apoiar o idoso. Com a vivência continuada da assistência domiciliar, os familiares percebem a sobrecarga, contudo, são capazes de (re)significar seu papel e demonstram que a experiência é fonte de aprendizagem e retribuição. Conclusão: profissionais de saúde devem estar atentos à forma com que o processo de cuidar de idosos se estabelece na vida dos familiares e desenvolver intervenções que os apoiem, diminuam a sobrecarga e ampliem suas fortalezas.

Descritores: Cuidadores; Fardo do Cuidador; Família; Idoso; Percepção

 

Abstract

Objective: to understand the experiences of family caregivers of the older people in relation to care. Method: a descriptive study with a qualitative approach, conducted in a city in southern Brazil with 14 family caregivers of dependent older people. The interviews carried out between October and November 2022 were audio recorded, fully transcribed and submitted to Content Analysis, a thematic modality. Results: Family members take care unexpectedly. Although it is little shared, the family, especially in the early days, reorganizes to support the older adult. With the continued experience of home care, family members perceive the burden, however, they are able to (re)signify their role and demonstrate that the experience is a source of learning and retribution. Conclusion: Health professionals should be attentive to the way in which the process of caring for the older people is established in the lives of family members and develop interventions that support them, reduce overload and expand their strengths.

Descriptors: Caregivers; Caregiver Burden; Family; Aged; Perception

 

Resumen

Objetivo: comprender las experiencias de cuidadores familiares de personas mayores en relación al cuidado. Método: estudio descriptivo, con abordaje cualitativo, realizado en una ciudad del sur de Brasil con 14 cuidadores familiares de personas mayores dependientes. Las entrevistas realizadas entre octubre y noviembre de 2022 fueron audiograbadas, transcritas íntegramente y sometidas al análisis temático. Resultados: los familiares asumen el cuidado de manera inesperada. Aunque rara vez se comparte, la familia, sobre todo en los primeros días, se reorganiza para apoyar al paciente. Con la experiencia continuada del cuidado domiciliario, los familiares perciben la sobrecarga, sin embargo, logran (re)significar su rol y demostrar que la experiencia es fuente de aprendizaje y retribución. Conclusión: los profesionales de la salud deben ser conscientes de la forma en que el proceso de cuidado del anciano se establece en la vida de los familiares y desarrollar intervenciones que los apoyen, reduzcan la carga y amplíen sus fortalezas.

Descriptores: Cuidadores; Carga del Cuidador; Familia; Anciano; Percepción

 

Introdução

Atualmente, no contexto brasileiro, o envelhecimento populacional constitui parte da realidade, e as projeções indicam que a população idosa continuará em crescimento. Por exemplo, a porcentagem de pessoas acima dos 60 anos, que era de 5,8% na década de 1970, em 2020 atingiu 18,8%, e projeta-se que a expectativa de vida passe de 77,1 anos em 2022 para 81 anos em 2050.1 Essas mudanças se relacionam com o aumento no nível de desenvolvimento socioeconômico e educacional, além da crescente urbanização e melhorias na assistência em saúde ocorridas no país nos últimos 30 anos.2

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), no início dos anos de 1990, possibilitou o acesso à assistência integral e gratuita para toda a população. O SUS configura-se como um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, que enfoca, principalmente, a promoção da saúde e prevenção de agravos em todos os ciclos da vida.3 Entretanto, apesar de existirem políticas públicas que valorizam a promoção do envelhecimento ativo e saudável,4-5 as pessoas idosas, com relativa frequência, desenvolvem/adquirem demandas relacionadas a doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)  ̶  cardiovasculares, cânceres e demências  ̶  o que pode causar incapacidades, diminuir a qualidade de vida e desencadear a necessidade de um cuidador familiar.2

No contexto domiciliar, as mulheres, normalmente, são as responsáveis diretas pelo manejo dos familiares idosos que necessitam de assistência. Essas mulheres, em geral, são de meia-idade ou idosas; esposas ou filhas; moram com o idoso ou o acolhem em suas casas; e, às vezes, recebem ajuda de outros familiares.6 Além disso, muitos cuidadores familiares deixam seus empregos, sua vida social e suas relações pessoais para se dedicarem integralmente à assistência de seu ente, inclusive sem o adequado preparo técnico e habilidades mínimas para desempenhar as atividades inerentes ao cuidado,3 o que sabidamente modifica a dinâmica e o funcionamento da vida familiar.7

Desse modo, experienciar o cuidado familiar no papel de cuidador acarreta vivências singulares, as quais não podem ser medidas, mas podem ser conhecidas. Por vivência entende-se o fato de existir e viver, congregando sentimentos e conhecimentos adquiridos pela experiência em uma ou diversas situações da vida cotidiana. Nesse sentido, a vivência é composta pela fugacidade do ser humano no mundo, pela significabilidade que a pessoa dá à globalidade de sua existência e pela incomensurabilidade do conteúdo da própria vivência, o que lhe confere uma dimensão estética.8

Vivenciar o processo de cuidar de idosos, sobretudo daqueles com incapacidades ou limitações para o desenvolvimento das atividades da vida diária, implica estar preparado e ter disposição para assumir esse compromisso. Porém, é importante que essa pessoa possa conciliar a nova função com as suas próprias demandas e necessidades pessoais, laborais e familiares. É preciso estar atento à manutenção da saúde, à prevenção de doenças, alterações biológicas e emocionais, estresse, ansiedade, depressão e conflito familiar, que podem surgir em decorrência do isolamento social e/ou abandono da atividade laboral.9 As variadas mudanças que podem ocorrer na saúde, nas relações sociais e na vida dessa pessoa são, muitas vezes, relacionadas ao desempenho do papel de cuidador e à vivência da sobrecarga.10

Sobrecarga refere-se ao impacto objetivo e/ou subjetivo causado pela necessidade de prestar cuidados prolongados no contexto familiar, envolvendo aspectos econômicos, biológicos e emocionais, aos quais os cuidadores podem ser submetidos.11 Devido a esse contexto complexo da vivência da sobrecarga do cuidador familiar, conhecer suas experiências pessoais possibilita aos profissionais de saúde da Atenção Primária – em especial ao enfermeiro por ser o profissional mais próximo da realidade das famílias em seus domicílios – compreender o modo com que eles podem planejar cuidados em uma perspectiva holística, considerando a pessoa dependente e a família – sobretudo o cuidador.12 Isso porque as famílias, ao serem consideradas sistemas, quando vivenciam uma DCNT, em seu meio, apresentam repercussões que reverberam as vivências de todos os demais membros e, por isso, precisam ser cuidadas em sua completude.13

Nesse ínterim, o estudo em tela justifica-se pela necessidade de se reconhecer e valorizar as experiências dos cuidadores familiares de idosos dependentes, a fim de que as intervenções de enfermagem no âmbito domiciliar sejam direcionadas para as reais demandas vivenciadas no cotidiano no que tange a aspectos biológicos, sociais e emocionais. Embora a sobrecarga dos cuidadores de idosos seja um tema recorrente na literatura,6-7,12-13 discuti-la continua sendo necessário, pois os profissionais ainda não conseguem ter uma atuação capaz de interferir efetivamente sobre a mesma. Assim, pressupondo-se que os cuidadores com menor sobrecarga e que apresentam saúde física e emocional satisfatórias tendem a proporcionar cuidados mais qualificados aos idosos é que se propôs a presente pesquisa, cujo objetivo é compreender as vivências de cuidadores familiares de idosos em relação ao cuidado.

 

Método

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa. Optou-se pela investigação qualitativa, ao se considerar a possibilidade de descrever, registrar, analisar e compreender a realidade, o cotidiano e a visão de mundo das pessoas, interligados aos aspectos socioeconômicos e culturais, frente a um fenômeno específico ou a uma situação-problema.14 Os critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) foram empregados como guia para aprimorar a apresentação do relatório da pesquisa.15

A investigação ocorreu nas clínicas médica e cirúrgica do Hospital Universitário vinculado à Universidade Estadual de Maringá (UEM) que é referência no atendimento de alta complexidade para os 30 municípios que integram a 15ª Regional de Saúde do estado do Paraná, Brasil. As clínicas médica e cirúrgica destinam-se à hospitalização de pacientes adultos com agravos clínicos, cirúrgicos, ortopédicos e traumáticos, e dispõem de 78 leitos distribuídos em quartos com três camas. Somente os pacientes menores de 18 anos, os maiores de 60 anos ou os que apresentem alguma necessidade especial podem ter acompanhante, geralmente um familiar.

Os seguintes critérios de inclusão foram: ter 18 anos ou mais e ser o cuidador familiar principal de um(a) idoso(a) dependente de cuidados, internado(a) na Clínica Médica ou Cirúrgica. A dependência de cuidados foi considerada quando o familiar afirmou prestar cuidados cotidianos ao idoso(a), e quando a equipe de enfermagem referiu que o idoso(a) apresentava dependência para as atividades básicas da vida diária, o que incluía alimentação, higiene e locomoção.16 Nos abordados não foram incluídos os cuidadores familiares que se mostravam chorosos (01 caso) e aqueles com problemas de fala que dificultavam a comunicação (01 caso).

Os dados foram coletados entre outubro e novembro de 2022, mediante entrevista aberta, utilizando-se um questionário semiestruturado, composto de duas partes: a primeira voltava-se a buscar dados sociodemográficos para caracterizar os participantes; a segunda era composta por uma pergunta norteadora: Conte-me como tem sido a experiência de cuidar do seu familiar. Também havia perguntas de apoio: Você acha que seu projeto de vida mudou desde que se tornou cuidador? Você teve alguma dificuldade no cuidado ou no relacionamento familiar? Você está preocupado com algo relacionado ao cuidado a seu familiar? Como você descreve o cuidado prestado ao seu familiar até o momento? Quais são seus desejos para o futuro?

As entrevistas foram realizadas pessoalmente, nos períodos da manhã e da tarde, por uma estudante do último período do curso de enfermagem, que foi previamente treinada para a realização de entrevistas qualitativas. Os familiares eram abordados no quarto de internação, onde eram convidados a participar do estudo e, em caso de aceite, eram direcionados a uma sala reservada. As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e foram gravadas em áudio na íntegra.

Após a transcrição das entrevistas e edição das falas para remover erros gramaticais e vícios de linguagem foi empregado o referencial metodológico da Análise de Conteúdo, modalidade temática,17 aplicando-se suas etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos.  Iniciou-se a pré-análise   com a organização do material, seguida de leitura flutuante dos documentos e sistematização das ideias preliminares, com formulação das primeiras hipóteses e dos indicadores. A exploração do material teve o objetivo de codificar e categorizar o texto das entrevistas. Isto ocorreu a partir do emprego de distintas cores que destacavam as similaridades e diferenças semânticas no conteúdo em análise. Posteriormente, os diferentes códigos gerados foram agrupados para formar as unidades de sentido no texto. Na fase de tratamento dos resultados, inferência e interpretação, os pesquisadores analisaram, de forma reflexiva e crítica, as unidades anteriormente identificadas, produzindo uma compreensão lógica para a interpretação dos resultados e construção da categoria temática e suas subcategorias.17

O processo analítico levou à identificação da categoria “Vivências dos cuidadores familiares de idosos com o processo de cuidar”, composta por três subcategorias: “A necessidade do cuidar como atravessamento na vida familiar e seus desdobramentos”; “Vivenciando a sobrecarga e o sofrimento decorrentes do cuidado familiar continuado”; e “Cuidadores familiares ressignificando o cuidado e pensando sobre o futuro”.

Para obter rigor metodológico na investigação, o processo analítico e de interpretação das informações foi realizado, independentemente, por dois pesquisadores pautados no exercício da reflexividade. Isto é, as suposições prévias de ambos acerca da temática foram reconhecidas e colocadas em suspensão. Durante a análise, quando havia   incongruências, a equipe de investigadores se reunia por videochamada e discutia a análise e interpretação dos dados, em busca de consenso. Por fim, a confiabilidade e a confirmabilidade foram garantidas ao se manter uma trilha de auditoria, assegurando que toda a documentação necessária e de apoio (notas de campo e notas analíticas/reflexivas) estivesse disponível para novas consultas, se pertinente. 18

A pesquisa foi desenvolvida de acordo com os aspectos éticos indicados na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. O projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UEM (Parecer: 5.715.372, aprovado em 21 de outubro de 2022). A entrevista foi presencial, realizada em uma sala reservada, dentro do hospital, o que permitiu a privacidade do participante. E para proteger sua identidade, os entrevistados foram citados com codinomes que representam o seu grau de parentesco com o idoso, a ordem de entrada no estudo e o tempo de prestação de cuidados. Exemplo: (Esposa 01, 3 meses).

 

Resultados

Participaram do estudo 14 cuidadores familiares, com idades que variaram de 37 a 78 anos, sendo 11 mulheres e a maioria era branca. Uma cuidadora não estudou; cinco tinham Ensino Fundamental; seis, Ensino Médio ou pós-médio; e dois tinham ensino superior completo ou incompleto. Quanto à relação familiar, nove eram filhas(os); três eram esposas, uma era irmã, e um era neto. O tempo de cuidado dedicado variou de 15 dias a 30 anos, sendo que os cuidadores do sexo masculino cuidavam de seu familiar há poucos dias (Quadro 01).

 

Quadro 01 - Características dos cuidadores familiares participantes do estudo. Maringá, Paraná, Brasil, 2022.

Codinome

Idade

Escolaridade

Ocupação

Raça/cor

Tempo de cuidado e contexto

Esposa 01

53 anos

Ensino Fundamental

Diarista

Parda

Três meses. Cuidadora deixou as atividades de diarista para cuidar do esposo. Sente que tem sido uma experiência difícil.

Esposa 02

65 anos

Ensino pós-médio

Técnica em Enfermagem

Branca

30 anos. O idoso é diabético e teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há oito anos, passando a locomover-se em cadeira de rodas. A cuidadora é hipertensa e recentemente fez uma cirurgia na coluna.

Esposa 03

78 anos

Ensino Fundamental

Aposentada

Branca

09 meses. O idoso é hipertenso e tem dificuldade para locomover-se. A cuidadora refere ter problema na coluna.

Filha 01

42 anos

Ensino pós-médio

Técnica em enfermagem

Branca

17 anos. A cuidadora é divorciada e tem sete irmãos. Deixou o trabalho para dedicar-se a cuidar da mãe. Refere sentir dores na coluna.

Filha 02

59 anos

Ensino pós-médio

Técnica em Gestão Ambiental

Parda

10 anos. A cuidadora é casada e é a mais velha de cinco irmãos. Sofre de artrose e dores na coluna. Seu pai está em cuidados paliativos.

Filha 03

55 anos

Ensino Fundamental

Dona de casa

Branca

12 anos. É a mais velha de quatro irmãos, mas a mãe, hoje acamada, vive em sua casa desde que ficou viúva. A cuidadora sofre de osteoartrite.

Filha 04

42 anos

Ensino Fundamental

Desempregada

Branca

Um mês. A cuidadora tem apoio financeiro e emocional de sua esposa. Refere se sentir pressionada pela mãe, por ser a única mulher de três irmãos, pois a mãe refere que ela deve cuidar dela e os irmãos devem trabalhar.

Filha 05

36 anos

Ensino Médio

Vendedora autônoma

Branca

15 dias. Cuidadora é casada e tem três filhos. Ela tenta fazer com que a mãe não sinta que o cuidado é um problema. Se sente frustrada com o fato de ter que deixar os filhos com o marido, porque percebe que ele não pode fazer tudo, como ela fazia em casa e na escola.

Filha 06

42 anos

Ensino Fundamental

Dona de casa

Branca

Três anos. A cuidadora tem dois filhos (um autista e um hiperativo). Mora com os pais idosos, sendo a mãe diabética e o pai desde 2020 teve complicações com AVC e pneumonias de repetição, atualmente está acamado.

Filha 07

55 anos

Ensino Médio

Autônoma 

Parda

12 anos. A cuidadora é divorciada, sem filhos, mora com os pais idosos e cuida deles. Ela sofre de uma doença cardíaca em tratamento.

Filho 01

53 anos

Ensino Médio

Segurança noturno

Branco

17 dias. O cuidador é casado e hipertenso. Refere trabalhar todas as noites e vir direto ao hospital para estar com sua mãe que sofreu uma queda e fraturou o fêmur.

Filho 02

33 anos

Ensino superior

Funcionário público

Branco

15 dias. O cuidador é o mais velho de três irmãos e é casado. A mãe morava só, mas revela que a família terá que se reorganizar para assumir o cuidado.

Irmã 01

68 anos

Sem estudo

Dona de casa

Branca

Quatro anos. Cuidadora está cuidando da única irmã que é obesa e tem restrições de locomoção. Refere já estar ansiosa, cansada e triste com o tempo de cuidado.

Neto 01

28 anos

Ensino superior incompleto

Estudante

Pardo

26 dias. Cuidador refere que a avó, após o agravamento do Alzheimer, não é a mesma e que precisará de cuidados em casa, sendo necessário o apoio de toda a família.

 

Vivências dos cuidadores familiares de idosos com o processo de cuidar

A partir dos resultados foi possível observar que alguns assumem o papel de cuidador de um idoso de forma inesperada, mesmo nas condições crônicas, a partir de complicações, limitações e sequelas que podem surgir. Nesses casos, apesar de ser uma tarefa pouco compartilhada, nos primeiros tempos, especialmente, a família se reorganiza com o intuito de apoiar/sustentar o familiar enfermo. Porém, com o passar do tempo, os cuidadores principais começam a sentir a sobrecarga física e mental decorrente de um cuidado domiciliar que é contínuo, repetitivo e inacabado.

O sofrimento é um sentimento comum nessa etapa do processo de cuidar, com o qual os cuidadores precisam aprender a lidar. Ao avançar nessa trajetória, os familiares (re)significam seu papel junto àquele com dependência, passando a perceber que prestar cuidados, além de fonte de aprendizagem, é uma forma de retribuir o carinho recebido dele anteriormente. Também justificam que, com sua atenção, querem semear sentimentos positivos, criar laços familiares fortes o suficiente para superar as crises e situações adversas comuns no sistema familiar. Isso para que outros membros da família, sobretudo os mais jovens, possam reconhecer a importância de relações recíprocas, da valorização dos mais velhos e vejam o cuidador como um exemplo a ser seguido.

 

A necessidade do cuidar como atravessamento na vida familiar e seus desdobramentos

Os cuidadores revelam que o adoecimento crônico de seu familiar idoso associado à necessidade de cuidados domiciliares e, em algum momento, de internação hospitalar, atravessa a vida cotidiana do sistema familiar. Isso causa sofrimento, especialmente para aquele que assume o papel de cuidador principal.

Cuidar do meu familiar tem sido uma experiência muito difícil, dolorosa, muito dolorosa para nós. De repente ele perdeu a memória, não nos reconheceu. Agora tudo mudou, era uma situação que ele nunca tinha vivenciado. Foi um choque para nossa família. (Esposa 01, 3 meses)

A experiência de cuidar do meu marido começou há 30 anos. Ele sofreu um acidente tiveram que amputar a perna dele, foi uma situação muito triste, tive que fazer os curativos, tive que ensinar ele a andar, encorajá-lo e levá-lo para cuidar em casa. (Esposa 02, 30 anos)

Meu marido já está doente há nove meses, no começo durante os primeiros três meses eu comecei a notar ele estranho, ele esquecia as coisas, ele começou a se despir, fazia suas necessidades em qualquer lugar da casa, eu coloquei uma fralda nele. Foi muito triste aceitar que ele estava doente, as pessoas [da família] não aguentavam mais e eu tive que levá-lo para o hospital e foi assim que ele foi internado. (Esposa 03, 9 meses)

 

Ainda que não seja uma experiência compartilhada por todos os cuidadores familiares, alguns referem que os afazeres domésticos, principalmente durante a internação hospitalar, são divididos entre os diferentes membros da família. Inclusive atribuem atividades para a família extensa.

Nós nos organizamos lá em casa, na primeira semana [da internação] eles [os filhos] vieram para ficar no hospital, na segunda [feira] eu pedi um atestado e fiquei a semana inteira com ele. Ele tem três filhos do primeiro casamento e comigo temos um filho e assim começamos a dividir as tarefas. (Esposa 01, 3 meses)

Minha filha me ajuda às vezes a ficar no hospital e meu filho me ajuda na limpeza da casa, não financeiramente porque ele não tem condições. (Esposa 03, 9 meses)

 

Embora o ato de cuidar no domicílio seja difícil, a internação hospitalar produz importantes mudanças no cotidiano e na rotina das famílias.

Eu tenho dois irmãos que estão acamados, outro é caminhoneiro, minha outra irmã não aguenta vê-lo no hospital e minha última irmã trabalha o dia todo. Então, gente está fazendo o que pode, pagando uma cuidadora e deixando ela sozinha. Estou de licença do trabalho, mas tenho que voltar na semana seguinte, essa internação trouxe muitas mudanças no nosso dia a dia. (Filha 02, 10 anos)

Nossa família é muito unida, meu pai faleceu há 12 anos, agora todo mundo aqui quer cuidar dela, então a gente se comunica muito bem, vamos nos falando e um pede ao outro para ir substituindo no hospital, é o que fazemos. (Filha 03, 12 anos)

 

Além da organização familiar e da utilização da rede de apoio social, diversos cuidadores familiares empregam, para prestar um cuidado de maior qualidade, suas habilidades e conhecimentos, trazendo como bagagem as experiências pregressas com o cuidado a outros membros da família.

Minha experiência de cuidar de um familiar começou com meu primeiro casamento, lá cuidei do meu marido até o fim, ele estava com câncer, nunca o deixei e cuidei dele sozinha naqueles quatro anos e meio, a verdade foi muito sofrimento, mas não desisti. (Esposa 03, 9 meses)

 

O atravessamento da necessidade de cuidar, na vida do sistema familiar, é entendido como prioritário. Assim, os cuidadores reprimem suas demandas e sentimentos e, às vezes, parecem vestir um escudo de proteção para esconder o sofrimento e reunir forças para continuar cuidando do familiar idoso.

Tenho que seguir em frente, escondo minha tristeza, choro quando estou sozinha, só Deus sabe o que choro. (Esposa 01, 3 meses)

Estou doente de Diabetes, mas estou me cuidando, mantenho minha mente ocupada, não há tempo para ficar triste. Agora se eu tenho problema econômico ou fico triste, eu deixo todos esses problemas da porta para fora, esqueço de tudo e fico só olhando, enquanto me foco em cuidar dela. (Neto 01, 26 dias)

Mas às vezes nem sempre estou bem, tomo remédio controlado quando estou muito carregada também, tenho pressão alta, tenho dor nos joelhos, tenho cirurgia marcada na coluna, mas sigo cuidando. (Esposa 02, 30 anos)

 

Vivenciando a sobrecarga e o sofrimento decorrentes do cuidado familiar continuado

O sofrimento revelou-se um sentimento inerente ao processo de cuidar de um familiar que convive com condições crônicas. Diferentes cuidadores disseram que tal sofrimento, em parte, é causado pelo fato de identificarem que seu ente querido, em decorrência das doenças de base e suas complicações, sofre física e emocionalmente.

Tem muitas situações que me incomodam, ele tem muitas secreções que não melhoram, feridas que não cicatrizam, o sofrimento dele também me incomoda. (Esposa 01, 3 meses)

Ver ele assim me dói. Meu coração está muito triste e dói muito ter que viver assim. (Esposa 03, 9 meses)

Quando ela está com dor me incomoda muito, eles dão morfina que é muito forte e no final o corpo dela não está respondendo, isso me incomoda, porque eu me sinto impotente para ajudá-la. (Filha 01, 17 anos)

 

O sofrimento é intensificado quando o próprio cuidador apresenta problemas de saúde física e/ou mental, decorrentes ou não dos cuidados prestados ao familiar. Consequentemente, em alguns casos, hábitos danosos, entre os quais o de fumar, se amplificam na rotina dos cuidadores e, em outros casos, há o risco de não cumprir seu próprio tratamento por priorizar a atenção ao idoso. 

Agora tem hora que eu canso de tanto cuidar. Eu não enxergo bem, isso me incomoda e também tomo remédio para pressão alta, isso tudo me dificulta a cuidar do meu familiar. (Filho 01, 17 dias)

Estou cansada, mas não vou desistir. Apesar de ter pressão alta, problema na coluna, estou em tratamento para tudo isso. (Esposa 03, 9 meses).

Estou preocupada por não estar fazendo meu tratamento porque não consigo dormir e, por outro lado, tenho medo de ficar doente. Tem hora que saio para fumar, estou fumando mais ou menos 20 cigarros por dia. (Filha 04, 1 mês)

 

            Verifica-se também que o contexto do cuidado domiciliar e hospitalar favorece a sobrecarga do cuidador familiar. Cuidadores que não podem contar com o apoio de outros familiares e/ou não tem condições para pagar um cuidador formal, apresentam intensas rotinas de cuidado associado a outras situações cotidianas estressoras. Por conseguinte, revelam perceber maior sobrecarga no cuidado familiar.

Eu tenho que continuar trabalhando. Então, para cuidar da minha mãe, eu optei por não voltar para casa e ao sair do trabalho venho direto para o hospital, porque eu trabalho a noite toda como segurança, e venho direto para o hospital, é um esforço tremendo, mas eu faço pela minha mãe. (Filho 01,17 dias)

A verdade é que estou exausta, cansada, sobrecarregada, porque minha família não ajuda a cuidar da minha mãe, acho que se fosse outro cuidador pagariam, mas como sou eu, eles não pagam e nem me ajudam. (Filha 04, 1 mês)

Eu sei que tem outras pessoas que podem pagar um cuidador, mas não tenho condições de pagar, eu me viro sozinha. Isso me cansa demais, estou sobrecarregada. (Esposa 03, 9 meses)

 

Cuidadores familiares resignificando o cuidado e pensando sobre o futuro

Os cuidadores familiares, conforme convivem com os cuidados domiciliares, (re)significam suas vivências na prestação do cuidado ao ente querido. Desse modo, passam a compreender que o cuidado é fonte de aprendizagem e utilizam essa experiência como forma de retribuir o carinho recebido anteriormente. Além disso, deixam claro que desejam estar presentes no processo de cuidar.

Estamos aprendendo mais e estamos cuidando, com amor e carinho. Ele precisa de alguém que faça as coisas por ele com amor. A gente já se acostumou, tem sido uma grande aprendizagem. (Esposa 01, 3 meses)

Para cuidar do meu marido, eu faço o que posso, até onde minhas forças me deixam ir, é o meu amor. Falo com ele todos os dias: “Estou aqui, não vou te abandonar”. (Esposa 03, 9 meses)

Como meu pai está acamado, ele é totalmente dependente, recebi orientações das enfermeiras para dar banho nele no leito, mudar de posição e outras coisas, elas me ajudaram, estou aprendendo e sou grata por isso, porque vou continuar cuidando dele, como ele fez comigo. (Filha 06, 3 anos)

 

Os cuidadores também relatam que cuidam do familiar doente porque querem semear sentimentos positivos, criar laços familiares fortes que possam superar as crises e situações adversas no sistema familiar; e querem que os outros membros da família, principalmente as crianças, vejam o cuidador como um exemplo a ser seguido.

Eu penso assim, me coloco no lugar dela, tenho que ter referências, quero que meus filhos vejam isso, não por obrigação, mas sobretudo por amor. Tive essa referência e agradeço a essas pessoas. Não quero que seja uma obrigação cuidar de mim. Mas, quero que meus filhos assistam e falem sobre isso. (Filha 01, 17 anos)

Sinto que construímos laços familiares fortes, por isso nós nos ajudamos no que podemos. Na verdade é uma doação de tempo e amor. Nesse momento quero que minha mãe fique tranquila, por isso estou aqui e assumi o cuidado com a minha avó durante a hospitalização. (Neto 01, 26 dias)

 

Por fim, os cuidadores familiares, em alguns casos, mostram-se preparados para o momento da morte do ente querido, pois reconhecem que ele se encontra em cuidados paliativos, e, por isso, aguardam resignados o futuro.

Meu pai está em cuidados paliativos, o médico explicou para a família, vou pedir sempre o melhor para ele, estamos nos preparando para sua partida, também nos dói que ele sofra. (Filha 02, 10 anos)

Ninguém sabe o que pode acontecer amanhã, sabemos que o estado é delicado, mas só Deus sabe. Então, deixo tudo com Ele. (Irmã 01, 4 anos)

 

Discussão

Os participantes deste estudo têm um perfil sociodemográfico composto majoritariamente por mulheres, com baixa escolaridade, sem ocupação remunerada, com grau de parentesco próximo e que se dedicam de forma exclusiva ao cuidado do idoso. Esse perfil de cuidadores familiares vem sendo, há tempos, identificado em estudos realizados no Brasil,19-21 e em outras partes do mundo,22-23 demonstrando que gênero, escolaridade e grau de parentesco influenciam a designação do cuidador familiar de pessoas idosas dependentes de cuidado. Inclusive, destaca-se que os três participantes do sexo masculino se encontravam nesse papel há poucos dias, sendo provável que, caso a dependência de cuidados se mantenha ao longo do tempo, outro familiar assuma a responsabilidade.

Os resultados aqui arrolados revelam que os cuidadores familiares vivenciam o início do cuidado de modo inesperado. Apesar de o cuidado ser uma tarefa pouco compartilhada entre os distintos membros das famílias, os entrevistados revelaram que, especialmente nos primeiros tempos, a família necessita reorganizar-se para cuidar, em conjunto, do familiar enfermo. Estudo fenomenológico realizado com nove familiares de idosos com Doença de Alzheimer identificou que as necessidades dos cuidadores iniciavam de forma abrupta, pois, por mais que a doença apresentasse sinais e sintomas iniciais, o diagnóstico não era rapidamente alcançado pelo fato de, às vezes, as famílias postergarem a busca de auxílio profissional ou mesmo pela dificuldade no acesso a serviços de saúde.22 

Outra investigação qualitativa realizada com oito cuidadoras familiares de pacientes com sequelas de AVC apontou que, apesar de as participantes terem acompanhado o familiar durante o período de internação, ao chegarem no domicílio se depararam com dificuldades e sentimentos diversos:  desespero, tristeza, ansiedade e desamparo.20 Além disso, as participantes vivenciaram, já nos primeiros dias em casa,  a insegurança para a execução do cuidado domiciliar, o medo de piora do quadro clínico, a necessidade de adaptações na infraestrutura da residência, as dificuldades financeiras e a diminuição das relações sociais com a família extensa e amigos.20 Desse modo, observa-se que o início dos cuidados ao idoso é um atravessamento na vida cotidiana das famílias. Mudanças de hábitos e adaptações são necessárias, o que, em certa medida, já inicia o processo de sobrecarga do cuidador familiar, principalmente quando a rede de apoio social não é estruturada.24

No estudo em tela, com o passar do tempo os cuidadores principais referiram vivenciar uma intensificação da sobrecarga pelo cuidado domiciliar cotidiano e prolongado. O sofrimento foi um sentimento comum nessa etapa do processo de cuidar. Analogamente, revisão da literatura que analisou os impactos na saúde e qualidade de vida de cuidadores familiares de idosos com Doença de Alzheimer, identificou que a qualidade de vida deles estava cada vez mais prejudicada, pois, de modo crescente, os estudos reportaram sentimentos de estresse, frustração, solidão e impotência entre os cuidadores familiares.25 Pesquisa realizada na Tailândia também demonstrou que os fatores sociodemográficos impactavam na qualidade de vida de cuidadores familiares de pessoas que tinham sofrido um AVC. E mais: que a sobrecarga dos cuidadores continuava sendo um problema, especialmente para aqueles em idade avançada e com baixa renda que cuidavam de idosos gravemente dependentes.22

Sabidamente, a sobrecarga repercute intensamente na saúde do cuidador e o expõe a vulnerabilidades. Isto porque a maior parte dos cuidadores prioriza o cuidado ao seu familiar dependente e, por conseguinte, deixa de realizar o cuidado com a própria saúde, abandona as atividades laborais e, inclusive, se afasta das relações sociais.26-27 Assim, os enfermeiros e a equipe de saúde devem estar atentos a esses determinantes e desenvolver um programa de intervenção familiar que os apoie de forma a melhorar a sua qualidade de vida. Isto porque cuidadores bem informados, orientados e mais experientes, são menos ansiosos e mais seguros na prestação de cuidados, o que se reflete em mais capacidade e disponibilidade para cuidar do familiar.25 E, consequentemente, menor frequência de situações adversas decorrentes de cuidados inadequados.

Ao avançar na trajetória de cuidado, os familiares (re)significam o próprio papel de cuidador e demonstram que a prestação do cuidado também é fonte de aprendizagem, além de um modo de retribuir o carinho recebido anteriormente. Nesse sentido, o processo de cuidar de uma pessoa idosa é descrito como ambivalente, permeado por sentimentos que se confrontam.19 Estudo realizado com 20 cuidadores familiares de idosos demonstrou que eles se sentiam cansados e sobrecarregados com o cuidado no longo prazo. Entretanto, a percepção de sobrecarga com o cuidado era amenizada pelo forte laço afetivo estabelecido entre cuidadores e idosos, o qual era ampliado à medida que o tempo de cuidado também aumentava.27 

 Os cuidadores do presente estudo também indicaram que cuidam do familiar porque querem semear sentimentos positivos, criar laços familiares fortes que possam superar as crises; e desejam que outros membros da família, percebam o cuidador como um exemplo a ser seguido. Nesse sentido, estudos21,27-28 têm demonstrado que entre os cuidadores há a percepção de aspectos positivos com a prestação dos cuidados domiciliares: satisfação com o papel de cuidar; reciprocidade nas relações com o ser cuidado; reconhecimento da existência de recompensas emocionais; crescimento pessoal; desenvolvimento de novas habilidades e competências; crescimento espiritual e aumento da religiosidade; ganhos de relacionamento interpessoal; e senso de dever cumprido.

Mesmo com as importantes constatações identificadas, este estudo possui limitações. A primeira delas se relaciona com o fato de a maior parte dos entrevistados ser do sexo feminino, o que pode circunscrever os achados sob a perspectiva de gênero. Contudo, este é um aspecto comumente encontrado nas pesquisas com cuidadores familiares. Outra limitação se refere ao fato de as entrevistas terem sido realizadas dentro da unidade hospitalar, durante um momento em que, certamente, há uma amplificação dos sentimentos negativos e a percepção de sobrecarga entre os familiares decorrentes das mudanças enfrentadas. Mas esta foi uma estratégia empregada para ampliar a localização e facilitar a abordagem de cuidadores familiares de pessoas idosas.

Entretanto, destaca-se que o estudo é relevante ao demonstrar para os enfermeiros da prática clínica, principalmente aqueles que atuam nos serviços de atenção primária e aos pesquisadores em futuras investigações, que o desenvolvimento de intervenções familiares é necessário. Tais intervenções devem buscar estratégias para diminuir o sentimento de sofrimento e sobrecarga física e mental entre cuidadores de pessoas idosas e, ao mesmo tempo, ampliar as competências e habilidades para o cuidado continuado. Isso é importante para que as famílias se sintam apoiadas na prestação do cuidado, diminuam a vivência da sobrecarga e ampliem suas fortalezas e potencialidades. Para tanto, referenciais de enfermagem familiar para avaliação e intervenções com famílias podem ser empregados tanto na prática como na pesquisa.

 

Conclusão

A partir dos resultados desse estudo foi possível compreender as vivências de cuidadores familiares de idosos relativas ao processo de cuidado, sendo esta uma experiência que, com frequência, se materializa de modo inesperado, e, apesar de o cuidado ser uma tarefa pouco compartilhada entre os diferentes membros da família, eles precisam, especialmente nos primeiros tempos, se reorganizar para apoiar/sustentar o idoso.

Com a vivência continuada do cuidado, os familiares referem sentir sobrecarga física e mental. O sofrimento parece ser inerente ao processo de cuidar, sobretudo em seu início. Entretanto, ao avançar na trajetória de cuidado, os familiares (re)significam o próprio papel de cuidador e revelam que a prestação do cuidado é fonte de aprendizagem. Além disso, afirmam que cuidam do familiar porque desejam semear sentimentos positivos, criar laços familiares mais fortes para superar as crises e situações adversas na família; e esperam que outros membros da família percebam o cuidador como um exemplo a ser seguido por eles.

 

Referências

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Contribuições de autoria

 

1 – Mayckel da Silva Barreto

Auotr Correspondente

Enfermeiro, Doutor em Enfermagem - msbarreto@uem.br

Concepção e desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Daisy Loza Quispe

Acadêmica de Enfermagem - sordaisyloza@gmail.com

Desenvolvimento da pesquisa, redação revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Lígia Carreira

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - lcarreira@uem.br

Desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Tania Antonieta Pinto Ucharico

Enfermeira, Mestre em Enfermagem - taniapintou@hotmail.com

Desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão e aprovação da versão final.

 

5 – Estela Melguizo Herrera

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - emelguizoh@unicartagena.edu.co

Desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão e aprovação da versão final.

 

6 – Sonia Silva Marcon

Enfermeira, Doutora - soniasilva.marcon@gmail.com

Concepção e desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão e aprovação da versão final.

 

 

Editora Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Nara Marilene Oliveira Girardon-Perlini

 

Como citar este artigo

Barreto MS, Quispe DL, Carreira L, Ucharico TAP, Herrera EM, Marcon SS. Experiences of family caregivers of dependent older people in the care process. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e23:1-18. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769274117