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Rev. Enferm. UFSM, v.12, e24, p.1-19, 2022

https://doi.org/10.5902/2179769269299

ISSN 2179-7692

Submissão: 15/02/2022 • Aprovação: 10/05/2022 • Publicação: 28/06/2022

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Método. 5

Resultados. 8

Discussão. 12

Conclusão. 17

Referências. 18

 

Artigo original

Crianças com necessidades de saúde especiais em um serviço de pronto atendimento pediátrico: estudo transversal*

Children with special health care needs in a pediatric emergency service: a cross-sectional study

Niños con necesidades especiales de salud en un servicio de urgencias pediátricas: estudio transversal

 

Mayara Pacheco da Conceição BastosIÍcone

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Andressa Silva Torres dos SantosIIÍcone

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Beatriz Cabral LedoIIIÍcone

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Juliana Rezende Montenegro Medeiros de MoraesIIIÍcone

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Ivone Evangelista CabralIIIÍcone

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Fernanda Garcia Bezerra GóesIÍcone

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I Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras, RJ, Brazil

iI Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brazil

III Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil

 

*Artigo extraído de trabalho de conclusão de curso intitulado: Prevalência de crianças com necessidades especiais de saúde atendidas em serviço de pronto atendimento de Rio das Ostras. Universidade Federal Fluminense, 2019.

 

 

Resumo

Objetivos: rastrear crianças com necessidades de saúde especiais em um serviço de pronto atendimento pediátrico e analisar suas demandas de cuidado. Método: estudo transversal, desenvolvido de março a junho de 2019, em serviço hospitalar de emergência infantil, no município de Rio das Ostras, Rio de Janeiro, Brasil. Aplicaram-se a versão brasileira do Children with Special Health Care Needs Screener (CSHCN Screener®) e o instrumento caracterizador de demandas com familiares cuidadores de crianças. Utilizou-se a estatística descritiva. Resultados: crianças com necessidades de saúde especiais corresponderam a 5,1%, dentre 235 famílias rastreadas. Os principais domínios de necessidades de saúde foram maior utilização de serviços e dependência de medicamentos. Dentre as demandas de cuidados, destacaram-se os cuidados habituais modificados. Conclusão: as seis demandas de cuidados foram identificadas entre as crianças rastreadas. Recomenda-se a adoção do CSHCN Screener® para ampliar a visibilidade e indicar estratégias assistenciais a esse grupo populacional.

Descritores: Saúde da Criança; Enfermagem Pediátrica; Doença Crônica; Perfil de Saúde; Serviço Hospitalar de Emergência

 

Abstract

Objectives: to screen children with special health needs in a pediatric emergency service and analyze their care demands. Method: a cross-sectional study, carried out from March to June 2019, in a children's emergency hospital service, in the municipality of Rio das Ostras, Rio de Janeiro, Brazil. The Brazilian version of the Children with Special Health Care Needs Screener (CSHCN Screener®) and the instrument characterizing demands with family caregivers of children were applied. Descriptive statistics were used. Results: children with special health needs corresponded to 5.1% of the 235 families screened. The main domains of health needs were greater use of services and dependence on medicines.  Among the care demands, the modified usual care stood out. Bottom line: the six care demands were identified among the screened children. The adoption of the CSHCN Screener® is recommended to increase visibility and indicate assistance strategies for this population group.

Descriptors: Child Health; Pediatric Nursing; Chronic Disease; Health Profile; Emergency Service, Hospital

 

Resumen

Objetivos: buscar los niños con necesidades especiales de salud en un servicio de urgencias pediátricas y analizar sus demandas de cuidado. Método: estudio transversal, conducido de marzo a junio de 2019, en un servicio de emergencia hospitalaria infantil, en el ayuntamiento de Rio das Ostras, Rio de Janeiro, Brasil. Se aplicó la versión brasileña del Children with Special Health Care Needs Screener (CSHCN Screener®) y el instrumento de caracterización de demandas con parientes que cuidan a sus niños. Se utilizó estadística descriptiva. Resultados: los niños con necesidades especiales de salud correspondieron al 5,1% de las 235 familias procuradas. Los principales dominios de las necesidades de salud fueron el mayor uso de los servicios y la dependencia de medicamentos. Entre las demandas de cuidado, se destacaron los cuidados habituales alterados. Conclusión: las seis demandas de cuidado fueron identificadas entre los niños evaluados. Se recomienda la adopción del CSHCN Screener® para aumentar la visibilidad e indicar estrategias de atención a este grupo poblacional.

Descriptores: Salud del Niño; Enfermería Pediátrica; Enfermedad Crónica; Perfil de Salud; Servicio de Urgencia en Hospital

 

Introdução

Crianças que utilizam os serviços de saúde e correlacionados, com frequência superior a exigida pela população infantil em geral, foram denominadas, em 1998, como Children with Special Health Care Needs (CSHCN), pelo Maternal Child Bureau dos Estados Unidos da América (EUA). Essa definição abrangente inclui um grupo de crianças que apresenta ou está em risco aumentado de apresentar uma condição crônica física, de desenvolvimento, comportamental e/ou emocional.1 São crianças clinicamente frágeis com maior possibilidade de exposição às vulnerabilidades individuais, programáticas e sociais, cujos problemas de saúde se manifestam ao longo do tempo com níveis crescentes de limitações funcionais, comorbidades, complexidade e necessidade de serviços de saúde específicos.1-2

Entre os muitos desafios para os sistemas de saúde encontra-se a importância de monitorar as necessidades de saúde e os tipos de atendimento indispensáveis, a fim de adaptar adequadamente as políticas e programas para garantir o acesso aos serviços e cuidados de saúde necessários a essas crianças.3 Para tal, exigiu-se um instrumento para operacionalizar essa definição, o que levou à elaboração do Children with Special Health Care Needs Screener (CSHCN Screener®), que permite definir a prevalência das mesmas e identificar os domínios de necessidades de saúde. Dessa forma, torna-se possível avaliar as condições de acesso à rede de serviços, planejar a oferta de atendimentos e ampliar a cobertura e resolutividade das demandas apresentadas por esse grupo populacional.3-6

O CSHCN Screener® vem sendo aplicado em estudos de prevalência, desde 2001, nos EUA. Ao invés de centrar-se no diagnóstico da doença, esse instrumento estabelece um conjunto de necessidades de saúde que são especializadas e específicas. Assim, o CSHCN Screener®, composto por cinco perguntas estruturadas, contempla três domínios de definição, que não são categorias mutuamente excludentes. Na mesma criança pode-se identificar um ou mais dos três domínios de necessidades de saúde: 1) dependência de medicamentos prescritos para certa condição clínica; 2) utilização de serviços acima do considerado normal; 3) presença de limitações funcionais.3-6

No Brasil, desde 2004, a expressão CSHCN foi livremente traduzida como crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES) e, posteriormente, definiu-se uma tipologia de demandas de cuidados a elas associadas.2 Porém, mais recentemente, na literatura, esse mesmo grupo infantil tem sido denominado como crianças com necessidades de saúde especiais, apesar do uso da mesma sigla,7 na medida em que apresentam necessidades de saúde singulares e diferenciadas, logo, especiais, precisando de atendimento organizado e articulado em rede sendo, portanto, este o termo adotado na atual pesquisa.

Na perspectiva da saúde global, essas crianças são desafiadoras para famílias, profissionais de saúde e redes de atenção à saúde. Assim, sua identificação é o primeiro passo no apoio à elaboração e ao desenvolvimento de políticas públicas específicas para atender suas demandas particulares e melhorar o acesso ao sistema de saúde. Nessa diretiva, nos EUA, o CSHCN Screener® foi aplicado em três inquéritos nacionais (2001, 2005–2006 e 2009–2010), com versões disponíveis em inglês, espanhol, chinês, japonês, coreano e russo, por conta dos imigrantes que vivem no país.4-9 Também já foi empregado em outros países de língua inglesa, para rastreamento e determinação da prevalência de CSHCN, como Austrália10 e Reino Unido11 e traduzido e adaptado culturalmente na Suíça,12 Brasil,4 e Egito.6

Destaca-se que, a partir dos domínios do CSHCN Screener®, ao rastrear e estudar o perfil de saúde dessas crianças é possível reconhecer as demandas de cuidados para os cuidadores familiares e profissionais de saúde, em seis grupos: cuidados de desenvolvimento referente à necessidade constante de estimulação funcional; cuidados tecnológicos ao uso de dispositivos como gastrostomia, traqueostomia, colostomia, dentre outros; cuidados medicamentosos ao uso contínuo de fármacos, tais como cardiotônicos, anticonvulsivantes, por exemplo; cuidados habituais modificados à utilização de tecnologias adaptativas nos cuidados cotidianos e nas atividades de vida diária para locomover-se, alimentar-se, arrumar-se, no uso do toalete, dentre outros; cuidados mistos à combinação de demandas, excluindo-se a tecnológica; e, cuidados clinicamente complexos à combinação de todas as anteriores.2

Devido à sua condição subjacente frágil, as CRIANES são vulneráveis ​​a flutuações de saúde e muitas vezes podem exigir atendimento em serviço hospitalar de emergência. A literatura aponta que a gravidade clínica, o número de exames biomédicos e as taxas de hospitalização são maiores entre essas crianças do que na população pediátrica geral. Assim, profissionais de saúde que trabalham em unidades de pronto atendimento pediátrico precisam saber reconhecê-las no conjunto das demais, por meio de uma triagem cautelosa e eficaz, para um atendimento adequado de suas demandas particulares.1

Porém, embora o CSHCN Screener® seja amplamente aplicado em inquéritos populacionais para rastreamento dessas crianças em outros países, no Brasil, sua utilização restringe-se, até o momento, a serviços da atenção primária em municípios isolados de alguns estados,13 o que se configurava uma lacuna do conhecimento em âmbito nacional. Logo, faz-se necessário ampliar os cenários de aplicação desse instrumento para rastreá-las nos mais variados serviços das redes de atenção no contexto brasileiro, incluindo os ambientes de urgência e emergência.

Ademais, aplicá-lo à população infantil brasileira, associado a outras ferramentas, pode ampliar a visibilidade tanto das necessidades de saúde que são especiais como também das demandas de cuidados específicas, o que contribui para a formulação de políticas públicas e estratégias assistenciais para o atendimento dessas necessidades. Assim sendo, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Quais são as demandas de cuidado de crianças com necessidades de saúde especiais rastreadas pelo CSHCN Screener® em um serviço de pronto atendimento pediátrico? Portanto, objetivou-se rastrear crianças com necessidades de saúde especiais em um serviço de pronto atendimento pediátrico e analisar suas demandas de cuidado.

 

Método

Pesquisa transversal e descritiva, desenvolvida em um serviço hospitalar de emergência infantil no município de Rio das Ostras, na região da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Trata-se de um dos serviços da rede de atenção de urgência e emergência, do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende crianças procedentes do próprio município e de cidades vizinhas, realizando em média 160 atendimentos diários. As crianças e seus familiares esperam na recepção que fica localizada na entrada do hospital, para obter o primeiro atendimento com o enfermeiro que realiza o acolhimento com classificação de risco, com posterior encaminhamento para o atendimento médico de acordo com as necessidades exigidas de cada caso. Para descrever a pesquisa, seguiram-se as diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

A população do estudo compreendeu crianças atendidas no serviço de urgência e emergência. A amostragem foi por conveniência simples, com intervalo de confiança de 95%, erro amostral de 5% e uma prevalência esperada de 15%, considerando uma média entre as prevalências encontradas em pesquisas internacionais de identificação de crianças com necessidades de saúde especiais na população em geral.6,10-12,14 No Brasil, as investigações encontradas são em cenários específicos e não de base populacional. O número mínimo de participantes foi de 196 familiares cuidadores de crianças, contudo, considerou-se um acréscimo de 20% à amostra para controle de perdas, totalizando 235 participantes. Na seleção dos participantes considerou-se como critério de inclusão: cuidador familiar (acima de 18 anos) de criança com até 12 anos de idade incompletos. O critério de exclusão: cuidador familiar que desconhecia as condições de nascimento e saúde da criança.

Os dados foram coletados, entre os meses de março a junho de 2019, por uma equipe, composta pela primeira autora e duas auxiliares de pesquisa, todas acadêmicas de enfermagem do último período do curso de graduação de uma Universidade Federal, em dias úteis da semana, até que a amostra fosse alcançada. Todas foram treinadas para aplicação dos instrumentos de coleta de dados e receberam supervisão da professora orientadora, doutora em enfermagem. Realizou-se um teste-piloto com 20 cuidadores familiares para verificar a aplicabilidade dos dois formulários, porém, ajustes não foram necessários. Logo, esses participantes foram incluídos na amostra. Não houve desistências quanto à participação.

Inicialmente, aplicou-se, por meio de entrevista estruturada face a face, de forma reservada, no espaço da sala de espera do serviço, o CSHCN Screener® antes ou após a criança ter sido avaliada na sala de classificação de risco, com duração média de 5 minutos. A primeira parte de cada questão do CSHCN Screener®, traduzido e adaptado culturalmente para realidade brasileira,4 explora cinco condições de vida e saúde diferentes. A primeira condição refere-se à necessidade ou uso de medicamentos prescritos, que não sejam vitaminas. A segunda, à necessidade ou utilização de serviços médicos, psicossocial ou de educação mais do que as outras crianças da mesma idade. A terceira, à limitação ou incapacidade para a realização de atividades cotidianas, comparadas às outras crianças da mesma idade. A quarta, necessidade ou recebimento de tratamentos especializados de fisioterapia, terapia ocupacional ou fonoaudiologia. A última, à necessidade ou realização de tratamento ou acompanhamento para problemas emocionais, de desenvolvimento ou comportamentais. Todas as opções de resposta são do tipo sim ou não.4-5

Na segunda e terceira partes do CSHCN Screener®, cada questão é respondida apenas mediante a obtenção de respostas afirmativas (sim) para qualquer condição descrita na primeira parte do instrumento. Nessas afirmativas buscam-se relações dessas respostas com quaisquer problemas de saúde cuja duração real ou esperada seja de no mínimo 12 meses. Qualquer questionamento com resposta afirmativa, em qualquer parte do instrumento, já determina que a criança possui algum domínio de necessidade de saúde que exige atendimento especial e especializado de serviços de saúde e educacional.4-5

Para os familiares cuidadores cujas crianças foram rastreadas com necessidades de saúde especiais, em seguida, no mesmo dia e local, aplicou-se um segundo instrumento caracterizador de demandas, já utilizado em outra pesquisa com esse grupo populacional,15 que também se revelou adequado para uso neste estudo mediante o teste-piloto realizado. A primeira parte continha variáveis sociodemográficas relacionadas à criança e à família: sexo da criança (feminino; masculino); etnia da criança (preta; parda; branca; indígena); idade da criança (em anos); cuidador (mãe; pai; avó; avô; irmãos; outros); faixa etária do cuidador (até 19 anos; 20 a 24 anos; 25 a 35 anos; mais de 35 anos); situação conjugal do cuidador (casado; união estável; vive maritalmente; separado; viúvo; solteiro); nível de escolaridade do cuidador (analfabeto total; analfabeto funcional; ensino fundamental completo; ensino fundamental incompleto; ensino médio completo; ensino médio incompleto; ensino superior completo; ensino superior incompleto); procedência: (município de Rio das Ostras; outros); renda familiar (sem renda; até 1 salário mínimo; de 1 a 2 salários mínimos; de 2 a 3 salários mínimos; de 3 a 4 salários mínimos; 4 salários mínimos ou mais); habitação: (alvenaria; outros); luz elétrica (sim; não); procedência da água de consumo (rede pública; poço; não possui); destino dos dejetos (rede pública; céu aberto; fossa séptica; outro).

A segunda parte, abarcava as condições de gestação, parto e nascimento: pré-natal (sim; não); número de consultas (quantidade); gravidez de risco: (sim; tipo; não); idade gestacional ao nascer (pré-termo; a termo; pós-termo); tipo de parto (vaginal; cesárea; fórceps); peso ao nascer (valor); peso em relação à idade gestacional (pequeno para a idade gestacional; adequado para a idade gestacional; grande para a idade gestacional); necessidade de reanimação respiratória (sim; não); alimentação na alta hospitalar (peito; misto; artificial).

E a terceira parte, a origem das necessidades de saúde especiais e demandas de cuidado: causa adquirida (sim; tipo; não); causa congênita (sim; tipo; não); diagnóstico médico (tipo); demanda de cuidados medicamentosos (sim; tipo; não); cuidados tecnológicos (sim; tipo; não); cuidados habituais modificados (sim; tipo; não); cuidados de desenvolvimento (fisioterapia; fonoaudiologia; nutrição; outros; frequência). O tempo de entrevista dos familiares de CRIANES, na aplicação do instrumento avaliador do perfil, foi em média de 15 minutos.

Os dados foram digitados por duas pessoas de forma independente e submetidos à análise estatística descritiva com medidas de frequência absoluta e relativa, tendência central (média, mediana) e de dispersão (desvio padrão) utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences da International Business Machines Corporation (IBM® SPSS), versão 20.0.

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, parecer 3.196.393, em 13 de março de 2019. A pesquisa foi conduzida de acordo com as Resoluções 466/2012, 510/2016 e 580/2018 do Ministério da Saúde. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

 

Resultados

Dentre as 235 crianças, cujos familiares participaram do estudo, 12 foram identificadas pelo CSHCN Screener® com pelo menos um domínio de necessidade de saúde especial, o que equivale a uma frequência relativa de 5,1% na amostra. Em relação aos domínios, entre as CRIANES rastreadas, verificou-se que a necessidade ou utilização de serviços médicos, psicossocial ou de educação mais do que as outras crianças da mesma idade (91,7%) e a dependência de medicamentos prescritos (83,3%) foram as mais prevalentes (Tabela 1).

 

Tabela 1 - Distribuição das CRIANES* rastreadas segundo os domínios de necessidades de saúde. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2019 (n=12)

Domínios de necessidades de saúde

n

% entre as CRIANES* (n=12)

% entre todas as crianças

 (n=235)

Utilização de serviços acima do considerado normal

11

91,7

4,7

Dependência de medicamentos prescritos

10

83,3

4,3

Presença de limitações funcionais

7

58,3

3,0

*CRIANES = Crianças com necessidades de saúde especiais

 

Mais da metade das CRIANES (58,3%; n=07) possuía três domínios de necessidades de saúde combinados e duas (16,7%) apresentavam dois domínios. Para todas essas crianças, o motivo foi uma condição clínica, comportamental ou de saúde e a condição continuou ou deve continuar por pelo menos 12 meses. A necessidade ou recebimento de tratamentos especializados de fisioterapia, terapia ocupacional ou fonoaudiologia equivaleu a dez crianças (83,3%) e problemas emocionais, de desenvolvimento ou comportamentais determinaram a necessidade de tratamento ou acompanhamento para sete (58,3%).

A Tabela 2 mostra a distribuição das crianças rastreadas por suas características familiares. Os doze cuidadores familiares eram mães, 58,3% viviam com o cônjuge, a faixa etária mais recorrente situava-se entre 25 e 35 anos (66,7%) e a escolaridade de ensino médio completo correspondeu a 41,7% das participantes. A maioria das famílias residia no município de Rio das Ostras (91,7%), todas em casas de alvenaria com luz elétrica, com a maior parte consumindo água tratada da rede pública (83,3%) e com acesso ao esgotamento sanitário (66,7%). Destaca-se que oito familiares viviam com uma renda familiar de até dois salários mínimos mensais (66,7%).

 

Tabela 2 - Distribuição das CRIANES* rastreadas segundo características familiares. Rio das Ostras-RJ, Rio das Ostras-RJ, 2019 (n=12)

Variáveis

n

% entre as CRIANES*

Principal cuidador

 

 

Mãe

12

100,0

Faixa etária

 

 

20 a 24 anos

1

8,3

25 a 35 anos

8

66,7

Maior de 35 anos

3

25,0

Situação conjugal do cuidador

 

 

Casado

7

58,3

Separado

2

16,7

Solteiro

3

25,0

Nível de escolaridade do cuidador

 

 

Ensino fundamental completo

2

16,7

Ensino médio completo

5

41,7

Ensino médio incompleto

3

25,0

Superior completo

1

8,3

Superior incompleto

1

8,3

Procedência da família (município)

 

 

Rio das Ostras

11

91,7

Outros

1

8,3

Renda Familiar

 

 

Até 1 salário mínimo

2

16,7

De 1 a 2 salários mínimos

6

50,0

De 3 a 4 salários mínimos

2

16,7

4 salários mínimos ou mais

2

16,7

Condições de habitação

 

 

Alvenaria

12

100,0

Luz elétrica

12

100,0

Água de consumo

 

 

Rede pública

10

83,3

De poço

2

16,7

Destino dos dejetos

 

 

Rede pública

8

66,7

Fossa séptica

4

33,3

*CRIANES = Crianças com necessidades de saúde especiais

Os dados das características pessoais da CRIANES e as condições de gestação, parto e nascimento são apresentados na Tabela 3. Quanto ao sexo das crianças, havia uma proporção de meninos para meninas de 1,4:1; sendo a maioria (58,3%) pré-escolar, com uma média de idade de 5,75 (DP ± 3,646; mediana de 5,5). Em relação à etnia, 50% dos entrevistados declararam que a criança era branca, enquanto 41,7% parda. Quanto às condições da gestação, todas informaram ter realizado o pré-natal, a maioria com mais de seis consultas (91,7%) e com gravidezes de baixo risco (66,7%). A maioria das CRIANES nasceu de parto cesárea (75,0%) em boas condições de nascimento, tanto no que se refere à idade gestacional, visto que 75,0% eram a termo, quanto ao peso, pois entre 66,7% das crianças o mesmo estava adequado para a idade gestacional. A média de peso ao nascer foi de 3.549g (DP± 1.360,13g e mediana de 3.327,5g), com peso mínimo ao nascer foi de 1.980g e máximo de 5.500g. 

 

Tabela 3 - Distribuição das CRIANES* rastreadas segundo características pessoais e de condições de gestação, parto e nascimento. Rio das Ostras-RJ, Rio das Ostras-RJ, 2019 (n=12)

Variáveis

n

% entre as CRIANES*

Sexo da criança

 

 

Masculino

7

58,3

Feminino

5

41,7

Faixa etária da criança

 

 

Pré-escolar (2 a 6 anos exclusive)

7

58,3

Escolar (6 a 10 exclusive)

3

25,0

Pré-adolescente (10 a 12 anos exclusive)

2

16,7

Etnia

 

 

Branca

6

50,0

Parda

5

41,7

Preta

1

8,3

Pré-natal

 

 

Sim

12

100,0

Número de consultas

 

 

Até seis consultas

1

8,3

Seis ou mais consultas

11

91,7

Gravidez de risco

 

 

Sim

8

66,7

Não

4

33,3

Tipo de parto

 

 

Cesárea

9

75,0

Normal

3

25,0

Idade gestacional ao nascimento

 

 

A termo

9

75,0

Pré-termo

3

25,0

Peso para a idade gestacional

 

 

Adequado para a idade gestacional

8

66,7

Pequeno para a idade gestacional

2

16,7

Grande para a idade gestacional

2

16,7

*CRIANES = Crianças com necessidades de saúde especiais

Vale ressaltar que houve gestações de alto risco devido à hipertensão (8,3%; n=01), pré-eclâmpsia (8,3%; n=01), oligodramnia (8,3%; n=01) e deslocamento placentário (8,3%; n=01). Porém, apenas uma criança (8,3%) teve intercorrência ao nascer, sendo necessária a utilização de O2 inalatório e medicações para reanimação. A maioria das crianças (75%; n=09) estava em aleitamento exclusivo na alta da maternidade, enquanto três (25%) em uso de leite artificial.

A origem da necessidade de saúde especial na vida criança deveu-se a causas congênitas (83,3%; n=10) e adquiridas (16,7%; n=02). Segundo as mães, as crianças foram diagnosticadas com as seguintes doenças: asma (16,7%; n=02), alergia (16,7%; n=02), baixa imunidade (16,7%; n=02), bronquite asmática (16,7%; n=02), dermatite por contato (16,7%; n=02), hidrocefalia (16,7%; n=02) e mielomeningocele (16,7%; n=02). Destacaram ainda que também estavam em acompanhamento médico para: obstrução pulmonar crônica, paralisia cerebral, cegueira, déficit de aprendizado, fratura óssea, refluxo gastroesofágico, Transtorno por Déficit de Atenção (TDAH) e Síndrome de Down, com uma (8,3%) criança para cada um desses diagnósticos. Logo, muitas crianças (41,7%; n=05) possuíam mais de um diagnóstico, inicial ou atual, que poderia ser associado à sua necessidade especial de saúde.

As seis demandas de cuidados para os cuidadores familiares e profissionais de saúde foram identificadas entre as CRIANES com destaque para os cuidados habituais modificados (91,7%), seguidos pelos cuidados medicamentosos (83,3%) (Tabela 4).

 

Tabela 4 - Distribuição das CRIANES* rastreadas segundo os tipos de demandas de cuidados. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2019 (n=12)

Demandas de cuidados

n

% entre as CRIANES*

Cuidados habituais modificados

11

 91,7

Ingesta diária de medicamentos

10

 83,3

Prevenção de infecção

3

 25,0

Prevenção de broncoaspiração

2

16,7

Monitoramento de sinais vitais

2

 16,7

Alimentação por gastrostomia

1

 8,3

Monitoramento de saturação

1

8,3

Monitoramento de crises convulsivas

1

 8,3

Cuidados medicamentosos

10

83,3

Corticoide

5

41,7

Broncodilatador

3

25,0

Antirrefluxo

2

16,7

Analgésico

1

 8,3

Antialérgico

1

 8,3

Antiespasmódico urinário

1

 8,3

Cardiogênico

1

 8,3

Colírio

1

 8,3

Psicotrópico

1

 8,3

Cuidados mistos

9

 75,0

Cuidados medicamentosos + habituais modificados + de desenvolvimento

4

 33,3

Cuidados medicamentosos + habituais modificados

4

 33,3

Habituais modificados + de desenvolvimento

1

 8,3

Cuidados de desenvolvimento

7

 58,3

Fisioterapia

5

 41,7

Fonoaudiologia

4

 33,3

Terapia ocupacional

1

8,3

Cuidados tecnológicos

3

 25,0

Sonda uretral de alívio

2

 16,7

Gastrostomia

1

 8,3

Traqueostomia

1

 8,3

Cuidados clinicamente complexos

2

 16,7

*CRIANES = Crianças com Necessidades de Saúde Especiais

As demandas de cuidados habituais modificados incluíram distintas restrições e adaptações nas atividades de vida diária das CRIANES e suas famílias. Dentre as crianças que usam medicamentos de forma contínua no domicílio, destaca-se que quatro (40%) delas fazem uso contínuo de mais de um tipo de medicamento por dia. Ainda, entre aquelas que apresentam demandas de cuidados mistos, pela combinação de uma ou mais demandas, algumas que apresentam demandas de cuidados de desenvolvimento já vêm sendo acompanhada pela fonoaudiologia (33,3%; n=04) e terapia ocupacional (8,3%; n=01).

Entretanto, chama atenção que embora dez crianças (83,3%) apresentem necessidades de intervenção de fisioterapia, apenas cinco (41,7%) são acompanhadas nesta especialidade, logo, cinco (41,7%) não possuem acesso a esse tipo de serviço. Ainda segundo as mães, essas CRIANES têm sido acompanhadas por outras especialidades, segundo a natureza de suas necessidades, tais como imunologia (33,3%; n=04), psicologia (25,0%; n=03), homeopatia (16,7%; n=02), nutrição (16,7%), oftalmologia (8,3%; n=01) e pneumologia (8,3%; n=01).

 

Discussão

O estudo atual identificou que 5,1% das crianças que buscaram o serviço da rede de atenção de urgência e emergência do SUS, no interior do estado do RJ, possuíam necessidades de saúde especiais. A taxa encontrada se aproxima da obtida entre a população infantil no Reino Unido de 7,3%.11 O CSHCN Screener® aplicado na atenção primária no Egito6 e Havaí9 obteve uma prevalência de 12%. Na Suíça12 e na Austrália10 as taxas foram ainda maiores, 18% e 24%, respectivamente. No estudo que aplicou o instrumento pela primeira vez no contexto brasileiro a taxa encontrada foi de 36%,4 e na atenção primária em dois municípios brasileiros foi de 29%.13

A diferença de achados entre os estudos realizados na cidade do Rio Grande do Sul e em Rio das Ostras pode ser explicada pela diferença de cenários. O primeiro foi desenvolvido em um ambulatório especializado de um hospital de ensino, portanto, crianças com diagnósticos de doença ou condições previamente definidas já em acompanhamento. O segundo em um serviço da rede de atenção de urgência e emergência que atende crianças em geral e não dispõe de uma rede local de serviços especializados, o que reforça a necessidade de rastrear as CRIANES também em serviços de pronto atendimento pediátrico para o atendimento oportuno de suas demandas específicas.1

A necessidade ou utilização de serviços para além do esperado para as crianças em geral foi o domínio de necessidades de saúde mais comum entre as CRIANES, seguido da dependência de medicamentos prescritos. Em alguns casos, a combinação de mais de um ou até mesmo os três domínios afetavam a mesma criança de modo contínuo por pelo menos 12 meses. Por um lado, os resultados encontrados diferem de outra pesquisa que revelou um maior percentual de dependência medicamentosa.9 Por outro, corroboram com resultados de estudo egípcio, no qual em quase todas as crianças, a razão era condição clínica, comportamental ou de saúde e a condição continuava ou se esperava que continuasse por pelo menos 12 meses. Além disso, a maioria também apresentava a combinação de três domínios,6 o que reforça a complexidade dos cuidados que essas crianças carecem para manter a sua sobrevivência.

A necessidade ou recebimento de tratamentos especializados também foi relevante, contudo, nem todas as CRIANES rastreadas tinham acesso aos serviços necessários no município, a exemplo da fisioterapia. Destaca-se, porém, que a cidade de Rio das Ostras encontra-se aproximadamente a 170km da capital do RJ, onde há a maioria dos serviços especializados do estado. Nessa diretiva, estudo brasileiro aponta que é comum as famílias de CRIANES recorrerem ao sistema judiciário para a garantia dos cuidados mínimos necessários no âmbito domiciliar, o que nem sempre é atendido.16

Resultados semelhantes foram identificados em uma pesquisa realizada em um hospital pediátrico no município do Rio de Janeiro, na qual se identificou que as famílias vivem uma constante peregrinação para os grandes centros urbanos em busca de atendimento multiprofissional e especializado.15 Geralmente, essas crianças são mais bem acolhidas pelos grandes hospitais de referência para seu tratamento continuado do que nos serviços de saúde disponíveis no seu território.2

Estudo internacional, realizado na Suíça, chama a atenção para o papel da própria complexidade clínica como potencial determinante das iniquidades em saúde, refletindo, por exemplo, em acesso reduzido aos diferentes serviços, quando comparadas às demais crianças.12 Pesquisa australiana aponta ainda que embora o acesso aos serviços de saúde seja vital para o desenvolvimento e o bem-estar de todas as crianças, aquelas que precisam de vários tipos de cuidados de saúde são justamente a mais vulneráveis às fragilidades dos sistemas de saúde.3

Quanto ao perfil dessas crianças, as mães eram as cuidadoras primárias que acompanhavam as CRIANES no serviço de pronto atendimento. Uma parcela significativa dessas mulheres não contava com apoio de companheiro, seja porque estava separada ou solteira. Tais dados reafirmam que a rede de cuidados familial a essas crianças é reduzida aos cuidadores principais do núcleo familiar e do sexo feminino, geralmente mães, que se dedicam integralmente aos cuidados das mesmas.13

A maior parte das famílias vive no próprio município com uma renda variável entre um e dois salários mínimos brasileiros e duas famílias vivem com menos de um salário mínimo, portanto, são de baixa renda, pertencentes à classe social E. Logo, a vulnerabilidade financeira é uma realidade comum entre esses familiares. Investigações apontam que as despesas médicas dessas crianças são duas a três vezes maiores se comparadas àquelas sem necessidades de saúde especiais.1,13

Quanto às condições de gestação, no Brasil recomenda-se a realização de no mínimo seis consultas no pré-natal,17 o que foi contemplado por todas as mães do presente estudo. Sobre as condições de nascimento, outra pesquisa apontou que a maioria das CRIANES também nasceu de parto cesariana, a termo, com parâmetros físicos dentro do adequado e sem intercorrência no parto e, igualmente, apenas uma criança necessitou de manobras de reanimação respiratória,15 corroborando com os achados atuais.

Quanto às características individuais das CRIANES, predominou o sexo masculino e a idade da primeira infância, com parcela significativa na idade pré-escolar. Outras pesquisas também apontaram prevalência maior em crianças do sexo masculino.5-6 A origem das necessidades de saúde especiais das crianças deveu-se a causa congênita, sendo uma minoria com prematuridade e baixo peso. Tais dados reforçam a importância de planejamento antecipado para o nascimento de bebês com doenças congênitas em instituições que ofereçam suporte adequado, inclusive para que não sejam geradas novas necessidades de saúde especiais para além dos domínios esperados. Frise-se que o conhecimento adequado dos fatores associados às malformações congênitas contribui para o planejamento de ações na saúde materna e infantil visando aprimoramento dos métodos de diagnóstico, acompanhamento especializado com medidas que melhorem a qualidade de vida, o que contribui para o aumento da sobrevida e, consequentemente, a redução da mortalidade infantil.18

Seis demandas de cuidados foram identificadas, com destaque para as de cuidados habituais modificados, que representaram adaptações no modo de cuidar das crianças, transformando os hábitos de vida das CRIANES e suas famílias. As adaptações dependem diretamente do aprendizado de novos cuidados que também são de competência da enfermagem, requerendo, inclusive, a atuação do enfermeiro no aconselhamento/ensinamento das famílias, pois é parte integrante dos cuidados de enfermagem.2

Sobre os cuidados medicamentosos, dez crianças faziam uso contínuo de fármacos no domicílio e algumas mais de um medicamento de uso diário. Logo, as famílias precisam incorporar uma gama de ações para garantir a administração correta do fármaco, como atentar para o prazo de validade, posologia, fracionamento, armazenamento e efeitos adversos, o que implica, inclusive, em uma leitura correta da prescrição.15 Assim, esse tipo de demanda requer a atuação articulada de distintos profissionais, incluindo o médico (prescrição), enfermeiro (administração e orientações de enfermagem) e farmacêutico (orientações farmacêuticas) e demais profissionais de saúde envolvidos nos cuidados, visando, assim, o manejo seguro e com qualidade no atendimento a essas crianças.

Três famílias do estudo precisaram aprender a manipular diferentes dispositivos tecnológicos para manter a vida. Por exemplo, uma criança teve o modo de receber alimentação substituído, com a transição da via oral para a gastrostomia, bem como passou a respirar com ajuda da traqueostomia, o que alterou o mecanismo de respiração espontânea. Além disso, duas precisavam de suporte tecnológico para o esvaziamento da bexiga. Nessa lógica, uma criança com dependência tecnológica requer, dos seus familiares cuidadores, a aquisição de saberes interdisciplinares e à adequação de cuidados cotidianos, a fim de suprir as necessidades imprescindíveis à sua sobrevivência.19

Sabe-se que serviços de atenção domiciliar devem ser aplicados às CRIANES, a fim de prevenir agudizações e evitar hospitalizações por causas evitáveis, mediante atenção contínua ao longo do tempo por equipe multiprofissional. No caso dessas crianças, os cuidados desenvolvidos por esses serviços no Paraná incluem sondagens, administração de medicamentos, curativos e orientação para aspiração e administração de dieta.20 Contudo, mediante a escassez desse tipo de serviço de atenção domiciliar no município estudado, as famílias precisam aprender para realizar sozinhas distintos cuidados tecnológicos, por exemplo, preparar e administrar dietas enterais, trocar cânula de traqueostomia, aspirar vias aéreas e realizar sondagem vesical.

Portanto, aprender a realizar os cuidados tecnológicos, medicamentosos, de desenvolvimento e habituais modificados das CRIANES se constitui uma realidade e um desafio para as famílias brasileiras.21 Diante das alterações no funcionamento do corpo de suas crianças, os cuidadores se deparam com um cuidado inovador, em substituição e/ou modificação do cuidado cotidiano e habitual de manutenção da vida, que torna diferente um modo anterior de cuidar, para que seja assegurada a vida de seus filhos em casa. Logo, emerge a necessidade de aprendizado no manejo de distintos instrumentais e medicamentos. Contudo, como esses cuidados não são transmitidos por herança cultural, torna-se necessário aprender com os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, os procedimentos para o manejo seguro e com qualidade dessas tecnologias.2

Embora as crianças apresentem demandas de cuidados distintas, incluindo os mistos e clinicamente complexos, que requerem uma gama de orientações por parte da enfermagem pediátrica junto às famílias, esta não foi uma demanda autorreferida pelas mães entrevistadas. Porém, estudo indicou que a participação do enfermeiro na coordenação dos cuidados de CRIANES no domicílio podem potencialmente diminuir a utilização de consultas em urgência e emergência e especialidades, além de internações hospitalares.22 Ademais, os profissionais de enfermagem ajudam a superar as dificuldades cotidianas, fornecendo cuidados abrangentes e econômicos no domicílio, clínicas especializadas e em ambientes hospitalares, com melhores resultados de saúde e maior satisfação das famílias.23

Nessa diretiva, a participação da equipe multiprofissional na atenção primária, tendo o enfermeiro como o coordenador dos cuidados às CRIANES, favorece um cuidado humanizado e integral a essas crianças e suas famílias. Contudo, a literatura aponta que a rede de atenção à saúde para essas crianças é considerada frágil e desarticulada, e que os serviços de urgência e emergência e os de nível terciário são acessados preferencialmente em detrimento dos serviços de nível primário.24 Nessa diretiva, pesquisa desenvolvida em um hospital de ensino no Rio Grande do Sul revelou elevada procura pelos serviços de urgência e emergência entre adolescentes com diabetes mellitus,25 que fazem parte do grupo de CRIANES. Assim, a aplicação do CSHCN Screener® em serviços de pronto atendimento para o rastreamento dessas crianças é essencial, a fim de ampliar a visibilidade desse grupo e direcionar políticas públicas que superem o modelo hospitalocêntrico e garanta a participação efetiva da atenção primária na vida das CRIANES e suas famílias.

A pesquisa tem como limitação as informações autodeclaradas pelos familiares sobre as condições de saúde dos filhos, pois algumas CRIANES podem não ter sido rastreadas na pesquisa, principalmente quando sua condição não resulta em limitação de atividades. Ainda, a rede de saúde do município em questão não cobre as necessidades mais específicas destas crianças, o que inclui a escassez de serviços e especialistas, refletindo diretamente no quantitativo de CRIANES no serviço de pronto atendimento. Como os resultados limitam-se à população infantil de um município, faz-se necessário a realização de novas pesquisas na rede de atenção de urgência e emergência. 

 

Conclusão

Evidenciou-se que dentre as crianças, em situações de urgência e emergência, atendidas em um serviço de pronto atendimento, 5,1% foram identificadas com necessidades de saúde especiais por meio da aplicação do CSHCN Screener®.

A necessidade ou utilização de diferentes serviços especializados acima do considerado habitual ou rotineiro em relação às outras crianças foi o domínio de necessidades de saúde, isolado ou conjugado, mais comum para essas CRIANES. Ademais, as seis demandas de cuidados para os cuidadores familiares e profissionais de saúde foram identificadas entre as CRIANES, com destaque para os cuidados habituais modificados. Ressalta-se que falhas na rede de atenção especializada para essas crianças no município foram identificadas.

As necessidades de saúde são especiais e específicas e requerem uma melhor organização da rede de atenção à saúde da criança. Recomenda-se, assim, a adoção do CSHCN Screener® em serviços de pronto atendimento, por sua praticidade no rastreamento desse grupo de crianças, para ampliar a visibilidade e indicar estratégias assistenciais.

 

Referências

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Fomento/Agradecimento: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa pelo Edital Universal Chamada MCTIC/CNPq nº 28/2018, Processo nº 430213/2018-2, coordenado pela Prof. Dra. Ivone Evangelista Cabral.

 

Contribuições de Autoria

 

1 – Mayara Pacheco da Conceição Bastos

Autor Correspondente

Enfermeira - E-mail: mayarabastosss@gmail.com

Colaborou com a concepção e desenho do estudo, na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

2 – Andressa Silva Torres dos Santos

Enfermeira - E-mail: torresandressa@hotmail.com

Colaborou na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

3 – Beatriz Cabral Ledo

Enfermeira - E-mail: beatriz.cabral.ledo@gmail.com

Colaborou na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

4 – Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes

Enfermeira - E-mail: jumoraes333@gmail.com

Colaborou na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

5 – Ivone Evangelista Cabral

Enfermeira - E-mail: icabral444@gmail.com

Colaborou com a concepção e desenho do estudo, na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

6 – Fernanda Garcia Bezerra Góes

Enfermeira -E-mail: ferbezerra@gmail.com

Colaborou com a concepção e desenho do estudo, na análise e interpretação dos dados e na revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

 

Como citar este artigo

Bastos MPC, Santos AST, Ledo BC, Moraes JRMM, Cabral IE, Góes FGB. Children with special health care needs Rev. Enferm. UFSM. 2022 [Access on: Year Month Day]; vol.12 e24: 1-19. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769269299