Rev. Enferm. UFSM, v.12, e56, p.1-14, 2022
https://doi.org/10.5902/2179769271263
ISSN 2179-7692
Submissão: 07/08/2022 • Aprovação: 04/11/2022 • Publicação: 07/12/2022
Artigo original
Comunicação em saúde e desinformação sobre COVID-19 em fact-checking de fake News*
Health communication and misinformation about COVID-19 in the fact-checking of fake news
Comunicación sanitaria y desinformación sobre el COVID-19 en el fact-checking de noticias falsas
Viviane Peixoto dos Santos PennafortI
Júlia Silva Fonseca dos AnjosI
Ana Elza de Oliveira MendonçaI
I Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal/RN, Brasil
⃰ Extraído do trabalho de conclusão de curso. Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2021.
Resumo
Objetivo: analisar fake news sobre COVID-19 veiculadas no site fact-checking "Aos Fatos". Método: pesquisa transversal descritiva, realizada com dados publicados no período de janeiro a dezembro de 2020, no site fact-checking “Aos Fatos”. A coleta ocorreu de 25 a 29 de janeiro de 2021 e a amostra foi composta por 205 fake news, submetidas à análise de frequência absoluta e relativa. Resultados: as notícias versavam sobre a gravidade da COVID-19 (27,3%), as vacinas em desenvolvimento (20%) e a escolha de medicamentos (13,7%). Conclusão: o compartilhamento de informações falsas sobre a COVID-19 contribuiu para descrença na ciência, o que pode ter comprometido a adesão às medidas oficiais de prevenção preconizadas no Brasil e influenciado negativamente a adesão da população. As fake news circulantes devem ser monitoradas e refutadas para que informações genuínas cheguem ao público.
Descritores: Infecções por Coronavírus; COVID-19; Desinformação; Comunicação em Saúde; Saúde Pública
Abstract
Objective: to analyze fake news about COVID-19 published on the fact-checking website "Aos Fatos". Method: descriptive cross-sectional research, carried out with data published from January to December 2020, on the fact-checking website "Aos Fatos". The collection took place from January 25 to 29, 2021 and the sample consisted of 205 fake news, submitted to absolute and relative frequency analysis. Results: the news was about the severity of COVID-19 (27.3%), the vaccines under development (20%) and the choice of drugs (13.7%). Conclusion: the sharing of false information about COVID-19 contributed to disbelief in science, which may have compromised adherence to official prevention measures recommended in Brazil and negatively influenced the adherence of the population. Circulating fake news must be monitored and refuted for genuine information to reach the public.
Descriptors: Coronavirus Infections; COVID-19; Disinformation; Health Communication; Public Health
Resumen
Objetivo: analizar noticias falsas sobre COVID-19 publicadas en el sitio web de verificación de datos "Aos Fatos". Método: investigación descriptiva transversal, realizada con datos publicados de enero a diciembre de 2020, en el sitio web de verificación de hechos “Aos Fatos”. La recolección se realizó del 25 al 29 de enero de 2021 y la muestra estuvo conformada por 205 noticias falsas, sometidas a análisis de frecuencia absoluta y relativa. Resultados: las noticias fueron sobre la gravedad de la COVID-19 (27,3%), vacunas en desarrollo (20%) y elección de medicamentos (13,7%). Conclusión: el intercambio de informaciones falsas sobre la COVID-19 contribuyó a la desconfianza en la ciencia, lo que pudo haber comprometido la adhesión a las medidas oficiales de prevención recomendadas en Brasil e influyó negativamente en la adhesión de la población. Las noticias falsas que circulan deben ser monitoreadas y refutadas para que la información genuina llegue al público.
Descriptores: Infecciones por Coronavirus; COVID -19; Desinformación; Comunicación en Salud; Salud Pública
Os meios de comunicação sofreram mudanças com o exponencial avanço tecnológico das últimas décadas. Veículos de informação, como cartas, jornais, telegramas e ligações telefônicas, necessitavam de dias para alcançar um grande número de pessoas e foram substituídos por mensagens instantâneas por meio de aplicativos, como o WhatsApp e outras redes sociais.1 Impulsionado pelas eleições norte-americanas em 2016, o termo fake news se popularizou e foi eleita a palavra do ano de 2017, definida como informações falsas disseminadas sob o pretexto de reportagens.2 As fake news veiculam conteúdos falsos deliberadamente, sempre com a intenção de obter vantagem, seja financeira, política ou eleitoral.3
No âmbito da saúde, a propagação de notícias falsas pode ter um efeito ainda mais preocupante devido à capacidade de alterar rotinas e comportamentos relacionados à prevenção e tratamento de doenças.4-5 No cenário atual, as informações alcançam rapidamente um grande número de pessoas, com efeitos para a população. Assim, a mídia precisa conter a propagação de boatos de forma a identificar e diminuir a visibilidade das notícias de caráter “urgente” de fontes pouco confiáveis para dar lugar a conteúdos legítimos.6
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) usou a frase “se for fake news, não transmita” em uma campanha com ênfase em diminuir a disseminação de notícias falsas e seus impactos negativos.7 O Ministério da Saúde (MS), por exemplo, disponibilizou um número de Whatsapp para a verificação de notícias e incentivou a população a enviar fotos e textos com veracidade questionável para serem checados e, em seguida, confirmados se eram reais ou não.8
Uma pesquisa que avaliou a utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) revelou que em 71% dos domicílios havia acesso à internet e 47% a utilizavam para buscar informações sobre saúde.9 Com a necessidade de verificar as notícias, surgiram os sites de fact-checking, que se revelam a cada dia mais necessários, pois são especializados em identificar as notícias compartilhadas com maior frequência e investigar sua origem e veracidade.10
O Duke Reporter’s Lab realizou um mapeamento mundial de sites de fact-checking e registrou, em 2020, um número quatro vezes maior, se comparado ao resultado de 2014. No Brasil, identificaram-se 10 sites, sendo 3 independentes e 7 filiados a empresas de comunicação. Entre estes, a Agência Lupa e o site Aos Fatos se destacaram por serem organizações longevas, independentes e agirem de acordo com o código de princípios da International Fact-Checking Network (IFCN).10-11 São diretrizes da IFCN: compromisso com o não partidarismo e a justiça; com a transparência das fontes; com a transparência do financiamento e da organização; com a transparência da metodologia; com uma Política de correções abertas e honestas.10
Em dezembro de 2019, identificou-se rápido compartilhamento de informações virtuais após divulgação de uma pneumonia de causa desconhecida na China,12 causada por um novo tipo de coronavírus, denominado SARS-CoV-2. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia da COVID-19.13
Diante da relevância temática, este estudo teve por objetivo analisar fake news sobre COVID-19 veiculadas no site fact-checking "Aos Fatos".
Trata-se de uma pesquisa transversal descritiva, realizada no sítio do site fact-checking "Aos Fatos", disponível na URL <www.aosfatos.org>, escolhido por ser de domínio público, estar de acordo com as diretrizes do IFCN e atuar no Brasil. O levantamento dos dados ocorreu de 25 a 29 de janeiro de 2021 e a fonte de informações foi constituída por notícias analisadas pelo site Aos fatos após o alerta da pandemia da COVID-19. A etapa de levantamento das notícias foi realizada por uma discente de graduação e dois doutores que realizaram a leitura das notícias e a seleção inicial com base no conteúdo.
Durante o período de coleta de dados, realizaram-se cinco visitas ao site para observação e análise minuciosa das notícias, conferência entre os coletadores e confirmação de inclusão ou não no estudo. Para agilizar o processo de triagem das notícias, procedeu-se à semiautomação utilizando o aplicativo Rayyan com compartilhamento entre dois pesquisadores. Os casos de discordância foram revisados pelo terceiro pesquisador visando minimizar vieses no processo de seleção.
Os critérios de inclusão adotados foram notícias relacionadas à COVID-19, que contivessem em seu texto as palavras “COVID-19”, “Coronavírus”, “SARS-CoV-2” e “Coronavac”, escolhidas pela forte relação com o tema de estudo e frequência de uso nos textos publicados pelo site. A coleta possibilitou a inclusão das notícias publicadas de 5 de janeiro de 2020, data do primeiro alerta da OMS, a 23 de dezembro de 2020 e consideradas pelo site como falsas. Excluíram-se as notícias que não obtiveram concenso entre, no mínimo, dois pesquisadores.
Após a aplicação dos critérios de refinamento das notícias, obteve-se uma amostra de 205 fake news. Cada notícia selecionada foi lida na íntegra e agrupada em categorias de acordo com os alvos da desinformação, ou seja, descrição que cada uma passa a ter ao ser postada no sítio. Dessa maneira, a categorização foi feita a partir da frequência que assuntos relacionados ao coronavírus eram abordados como alvo das notícias falsas.
Incialmente, as notícias falsas foram organizadas considerando as variáveis: título da fake news; link de acesso; alvo; data de publicação; descritor de assunto identificado; e autoria. Para a variável data de publicação, optou-se por agrupar as notícias por trimestre visando analisar a distribuição.
A etapa seguinte consistiu na organização das notícias a partir do assunto principal, a qual resultou na criação das categorias: vacinas; medicamentos; gravidade; política; receitas; origem; máscara; isolamento; pânico; golpe; e desinformar.
Para possibilitar a análise, as notícias marcadas e consideradas como falsas no período de estudo foram digitalizadas em planilha do programa Microsoft Excel XP. A seguir, procedeu-se à análise descritiva dos dados, com cálculo das frequências absolutas e relativas, as quais foram apresentadas em tabela. Para descrição dos registros e etapas desta pesquisa, os autores seguiram as diretrizes do Strenghthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).14
O estudo não necessitou de apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa por utilizar informações de domínio público. Contudo, todos os preceitos éticos foram observados e seguidos em todas as etapas da pesquisa, preservando a identidade e o anonimato dos autores das notícias analisadas.
Selecionaram-se 205 fake news, que compuseram a amostra deste estudo. Com o intuito de possibilitar a análise detalhada, organizaram-se as notícias inicialmente de acordo com o código e, em seguida, com a categoria. Todavia, optou-se também por inserir a descrição de cada categoria para facilitar a compreensão, conforme disposto no Quadro 1.
Quadro 1 – Código e descrição das categorias utilizadas para agrupar as notícias falsas. Natal, RN, Brasil, 2021
Código |
Categorias |
Descrição |
Gravidade
|
Minimizar a gravidade da COVID-19 |
Notícias afirmando que o número de mortes divulgado é superior ao número real, que insinuem que a pandemia é uma farsa, uma virose comum ou que não necessite das medidas recomendadas pela OMS. |
Vacina |
Desinformação sobre vacinas |
Notícias que têm por objetivo desestimular a vacinação por meio de informações falsas sobre o desenvolvimento, objetivo ou efeitos das vacinas na prevenção da COVID-19. |
Medicamentos |
Promover o uso de medicamentos sem comprovação científica |
Notícias envolvendo medicamentos já existentes ou em desenvolvimento que não possuem comprovação científica de sua eficácia na prevenção ou tratamento da COVID-19. |
Política |
Desinformação com fins políticos |
Notícias falsas sobre a conduta ou com o objetivo de apoiar a ideologia de algum político. |
Receitas |
Receitas milagrosas |
Afirmações falsas acerca de alimentos que podem curar, imunizar ou eliminar a COVID-19. |
Origem |
Origem
|
Teorias, conspirações ou acusações não comprovadas da origem do vírus (SARS-CoV-2). |
Máscara |
Recomendação contrária ao uso da máscara |
Recomendações contrárias às orientações da OMS ou afirmações falsas relacionadas ao uso de máscaras. |
Isolamento |
Recomendação contrária ao isolamento/distanciamento social ou lockdown |
Recomendações contrárias às orientações da OMS ou falsas relacionadas ao isolamento/distanciamento social ou lockdown. |
Pânico |
Notícias que causam pânico |
Notícias cujo objetivo é agravar ou gerar sensação de medo e pânico na população. |
Golpe |
Golpe
|
Notícias cujo objetivo é coletar dados bancários ou informações pessoais das vítimas. |
Desinformar |
Desinformar |
Notícia cujo objetivo principal é desinformar sobre um assunto. |
OMS = Organização Mundial da Saúde
Para apresentar a distribuição das 205 fake news quanto ao alvo da notícia, os resultados foram compilados por trimestre. Assim, o 1º trimestre correspondeu aos meses de janeiro a março de 2020, sendo os demais dispostos sequencialmente até o 4º trimestre com as notícias publicadas nos meses de outubro a dezembro de 2020 (Tabela 1).
Tabela 1 - Resultados categorizados segundo alvos das fake news por trimestres. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=205)
Categoria |
1º Trimestre (34) |
2º Trimestre (70) |
3º Trimestre (63) |
4º Trimestre (38) |
Total (205) |
|||||
n |
% |
n |
% |
n |
% |
n |
% |
n |
% |
|
Gravidade |
8 |
23,5 |
30 |
42,9 |
12 |
19,0 |
6 |
15,8 |
56 |
27,3 |
Vacina |
3 |
8,8 |
2 |
2,9 |
10 |
15,9 |
26 |
68,4 |
41 |
20,0 |
Medicamentos |
3 |
8,8 |
9 |
12,9 |
14 |
22,2 |
2 |
5,3 |
28 |
13,6 |
Política |
2 |
5,9 |
7 |
10,0 |
12 |
19,0 |
1 |
2,6 |
22 |
10,7 |
Receitas |
4 |
11,8 |
4 |
5,7 |
3 |
4,8 |
1 |
2,6 |
12 |
5,8 |
Máscara |
- |
0,0 |
7 |
10,0 |
4 |
6,4 |
- |
- |
11 |
5,4 |
Isolamento |
3 |
8,8 |
4 |
5,7 |
3 |
4,8 |
- |
- |
10 |
4,9 |
Desinformação |
1 |
3,0 |
2 |
2,9 |
5 |
7,9 |
2 |
5,3 |
10 |
4,9 |
Origem |
4 |
11,8 |
5 |
7,0 |
- |
- |
- |
- |
9 |
4,4 |
Golpe |
3 |
8,8 |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
3 |
1,5 |
Pânico |
3 |
8,8 |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
3 |
1,5 |
Os alvos das fake news referentes às categorias gravidade (27,3%), vacina (20,0%) e medicamentos (13,7%) foram os mais frequentes nos quatro trimestres de 2020. Ao analisar isoladamente a categoria gravidade, observou-se que o maior alvo das fake news (67,9%) foi o número de óbitos registrados. As notícias insinuavam que hospitais e autoridades estavam sendo remunerados para informar a COVID-19 como causa da morte, seguida de informações falsas ou distorcidas sobre o coronavírus, suas características e quantidade de pacientes afetados, com o objetivo de minimizar a complexidade da situação de pandemia (28,6%) e informações referentes à situação delicada de saúde pública com teor político (3,6%).
A maioria dos autores das fake news não foi identificada, o que parece fomentar ou favorecer o comportamento inadequado de gerar e divulgar notícias falsas pelo simples prazer de acompanhar a rapidez da sua propagação nas mídias. Outro fator que contribui para a não identificação da origem ou autoria da notícia é a utilização de algoritmos de robôs que favorecem a rápida disseminação.
Sintetizaram-se 11 categorias de agrupamento de notícias falsas sobre COVID-19, as quais consideraram as notícias veiculadas na mídia e redes sociais analisadas pelo site fact-checking “Aos fatos” acerca da origem contraditória do vírus SARS-CoV-2, gravidade do adoecimento, recomendação de medicamentos e de receitas “milagrosas” sem evidência científica para prevenção ou tratamento, desestímulo à vacinação e às medidas preventivas e de controle da doença, disseminação do pânico na população e, por fim, a influência política nesse cenário. Informações que influenciaram a vida dos brasileiros no crítico contexto da pandemia.
Evidenciou-se, no primeiro trimestre de 2020, que o principal alvo das notícias falsas foi tentar minimizar a gravidade da doença. Uma postagem em rede social com mais de 800 mil compartilhamentos dizia “Em Manaus, caixões vazios estão sendo enterrados simplesmente para causar pânico a população”, outra notícia que apresentava indevidamente o logo do MS afirmava: “Não aceitem atestados de óbito em que o médico estiver atribuindo a causa da morte à COVID-19”.15
Ao desconsiderar a gravidade da COVID-19 e deixar a população ainda mais exposta e vulnerável, outros pesquisadores corroboram e ressaltam que o SARS-CoV-2 é capaz de promover a destruição dos pneumócitos e indução de resposta pró-inflamatória responsáveis pelos sintomas frequentes e recorrentes: febre (81,2%), tosse (58,5%), fadiga (38,5%), dispneia (26,1%) e escarro (25,8%).16 Aproximadamente 14% dos casos podem apresentar redução da frequência respiratória, da saturação de oxigênio e comprometimento de aproximadamente 50% do parêquima pulmonar. Os casos críticos (<5%) apresentam choque séptico e falência de órgãos.17
Essas complicações respiratórias tornaram preocupantes as condições de acesso das pessoas acometidas pela COVID-19 tanto na rede pública quanto na privada devido à escassez de leitos nos serviços para internação. Em consonância, um estudo revelou que 15% dos casos necessitavam de hospitalização e, destes, 5% precisavam ser atendidos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), elevando, assim, a demanda por leitos nos serviços de saúde e a escassez de insumos e de profissionais.18
A categoria vacina foi identificada com maior frequência no quarto trimestre de 2020, quando as vacinas da Pfizer, Moderna, Astrazeneca e Coronavac apresentavam dados essenciais para sua aprovação. O Reino Unido foi o primeiro país a imunizar sua população contra a COVID-19 utilizando a vacina desenvolvida pela parceria entre a farmacêutica americana Pfizer e a empresa de biotecnologia BioNTech. Até o dia 16 de janeiro de 2021, ao menos 56 países tinham iniciado seus planos de vacinação.19 No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou por unanimidade o uso emergencial das vacinas CoronaVac e Covishield, no dia 17 de janeiro de 2021.20
Na categoria vacina, 36,6% das notícias se referiam aos perigos, efeitos adversos ou consequências da vacinação, 36,6% envolviam questões políticas do cenário nacional e internacional, 21,9% apontavam que os testes e resultados divulgados pela mídia eram falsos e 4,9% apresentavam desinformação.
Em outubro de 2020, um áudio contendo informação falsas sobre a vacina CoronaVac foi amplamente compartilhado no aplicativo de mensagens whatsapp e no facebook, seu conteúdo afirmava que a vacina em desenvolvimento teria como consequência alterações no código genético e mudanças na orientação sexual dos imunizados. O autor também afirmava que a vacinação seria de caráter obrigatório e que a COVID-19 não teria causado nenhuma morte no mundo. Todas essas informações foram analisadas e consideradas falsas pelo site fact-checking "Aos Fatos". Os resultados divulgados por órgãos reguladores demonstraram que a vacina apresenta segurança aceitável.21
Ressalta-se que as vacinas são compostos criados por meio da manipulação de bactérias ou de vírus atenuados ou mortos, seu objetivo é gerar imunização ao promover a produção de anticorpos específicos contra um determinado antígeno. A segurança é definida a partir de testes rigorosos que acompanham seu longo processo de desenvolvimento.20
Umas das primeiras etapas se chama fase pré-clínica, em que os cientistas testam a vacina em modelos celulares ou em animais. Só após a obtenção de êxito nesta fase que é possível iniciar os testes em humanos, de início em um pequeno grupo (Fase 1), seguido por um grupo que pode conter centenas de pessoas, incluindo idosos e crianças (Fase 2), até poder ser testada em milhares de indivíduos (Fase 3) com o objetivo de obter evidência suficiente sobre seus efeitos para sua aprovação.20-22
A vacina da Pfizer, também conhecida como BNT162b2, fez história ao apresentar mais de 90% de eficácia em seus testes iniciais. Após um ensaio com um total de 43.548 participantes, que receberam duas doses em um intervalo de 21 dias, a vacina se mostrou 95% efetiva contra a COVID-19.22
Estudo em 149 países no período de 2015 a 2019 com o objetivo de mapear tendências globais relacionadas à vacinação identificou redução de confiança na importância, segurança e efetividade da imunização. Uma das causas apontadas pelos autores foi a desinformação como coadjuvante para criar um cenário de incertezas que influencia o comportamento da população. Os autores ainda citam como o compartilhamento de informações falsas sobre a pólio foi responsável pelo aumento de casos da doença no Pakistão e Nigéria.23
No Brasil, as Fake News são apontadas como uma das principais responsáveis pela queda do número de indivíduos imunizados no país, seus efeitos se agravam quando se trata de epidemias graves e ocorre uma combinação perigosa de informações e orientações contrárias ao conhecimento científico e fatos reais As causas que tornam a prática da não vacinação crescente no Brasil envolvem crenças pessoais de que a vacina pode promover a doença ou pode não funcionar.24 O risco associado ao uso de vacinas não justifica sua interrupção no mercado e nas práticas de saúde. Por outro lado, a “não vacinação” colabora para o reaparecimento de doenças infecciosas, como o sarampo e a coqueluche.25
A categoria medicamentos como alvo das fake news obteve o terceiro maior percentual, contudo a frequência desse assunto obteve o menor percentual no quarto trimestre de 2020, revelando que o interesse dos autores reduziu ao longo do tempo. Os medicamentos foram citados e divulgados com o intuito de estimular a sua utilização, mesmo sem possuir comprovação científica para a COVID-19. Citaram-se 31 fármacos, com destaque para a cloroquina/hidroxcloroquina com percentual de 58,1%. Os demais foram a ivermectina (22,6%), azitromicina (9,6%), zinco (6,5%) e Ácido Acetil Salicilico (AAS) (3,2%).
Como consequência da desinformação houve uma procura descontrolada pelos medicamentos em farmácias. A venda de vitamina C, por exemplo, cresceu 87% em abril de 2020, se comparado a abril de 2019. A procura por fármacos contendo a substância cloroquina também aumentou, fazendo com que a Anvisa mudasse sua categoria para controle especial. No primeiro trimestre de 2020, houve acréscimo de 67% na compra desse medicamento.26 As informações falsas que afirmavam que a cloroquina poderia previnir e curar a COVID-19 desabasteceram farmácias devido à procura da população. Como consequência, pacientes que necessitavam dessa medicação para o tratamento de outras doenças foram prejudicados. O estímulo da automedicação foi responsável por elevação considerável de reações adversas graves, resultando, inclusive, na morte de pacientes.27
Os resultados em torno da eficácia do tratamento com cloroquina/hidroxcloroquina foram controversos e desanimadores. Em Xangai, entres os dias 6 e 25 de fevereiro de 2020, realizou-se um estudo de nome "Eficacy and Safety of Hydroxychloroquine for Treatment of COVID-19" que constatou a importância do uso da droga na redução da carga viral, mas sem trazer maiores conclusões sobre o impacto na mortalidade/hospitalização e envolvendo apenas 30 pacientes. Os ensaios do médico francês Didier Raoult utilizavam o protocolo baseado na administração de hidroxcloroquina e azitromicina e se mostraram eficazes tanto na prevenção quanto na capacidade de evitar o agravamento para pacientes recém-infectados, porém as descobertas de Raoult foram criticadas pela comunidade científica por apresentar vieses na escolha dos seus participantes e pela ausência de grupo de controle em seus experimentos.28
Um estudo observacional realizado por Joshua Geleris analisou a relação entre a hidroxicloroquina e a quantidade de intubação e números de mortos em um hospital na cidade de Nova Iorque. Dos 1446 pacientes admitidos, 811 receberam o tratamento e não apresentaram diminuição das taxas citadas.29 Um ensaio envolvendo 150 pacientes com quadros leves e moderados da COVID-19 identificou que não houve diferença na evolução clínica dos pacientes que usaram o fármaco e ainda constatou diversos efeitos adversos relacionados ao uso de hidroxicloroquina.30
Identificar conteúdos genuínos no vasto universo digital disponível, além de desafiador, pode se tornar uma tarefa exaustiva. Apesar de sites de fact-checking serem um recurso auxiliar, ainda é indispensável a curiosidade do leitor em verificar as fontes citadas, confrontar as informações com outros autores e buscar novos olhares sobre um determinado assunto, antes de compartilhar nas redes sociais.
Os algoritmos de busca tendem a guiar ao que já foi visto, curtido e acessado, assim criam uma bolha informativa que leva sempre às mesmas respostas. É nesse momento que se torna fundamental ter iniciativa de ir além do que é agradável e explorar novos caminhos em busca da verdade.
Ressalta-se como limitações do estudo a análise de notícias restrita aos registros de um site jornalístico de verificação de fatos e a dificuldade na identificação dos autores dessas informações, fatores que sinalizam quanto à necessidade de outras investigações que contribuam com esse contexto, de forma a ampliar a discussão a respeito do impacto das fake news acerca da COVID-19.
O estudo promoveu uma reflexão relevante na área da saúde pública ante ao impacto negativo da disseminação de notícias falsas e à influência do discurso político na adesão da população às medidas de prevenção da COVID-19 preconizadas pelos órgãos oficiais. Ademais, reforçou a necessidade de investigação das publicações de notícias falsas e punição dos responsáveis a fim de divulgar informações confiáveis e com respaldo científico à população na prevenção e tratamento da COVID-19.
Enquanto as empresas responsáveis pelas redes sociais e mídias digitais atualizam seus termos e criam códigos que dão preferência a notícias verídicas, cabe ao usuário ser crítico e responsável pelo que lê e compartilha, reconhecendo uma notícia falsa por suas características e quebrando a corrente do compartilhamento de informações não verificadas.
A análise das notícias falsas no site de fact-checking “Aos fatos” revelou que a gravidade da COVID-19 foi o assunto mais frequente. Os textos continham acusações de fraude em atestados, comparações inadequadas com outras epidemias ou doenças, contagem incorreta do número de óbitos e alegações enganosas sobre vacinas e medicamentos. O compartilhamento de informações falsas sobre a COVID-19 durante a pandemia pode ter comprometido a adesão da população às medidas oficiais de prevenção preconizadas no Brasil e influenciado negativamente a adoção das mesmas. As fake-news devem ser monitoradas e refutadas para que informações genuínas cheguem ao público.
No âmbito da saúde, faz-se necessário que dados, tratamentos e recomendações legítimas estejam disponíveis de maneira clara e acessível, visando aumentar o grau de conhecimento científico da população. Contudo, precisa-se que novos estudos relacionem quais grupos são vulneráveis a fake news e como é possível filtrar dados sem censurar a liberdade de expressão.
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Fomento / Agradecimento: “não possui”.
Contribuições de autoria
1 – Anne Isaura de Oliveira Lira
Enfermeira, Graduada - E-mail: annemgdt@gmail.com
Concepção da pesquisa e redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final
2 – Viviane Peixoto dos Santos Pennafort
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: viviane.pennafort@gmail.com
Concepção da pesquisa e redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final
3 – Júlia Silva Fonseca dos Anjos
Enfermeira de Saúd - E-mail: julia.sanjos18@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final
4 – Isabel Pires Barra
Enfermeira, Graduada - E-mail: barraisa20@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final
5 – Edilma de Oliveira Costa
Enfermeira, Doutora - E-mail: edilmacosta66@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final
6 – Ana Elza de Oliveira Mendonça
Auotr Correspondente
Enfermeira. Doutora - E-mail: anaelzaufrn@gmail.com
Concepção da pesquisa e redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final
Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago
Como citar este artigo
Lira AIO, Pennafort VPS, Anjos JSF, Barra IP, Costa EO, Mendonça AEO. Health communication and misinformation about COVID-19 in the fact-checking of fake news. Rev. Enferm. UFSM. 2022 [Access at: Year Month Day]; vol.12, e56: 1-14. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769271263