Rev. Enferm. UFSM, v.12, e44, p.1-19, 2022
https://doi.org/10.5902/2179769268966
ISSN 2179-7692
Submissão: 06/01/2021 • Aprovação: 12/08/2022 • Publicação: 13/09/2022
Artigo original
Acolhimento e desafios no retorno ao trabalho, após a licença-maternidade em uma instituição de ensino*
Reception and challenges in returning to work, after maternity leave in an educational institution
Acogimiento y desafíos en el retorno al trabajo, luego de la licencia maternidad en una institución de enseñanza
Marialda Moreira ChristoffelII
Josiane Lieberknecht Wathier AbaidI
I Universidade Franciscana (UFN). Santa Maria, RS, Brasil
ꞋꞋ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Macaé, RJ, Brasil
* Extraído da dissertação “Guia de acolhimento às mulheres no retorno ao trabalho após a licença-gestante”, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa Mestrado Profissional em Saúde Materno e Infantil, Universidade Franciscana, 2021.
Resumo
Objetivo: analisar os sentimentos e dificuldades de mães no retorno da licença-maternidade e a percepção do acolhimento institucional. Método: estudo quali-quantitativo com 40 mães trabalhadoras de uma instituição de ensino pública de ensino médio, técnico e superior que retornaram ao trabalho após o período de licença. Foi aplicado um questionário on-line, com análise quantitativa descritiva e qualitativa de conteúdo. Resultados: das participantes, 42,5% relataram sentimentos difíceis (tristeza, depressão e desamparo), 50% dificuldade nas rotinas, 17,5% problemas para amamentar pela distância e 35% pontos positivos quanto à amamentação exclusiva no trabalho remoto. Cinco categorias foram encontradas: sentimentos no retorno ao trabalho; dificuldades do retorno e amamentação; pandemia e trabalho remoto; fragilidades percebidas e sugestões de melhorias; reflexões quanto à sua saúde mental. Conclusão: os sentimentos negativos e as dificuldades prevaleceram na percepção das mães, demandando atenção institucional para acolhimento no retorno da licença-maternidade.
Descritores: Aleitamento Materno; Licença Parental; Local de Trabalho; Educação em Saúde; Saúde da Mulher
Abstract
Objective: To analyze the feelings and difficulties of mothers in returning from maternity leave and the perception of institutional care. Method: A qualitative-quantitative study with 40 working mothers from a public high school, technical and higher education institution who returned to work after the period of leave. An online questionnaire, with descriptive quantitative and qualitative content analysis, was applied. Results: From the participants, 42.5% reported difficult feelings (sadness, depression and helplessness), 50% difficulty in routines, 17.5% problems with breastfeeding at a distance and 35% positive points regarding exclusive breastfeeding in remote work. Five categories were found: feelings on returning to work; difficulties in returning and breastfeeding; pandemic and remote work; perceived weaknesses and suggestions for improvement; reflections on your mental health. Conclusion: Negative feelings and difficulties prevailed in the mothers' perception, demanding institutional attention for reception when returning from maternity leave.
Descriptors: Breastfeeding; Parental Leave; Workplace; Health education; Women's Health
Resumen
Objetivo: analizar los sentimientos y dificultades de las madres en el retorno de la licencia maternidad y la percepción de la acogida institucional. Método: estudio cuali-cuantitativo con 40 mujeres trabajadoras de una institución de enseñanza pública de nivel medio, técnico y superior que volvieron al trabajo después del período de licencia. Se aplicó un cuestionario en línea, con un análisis de contenido descriptivo cuantitativo y cualitativo. Resultados: de los participantes, el 42,5% relatan sentimientos difíciles (tristeza, depresión y desamparo), el 50% dificultad en las rutinas, el 17,5% problemas para amamantar por la distancia y el 35% puntos positivos en cuanto al amamantamiento exclusivo en el trabajo remoto. Se encontraron cinco categorías: sentimientos en el retorno al trabajo; dificultades del retorno y amamantamiento; pandemia y trabajo remoto; fragilidades percibidas y sugerencias de mejora; reflexiones sobre su salud mental. Conclusión: los sentimientos negativos y las dificultades prevalecieron en la percepción de las madres, exigiendo la atención institucional para el acogimiento en el retorno de la licencia maternidad.
Descriptores: Lactancia materna; Permiso parental; Lugar de trabajo; Educación en salud; Salud de la mujer
A aproximação do fim da licença maternidade, para muitas mulheres trabalhadoras, gera sentimentos de preocupação, dentre eles a influência no aleitamento materno. O retorno ao trabalho tem sido apontado como um dos fatores determinantes para sua interrupção precoce. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde brasileiro recomendam que o aleitamento materno seja praticado por dois anos ou mais, de forma exclusiva até os seis meses.1-2 No entanto, conforme pesquisa nacional, a prevalência aos seis meses é de 45,8% sendo de 90 dias a duração mediana do aleitamento exclusivo e de 15 meses a duração total.3
A amamentação traz benefícios para as mulheres e crianças e constitui uma das principais medidas para reduzir a morbimortalidade infantil. Estudo afirma que há proteção pelo aleitamento materno contra doenças infecciosas, menor risco de má oclusão dentária e doenças crônicas como o diabetes e o sobrepeso, bem como, indica um melhor desempenho em testes de inteligência.4
No Brasil, o Aleitamento Materno Exclusivo (AME) por seis meses está na dependência da inserção da mulher no mercado de trabalho, uma vez que a legislação trabalhista brasileira garante a sua licença até quatro meses. Retornar ao trabalho formal após a licença-maternidade e manter o AME é possível em algumas situações como quando a lactante conta com rede de apoio, e o seu local de trabalho incentiva, apoia e protege o aleitamento materno.5 Entretanto é corriqueiro que as mulheres vivenciem o descumprimento da legislação e passem por constrangimentos, tanto no ambiente de trabalho quanto no escolar, sem estrutura mínima para retirada do leite e mesmo para o esvaziamento das mamas. Ainda há a atividade desgastante, longos deslocamentos até a empresa, falta de acesso à creche e pouco apoio da família para atividades domésticas.3-4 As mulheres que não possuem trabalho formal como as autônomas e informais que não exercem suas atividades em seu domicílio precisam retornar ainda mais precocemente ao trabalho favorecendo o desmame antes de tempo enfatizando a necessidade de novas políticas e ações para proteger os direitos destas mulheres.5-6
No ano de 2011, iniciou-se dentro das linhas prioritárias do Ministério da Saúde de cuidado a Ação da Mulher Trabalhadora que Amamenta e consiste em criar nas empresas públicas e privadas uma cultura de respeito e apoio à amamentação como forma de promover a saúde da trabalhadora e de seu filho, trazendo benefícios diretos para a empresa e para sociedade.7 O referido órgão governamental, em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária publicou a Nota Técnica intitulada: “Sala de Apoio à Amamentação em Empresas”, que posteriormente foi aprovada como Portaria n. 193, em 23 de fevereiro de 2010, na qual orienta a instalação e fiscalização de salas de apoio à amamentação em diferentes contextos, com a parceria das vigilâncias sanitárias locais.7 O contexto sócio-histórico também interfere nesse processo, assim como a legislação.
Além da importância de observar a legislação vigente, é imprescindível contextualizar que, em dezembro de 2019, em Wuhan, na China, ocorreu um surto de uma nova doença respiratória em trabalhadores de um mercado de alimentos. Posteriormente, foi identificado um vírus da família do coronavírus denominada COVID-19, tendo como agente causador o Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave - SARS-CoV-2.8 Neste sentido, considerando a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência da Infecção Humana por Coronavírus; e ainda a Instrução Normativa No 21/ME/SEDGG/SEGES, de 16 de março de 2020, que estabelece orientações aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal, quanto às medidas de proteção para enfrentamento desta pandemia.8 Nesse período pandêmico foi quando se executou o presente estudo, que objetivou analisar os sentimentos e dificuldades de mães no retorno da licença-maternidade e a percepção do acolhimento institucional.
Este trabalho refere-se a um estudo quali-quantitativo. Desenvolveu-se em 12 Unidades de uma Instituição Federal de Ensino Médio, Técnico e Superior do interior do Estado do Rio Grande do Sul (RS). Optou-se por coletar dados de forma on-line, devido ao estado declarado pela OMS de pandemia do vírus SARS-COV-2. A recomendação da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) 2020 foi manter o distanciamento social sempre que possível, assim, partindo desse pressuposto pandêmico e das orientações governamentais e internacionais, optou-se pela realização da pesquisa através dos meios digitais.
A população-alvo foram mães, servidoras docentes e técnicas administrativas. O questionário foi enviado para 61 registros de licença-gestante (população). Do total de questionários enviados recebeu-se 40 respostas, representando uma adesão de 65,6%. O acesso às participantes se deu pelo setor de qualidade de vida no trabalho, que é local de trabalho da primeira autora deste estudo. Foi enviado um e-mail convidando para participarem. Como critério de seleção, estabeleceu-se, que após o término da licença-maternidade na referida instituição, deveriam ter sido gestantes a partir de 2019, ter tido parto de bebê vivo e retornaram ao trabalho de dezembro de 2019 em diante. A escolha por esse recorte temporal se deu por serem os dois anos anteriores a pandemia que levaria ao home office ainda no puerpério.
Utilizou-se como instrumento de pesquisa um formulário on-line desenvolvido pelas pesquisadoras, inserido na plataforma Google. Neste solicitava-se que as mães respondessem onze questões abertas e dez fechadas sobre questões sociodemográficas, história de saúde, gestação, dados sobre o nascimento, amamentação, orientações recebidas sobre o aleitamento e quem as realizou, quais os facilitadores e dificuldades para continuidade da amamentação após o retorno ao trabalho, e sobre a sua saúde mental. As participantes responderam quanto aos riscos a que estão potencialmente submetidas, conforme a classificação da própria instituição: nenhum, ergonômicos, biológicos, psicológicos ou acidentes. Antes da aplicação definitiva, foi realizado um estudo piloto com uma servidora de outra instituição federal com perfil semelhante. Os devidos ajustes foram realizados.
Os dados quantitativos foram compilados em planilhas Microsoft Excel® e importados para software SPSS, em que foi realizada análise estatística descritiva. Já os dados qualitativos, foram extraídos a partir das respostas dos questionários e foram analisados de acordo com a análise de conteúdo.9 Procedeu-se as fases de: (a) pré-análise, na qual se escolheram os documentos, se formularam hipóteses e objetivos para a pesquisa; (b) exploração do material, na qual se aplicaram as técnicas específicas segundo os objetivos; e (c) tratamento dos resultados e interpretações. Selecionou-se trechos de cada narrativa que continha as principais ideias dos temas explorados e, posteriormente, agrupou-se as ideias repetidas nas unidades de análise, formando categorias temáticas. Assim, foram criadas cinco categorias: sentimentos no retorno ao trabalho; dificuldades do retorno e amamentação; pandemia e trabalho remoto; fragilidades percebidas e sugestões de melhorias; reflexões quanto à sua saúde mental. Usou-se (P n°) para referir às participantes de acordo com a ordem de resposta.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme o parecer nº 4.489.453 em 24 de novembro de 2020. O e-mail enviado continha um convite para participar da pesquisa e o link para o questionário com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atendendo as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos (Resolução 466/2012).10 Dados parciais foram apresentados para a instituição onde foi desenvolvida a pesquisa, para subsidiar ações voltadas para a qualidade de vida de colaboradoras que retornam ao trabalho após à licença maternidade.
As participantes da pesquisa, com idades entre 29 e 57 anos (M=36;61; DP=3,21), estavam distribuídas em 12 Unidades da Instituição de Ensino no Estado do RS. Destacam-se os dados sociodemográficos (Tabela 1) das mulheres em um mesmo grupo, independente da categoria profissional, por recomendação do comitê de ética.
Tabela 1- Frequência de mulheres por faixa etária, renda, estado civil e nível educacional (n=40).
Variável |
|
f |
% |
Faixa etária (em anos) |
29 a 39 |
31 |
77,5 |
|
40 a 49 |
8 |
20 |
|
50 a 59 |
1 |
2,5 |
Renda média mensal* (em SM) |
Até 2 |
1 |
2,5 |
|
Entre 2 e 4 |
7 |
17,5 |
|
Entre 4 e 10 |
12 |
30 |
|
Entre 10 e 20 |
20 |
50 |
Estado civil |
Solteira |
4 |
10 |
|
Casada |
29 |
72,5 |
|
união estável |
7 |
17,5 |
Nível educacional |
Ensino superior |
4 |
10 |
|
Especialização |
33 |
82,5 |
|
Mestrado |
1 |
2,5 |
|
Doutorado |
1 |
2,5 |
|
Pós-doutorado |
1 |
2,5 |
Tempo de serviço na Instituição (em anos) |
Entre 3 e 5 |
9 |
22,5 |
|
Entre 6 e 9 |
17 |
42,5 |
|
10 ou mais |
14 |
35 |
|
*Salário-Mínimo (SM) nacional no ano do estudo: R$ 1.100,00
Na Tabela 2 apresenta-se a frequência e percentual de mulheres conforme número de gestações de filhos e amamentação, e tempo de amamentação.
Tabela 2- Frequência de mulheres por número de gestações, filhos e amamentação (n=40).
Variável
|
|
F |
% |
Número de Gestações |
Uma |
23 |
57,5 |
|
Duas |
12 |
30 |
|
Três |
2 |
5 |
|
Quatro |
3 |
7,5
|
Número de Filhos |
Um |
24 |
60 |
|
Dois |
15 |
37,5 |
|
Três |
1 |
2,5
|
Idade dos Filhos |
Entre 0 e 12 meses |
5 |
12,5 |
|
Entre 1 e 2 anos |
14 |
30 |
|
Entre 2 e 3 anos |
16 |
40 |
|
Entre 3 e 4 anos |
7 |
17,5 |
|
Mais de 4 anos (até 20 anos) |
11 |
27,5
|
Amamentação |
Não amamentou |
2 |
5 |
|
Um filho |
22 |
55 |
|
Dois filhos |
15 |
37,5 |
|
Três filhos |
1 |
2,5
|
Tempo de amamentação*
|
Não amamentou |
1 |
2,5 |
|
Está amamentando |
13 |
32,5 |
|
Um mês |
2 |
5 |
|
Entre 2 e 3 meses |
1 |
2,5 |
|
Entre 4 e 6 meses |
7 |
17,5 |
|
Entre 7 e 9 meses |
12 |
30 |
|
Entre 10 e 12 meses (um ano) |
5 |
12,5 |
|
Entre 13 e 24 meses (dois anos) |
13 |
32,5 |
|
Mais de 2 anos (até 4 anos) |
8 |
20 |
* O total ultrapassa os 100% pois existem mulheres com mais de um filho
As participantes também responderam quanto aos riscos a que estão potencialmente submetidas, conforme a classificação da própria instituição. Na Figura 1, está representada a frequência com que elas classificaram os riscos, na sua percepção. Entre as alternativas, elas poderiam marcar mais de uma opção.
Figura 1– Frequência relatada pelas participantes dividida por tipos de riscos existentes no ambiente de trabalho conforme sua percepção. 2021. (n=40)
Sentimentos no retorno ao trabalho
Esta primeira categoria se refere aos relatos das participantes que trouxessem o aspecto emocional. Quanto aos sentimentos no retorno ao trabalho após a licença-maternidade foi considerado difícil ou ruim de alguma forma (42,5%). Essas vivências foram expressas das formas “desassistida” (P 1), “triste e depressiva” (P 9), “ansiosa, insegura, sobrecarregada, culpada, indisposta, cansada” (P 20) e “preocupada com a adaptação à nova rotina” (P 40). Além de sensação de insegurança quanto a confiar em alguém estranho o cuidado do filho (12,5%):
Confiar em deixar a criança com alguém estranho é difícil. (P3)
Confiança de que estaria tudo bem, justamente por que são 12 horas fora da cidade onde fixo residência. Apreensão por passar pouco tempo com a filha; uso de roupa de gestante, sendo que já tinha tido a bebê; medo de não dar conta de cuidar da casa e da filha, somados ao trabalho. (P 13)
Ansiosa, insegura por deixar minha filha com uma pessoa fora da família por mais de 10h por dia. Sobrecarregada por ter que dar conta das demandas de casa, do comportamento difícil da filha por conta da falta que senti. Culpada por ter que ficar todo esse tempo longe e pelo pouco tempo restante para dedicar para a família, para mim mesma. (P 20)
Culpa por deixar minha bebe com outra pessoa em outro lugar e por não ter tempo suficiente para ficar com ela como seria o ideal. (P 33)
Para 27,5% consideraram bom e sentiram-se bem com o seu retorno às atividades laborais e 30% apresentaram percepções ambíguas sobre o mesmo.
Feliz em ter retornado ao trabalho e ao mesmo tempo preocupada em conseguir organizar da melhor forma toda a demanda do Home Office, bebê e etc. (P 34)
Um misto. É muito bom retornar a trabalhar, entretanto senti uma sensação de estar abandonando minhas filhas. (P 12)
Assim, os sentimentos que predominaram foram negativos, porém, em alguns casos houve certa esperança entre as mulheres participantes, e ainda, ambiguidade a este respeito
Dificuldades do retorno e amamentação
Esta categoria diz respeito às dificuldades mais relatadas pelas participantes e aos percalços para manter a amamentação. Ao responderem sobre tais aspectos diante do retorno, as respostas variaram sendo que a metade relatou apuros nas questões de organização de horários e rotinas.
Organização de horários. (P 6)
Qualquer atividade que demande mais do que as horas de trabalho, como atuar em projetos de pesquisa, ensino ou extensão. Qualquer atividade que tenha que levar para fazer em casa se torna muito difícil. (P 12)
Também, relataram a separação e a saudade dos filhos (15%) e a uma dificuldade quanto à terceirização dos cuidados ao filho:
A maior dificuldade foi a separação, deixar meu filho. (P8)
Confiar em deixar a criança com alguém estranho é difícil. (P 29)
Distância de casa moro em [...] e trabalho em [cidade vizinha]. (P 3; P 18)
Separar do bebe e acompanhar as atividades e desempenho do setor. (P 9)
A primeira dificuldade foi sentimental, ficar longe da minha filha por tanto tempo, pois saía pela manhã e só retornava no final da tarde. Depois veio a questão de deixá-la em uma escola, situação que exige adaptação do bebê e dos pais, foram dias tensos. (P 30)
Preocupação em ficar longe do bebê e deixar sob a guarda de outra pessoa. (P 32)
Divisão do tempo entre profissional e mãe. (P 10)
Encontrar uma vaga em berçário quase no final do ano foi difícil. Tive que reduzir minha carga horária de trabalho para conseguir ajustar aos horários da escola. (P 5)
A dificuldade da amamentação pela distância ou outro fator foi relatado por 17,5% das participantes, com a alta demanda por amamentação mesmo após 1 ano.
A dificuldade foi manter a livre demanda de forma conciliada com trabalho [...]. (P. 23)
Conciliar o horário das aulas noturnas com a amamentação em livre demanda. (P 23)
Em virtude do meu retorno ao trabalho, achei por bem desmamar, pois não seria fácil no tempo que eu ficaria longe tirar o leite” ,“como vou amamentar”. (P 16)
Conciliar tudo, visto que quando retornei ao trabalho também estava realizando o Mestrado. Então juntou a novidade de ter um bebê em casa, levar e trazer da escolinha, amamentar (lembrando que também de madrugada, acordava 2 vezes, mas muitas vezes acordava mais), dar conta do Mestrado, ser produtiva no trabalho e ainda cuidar da casa. Claro que o marido ajudou na medida do possível, mas foi um grande desafio”. (P 24)
Dificuldade em deixar a criança que ainda era amamentada. (P 25)
Conciliar a distância do trabalho com a amamentação. (P 27)
Insegurança em deixar meu filho com outras pessoas, correria no intervalo do almoço para ir amamentar e voltar a tempo de iniciar o turno da tarde. (P 38)
Assim, a categoria que reuniu os aspectos desfavoráveis relacionados à amamentação diante do retorno ao trabalho, teve foco, sobretudo, na dificuldade em separar-se do bebê, além de questões de rotina e logística.
Pandemia e o trabalho remoto
Esta categoria abrange as impressões sobre o período pandêmico de COVID-19 e as repercussões estando em trabalho remoto, uma vez que a instituição de ensino foco desse estudo adotou esse regime ocupacional:
O contato com outras crianças trouxe a exposição a vírus, resultando numa série de resfriados que muitas vezes me fizeram faltar ou chegar atrasada no trabalho, sendo uma situação muito desagradável. (P 5)
Muitas participantes referiram dificuldades quanto à adaptação da rotina em casa, conciliando o trabalho e o cuidado com os filhos.
Quando tenho que sair com ele, tenho medo do vírus. (P15)
Ao relembrar das ações anteriores e principalmente o reaprender dentro do ensino remoto, escutar os barulhos do cotidiano da casa e filhos e se concentrar no trabalho. Na atual situação, como trabalhar em casa com duas crianças pequenas. Conciliar a maternidade e o trabalho em um mesmo espaço e tempo. Com a pandemia é difícil ter ajuda externa para cuidar do filho e não há a possibilidade de ir para a escola, algumas escolas até abriram, mas não nos sentimos seguros em mandar ele para a escola em função do vírus. (P 22)
O ritmo e a intensidade de trabalho aumentaram com o trabalho e ensino remoto, assim como o trabalho da casa (não podemos mais contar com restaurantes, serviços de faxina, as idas ao supermercado são mais demoradas - filas - e trabalhosas - higienizar todos os produtos...). Sinto que somos cobradas como trabalhadoras da mesma forma de quando não tinha filho, a instituição não entende as dificuldades individuais e não há atenção para as trabalhadoras com filhos pequenos. (P 28)
Com a pandemia, conciliar os horários da rotina do bebê com os horários dos encontros síncronos de trabalho. (P 34)
O estresse e sobrecarga mental de retornar num momento tão desafiador das nossas vidas que está sendo a pandemia. (P 35)
Ainda, duas participantes destacaram sentimentos alternados, como:
Retornei em trabalho remoto, o que foi muito bom para continuidade da amamentação, eu sei disso, sem dúvida. No entanto, manter a rotina de reuniões de outra época foi muito desafiador e angustiante, pois as reuniões invadiram a minha casa. (P40)
Estou reduzindo aos poucos a amamentação para tentar me dedicar às atividades do trabalho remoto. (P 12)
Das participantes, 35% relataram ainda estar amamentando, e todas elas trouxeram pontos positivos quanto ao tempo em casa estando em trabalho remoto, resultando em uma amamentação de livre demanda mais tranquila:
Como ocorreu a pandemia e consegui estar em casa grande parte o tempo, o ano de 2020 foi de bastante peito. Atualmente ela completou 2 anos, em fevereiro, mas ainda continuamos com a livre demanda. (P 3)
Estou amamentando normalmente, sempre que ela quer. Se estou em reunião, desligo a câmera e dou. Caso tenha aula, amamento antes. A amamentação está boa e tranquila. Ela mama em torno de 5 vezes ao dia e 2 vezes à noite. (P 18)
Livre demanda, leite materno como principal alimento. (P 23)
Ótima amamentação, pois é uma das únicas coisas boas no trabalho remoto. (P 27)
Ele mama para dormir à tarde e à noite. Como estou em trabalho remoto, pede para mamar algumas vezes durante o dia. (P 38)
Continuamos por aqui, em livre demanda. (P 40)
Todas as mulheres que estão amamentando relataram utilizar a livre demanda em seus bebês e tranquilidade para a sua realização. Destas a maioria (84,6%) não apresentou qualquer dificuldade de amamentar devido à pandemia e uma (7,7%) mencionou medo de amamentar fora de casa pela presença do vírus. Outra participante (7,7%) declarou ter tido medo de amamentar quando houve suspeita da infecção de COVID-19.
Apenas duas das participantes retornaram ao trabalho presencialmente e consideram que não foi proporcionado condições no ambiente de trabalho para que amamentassem. Todas as demais se mantiveram em trabalho remoto e relatam que esse fator facilitou a manutenção da amamentação em livre demanda. Sendo assim, também não apresentaram dificuldades com seus colegas de trabalho nem com a necessidade de sair para amamentar, pois apenas desligavam as câmeras no momento da amamentação. Duas delas consideraram como ponto positivo o estar em casa e a amamentação quando relataram:
[...] nenhuma dificuldade. Inclusive até ampliou a capacidade e proximidade. Sempre levei em livre demanda. (P 3)
[...] me sinto muito mais segura, pois tomo todas as vitaminas extras que ela não pode tomar, mas que acaba tomando através da amamentação. (P 9)
Houve relato de insegurança de amamentar e importância de orientações à pandemia:
Passei por situação de suspeita de Covid, logo no início da pandemia (março/2020). Tive muito medo de amamentar e passar o vírus para o meu filho, seja através do leite ou pelo contato. Nessa época não se sabia ao certo se era possível ou não passar o vírus pelo leite materno. Felizmente, recebi a melhor orientação por meio da pediatra do meu filho e segui amamentando, apenas tomando os cuidados de higienização das mãos e uso de máscara. Ele não teve nenhum sintoma (hoje se sabe que não é possível a transmissão via leite materno, pelo contrário, mãe com Covid transmite anticorpos para o vírus por meio do leite materno). Nesse período não havia testes de Covid para a população em geral e por isso não pude confirmar se era ou não a Covid-19. (P 28)
Duas participantes convergiram nas respostas e destacaram aspectos positivos, pois conseguiram fazer o isolamento social em casa, protegendo-as da COVID-19 e então a amamentação se manteve.
Por estar em trabalho remoto, o período de amamentação foi prolongado. (P 35)
Se estivesse trabalhando no presencial, acredito que ele já teria parado de mamar. (P38)
Com isso, foi possível identificar a percepção das mulheres sobre o trabalho remoto, em que o medo da doença foi imperativo para que essa modalidade de atividade fosse adotada.
Fragilidades percebidas e sugestões de melhorias
Ao questionar quais as condições no ambiente de trabalho que lhe foram proporcionadas para amamentar seu bebê, as servidoras relataram diversas situações. Uma das participantes ressaltou que na sua primeira gestação, quando teve a primeira filha, precisou parar de amamentar (P 12). Outra referiu que todas as mulheres deveriam ter essa oportunidade no retorno, um período a mais em trabalho remoto, ao menos até 1 ano.
Considero muito importante para a mãe e a criança. (P 15)
Quando retornei ao trabalho meu filho tinha perto de 10 meses. Não recebi condição alguma para seguir amamentando durante o expediente, uma vez que o ambiente de trabalho era minha própria casa, ninguém via, sabia ou perguntava o que se passava atrás das telas. Havia dias em que participava de reuniões durante todo o dia e para poder amamentar eu fechava a câmera, mas seguia conectada, ouvindo e participando da reunião. As instituições e a sociedade como um todo não respeitam/valorizam a amamentação após os seis meses. A mãe que se dispõe a amamentar para, além disso, precisa "lutar" muito seguir firme nesse propósito. E é uma luta individual, não se reconhece, coletivamente, os benefícios e importância da amamentação prolongada. (P 28)
No momento, de forma remota, tive bastante oportunidade de continuar amamentando. Atribuo a isso o fato de estar em aleitamento materno até hoje, pois do primeiro filho não tive a mesma oportunidade e precisei desmamar com seis meses. (P35)
[...] nenhuma, pois como a licença foi de seis meses, me disseram que não teria horário especial (jornada reduzida) e também, como o campus é um pouco afastado da cidade, não tinha ninguém para levá-lo até lá para ser amamentado. Eu apenas usava o intervalo de almoço para isso, o que era bem corrido. (P 38)
Esta categoria envolve as impressões, expectativas e sugestões de melhorias a serem implementadas na Instituição, no retorno da licença-maternidade. A partir do questionamento quanto à suas experiências, o que poderia melhorar no ambiente de trabalho para acolher a mãe que retorna da licença, uma participante (P 1) destacou a importância de haver uma sala de amamentação, um local apropriado para receber o filho; assim como outras duas, que também referiram um local adequado para as mães poderem extrair e armazenar o leite materno também favoreceria a continuidade da amamentação. (P 4, P 23) Outra participante comentou a possibilidade de um berçário como um sonho, uma abordagem na integração da servidora:
[...] que as demandas fossem encaminhadas aos poucos, sem muitas pressões ou solicitações, pois voltamos num ritmo muito diferente dos colegas que estão na ativa. (P 5)
A participante P6 referiu a importância da compreensão por parte da gestão para que o retorno seja tranquilo. Ainda, outras quatro participantes sugeriram a realização de rodas de conversa, a fim de dividir experiências com as demais colegas mães. Quanto à flexibilização da jornada, uma servidora apontou que as reuniões não deveriam ser marcadas tão cedo, visto que as madrugadas muitas vezes são intensas com o bebê. (P 4) Da mesma forma muitas participantes acharam pertinente a flexibilização da carga horária, pois nesses primeiros meses o foco está em assimilar a separação. (P 8, P 11, P 23, P 26, P 27, P 30, P 32, P 33, P 38) Além disso, elas percebem que uma conversa com um profissional da área da psicologia também irá auxiliar. Ainda, foi sugerido o aumento do horário de intervalo, para duas horas por dia de licença para amamentação. (P 16) Assim destacaram a possibilidade de aumento da licença-maternidade. (P 17, P 20, P 23)
Sempre existe um pouco de dificuldade e adaptação quando se pega um trabalho em andamento e outro motivo é que quando nos tornamos mãe, seja da primeira, da segunda ou da terceira vez nossas vidas pessoais também demandam de uma reorganização. (P 12)
Houve relato de mudanças corporais como desconforto nos seios próximo da hora da amamentação. (P 9) O guia de acolhimento aparece quando destacam ser interessante propor um guia, pois possivelmente a cordialidade possa ser diferente em outras situações ou outro campus. (P 12, P 29) A acolhida foi vista como fator importante nesse momento, assim como a gentileza, o carinho e o respeito são primordiais. (P 15) Uma política institucional de acolhimento que garanta condições para os cuidados e amamentação do filho foi referida. (P 28) As campanhas de incentivo ao aleitamento materno (P 35), e um destaque à importância da rede de apoio da servidora, e ao acolhimento em seu retorno. (P 40) Destarte, as mulheres deste estudo, pela experiência que adquiriram em retornar ao trabalho após a licença maternidade, apontaram aspectos importantes que devem ser refletidos nas equipes diretivas.
Reflexões quanto à sua saúde mental
Esta categoria reflete sobre a saúde mental das participantes. Quanto às condições emocionais, 21 (52,5%) das mulheres relataram algum tipo de sofrimento, tristeza e dificuldade de realizar as tarefas cotidianas, ou seja, sintomas depressivos. As angústias também podem vier nos meses que antecederam o retorno ao trabalho, pois pensar na futura separação causa sofrimento.
É muito desafiador conciliar o trabalho, suas cobranças e as atribuições de mãe. Somadas a situação de pandemia e Home Office, julgo ser enlouquecedor. Acabamos não exercendo a maternidade da forma que deveria ser. (P 6)
Após o retorno, vendo que nossos filhos sobrevivem longe da gente essa angústia vai embora e a saudade se torna parte dos nossos dias. (P 8)
Luto contra a ansiedade e a instabilidade do momento. Sinto falta da segurança que sentia em geral. (P 9)
Houve manifestação sobre tristeza, desânimo, medos (P 10, P 11, P 13), depressão pós parto (P 17, P 18, P 32). A psicoterapia foi referida (P 20) e aparece também neste trecho:
Pela sobrecarga de trabalho, pela privação de sono e, muitas vezes, de tempo para alimentação adequada, sinto dificuldades no rendimento do trabalho. (P 23)
A tristeza foi relacionada ao momento pandêmico (P 27), a outras alterações cognitivas, como alterações de memória e capacidade de concentração (P 28). A falta de conhecimento dos sintomas relacionados à depressão foi citada no seguinte trecho:
Logo que tive o bebê tive uma espécie de síndrome do pânico, mas na época desconhecia, e tinha vergonha de falar o que sentia por medo do julgamento. Depois de algum tempo consegui falar e tudo melhorou. (P 29)
Vinte e três participantes (57,5%) consideraram que tiveram ou estão tendo dificuldades com a sua saúde mental neste momento da vida sendo expressas nas respostas como:
Sobrecarga mental e física por conta de cuidar de tudo em casa na pandemia me deixa exausta. (P 13)
Todo dia é sempre uma luta para todas as pessoas nesse momento, e para as mães mais ainda. Já tive picos de estresse, tonturas, mas hoje estou bem e procuro encontrar diariamente um momento de lazer e tranquilidade; com brincadeiras com os pequenos, caminhadas, filmes, até dança já fiz com os pequenos. (P 15)
Sim, estresse, cansaço extremo, falta de memória e capacidade de concentração. Esses fatores têm trazido dificuldades para a rotina familiar. (P 28)
[...] estresse, irritação e insônia por ter que fazer tudo ao mesmo tempo. Casa, trabalho, criança, falta de momento para o ócio produtivo. (P 33)
Houve menção sobre já ter precisado buscar ajuda psicológica em outro momento da vida. (P 35) e sobre estar em recuperação de uma depressão, com medicação controlada. (P 40) Isto posto, fica evidente a implicação emocional envolvida no retorno ao trabalho, e, por tanto, a necessidade de se pensar em intervenções para prevenção de adoecimento e piora da qualidade de vida.
A partir dos resultados do presente estudo, ficou explícito que a gestação reflete inúmeras transformações na vida da mãe, tanto sociais, como psicológicas. Quanto ao perfil das mulheres, observa-se que a maioria possui renda de média a alta, são casadas e em geral possuem um único filho. Essas características podem ter favorecido um tempo de amamentação superior à média brasileira, que é de 90 dias.3 O dado sobre a percepção de risco ocupacional, em que predominou o risco psicológico converge com a prevalência nacional de transtornos mentais como terceira principal causa de concessão de benefícios previdenciários para trabalhadores com registro formal.11
Quanto aos sentimentos no retorno ao trabalho, pode-se observar também que nas puérperas são intensos e a sociedade atual, com seu ritmo acelerado, traz problemas na saúde mental destas mulheres. Isso é demonstrado pelas participantes nas sensações de cansaço e sobrecarga física e mental, falta ou privação do sono e excesso de cobranças no ambiente de trabalho.11 Além destes, o retorno ao trabalho foi considerado difícil ou ruim para a maioria e manifestado a partir de ansiedade; tristeza culpa e preocupação. Tais emoções são consideradas vivências frequentes no ciclo gravídico-puerperal, mas quando exacerbadas podem causar a falência adaptativa do indivíduo.12
As principais adversidades encontradas diante do retorno e quanto à amamentação ocorreram na organização dos horários para poderem amamentar e em se separar de seus filhos ao término de sua licença-maternidade. Esses relatos e os sentimentos demonstrados no retorno ao trabalho afirmam que as mulheres no final da licença-maternidade desencadeiam diversos tipos de sofrimentos psíquicos e que a sensação de perda após esse período traz prejuízos à saúde mental da mãe e do bebê.13
As mulheres desta pesquisa, em sua maioria amamentaram seus bebês por um tempo superior a dez meses e nas que possuem mais de um filho, a amamentação e o tempo dedicado aumentaram do primeiro para o segundo filho. Isso tem relação com a divulgação maior dos benefícios do aleitamento materno que são extensamente descritos na literatura e com a recomendação da OMS para que haja aleitamento exclusivo até os seis meses e complementado com alimentação saudável até os dois anos.3-4
O apoio no local de trabalho é importante para a continuidade da amamentação. Há necessidade de se ter um guia de acolhimento e incentivo ao aleitamento na Instituição. Sobre as considerações na pandemia e o trabalho remoto, muitas servidoras relataram a este período como fator relevante de suas fragilidades e sentimentos ambíguos, mesmo com os medos em relação ao vírus, identificaram uma oportunidade por meio do home office de estarem mais próximas de seus filhos, facilitando a amamentação e o vínculo afetivo familiar.
Nesse sentido, foi promulgada a Lei 14.151, de maio de 2021, a qual dispõe sobre o afastamento da servidora gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus. Podendo a servidora manter-se afastada nos termos para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.14
Por outro lado, esta Lei não estende esse afastamento após a licença-maternidade, e um dos fatores relatados pelas servidoras como fator favorável deste momento de pandemia foi a possibilidade de realizar seu trabalho de casa concomitante à amamentação em livre demanda por um tempo maior que a licença-maternidade, inclusive por que não há locais apropriados para isso no trabalho. A flexibilização da jornada de trabalho no período pós puerperal foi considerada pertinente e importante para que se adaptassem às novas rotinas e pudessem se ambientar ao trabalho e ao papel de mãe. Destaca-se a necessidade de um acolhimento adequado e coletivo que assegure a sustentabilidade no trabalho e forneça todo o suporte necessário a essas novas mães.15
As questões referentes ao cunho social e econômico interferem na saúde mental das mulheres no retorno ao trabalho e na atual conjuntura as pressões externas ficaram demonstradas nesta e em outras pesquisas.15-17 A sobrecarga (casa, trabalho, filho, marido), a qual a sociedade atual impõe as mulheres e, todos esses papéis exercidos devem ser fonte de realização, ocasiona os mais diferentes sentimentos negativos que são refletidos em doenças mentais como depressão, ansiedade e síndrome do pânico descrito pelas participantes.12
A fragilidade percebida neste estudo situa-se na relação de acolhimento das instituições e/ou locais de trabalho, amplamente discutida pela OPAS em suas recomendações que sugerem pausas adequadas e suficientes para o aleitamento materno após o retorno da licença-maternidade e uma atenção ao acolhimento de perspectiva integral.2
Corroborando os resultados das entrevistas, a responsabilização, praticamente exclusiva, do cuidado às mulheres é amplificada pelas relações com as instituições e relações de trabalho18-19 e, frequentemente, ao final da licença-maternidade as mulheres desencadeiam diversos tipos de sofrimento.13 Assim, existe um desafio constante em ser mãe e mãe trabalhadora, demonstrado em todas as falas desta pesquisa. Por outro lado, quando há acolhimento, apoio e adequações por parte das empresas e instituições, apesar de complexo e ir além das legislações a respeito do assunto pode-se criar novos arranjos que beneficiem as mulheres e aos seus filhos durante esse período facilitando o aleitamento materno,16 como também evidenciado nesta pesquisa.
Cabe destacar as limitações deste estudo, tal como o tamanho da amostra e serem as participantes de uma única instituição, a saber, Instituição Federal de Ensino Médio, Técnico e Superior do interior do Estado do RS. Mesmo que, nos últimos cinco anos foram solicitados um total de 375 licenças-gestante pelas servidoras da Instituição, ou seja, percebesse um aumento gradativo 71 (18,9%) em 2015, 58 (15,4%) em 2016, 75 (20%) em 2018 e 91 no ano de 2019, entende-se que, a forma de coleta de dados, por formulário, pode ter impedido que se aprofundassem algumas questões com as mulheres. E ainda, seria importante, em estudos futuros, acompanhar de forma longitudinal essas mães cujo retorno ao trabalho coincidiu com a pandemia de COVID-19. E assim, estimular a continuidade da amamentação com todos os benefícios inerentes a tal ato, servindo de rede de apoio e preservando a saúde mental dessas mulheres.
A mulher vivencia extensas transformações ao se tornar mãe, entre a gestação e o puerpério, há diferentes mudanças nos aspectos biológicos, psicológicos, emocionais, relacionais e socioculturais que podem afetar a qualidade de vida e expor vulnerabilidades. Neste período, a amamentação precisa ser aprendida para que ocorra continuamente e no tempo apropriado. O aleitamento materno é a melhor fonte de nutrição para as crianças nos primeiros dois anos de vida, favorecem a imunidade e traz vantagens psicológicas e quando após os 6 meses da criança é acrescido de alimentação complementar otimiza o desenvolvimento. É também forma de vínculo, afeto, proteção e nutrição para a criança e constitui em maneira econômica e eficaz intervenção para redução da morbimortalidade infantil. Permite impacto direto na promoção da saúde integral da dupla mãe/bebê
A prática do aleitamento materno auxilia a manutenção deste vínculo entre mãe-bebê, podendo-se ressignificar a perda do contato constante com a criança com a volta ao trabalho, como ganho, dependendo do suporte oferecido a mãe trabalhadora dentro e fora do trabalho. Existe a possibilidade de a mulher utilizar seu trabalho como meio gerador de satisfação e prazer, favorecendo a sua saúde mental. Neste sentido, há a necessidade de se observar que o trabalho pode ser um mediador na construção da saúde como um todo, por outro lado, não deve ser geradora de sofrimento.
Por isso, o olhar cuidadoso a tais questões poderá interferir positivamente em seus sentimentos e nas relações com seus familiares e colegas de trabalho. Dentre as contribuições desta pesquisa estão a confirmação de que o apoio dos seus familiares e gestores é fundamental para a ambientação dessa mulher em todos os papéis (mulher, mãe, servidora, entre outros.) e a sua consequente manutenção da saúde mental. Esse apoio reflete no tempo da amamentação materna e resulta na qualidade do cuidar e suas relações afetivas com seus filhos.
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2. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Promoção à Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019 [acesso em 2020 maio 10]; Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_criancas_menores_2anos.pdf
3. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021 [acesso em 2020 maio 10]. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/
4. Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ERJ. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saúde Pública 2017; 51:108. doi: 10.11606/S1518-8787.2017051000029
5. Damirão JJ, Rotenberg S. Amamentação e trabalho feminino: responsabilidade de toda a sociedade [Internet]. Brasília (DF): Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares; 2020 [acesso em 2021 set 10]. Disponível em: https://obha.fiocruz.br/?p=397
6. Boronat-Catalá M, Montiel-Company JM, Bellot-Arcís C, Almerich-Silla JM, Catalá-Pizarro M. Association between duration of breastfeeding and malocclusions in primary and mixed dentition: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2017;7(1):5048. doi: 10.1038/s41598-017-05393-y
7. Fernandes VMB, Santos EKA, Erdmann AL, Pires DEP, Zampieri MFM, Gregório VRP. Implantação de salas de apoio à amamentação em empresas públicas e privadas: potencialidades e dificuldades. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(N Esp):e2016-00446. doi: 10.1590/1983-1447.2016.esp.2016-0046
8. BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm. Acesso em: 10 maio 2020.
9. Bardin L. Análise de conteúdo. 5. ed. rev. atual. Lisboa: Edições 70, 2020.
10. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília, DF, 2012. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. Acesso em: 25 maio 2018.
11. Andrade CJ, Praun LD, Avoglia HRC. O sentido do trabalho para as mulheres após a licença gestante: um estudo com profissionais de educação. Semin Ciênc Soc Hum. 2018;39(2):147-58. doi: 10.5433/1679-0383.2018v39n2p147
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14. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021. Dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavirus. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14151.htm. Acesso em: 10 maio 2020.
15. Nardi AL, Frankenberg AD, Franzosi OS, Santo LCE. Impacto dos aspectos institucionais no aleitamento materno em mulheres trabalhadoras: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(4):1445-62. doi: 10.1590/1413-81232020254.20382018
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18. Francis J, Mildon A, Stewart S, Underhill B, Ismail S, Ruggiero ED, et al. Breastfeeding rates are high in a prenatal community support program targeting vulnerable women and offering enhanced postnatal lactation support: a prospective cohort study. Int J Equity Health. 2021;20(71):1-13. doi: 10.1186/s12939-021-01386-6
19. Guiginski J, Wajnman S. A penalidade pela maternidade: participação e qualidade de inserção no mercado de trabalho das mulheres com filhos. Rev Bras Estud Popul. 2019;1(90):1-26. doi: 10.20947/s0102-3098a0090
Contribuições de autoria
1 – Liana Nolibos Rodrigues
Autor correspondente
Enfermeira. Mestre em Saúde Materno Infantil - E-mail: lianaenf2015@gmail.com
Concepção, desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito.
2 – Marialda Moreira Christoffel
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: marialdanit@gmail.com
Revisão e aprovação da versão final.
3 – Luciane Najar Smeha
Psicóloga, Doutora em Psicologia - E-mail: lucianes@ufn.edu.br
Revisão e aprovação da versão final.
4 – Franceliane Jobim Benedetti
Nutricionista, Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente - E-mail: franceliane@ufn.edu.br
Revisão e aprovação da versão final.
5 – Josiane Lieberknecht Wathier Abaid
Psicóloga, Doutora em Psicologia - E-mail: josianelieb@ufn.edu.br
Concepção, desenvolvimento da pesquisa, revisão da redação do manuscrito e da versão final.
Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago
Como citar este artigo
Rodrigues LN, Christoffel MM, Smeha LN, Benedetti FJ, Abaid JLW. Reception and challenges in returning to work, after maternity leave in an educational institution. Rev. Enferm. UFSM. 2022 [Acess at: Year Month Day] vol.12 e44: 1-19. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769268966