Desenho de rosto de pessoa visto de perto

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Rev. Enferm. UFSM, v.13, e24, p.1-20, 2023

ISSN 2179-7692 •

Submissão: 15/09/2022 • Aprovação: 12/06/2023 • Publicação: 18/07/2023

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução  1

Método  1

Resultados 1

Discussão  1

Conclusão  1

Referências  1

 

Artigo original                                                                                                                                

Sonhos e utopias para a Rede de Atenção Psicossocial: perspectivas de trabalhadores*

Dreams and utopias for the Psychosocial Care Network: perspectives of workers

Sueños y utopías para la Red de Atención Psicosocial: perspectivas de trabajadores

 

Valquíria Toledo SoutoIÍcone

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Marlene Gomes TerraIÍcone

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Cristiane Trivisiol ArnemannIÍcone

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Amanda de Lemos MelloIIÍcone

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Daiana Foggiato de SiqueiraIÍcone

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Mariane da Silva XavierIIIÍcone

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I Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

II Estácio de Sá – IDOMED Polo Jaraguá do Sul. Jaraguá do Sul, Santa Catarina, Brasil

III Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

 

 

* Extraído da Tese “Inédito Viável na Rede de Atenção Psicossocial: construções coletivas diante da apreciação de seus trabalhadores”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria, 2022.

 

Resumo

Objetivo: identificar os sonhos dos trabalhadores sobre como poderia ser o futuro do trabalho na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Método: pesquisa apreciativa, qualitativa, com abordagem participativa, orientada pelo Ciclo Descoberta, Sonho, Planejamento e Destino, articulada ao referencial teórico de Paulo Freire. Participaram 13 trabalhadores da RAPS de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. A produção dos dados ocorreu de dezembro de 2019 a julho de 2020, com entrevistas semiestruturadas e grupos de discussão gravados. A análise dos dados foi realizada por meio da codificação, categorização e identificação de temas. Resultados: os trabalhadores sonham com uma Rede com recursos humanos e estruturais suficientes; fluxo assistencial definido coletivamente; aproximação com a gestão; trabalho no território; trabalhadores comprometidos, valorização e atenção à sua saúde mental.  Conclusão: os sonhos convergiram com o que já é preconizado nas políticas públicas, mas requerem um coletivo organizado e comprometido, que lute pelas mudanças.

Descritores: Assistência à Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Colaboração Intersetorial; Relações Interprofissionais; Equipe de Assistência ao Paciente

 

Abstract

Objective: to identify the dreams of workers about how the future of work in the Psychosocial Care Network (RAPS - Rede de Atenção Psicossocial) could be. Method: appreciative, qualitative research, with a participatory approach, guided by the Discovery, Dream, Planning and Destination Cycle, articulated to the theoretical framework of Paulo Freire. Thirteen RAPS workers from Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil participated. Data were produced from December 2019 to July 2020, with semi-structured interviews and recorded discussion groups. Data analysis was performed through coding, categorization and identification of themes. Results: workers dream of a network with sufficient human and structural resources; care flow defined collectively; approach to management; work in the territory; committed workers, appreciation and attention to their mental health. Conclusion: dreams converged with what is already advocated in public policies, but require an organized and committed collective that fights for change.

Descriptors: Mental Health Assistance; Mental Health Services; Intersectoral Collaboration; Interprofessional Relations; Patient Care Team

 

Resumen

Objetivo: identificar los sueños de los trabajadores sobre cómo podría ser el futuro del trabajo en la Red de Atención Psicosocial (RAPS). Método: investigación apreciativa, cualitativa, con abordaje participativo, orientada por el Ciclo Descubrimiento, Sueño, Planificación y Destino, articulada al referencial teórico de Paulo Freire. Participaron 13 trabajadores de la RAPS de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. La producción de los datos tuvo lugar de diciembre de 2019 a julio de 2020, con entrevistas semiestructuradas y grupos de discusión grabados. El análisis de los datos fue realizado por medio de la codificación, categorización e identificación de temas. Resultados: los trabajadores sueñan con una Red con recursos humanos y estructurales suficientes; flujo asistencial definido colectivamente; aproximación con la gestión; trabajo en el territorio; trabajadores comprometidos, valorización y atención a su salud mental.  Conclusión: los sueños convergieron con lo que ya es preconizado en las políticas públicas, pero requieren un colectivo organizado y comprometido, que luche por los cambios.

Descriptores: Atención a la Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Colaboración Intersectorial; Relaciones Interprofesionales; Grupo de Atención al Paciente

 

 

Introdução

As demandas no trabalho em saúde transcendem os fazeres individualizados de cada profissão, por isso, exigem, cada vez mais, um trabalho colaborativo, interdisciplinar, e em rede.1 Redes são fluxos de conexão, ou modos de funcionamento, que operam na saúde por força da ação dos trabalhadores. É um conceito que está fundado na ideia de que todos são protagonistas no processo de cuidado, e assim, os movimentos são partilhados e articulados entre si.2

A perspectiva de redes de produção de cuidado no trabalho em saúde mental surgiu com o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que já vinha defendendo a extinção dos hospitais psiquiátricos, e sua substituição, por redes de atenção em saúde mental. No entanto, sua regulamentação foi instituída, por meio da Portaria nº. 3.088, de 23 de dezembro de 2011, que dispõe sobre a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).3

Considerada como ação prioritária da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), a RAPS segue a premissa de atender às pessoas com transtorno mental e com necessidades, decorrentes do uso de drogas. Visa ampliar e promover seu acesso aos serviços de saúde, ofertando um cuidado territorial, com base na cidadania e no respeito às diferentes expressões da existência humana.3

                É oportuno destacar que, a partir de 2015, já ocorreram importantes retrocessos nesse cenário, culminando com a promulgação da Resolução nº. 32, de 14 de dezembro de 2017, pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), e da Portaria subsequente nº. 3.588, de 21 de dezembro de 2017.4-5 Essas normativas impactaram na precarização dos dispositivos territoriais de cuidado e o resgate do modelo manicomial, por meio do subfinanciamento dos serviços substitutivos, ampliação das internações em hospitais psiquiátricos e legitimação das comunidades terapêuticas.6

                Com a Reforma Psiquiátrica fragilizada e uma tendência a acirramentos políticos, econômicos e éticos no campo do trabalho em saúde mental, reitera-se a importância da articulação e a aposta na rede potente, criativa e viva entre seus trabalhadores, usuários e familiares, alicerçados pelos princípios da luta antimanicomial e antiproibicionista, e na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS).7

Com isso, entende-se que para avançar, é preciso refletir criticamente sobre essas dificuldades vivenciadas, as situações limites que paralisam/fragilizam os trabalhadores da RAPS, mas também sobre os sonhos que os movem.  Considera-se a inspiração em Paulo Freire, que é possível, urgente e necessário mudar a ordem das coisas, e acredita-se no sonho e na utopia como caminhos para a mudança. Os sonhos são projetos pelos quais devemos lutar, são permeados por obstáculos, que exigem avanços, recuos e luta. Já, a utopia é a relação dialética entre a denúncia dos limites em determinada situação, e o anúncio da possibilidade de sua superação. Não deve ser entendida como sinônimo de algo impossível, mas algo que nos lança a caminhar.8

Os estudos na área da saúde mental, no Brasil, têm buscado compreender as condições de acesso aos serviços da RAPS, o desenvolvimento e a implementação de políticas e estratégias para a melhoria do cuidado em atenção psicossocial, estigmas e vulnerabilidades sociais. Também, procura investigar a percepção de trabalhadores, usuários e familiares sobre o cuidado e seus dispositivos em diferentes contextos e cenários,9 simbolizando, na maioria das vezes, a denúncia de condições desumanizantes que permeiam o trabalho na RAPS. Diante disso, esta pesquisa propôs-se ir um pouco além, ao apresentar, de forma esperançosa, também, o anúncio do que é possível viver o futuro ideal que emergiu nos sonhos desses trabalhadores. Frente a isso, objetivou-se identificar os sonhos dos trabalhadores sobre como poderia ser o futuro do trabalho na RAPS.

 

Método

Tratou-se de uma Pesquisa Apreciativa (PA), qualitativa, com abordagem participativa. A PA é um caminho metodológico inovador no campo da pesquisa em saúde, ainda pouco explorado, pois, originalmente, foi pensada para estudos organizacionais. Este tipo de metodologia, geralmente, é utilizado para responder perguntas de pesquisa do tipo: “como podemos melhorar esta situação?”,10 sendo operacionalizada pela realização junto aos participantes das quatro fases do Ciclo Descoberta, Sonho, Planejamento e Destino (DSPD).10

A primeira fase do ciclo, denominada Descoberta, buscou identificar a essência positiva das práticas de cuidado, as melhores práticas, que foram desenvolvidas pelos trabalhadores nos seus cotidianos. A segunda fase, denominada Sonho, estimulou os participantes a desvelarem seus sonhos para o futuro do trabalho na RAPS. A terceira fase, denominada Planejamento, validou os sonhos emergidos na fase anterior, e estabeleceu prioridade para aqueles que considerassem passíveis de planejamento e mobilização pelo grupo. A última fase, denominada Destino, possibilitou a definição de estratégias para chegar ao ideal esperado, considerando os sonhos possíveis.

Esse tipo de estudo possibilitou um convite às mudanças, mediadas pelo diálogo, pela reflexão, pelo planejamento e pela ação direcionada às metas coletivamente construídas no processo da pesquisa. Foi conduzida e articulada ao referencial teórico de Paulo Freire. A base conceitual freireana contribuiu para a interpretação deste estudo, já que defende a mudança impulsionada por processos de participação democrática, diálogo, reflexão e ação transformadora.

O cenário dessa pesquisa foi a RAPS de Santa Maria, município na região central do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. Desta RAPS foram elencados serviços da Atenção Primária à Saúde (APS) e serviços de atenção especializada em saúde mental (tanto na atenção secundária quanto na atenção hospitalar). Estes serviços foram selecionados por já terem experiência de articulação com a rede, no caso das Unidades Básicas de Saúde (UBS), por receberem apoio do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), ou por serem a totalidade de serviços existentes no município, como no caso do NASF, dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e da unidade de internação.

Os participantes foram 13 trabalhadores vinculados a RAPS, sendo sete trabalhadores da atenção primária (UBS e NASF), cinco da atenção especializada (CAPS) e um da atenção hospitalar. Os critérios de inclusão na pesquisa foram: ser trabalhador do município em que foi realizado o estudo, de qualquer nível de formação, que estivesse há, no mínimo, um ano vinculado à RAPS, pois considerou-se que este seria o tempo necessário, para que o participante possuísse acúmulo de vivências em relação ao objeto de estudo. Também, foram incluídos os trabalhadores com histórico de participação em espaços coletivos na RAPS (grupos de trabalho, apoio matricial, visita, entre outros). Os critérios de exclusão foram: trabalhadores que se encontravam afastados por licença saúde ou férias no período da coleta de dados.

Ressalta-se que a trajetória de formação acadêmica e profissional da pesquisadora foi construída na RAPS investigada, o que facilitou a ambientação no cenário, e também, a aproximação com os participantes. O fato de ser conhecida, entre os possíveis participantes e gestores, facilitou o contato e a receptividade à pesquisa.

Pela proposta de produção de parte dos dados em grupo, definiu-se que o número de participantes consideraria o máximo de 20 trabalhadores, para que fosse viável a participação ativa de todos. Foram convidados 30 trabalhadores, sendo que destes, 13 aceitaram e tiveram disponibilidade de participar dos grupos e/ou entrevistas da fase Sonho da pesquisa. Entende-se que a PA busca uma maior participação e engajamento possível das pessoas em pesquisas relacionadas a sua área de atuação. Por isto, optou-se pelos trabalhadores dos serviços que integram a RAPS nos seus diferentes níveis assistenciais, pois obtém-se a pluralidade do contexto na qual estão inseridos.

A produção dos dados da pesquisa ocorreu de dezembro de 2019 a julho de 2020, sendo realizada por meio de Grupos de Discussão (GD) e Entrevistas Semiestruturadas, que foram orientados metodologicamente pelo Ciclo DSPD. GD é um grupo artificial, convocado em função dos objetivos da pesquisa e controlado pelo pesquisador que atua como moderador. Tem a finalidade de evocar a participação ativa dos participantes na pesquisa, dando-lhes liberdade para expressar sua opinião.11 Entrevistas Semiestruturadas são caracterizadas como uma estratégia de pesquisa que combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem liberdade para se posicionar sobre o tema, com condução espontânea do entrevistador.12

Foram realizados quatro GD durante o processo da pesquisa, sendo que dois ocorreram de forma presencial e dois de forma remota. Os GD, que ocorreram de forma presencial foram referentes às fases de Descoberta e Sonho. Os GD que ocorreram, de forma remota, com auxílio da ferramenta Google meet, foram referentes às fases de Planejamento e Destino. Os resultados apresentados nesse estudo emergiram de um GD em que participaram seis trabalhadores, além de entrevistas semiestruturadas com outros sete trabalhadores que não haviam participado do GD.

O GD da fase do Sonho teve duração aproximada de 90 minutos, aconteceu de forma presencial em um local reservado na sede do Núcleo de Educação Permanente (NEPeS) do município. Já, as entrevistas aconteceram, presencialmente, em data e local definidos pelos trabalhadores os quais solicitaram uma sala reservada, de modo a garantir mais privacidade. A duração destas entrevistas não foi delimitada, pois foram realizadas, conforme as disponibilidades dos participantes, no entanto, ocorreram em torno de 40 minutos, em média. Todas foram gravadas para posterior transcrição, com autorização prévia dos participantes, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a caracterização dos participantes foi utilizada uma ficha, com questões fechadas, aplicadas no início do encontro, contemplando, assim, informações pessoais e profissionais.

Nessa fase, para mediar a discussão, aplicou-se uma tarefa reflexiva denominada “semeando sonhos”. No início do encontro em grupo/entrevista, a mediadora solicitou que fossem listadas, por escrito, as esperanças e sonhos para o trabalho na RAPS. Assim, os participantes foram estimulados a levantar aspirações sobre como poderia ser o futuro do trabalho na RAPS. Nesta fase, buscou-se encorajá-los a pensar o que seria ideal no cenário futuro, mesmo que parecesse impossível de ser alcançado.10

Em relação à análise dos dados, esta ocorreu por meio de análise temática. Foram analisados os dados textuais gerados pela transcrição das falas audiogravadas dos participantes, durante os GD e entrevistas semiestruturadas. Para a análise, seguiram-se quatro etapas principais: imersão nos dados, codificação, categorização e geração de temas.13 A etapa de imersão foi o primeiro passo da análise, sendo o momento de leituras e releituras do texto transcrito para compreender o sentido geral dos dados.13

A etapa de codificação foi realizada com o auxílio do software MAXQDA, versão 2020, a partir da organização e classificação das informações, contidas em cada fala, e no conjunto de dados do grupo, sendo que para cada segmento destacado foi atribuído um código (conceito que se mostrava aparente), e uma definição (interpretação contextual do código). Desta forma, cada segmento foi analisado, em termos de semelhanças e diferenças, partindo-se de perguntas como: o que significa este segmento, a que se refere? Conforme novos dados eram revisados, os anteriores eram comparados constantemente, sendo que os códigos foram sendo refinados durante o processo. 

A etapa de categorização ocorreu ao longo do processo de codificação, e os dados precisaram ser revisados para analisar as formas pelas quais os códigos poderiam ser vinculados. Esta ligação de códigos em macrocódigos visou criar categorias.13 Ao final desta etapa, a totalidade de dados relevantes foi reduzida a categorias que os contemplassem sem perder seu significado.

Já a etapa de geração dos temas envolveu a evolução para uma interpretação da questão que estava sendo investigada, considerando-se que os temas são mais representativos do que as categorias, pois expressam a base das conclusões que foram tiradas da análise.13

Foi seguida a Resolução nº. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos.14 O projeto de pesquisa foi registrado na Plataforma Brasil, visando à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria, sendo aprovado em 24/07/2019, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 3467894. Entretanto, diante do contexto de pandemia por COVID-19, e a necessidade de distanciamento social, a produção dos dados foi suspensa em março de 2020, sendo requisitada uma emenda ao CEP (aprovada em 30/06/2020, sob Parecer nº. 4.125.242) para a continuação em forma remota. Para garantir o sigilo, o anonimato e a confidencialidade, os participantes foram identificados pela letra T (de trabalhador), seguida de um número arábico (T1, T2, T3, ...). Os códigos foram compostos, ainda, pela identificação da estratégia de coleta de dados em que as falas surgiram (sendo: GD para Grupo de Discussão, e E para Entrevista), por exemplo, T1-GD ou T9-E.

 

Resultados

Os participantes do estudo nesta fase foram 13 trabalhadores, sendo dez mulheres e três homens, com idades entre 28 a 54 anos. Em relação ao núcleo profissional, quatro eram enfermeiros, três psicólogos, dois assistentes sociais, dois agentes comunitários de saúde, uma fisioterapeuta e uma técnica de enfermagem. Em relação à titulação acadêmica: dois possuíam ensino médio completo, um com ensino superior incompleto, oito com especialização e dois com mestrado acadêmico. Quanto ao tempo de trabalho na RAPS, ficou entre 1 ano e 6 meses a 30 anos. Entre os participantes, onze já participavam de mais de um grupo de trabalho na RAPS.

A análise dos dados originou um tema denominado: “utopias de trabalhadores da RAPS”, e duas categorias, com seus respectivos macrocódigos, conforme esquema (Figura 1):

 

Diagrama

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Figura 1 - Tema, categorias e macrocódigos emergidos na fase do Sonho. Santa Maria, RS, Brasil, 2022.

 

Utopias de trabalhadores da RAPS

O convite aos participantes para sonhar revelou a utopia que os movimentava frente às condições existentes, e a busca de outras mais adequadas às necessidades da RAPS e dos seus trabalhadores. Assim, havia sonhos para a RAPS, e sonhos para os trabalhadores da RAPS.

 

Sonhos para a RAPS

Os trabalhadores sonharam com uma rede estruturada (com recursos humanos e estruturais adequados em número suficiente). Entenderam que este sonho já poderia ser realidade; perceberam a possibilidade de qualificar o trabalho, a partir de algumas adequações, como a melhora no apoio logístico da rede (por exemplo, em relação ao transporte). Em relação às limitações de acesso ao transporte, disponível em dias/horas específicas, iam de encontro às necessidades dos usuários, e afetavam a “versatilidade” do trabalhador.

Meu sonho é bem simples, na verdade não tinha nem que ser sonho, tinha que ser realidade, que é simplesmente uma rede estruturada, com trabalhadores e serviços que funcionem e existam em número adequado. Só isso, com certeza já resolveria muitos problemas. (T1-GD)

A gente trabalha bem, mas, às vezes, não trabalha da melhor maneira [...] são algumas adequações, assim, que precisam ser feitas, porque precisa todo um suporte que a gente não tem: o nosso carro em dia fixo, quando tem a gente sabe que é o dia tal, e a gente sabe que não tem hora, que não tem dia para as pessoas se desequilibrarem e precisarem de algo. Então, acaba que a gente não tem toda essa versatilidade que a gente queria ter. A gente não é tão versátil como queria. (T2-GD)

A gente tem determinação no CAPS para ficar carro ali, nunca vi carro lá, não se efetiva sabe. E a saúde mental já comprou frotas de carro com sobra de dinheiro, que a gente sabe. (T8-GD)

 

                Sonhavam, também, com um fluxo assistencial instituído, que partisse da discussão coletiva entre os serviços, que pudesse ser construído e mantido por seus trabalhadores, em que fosse possível a desburocratização do acesso do usuário aos serviços.

Coloquei também sonho do trabalho menos burocratizado. Essa coisa do usuário precisar ir no lugar para pegar um papel para ir para outro lugar. Isso tudo acaba sendo um entrave, precisa mais acesso e ter um fluxo que flui. (T4-GD)

Um fluxo discutido por todos os serviços e implantado, ou seja, é o básico. (T5-GD)

Coloquei sobre o fluxo, também, construção e manutenção de um fluxo efetivo, para que o usuário não fique sem suporte ou tenha que passar por inúmeros locais que nenhum deles atende a sua demanda. (T9-GD)

Em alguns casos, ok, que venha um fluxo, daqui a pouco de cima para baixo, mas que venha a conversa também: “olha a gente pensou nesse fluxo, o que que vocês acham, o que é que está andando, o que que não está andando, o que que as equipes têm que melhorar? (T11-E)

 

Os trabalhadores sonhavam com a aproximação entre a gestão e a atenção, com gestão participativa e democrática, com cogestão, com o SUS que dá certo, o SUS ideal, que precisa ser revitalizado continuamente. Compreenderam o seu protagonismo para fazer dar certo, que não é responsabilidade somente da gestão. Por último, sonhavam com o trabalho na RAPS, pautado nos princípios e diretrizes do SUS e da Política Nacional de Humanização (PNH), com atendimento mais equânime, com valorização do protagonismo e da autonomia do usuário.

Também, o sonho de trabalhar com base na equidade, no protagonismo do usuário. Também trouxe essa coisa da PNH, da aproximação entre a gestão e atenção, a gente conseguir ter um diálogo efetivo com a gestão [...]. Essa questão do planejamento integrado, da gente poder estar junto com a gestão construindo, não só a gestão pensando e a gente executando, mas que a gente possa junto, trabalhadores, gestores e usuários construindo essas propostas de cuidado. Tudo isso é um SUS que a gente acredita, que sabe que dá certo, mas que em alguns momentos a gente precisa estar se fortalecendo. Também entender que a gente tem um papel fundamental nisso tudo, que não é só a gestão, nós também somos corresponsáveis por isso. (T4-GD)

O meu sonho, também, não foge muito disso, uma gestão e uma coordenação participativa [...]. (T5-GD)

 

                A dinâmica de trabalho era um sonho, que se aproximasse mais da realidade/território dos usuários, que possibilitasse o planejamento de ações de cuidado contextualizadas, em parceria com as famílias, que fosse menos fixo no serviço e nas demandas. Sonhavam com o investimento em um cuidado de base territorial, com olhar ampliado às famílias, mas, para que esse sonho acontecesse era necessário ampliar as equipes de Atenção Primária (ESF e NASF).

E se a gente puder atuar de maneira mais volante com as equipes de saúde mental? Pensando nisso que as gurias colocaram, da potência do trabalho no território, para a gente poder perceber melhor as situações e pensar melhor desdobramentos para os casos [...] o que eu noto assim no cotidiano é que a gente é muito fixo. Um exemplo assim, a gente pode escutar um paciente em crise algumas semanas, e a crise dele foi desencadeada por várias situações, falta de assistência farmacêutica, falta de um monte de coisa, e todas as semanas ele vai no CAPS, e pede para conversar, e eu converso com ele, mas eu não consigo ler a situação, levo várias semanas para fazer uma leitura do que que estava acontecendo, realmente, porque não conheço a realidade [...] o nosso trabalho fixo é um trabalho burro. (T2-GD)

Eu coloquei cuidado efetivo no território. E quanto a isso, eu coloquei fortalecer a Atenção Primária com mais equipes de Saúde da Família, mais equipes de NASF trabalhando uma lógica de Clínica Ampliada. Eu coloquei a questão do cuidado de olhar para o contexto das famílias, que a gente vê que isso dá muito certo, a gente consegue cuidar no território, isso é muito efetivo. (T4-GD)

 

                Os trabalhadores também sonhavam por mais parcerias com as instituições de ensino, com a ampliação do suporte multiprofissional. Entenderam que as demandas do território seriam melhor acolhidas, se houvesse a inclusão de outros núcleos profissionais, como educador físico, farmacêutico, nutricionista e fisioterapeuta.

Já abri [vaga] para a fisioterapia, para a educação física, está aberto, mas o difícil é conseguir alguém que queira vir, para ampliar sabe, aqui precisa muito. Onde tivesse mais essas parcerias, agregasse mais áreas que pudesse trabalhar em conjunto seria muito bom. A gente tem lutado muito para agregar mais, sabe, mais participação de outras áreas. Aqui faz dois anos que a gente conseguiu a saúde mental [residência], não tinha, por exemplo, residência, não tinha nenhuma, a gente conseguiu também a obstetrícia que veio para cá, aqui a gente queria educador físico. O povo gostaria de ter, por exemplo, grupo de caminhada, grupo de exercício sabe, e não têm condições, a gente não tem perna para isso. (T12-E)

O meu sonho é ter residência aqui, esse sonho, ele é bem cabível, só que o sonho está tão demorado, que eu não sei se um dia vai se realizar, mas, se a gente tivesse residente da farmácia, residente da nutrição, já contribuiria bastante com os nossos pacientes. (T15-E)

 

Observando-se o depoimento deste trabalhador, o sonho era sonhar comunhão, parte do reconhecimento de que as coisas não estão dadas, e, por isso, os encontros possibilitariam invenção, criação. Criar possibilidades de mudança gera desgaste, mas são encontros possíveis para aqueles trabalhadores que sonham.

O sonho possível é da ordem do encontro com as coisas. Depende muito do movimento que cada pessoa está construindo na sua vida. Eu acredito que duas pessoas que se encontrem no processo de vida podem fazer muita coisa. E muita gente também acredita nisso, que muita gente está disposta a inventar, porque as coisas não estão dadas. A gente tem, também, o desafio de tornar coisas possíveis, isso demanda um tempo complexo, que é um tempo de se dispor para além do trabalho, muitas vezes, é um desgaste para além do emocional. Têm muitos recursos que ficam difíceis de ser alcançados, tem muito revés com isso, mas a possibilidade sempre existe para aqueles que sonham [...]. (T10-E)

 

Sonhos para os trabalhadores 

No cenário de sonhos, emergiram aqueles que estavam voltados ao trabalhador, suas expectativas, necessidades e atitudes que poderiam ser diferentes no mundo ideal.

Os trabalhadores sonhavam com colegas (de trabalho) mais comprometidos, que demonstrassem maior empenho nas suas funções, com o olhar e o fazer ampliados para além do que está posto, e com uma postura empática. Ao mesmo tempo, refletiram se a falta de engajamento não estaria atrelada ao desconhecimento do seu papel, das possibilidades no exercício da função no serviço e no trabalho em rede.

Acho que trabalhadores empenhados em fazer as suas funções. Em alguns momentos, não é querer exigir mais das pessoas, mas, às vezes, a gente precisa fazer algo além, às vezes com o colega, às vezes com paciente, com usuário, coisas que estão muito ligadas a uma questão de empatia, porque, também, se tiver serviço em um número adequado e trabalhadores em número adequado, e não funcionar os serviços, os trabalhadores não trabalharem da maneira como deveriam, não adianta, pode contratar infinitamente que o negócio não vai funcionar. Então, isso é um sonho que não deveria ser sonho. (T1-GD)

Eu penso que a gente tinha que despertar nas pessoas esse compromisso com o trabalho, mas isso é de cada um. A gente pode dizer que eles não se engajam, mas depois eu fiquei pensando que pode ser que, talvez, ninguém tenha dito como fazer, e aí eu vou fazer como eu acho melhor. (T8-GD)

                No que concerne aos espaços para se tratar da questão da saúde mental do trabalhador, referiu-se que haja oferta de escuta, acolhimento de demandas.

Uma coisa que eu sempre costumo dizer para as pessoas que chegam: “gente, se por alguma razão você não tiver condição, que bateu com você o caso, peça ajuda! Porque senão daqui a pouco é você que adoeceu”. “Ah, mas eu estou com problema em casa, não estou conseguindo ouvir o paciente”. Não vai fluir, sai, vai tomar uma água, chama colega para dar um suporte, se sintonize e volte. Isso é cuidado com o cuidador. Aí, as pessoas começam a se trancar, não querem nem trabalhar. A gente tem que ser também amoroso com esse não, porque esse não é uma impossibilidade. (T8-GD)

Coloquei também suporte ao trabalhador, a questão da saúde mental do trabalhador, no sentido da escuta. (T9-GD)

Também sonhavam com maior reconhecimento e valorização entre os pares. A dinamicidade do trabalho, para além dos limites do próprio CAPS, não é reconhecida, e faz com que o trabalhador precise estar se justificando. Em relação à valorização, inclui-se o sonho como melhor valorização salarial.

Às vezes, eu saio de casa, assim e digo: “Agora, por favor, não me chame, porque eu mergulharjei no meu trabalho” porque eu vou procurar fazer da melhor forma possível, trocando ideias. E aí o que que acontece: “ah a [cita o próprio nome] passeia muito, não para aqui, não sei o que tu tens que ver essas questões”. Gente, eu faço rede, eu não posso ficar só aqui, mas quando eu estou aqui, eu estou aqui! Podes abrir a porta, me chamar, não que eu saiba muito. Mas, às vezes, é só trocar, tomar um chimarrão ou sei lá, vai se esvaziando assim [...]. Eu sei que eu ganho pouco, o meu ideal é batalhar, para que seja mais! (T8-GD)

Por fim, o sonho com maior oferta de atividades de Educação Permanente em Saúde (EPS).

[...] mais espaços de educação permanente, mais espaços de encontro entre os diferentes serviços. (T4-GD)

[...] serviços com educação permanente e capacitações. (T5-GD)

 

Discussão

Identificou-se que os participantes sonhavam sonhos possíveis, com aquilo que já está previsto nas políticas e regulamentações da área, mas que nesse cenário ainda se encontra como situações-limites que requerem efetivação.

As situações-limites são a fronteira entre o ser e o ser mais. Podem ser compreendidas como barreiras e obstáculos que precisam ser vencidos.15 À medida que buscam superar os obstáculos, em lugar de aceitá-los, passivamente, os sujeitos realizam atos-limites. Assim, a superação das situações-limites ocorre por meio de atos-limites, que são compreendidos como respostas necessárias que se dirigem à superação e à negação do contexto limitante com uma postura decidida frente ao mundo.16

Uma das situações-limites mencionadas pelos participantes foi a precária infraestrutura dessa RAPS, que não possuía, por exemplo, serviços suficientes/eficientes de sistema logístico (ênfase ao transporte).

O sistema de transporte é um dos elementos fundamentais que compõe o apoio logístico na estrutura operacional da RAPS.17 Espera-se que os trabalhadores produzam cuidado, com base no território, que realizem visita domiciliar, que façam busca ativa de usuários, que vão até os outros serviços, como na APS, para realizar apoio matricial, entre outras estratégias que são coerentes com o modelo de atenção psicossocial, mas como garantir que isso ocorra sem dar-lhes condições para tal?

Ao organizar o sistema de transporte sem a dinamicidade que a saúde mental exige, criam-se obstáculos para o acesso, para o vínculo, para a humanização e a autonomia de usuários, familiares e trabalhadores da RAPS. À medida que buscam superar os obstáculos, em lugar de aceitá-los passivamente, os sujeitos realizam atos-limites, podendo criar inéditos viáveis (possibilidades), que se encontram na situação-limite, mas não são percebidos por eles quando não empregam a crítica.16 O movimento reflexivo-crítico e coletivo disparado por essa pesquisa buscou incentivar a construção de inéditos viáveis na RAPS, que se relacionavam com as esperanças e sonhos desses trabalhadores.

                O termo inédito viável traduz o poder de coletivos transformarem a realidade, a partir de sonhos, esperanças e, principalmente, por intermédio da práxis. À medida que algo inédito, ainda não conhecido e vivido, é desvelado como possibilidade valorosa de futuro, transforma-se em sonho que, por meio da ação-reflexão-ação, pode se tornar realidade.16

                O sonho do SUS que dá certo, nutrido pelo conhecimento e esperança de efetivação dos seus princípios idealizadores também foi levantado nesta pesquisa. Uma das diretrizes da PNH destacadas foi a cogestão, que se refere a um modo de organizar o trabalho em saúde, e inclui o pensar e o fazer coletivo.

                A cogestão ou gestão compartilhada visa à inclusão de novos sujeitos nos processos de gestão. Foi pensada como uma diretriz ética e política, que visa motivar e educar os trabalhadores, um modelo gestor, que se propõe ser centrado no trabalho em equipe, na construção coletiva.18 Trata-se de incorporar o diálogo com os trabalhadores os quais possam gerir os processos de trabalho, considerando seus desejos e atos individuais que caracterizem sua autonomia, sem que isto signifique desconsiderar o diálogo com os usuários e necessidades que emergem na sociedade.18 Esta forma de gestão coletiva, advinda de pactos entre os sujeitos, e não exigências sobre eles, traz para a produção de saúde a implicação e a corresponsabilidade pelo cuidado. Difere da maneira como, aparentemente, vem acontecendo nessa RAPS, inclusive, em relação aos fluxos assistenciais, que os trabalhadores sonham em qualificar, por meio da pactuação coletiva, dialógica, em um movimento permanente e dinâmico de conformação.

A organização de fluxos assistenciais nesse cenário é uma demanda cobrada em nível de gestão, porém o histórico é de pactuação de fluxos temporários, que acabam por não se sustentar com o passar do tempo e a rotatividade de trabalhadores nos serviços. Como consequência, há fragmentação, peregrinação e desassistência dos usuários na Rede.

Vencer os desafios da fragmentação assistencial demanda reorganização dos processos de trabalho. Maior ou menor integralidade da atenção recebida, de acordo com a forma como se articulam as práticas dos trabalhadores, sendo o cuidado em saúde “uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa”.19:2

Os fluxos podem, ainda, ser entendidos como linhas de cuidado, padronizações que explicitam informações relativas à organização da oferta de ações de saúde no sistema de saúde, descrevem rotinas do itinerário do paciente, contemplando informações relativas às ações e atividades de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, a serem desenvolvidas por equipe multidisciplinar em cada serviço de saúde. Sua implementação oportuniza melhorar a comunicação entre as equipes, serviços e usuários, organizando um continuum assistencial.20

Há que se considerar que a institucionalização de fluxos serve para esclarecer o papel e as possibilidades de cada serviço/trabalhador na rede, porém, não garantem fluidez e continuidade assistencial por si só. Também, não se pode esquecer que o espaço (território), onde o usuário circula, é um espaço delimitado por relações de poder, em que a lógica predominante, que orienta as práticas de cuidado, está fortemente enraizada na submissão e exclusão social do usuário.

Os fluxos devem ser dinâmicos, acolhedores das subjetividades. Não podem ser construídos, senão, pelo trabalho coletivo. Nos momentos que antecedem a implementação de tais fluxos, deve-se ouvir os usuários, trabalhadores e todos os envolvidos nesse processo.

Percebe-se que é necessário fortalecer o controle social na RAPS, e garantir que a participação popular de fato aconteça é requisito fundamental para a construção de uma política de saúde mental alinhada com os ideais da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Um estudo, que investigou o panorama da participação social na política de saúde mental brasileira, indicou a necessidade de instituir processos avaliativos, que fortalecessem e qualificassem as experiências formais e informais de participação de usuários, familiares e trabalhadores, para maior potência na tomada de decisões da política de saúde mental, como um todo, e no cotidiano dos serviços de saúde.21

                Em relação ao sonho do cuidado, com base no território, destaca-se que as orientações normativas e técnicas do Ministério da Saúde enfatizam a importância do território na organização tecnoassistencial das iniciativas de Saúde Mental no SUS. Ao adotar essa perspectiva, é preciso considerar a diversidade social e cultural dos diferentes locais, como um aspecto essencial para articular as ações de saúde e de saúde mental, “no espaço onde a vida acontece como ela é”, em sua plenitude. Implica, também, em superar lógicas de exclusão e aniquilamento das diferenças que incidem sobre os nomeados “loucos”, e também, sobre todos que explicitam modos diversos de existir.22:173

As forças que podem oferecer resistência à reinserção social/ cuidado territorial às pessoas com transtorno mental ou que fazem uso de drogas, oriundas do campo econômico, clínico e moral precisam ser consideradas. Estes autores reforçam essa ideia e questionam: “como produzir transformações nas relações em territórios e locais nos quais a vida acontece cada vez mais regida, a partir de interesses econômicos que determinam os usos e, portanto, os modos de se habitar ou não habitar a cidade? ”22:186

Forças de resistência ou negligência permeiam as políticas no âmbito da RAPS, que retrocedem em investimentos em serviços voltados para a família e o território, como o ocorrido pelas alterações na Política de Atenção Básica, publicadas na Nota Técnica nº. 3/2020, que extinguiu o NASF, ficando a cargo do gestor municipal a organização das equipes na Atenção Básica. Esta Nota Técnica foi complementar à instituição do Programa Previne Brasil que altera também o financiamento da APS para pagamento, por desempenho, e não contempla nenhuma ação de saúde mental.23

Outro sonho para a RAPS levantado pelos trabalhadores foi a ampliação do suporte multiprofissional, por meio das parcerias com as instituições de ensino, especialmente, o desejo de ser campo para a Residência Multiprofissional em Saúde (RMS), experiência que se mostrou positiva em outros serviços.

As atividades desenvolvidas pelos residentes nos serviços impactam positivamente na organização do processo de trabalho, inclusive, na consolidação das relações interpessoais dos trabalhadores, e novos caminhos para tomada de decisões, a partir de um novo ângulo e vivências que esse residente traz consigo.24 A RMS possibilita a criação de espaços de discussão, de envolvimento coletivo na construção do conhecimento e aproximação com a prática, por meio da integração ensino-serviço.

A integração ensino-serviço pode ser constituída, a partir do trabalho coletivo pactuado, articulado e integrado de residentes e docentes da área da saúde, com trabalhadores e preceptores que compõem as equipes dos serviços de saúde. A finalidade de tal integração é promover a qualidade de atenção à saúde individual e coletiva da população, a excelência da formação profissional e o desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços.25 No entanto, considera-se pertinente pontuar que existem desafios a serem superados na compreensão dos trabalhadores dos serviços de saúde quanto ao papel do residente, que em algumas realidades, ainda é visto como “mão-de-obra” para cobrir carências de recursos da rede.

Em relação aos sonhos para os trabalhadores, sonhavam com colegas na RAPS mais comprometidos. Também, acreditavam na micropolítica, no comprometimento profissional, como possibilidade de mudança, e sem o qual a macropolítica é insuficiente, mas quem pode comprometer-se? Para Freire, assumir um ato comprometido requer ação, ou seja, a politicidade necessária ao trabalhador, que, ao reconhecer que “a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável”,26:20 vai se comprometendo com um outro mundo possível, protagonizando cada vez mais fazeres articulados na direção de uma RAPS potente. Por assumirem tal postura, os participantes da pesquisa sentiram-se incomodando os acomodados. Desejavam ter sua prática mais valorizada entre os colegas, visto que havia uma indignação e sofrimento na fala.

A preocupação com a saúde dos que trabalham com saúde é outro ponto que precisa ser destacado. Como pensar concretamente em desenvolver um trabalho coletivo, multiprofissional, intersetorial, com relações horizontalizadas, múltiplas atividades, qualificação dos saberes, sem o atendimento das necessidades básicas dos trabalhadores, como salário digno, vínculos empregatícios estáveis e ambiente de trabalho em condições adequadas?26

Somado a isso, o contexto atual das políticas públicas tem conduzido à desestruturação dos coletivos de trabalho das equipes, à carência de solidariedade e confiança entre grupos, e a um enfraquecimento dos laços sociais profissionais prejudicando os modos de organização do trabalho. Esse é um contexto que fica ainda evidente em cenários em que há parceirizações ou terceirização de serviços, que refletem na fragmentação do sistema, problemas de regulação, falta de transparência, falhas de monitoramento, problemas no estabelecimento de metas fixas, limites à inovação e criatividade, alta rotatividade profissional e impacto sob o vínculo empregatício.27

Diante disso, a fragilização dos vínculos, que se estabeleceram nos relacionamentos com as pessoas e as organizações (comprometimento), também, foi afetada pelo contexto de pandemia. A tênue fronteira entre o trabalho e a vida, condição aflorada pelo trabalho remoto, impactou nos níveis e formas de manifestação dos vínculos, repercutindo na saúde mental dos indivíduos.28

Ao sonhar coletivamente sonhos possíveis, os participantes enfatizaram, ainda, a importância da EPS como mediadora para as mudanças desejadas. A perspectiva problematizadora e dialógica da EPS instiga a abrir outras visibilidades para o trabalho e trazer a complexidade das vidas para a cena. Abre espaço para reflexões e trocas, para a aprendizagem pela experiência, que é feita coletivamente, e expande para a potência, mas dá trabalho, desafia e gera incertezas.29

A existência humana é marcada pela dinamicidade, vive-se sempre em conflito entre o ideal e o real, o já conquistado e as possibilidades futuras; as carências, as metas não alcançadas, os projetos não realizados. Por isso, independentemente do momento histórico em que esteja a sociedade, seja o do viável ou do inviável histórico, o papel do trabalhador social, que optou pela mudança, não pode ser outro, senão, o de atuar e refletir com os indivíduos com quem trabalha para a concretização de suas utopias.30

 Ressalta-se a interpretação de que a utopia não tem um fim, não se limita, uma vez que aquilo que é alcançado já é transitório no caminho ético para a concretização da vocação ontológica dos seres humanos em ser mais. Neste sentido, ao ser atingido um inédito viável pelo qual se sonha e se luta, brotam-se outros tantos quantos caibam nos sentimentos e nas razões ditadas pelas necessidades humanas.8 Assim, acredita-se que sonhar exige reflexão diária sobre a prática, para que seja possível descobrir os limites da própria prática.8

O caminho metodológico da PA, nesta pesquisa, levou a uma direção valorosa em relação aos trabalhadores na visualização dos sonhos no contexto do trabalho na RAPS. Houve a possibilidade de levantar indagações apreciativas sobre os sonhos que permitiram a “boniteza dos achados”. Neste sentido, percebeu-se a necessidade da pertinência de mais pesquisas comprometidas a conhecer, não somente os porquês que constroem a lógica que desarticula e enfraquece os trabalhadores, reforçando os determinismos na rede de saúde, mas também os sonhos que mobilizam, motivam e ainda dão vida ao trabalho na RAPS.

Acredita-se que contribuições significativas nestas temáticas podem resultar de pesquisas com abordagens participativas, possibilitando o diálogo, com o uso de metodologias que permitam mobilizar e reacender a esperança dos sujeitos de interpelação na história.

Considerou-se, como limitações da pesquisa, o seu foco restrito a um cenário específico – a RAPS de Santa Maria, RS, que possui problemas já percebidos em outras RAPS, mas que não podem ser generalizáveis. O contexto de pandemia, por COVID-19, também, foi uma das situações limitantes para a execução da pesquisa, pois afastou os participantes durante o processo, fragilizando o vínculo e, de certa forma, o engajamento coletivo inicial.

Como contribuições para a área da pesquisa, agregou-se o valor da abordagem dos sonhos no caminho metodológico da PA, ainda incipiente em estudos com aplicação na área da saúde e Enfermagem no Brasil, porém rico de possibilidades de utilização em diferentes contextos assistenciais e de gestão.

Reconhece-se que a qualificação do trabalho na RAPS e, por conseguinte, da assistência ao usuário, que dá sentido à ação, é um desafio. Envolve múltiplos sujeitos em um processo que necessita ser de comunhão e solidariedade entre os existires. Não é possível avançar sem políticas públicas que garantam uma assistência digna e de qualidade. Também, não é possível conquistá-las sem que haja um coletivo organizado, consciente de seu compromisso histórico, ético, político, moral e afetivo, que lute pela mudança.

 

Conclusão

O futuro do trabalho na RAPS relaciona-se com o sonho de uma rede estruturada (com recursos humanos e estruturais suficientes), um fluxo assistencial melhor definido (coletivamente), maior aproximação com a gestão e efetivação da cogestão, comprometimento com princípios e diretrizes do SUS e da PNH, uma dinâmica de trabalho que de fato se aproxime mais da realidade/território dos usuários. Além disso, espera-se que os trabalhadores sejam comprometidos, e isso se relaciona com a necessidade de menor rotatividade destes, e que haja investimento em ações de cuidado à saúde mental do trabalhador, a qual encontra-se vulnerável e requer reconhecimento, suporte e valorização.

Os sonhos para a RAPS foram apresentados, conforme já é preconizado em termos de políticas públicas, mas que requerem um coletivo organizado e comprometido, que lute pelas mudanças. São sonhos possíveis, muitos já vividos anteriormente, que possuem situações-limites a serem superadas para a sua efetivação. Em vista disso, ressalta-se a importância da articulação entre os trabalhadores, usuários e familiares, para a garantia dos princípios da Reforma Psiquiátrica e na defesa do SUS.

 

Referências

 

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Fomento / Agradecimento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

 

Contribuições de autoria

1 – Valquiria Toledo Souto

Autor Correspondente

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - valquiriatoledo@hotmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Marlene Gomes Terra

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - martesm@hotmail.com.br

Concepção, desenvolvimento da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Cristiane Trivisiol Arnemann

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - cris.trivisiol@gmail.com

Concepção, desenvolvimento da pesquisa, redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Amanda de Lemos Mello

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - amandamello6@yahoo.com

Revisão e aprovação da versão final.

 

5 – Daiana Foggiato de Siqueira

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - daianasiqueira@yahoo.com.br

Revisão e aprovação da versão final.

 

6 – Mariane da Silva Xavier

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - marianexavierenfa@gmail.com

Redação do manuscrito, revisão e aprovação da versão final.

 

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Márcia Aparecida Ferreira Oliveira

 

Como citar este artigo

Souto VT, Terra MG, Arnemann CT, Mello AL, Siqueira DF, Xavier MS. Dreams and utopias for the Psychosocial Care Network: perspectives of workers. Rev. Enferm. UFSM. 2023 [Access at: Year Month Day]; vol.13, e24: 1-20. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769271580