Rev. Enferm. UFSM, v.13, e11, p.1-15, 2023
Submissão: 31/10/2022 • Aprovação: 23/02/2023 • Publicação: 04/04/2023
Artigo original
Validação de instrumento para Registro do Processo de Enfermagem no atendimento pré-hospitalar móvel de urgência*
Validation of an instrument for the Nursing Process Record in prehospital mobile emergency care
Validación de un instrumento para el Registro del Proceso de Enfermería en la atención móvil de emergencia prehospitalaria
Mitzy Tannia Reichembach DanskiI
I Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
II Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
*Extraído da Tese “Tecnologia para registro do Processo de Enfermagem no Serviço Pré-Hospitalar Móvel: Nursing APHmóvel”, 2019, Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, 2019.
Resumo
Objetivo: validar a aparência e o conteúdo de um instrumento para Registro do Processo de Enfermagem no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Método: estudo de abordagem quantitativa, em que o instrumento foi submetido à validação de aparência e conteúdo por comitê de 21 experts na área de atendimento pré-hospitalar móvel de urgência nacionalmente. Um Índice de Validade de Conteúdo (IVC) igual ou superior a 0,80 estabeleceu a validação. Resultados: obteve-se um IVC de 0,94. Apenas o item facilidade de leitura, relacionado à aparência, teve um índice abaixo do estabelecido. Foi possível avaliar as 99 intervenções de Enfermagem elencadas. Conclusão: o instrumento para Registro do Processo de Enfermagem no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência foi considerado válido e pode possibilitar a documentação manual da prática do enfermeiro neste cenário.
Descritores: Registros de Enfermagem; Processo de Enfermagem; Estudo de Validação; Enfermagem em Emergência; Serviços Médicos de Emergência
Abstract
Objective: face and content validation of an instrument for Recording the Nursing Process in the Mobile Emergency Care Service. Method: quantitative study of face and content validation of the instrument by a committee of 21 experts in the field of prehospital mobile emergency care nationwide. A Content Validity Index (CVI) equal to or greater than 0.80 determined validation. Results: a CVI of 0.94 was obtained. Only the item ease of reading, related to appearance, had an index below the established. It was possible to evaluate the 99 nursing interventions listed. Conclusion: the instrument for the Nursing Process Record in the Mobile Emergency Care Service was considered valid and can enable the manual documentation of nursing practice in this setting.
Descriptors: Nursing Records; Nursing Process; Validation Study; Emergency Nursing; Emergency Medical Services
Resumen
Objetivo: validación de apariencia y contenido de un instrumento para el Registro del Proceso de Enfermería en el Servicio de Atención Móvil de Emergencia. Método: estudio cuantitativo de validación facial y de contenido del instrumento por un comité de 21 expertos en el campo de la atención prehospitalaria móvil de emergencia a nivel nacional. Un Índice de Validez de Contenido (IVC) igual o superior a 0,80 determinó la validación. Resultados: se obtuvo un IVC de 0,94. Únicamente el ítem facilidad de lectura, relacionado con la apariencia, presentó índice por debajo de lo establecido. Fue posible evaluar las 99 intervenciones de enfermería listadas. Conclusión: el instrumento para el Registro del Proceso de Enfermería en el Servicio de Atención Móvil de Emergencia se consideró válido y puede posibilitar la documentación manual de la práctica de enfermería en este escenario.
Descriptores: Registros de Enfermería; Proceso de Enfermería; Estudio de Validación; Enfermería de Urgencia; Servicios Médicos de Urgencia
No Brasil, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) configura-se como um componente da Política Nacional de Atenção às Urgências. Tal serviço busca chegar precocemente à vítima após a ocorrência de um agravo à sua saúde (de natureza clínica, cirúrgica e traumática, inclusive as psiquiátricas) para atendimento e/ou transporte adequado a um serviço de saúde.1
Pacientes que demandam alta complexidade de cuidado no atendimento pré-hospitalar móvel de urgência são assistidos por equipe de Unidade de Suporte Avançado (USA). Os enfermeiros compõem a tripulação desta unidade e estão respaldados pela Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) no 713/2022,2 que normatiza a atuação de enfermagem no Atendimento Pré-hospitalar móvel Terrestre e Aquaviário. No que se refere à documentação das ações de enfermagem no atendimento pré e inter-hospitalar, o enfermeiro deverá desenvolver o Processo de Enfermagem (PE) e realizar o registro.2
O exercício da prática do enfermeiro no ambiente pré-hospitalar móvel está alicerçado no raciocínio clínico. As particularidades da assistência neste contexto exigem ações de enfermagem direcionadas por prioridades de atendimento aos pacientes em situações críticas de vida a fim de favorecer a rápida tomada de decisões e facilitar a comunicação.3
Apesar de atualmente existir um registro técnico nas USA do SAMU por meio do boletim de atendimento para preenchimento compartilhado entre o profissional médico e enfermeiro, ele não contempla o PE. Este fato, somado à literatura incipiente sobre a documentação de enfermagem neste contexto, impulsionou o desenvolvimento de um instrumento para registro da assistência de enfermagem nas USA do SAMU, fruto de uma dissertação cujos resultados não foram publicados.3
O conteúdo do instrumento baseia-se no modelo conceitual das Necessidades Humanas Básicas,4 na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®)5 e nos protocolos internacionais que norteiam a assistência em emergências.6-7 Seu objetivo é o registro do resumo dos dados coletados, dos diagnósticos/resultados e das intervenções de enfermagem. No entanto, ele carece de validação.
No contexto do presente estudo, entende-se que a validação confirma a veracidade do instrumento e reflete o propósito para o qual está sendo usado, sendo fundamental para sua legitimidade e credibilidade.8 São apresentados os critérios de validação de face para verificar se ele é compreensível para os participantes, bem como os critérios de validação de conteúdo para analisar a validade interna da sua dimensão.9 Assim, o objetivo foi validar a aparência e o conteúdo de um instrumento para Registro do Processo de Enfermagem no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.
Trata-se de validação de aparência e de conteúdo com abordagem quantitativa. A base empírica para a validação foi o instrumento intitulado “Registro da Assistência de Enfermagem - USA no SAMU”, apresentado em uma lauda com os itens dispostos na posição vertical, composto por campos e subcampos, em formato de checklist e com espaços para preenchimento. São contemplados o resumo dos dados, coletados por meio do método mnemônico SAMPLA (sintomas; alergias; medicações; passado médico e antecedente cirúrgico; líquido e alimentos ingeridos; e ambiente e eventos que causaram a lesão),6 bem como 63 diagnósticos/resultados e 98 intervenções de enfermagem.3
Este estudo teve participação de experts em âmbito nacional, selecionados por meio de busca direta do currículo Lattes e das mídias sociais como Facebook e Instagram. O convite ocorreu por correio eletrônico. Após o aceite, a carta-convite com informações sobre os objetivos do estudo, método e os aspectos éticos foi enviada via correio eletrônico (e-mail).
Enfermeiros do SAMU, residentes no país e com no mínimo um ano de experiência na especialidade compuseram a população. Na seleção, incialmente realizou-se busca na internet por coordenadores de enfermagem dos SAMU regionais e/ou coordenadores dos Núcleos de Educação em Urgência, ou Núcleos de Educação Permanente vinculados ao SAMU.
A amostra foi do tipo intencional não probabilística. Para alcançar representatividade nacional, estabeleceu-se o número de um participante por estado brasileiro, totalizando 27. A diversidade do grupo é importante por contemplar diferentes percepções, realidades e culturas.10
Dos 27 da amostra, dois não responderam ao convite, quatro não retornaram o questionário no período determinado, e 21 aceitaram participar e responderam ao questionário. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, por meio de um questionário on-line composto de três itens: 1 - caracterização dos participantes (variáveis sociodemográficas, acadêmicas e profissionais); 2 - avaliação geral do instrumento (validação de face); 3 - avaliação específica dos campos e itens (validação de conteúdo). O item de avaliação do conteúdo foi segmentado em quatro campos: identificação; histórico, sinais vitais e achados; Diagnósticos/Resultados e Intervenções de Enfermagem prioritárias; e campo final. Após o preenchimento de cada campo, destinou-se espaço para comentários e sugestões, utilizado para aprimorar o conteúdo.
A validação de face consistiu nos critérios de aparência, clareza, organização, facilidade de leitura. As variáveis para validação de conteúdo foram: pertinência; relevância; título; primeiro campo; segundo campo; vias aéreas e respiração; circulação; neurológico; exposição e ambiente; quarto campo; replicação; e se permite o registro.
Utilizaram-se questões com respostas em escala tipo Likert. Os níveis de concordância e a relevância de cada item variaram de 1 a 5 pontos, sendo 1 - discordo totalmente; 2- discordo; 3 - nem concordo, nem discordo; 4 - concordo; e 5 - concordo totalmente. Os dados foram organizados no programa Microsoft® Excel®, versão 2018, apresentados em quadros e tabelas. Confrontados com o nível de consenso estipulado e contabilizados por meio do Índice de Validade de Conteúdo (IVC) dos itens e do instrumento como um todo; considerou-se valores iguais ou superiores a 0,80 como validados. Esse índice permite analisar cada item individualmente e depois o instrumento como um todo.11
Procedeu-se com a análise dos comentários e sugestões dos experts. As sugestões sobre as intervenções de enfermagem foram listadas, organizadas e quantificadas, e acatadas as que apresentaram pertinência aos protocolos internacionais e a estrutura hierárquica da CIPE®.
A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, sob o Parecer de número 2.601.088 de 16 de abril de 2018 (CAAE: 82979718.4.0000.0102), em atendimento a Resolução n°466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado como concordância em participar da pesquisa.
Dos 21 enfermeiros participantes, 15 eram do sexo feminino. Apresentaram como titulação máxima: especialização (n=12), mestrado (n=6), graduação (n=2) e doutorado (n=1). Quanto ao campo de atuação, 13 eram da prática assistencial direta, cinco acumulavam atividades docentes e três em pesquisa. A média de idade dos participantes foi de 37,6 anos (Desvio-Padrão (DP): 6,9). O tempo médio de formação na graduação em Enfermagem foi de 11,8 anos (DP: 5,7). O tempo médio de atuação no SAMU foi de 8,1 anos (DP: 4,9). O enfermeiro participante com maior tempo de atuação no SAMU (22 anos) era do estado do Pará (PA).
Com relação à área de abrangência da coleta de dados, os experts representaram 21 dos estados brasileiros, excetuando Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Rondônia e Roraima. Em relação ao vínculo trabalhista, 17 eram servidores públicos, três eram celetistas e um autônomo.
Quanto a capacitação em cursos de atualização dos protocolos internacionais, o Advanced Cardiologic Life Support (ACLS) apresentou maior participação (n=15), seguido de Basic Life Support (BLS) e Prehospital Trauma Life Support (PHTLS) (ambos n=14). Por vezes, os participantes apresentaram mais de um curso. No que se refere ao IVC do instrumento como um todo, obteve-se 0,94 (Tabela 1). Somente as questões de leitura apresentaram IVC abaixo de 0,8.
Tabela 1 - O Índice de Validade de Conteúdo segundo opção de respostas para as questões relacionadas à aparência, clareza, organização, facilidade de leitura do instrumento. Curitiba, PR, Brasil, 2019 (N=21)
Questão |
Opção de resposta |
IVC¶ |
||||
DT* |
D† |
NCND‡ |
C§ |
CT|| |
||
Aparência |
- |
- |
3 (14,2) |
9 (42,8) |
9 (42,8) |
0,86 |
Clareza |
- |
1 (4,76) |
- |
11 (52,3) |
9 (42,8) |
0,95 |
Organização |
- |
- |
1 (4,76) |
11 (52,3) |
9 (42,8) |
0,95 |
Leitura |
- |
1 (4,76) |
5 (23,8) |
7 (33,3) |
8 (38,0) |
0,71 |
*DT = discordo totalmente; †D = discordo; ‡NCND = nem concordo, nem discordo; §C = concordo; ||CT = concordo totalmente; ¶IVC = Índice de Validade de Conteúdo
Os comentários e sugestões dos experts para a variável de leitura foram: “falta espaço para completar dados”; “acrescentar espaço para dados obstétricos”; “espaço de letras reduzido”; e “instrumento mais sucinto”. Em atendimento às sugestões para esta variável, foram realizadas modificações no primeiro e segundo campos do instrumento e inseridos espaços em algumas intervenções de enfermagem para serem completados com informações. A Tabela 2 representa o IVC para as questões de conteúdo do instrumento. Todas obtiveram índice acima de 0,8.
Tabela 2 - O Índice de Validade de Conteúdo segundo opção de respostas para as questões relacionadas ao conteúdo do instrumento. Curitiba, PR, Brasil, 2019 (n=21)
|
(continua) |
|
||||
Questão |
Opção de resposta |
IVC¶ |
||||
DT* |
D† |
NCND‡ |
C§ |
CT|| |
||
Conteúdo |
- |
1 (4,76) |
- |
8 (38,0) |
12 (57,1) |
0,95 |
Pertinência |
- |
1 (4,76) |
1 (4,76) |
7 (33,3) |
12 (57,1) |
0,90 |
Relevância |
- |
- |
1 (4,76) |
8 (38,0) |
12 (57,1) |
0,95 |
Título |
- |
1 (4,76) |
1 (4,76) |
8 (38,0) |
11 (52,3) |
0,90 |
Primeiro campo |
1 (4,76) |
- |
1 (4,76) |
10 (47,6) |
9 (42,8) |
0,90 |
Segundo campo |
- |
- |
2 (9,52) |
6 (28,5) |
13 (61,9) |
0,90 |
Vias aéreas e respiração |
- |
2 (9,52) |
1 (4,76) |
6 (28,5) |
12 (57,1) |
0,86 |
Circulação |
- |
1 (4,76) |
1 (4,76) |
6 (28,5) |
13 (61,9) |
0,90 |
Neurológico |
- |
1 (4,76) |
1 (4,76) |
7 (33,3) |
12 (57,1) |
0,90 |
Exposição e ambiente |
- |
- |
3 (14,2) |
6 (28,5) |
12 (57,1) |
0,86 |
Quarto campo |
- |
1 (4,76) |
1 (4,76) |
6 (28,5) |
13 (61,9) |
0,90 |
Replicação |
1 (4,76) |
- |
1 (4,76) |
6 (28,5) |
13 (61,9) |
0,90 |
Permite o registro |
- |
- |
1 (4,76) |
2 (9,52) |
18 (85,7) |
0,95 |
*DT = discordo totalmente; †D = discordo; ‡NCND = nem concordo, nem discordo; §C = concordo; ||CT = concordo totalmente; ¶IVC = Índice de Validade de Conteúdo
As sugestões dos experts referentes ao instrumento resultaram na inserção de nota de rodapé explicativa e inclusão de linhas para preenchimento em algumas intervenções. Também houve sugestões para modificar o título do instrumento para “Registro do Processo de Enfermagem no SAMU”, além de alterações na aparência (layout) em relação à disposição dos itens no instrumento, tamanho e modelo da fonte e uso de cores (escala de cinza). No campo para identificação do tipo de ambulância, foi sugerido alterar o item USA para o item “unidade”, no sentido de contemplar os diferentes tipos de veículos terrestres tripulados por enfermeiros.
Na Figura 1, estão listadas as sugestões sobre as intervenções de enfermagem (n=11) que foram acatadas, resultando no ajuste de escrita em três intervenções e na inclusão de uma nova intervenção, totalizando 98.
Sugestão |
Número de experts |
Corrigir “Examinar vias aéreas superiores” |
1 |
Deixar claro que a intervenção “Desfibrilar Paciente” poderá ser feita somente com desfibrilador externo automático pelo enfermeiro |
1 |
Deixar um espaço após “Administrar Medicação” para preencher |
1 |
Deixar um espaço após “Administrar Solução” para preencher |
1 |
Deixar um espaço após “Punção Venosa” para inserir o número do cateter |
1 |
Destacar a prescrição médica de medicamentos |
1 |
Realizar as regulações térmicas regulando a temperatura da viatura |
1 |
Rever a intervenção “Desfibrilar o paciente”, por depender do médico |
2 |
Rever a intervenção “Instalar Dispositivo Cardíaco (Marca-Passo Transcutâneo)”, por depender do médico |
1 |
Trocar “Medir Nível de Consciência” por “Avaliar Nível de Consciência” |
1 |
Total |
11 |
Figura 1 - Sugestões dos experts quanto às intervenções de enfermagem. Curitiba, PR, Brasil, 2019
Apontamentos realizados pelos experts merecem ser discorridos sobre a dependência do profissional médico para execução de algumas ações, como a intervenção “Instalar Dispositivo Cardíaco (Marca-Passo Transcutâneo)”. Desta forma, para respaldar as ações que dependem da prescrição médica, foi inserida uma nota explicativa. Com relação a “Desfibrilar Paciente”, foi incluído “com Desfibrilador Externo Automático”.
Como produto, na Figura 2, apresenta-se o instrumento “Registro do Processo de Enfermagem no SAMU” validado. Representado em uma lauda, formato de checklist, sustentado em uma teoria de enfermagem,4 contemplando as etapas do PE: histórico, diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem, seguindo uma sequência lógica de prioridades de atendimento com base em protocolos internacionais. O instrumento é para preenchimento exclusivo do profissional enfermeiro e pode ser emitido em duas vias; a primeira é armazenada pela administração do serviço e a segunda pode ser entregue ao local de destino.
Figura 2 - Instrumento validado Registro do Processo de Enfermagem no SAMU. Curitiba, PR, Brasil, 2019.
A prevalência do sexo feminino dos participantes é respaldada pelo fato de 90% da força de trabalho de Enfermagem ainda ser de mulheres.12 No geral, os dados sobre padrões globais de envelhecimento da força de trabalho, indicam que ela é relativamente jovem e 38% dos enfermeiros têm menos de 35 anos,12 também observado nos participantes desta pesquisa.
Em âmbito mundial estima-se que a maior força de trabalho na atualidade iniciou suas atividades profissionais nos últimos 10 anos.12 Considera-se um aumento nas qualificações, o que pode exigir articulação entre diferentes níveis de programas de educação permanente como um importante mecanismo de desenvolvimento de carreira.12 Tais informações corroboram com o tempo médio de formação na graduação e da qualificação em educação permanente dos participantes da pesquisa.
Em relação aos cursos realizados com base em protocolos internacionais, um estudo sobre a atuação do enfermeiro no atendimento pré-hospitalar, apontou que este é um tema pouco abordado na graduação em Enfermagem.13 Neste sentido, a busca de capacitações externas do enfermeiro para suprir a necessidade de atualizações desta área foi observada no perfil dos experts, bem como a presença de atuação em docência e pesquisa.
O maior tempo de atuação no SAMU foi de um expert do estado do PA, o que corresponde ao período de inauguração de um dos primeiros SAMU das capitais do Brasil, o de Belém-PA em 1994.14
A representatividade nacional de participação não foi alcançada devido a menor participação de experts das regiões Norte e Nordeste. Uma pesquisa aponta que a cobertura do SAMU ainda é desigual entre estados e regiões do Brasil e restrições estruturais atingiram mais o Norte e Nordeste.14
No que se refere à validação do instrumento, não foi possível confrontar o resultado com outros estudos sobre a validação do registro de enfermagem nos serviços de atendimento pré-hospitalar móveis de urgência, pois estes não foram identificados na literatura científica. Contudo, uma revisão sistemática verificou que a maioria sobre desenvolvimento de instrumentos seguiu diferentes critérios e em nove deles evidenciou-se uma validade de conteúdo com IVC > 0,80.15
Observa-se pesquisas que tratam sobre instrumentos para registro de enfermagem em diversos contextos, mas ainda há fragilidades na produção científica sobre a documentação de enfermagem e sua aplicabilidade na assistência pré-hospitalar móvel de urgência. Um artigo analisou as tendências das produções científicas brasileiras de enfermagem acerca de atendimento pré-hospitalar e primeiros socorros e considerou uma relação com assistência no serviço de atendimento móvel de urgência.16
O único item do instrumento com IVC abaixo do adequado está relacionado aos critérios de leitura do instrumento, que compreendeu o tamanho da letra, espaços e linhas. Em uma pesquisa, foi concluído que menos de 50% dos entrevistados concordaram que havia espaço suficiente para o registro e que a legibilidade é a segunda causa que pode diminuir a eficiência da documentação.17
Os itens que apresentaram IVC compatível para validação de face estão ligados diretamente à importância da aparência, clareza e organização do instrumento, demonstrando assertividade no momento de sua elaboração. A documentação precisa e acessível é essencial para uma prática de enfermagem segura de qualidade e baseada em evidências,18 sendo necessário manter os registros de pacientes claros e precisos para prática clínica dos enfermeiros.19
Quanto ao conteúdo dos itens do instrumento, os critérios validados - pertinência, relevância, título, campos, replicação do instrumento e se permite o registro da assistência do enfermeiro no SAMU - são importantes. Em uma pesquisa que avaliou o conteúdo dos registros de enfermagem em hospitais, os dados evidenciaram que o conteúdo dos registros era deficiente e não retratava a realidade da assistência de enfermagem.20
Identifica-se assertividade na inserção dos dados no instrumento validado, o que não vem sendo descrito em outras pesquisas, como em revisão sistemática sobre critérios de qualidade, instrumentos e requisitos para documentação de enfermagem. Dada a falta de indicadores de qualidade baseados em evidências, foi apontada incerteza sobre os critérios necessários para obter documentação de enfermagem de alta qualidade. No entanto, a mesma pesquisa traz a discussão sobre o alinhamento da documentação com o PE, no entendimento de que o uso de terminologias parece ser importante para a documentação de enfermagem de alta qualidade.21 Outra revisão sistemática sobre precisão de planos de cuidados de enfermagem e o uso de linguagem padronizada relatou a necessidade de focar na exatidão do registro de enfermagem, em particular, na acurácia e no rigor do conteúdo.22
Cabe apontar a relevância do olhar dos experts na ampliação do item para identificação da unidade responsável pelo atendimento, de modo a atender uma tendência a ser implantada em âmbito nacional, já que, para preencher lacunas no atendimento aos pacientes graves, o enfermeiro tem a possibilidade de atuar tanto na USA quanto na unidade de Suporte Intermediário de Vida (SIV).
Este serviço é regulamentado pela Resolução COFEN n. 688/202223 que normatiza a implementação de diretrizes assistenciais e a administração de medicamentos para a equipe de enfermagem que atua na modalidade Suporte Básico de Vida e reconhece o Suporte Intermediário de Vida em serviços públicos e privados. A obrigatoriedade do registro da assistência prestada em meio físico ou eletrônico, considerando o PE, é uma das condições técnicas para implementação das diretrizes assistenciais.
O IVC acima do esperado para validação das intervenções de enfermagem apresentadas por Necessidades Humanas Básicas (Vias aéreas e respiração; Circulação; Neurológico; Exposição e ambiente) demonstra a sua adequação e é considerado um resultado expressivo para o cenário pré-hospitalar móvel de urgência. Os achados do presente estudo acrescem ações aos que identificaram 14 intervenções de enfermagem,24 51 blocos de intervenções de enfermagem expressa em algoritmos,25 e 43 intervenções para vítimas de trauma no pré-hospitalar.26
A literatura científica na área do atendimento pré-hospitalar apresenta mais achados acerca de intervenções de outros profissionais do que relacionados a intervenções de enfermagem e, de forma particular, estas últimas são frequentemente direcionadas para a dicotomia saúde/doença.25 Assim, incentivar a investigação no âmbito da prestação de cuidados de emergência no pré-hospitalar é uma estratégia relevante para a consolidação do espaço da enfermagem.27
Entende-se que o instrumento validado nesta pesquisa respeita os critérios para documentação de enfermagem. Tais critérios são destacados pela conclusão de um estudo, afirmando que o cuidado de enfermagem deve ser plenamente expresso no conteúdo da documentação de enfermagem,15 que promove a comunicação efetiva entre as equipes com qualidade, facilitando a continuidade e a individualidade do cuidado.15
O instrumento poderá superar a lacuna apresentada em uma pesquisa que avaliou o perfil e as atividades desenvolvidas por enfermeiros do SAMU, na qual não se identificou a descrição do uso do processo de enfermagem e consequente registro.28 Discute-se que a falta de registro do processo de cuidado transmite como as intervenções de cuidado de enfermagem são comunicadas por meio de uma linguagem oculta,29 o que pode resultar na ausência de visibilidade e ocasionar uma barreira para o avanço da ciência da Enfermagem,30 e comprometer a qualidade da assistência e a segurança do paciente, bem como o desenvolvimento sistemático da assistência de Enfermagem na área do pré-hospitalar.29
Apontam-se como limitações desta pesquisa, a incipiente publicação sobre o registro do enfermeiro nos serviços de atendimento pré-hospitalar móveis de urgência, que não permitiu comparação e entre resultados e a dificuldade de acesso aos experts.
Como contribuições para área de enfermagem, acredita-se que a validação de um instrumento focado no atendimento das especificidades do contexto pré-hospitalar, em formato de checklist, com diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem prioritários poderá contribuir para um registro rápido, efetivo e sistemático. Também poderá auxiliar na condução do raciocínio clínico do enfermeiro e na organização do processo de trabalho, fomentando a documentação da prática profissional neste cenário de atuação. Recomenda-se manutenção do instrumento, acompanhando as mudanças dinâmicas dos serviços de urgência e emergência, e das terminologias padronizadas em enfermagem.
O processo de validação envolveu enfermeiros de todas as regiões do Brasil, evidenciando a partilha do conhecimento proveniente de experts em atendimento pré-hospitalar móvel em urgência em diferentes localizações geográficas. O instrumento para Registro do Processo de Enfermagem no SAMU versão impressa (papel) foi validado quanto a face e o conteúdo. Foi possível apresentar uma lista de intervenções de enfermagem prioritárias para este contexto de atuação. A lógica estrutural do Processo de Enfermagem com a linguagem da CIPE® foi adotada e relaciona-se com a sequência de prioridades do atendimento em emergência.
Compreende-se que a validação deste instrumento permite a documentação da prática do enfermeiro no SAMU, com respaldo legal, técnico, ético e científico. Espera-se que os resultados possibilitem a realização de futuros estudos para avaliação da aplicabilidade e implantação do registro impresso neste cenário de atuação.
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Fomento / Agradecimento: não possui.
Contribuições de autoria
1 – Aline Cecilia PizzolatoI
Autor Correspondente
Enfermeira, Doutora - pizzolato.aline@gmail.com
Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito.
2 – Leila Maria Mansano Sarquis
Enfermeira, Doutora - lmmsarquis@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final
3 – Mitzy Tannia Reichembach Danski
Enfermeira, Doutora - profa.mitzy@ufpr.br
Revisão e aprovação da versão final
4 – Marcia Regina Cubas
Enfermeira, Doutora - marciacubas@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final
Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago
Editora Associada: Etiane de Oliveira Freitas
Como citar este artigo
Pizzolato AC, Sarquis LMM, Danski MTR, Cubas MR. Validation of an instrument for the Nursing Process Record in prehospital mobile emergency care. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e11: 1-15. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769271997