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Rev. Enferm. UFSM, v.12, e15, p.1-17, 2022

https://doi.org/10.5902/2179769266894

ISSN 2179-7692

Submissão: 26/07/2021 • Aprovação: 07/02/2022 • Publicação: 26/04/2022

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Introdução. 2

Método. 2

Resultados. 2

Discussão. 2

Conclusão. 2

Referências. 2

 

Artigo Original

Agressão verbal contra profissionais de saúde da atenção primária e terciária: estudo de métodos mistos

Verbal aggression against health professionals in primary and tertiary care: a mixed methods study

Agresión verbal contra profesionales de la salud en atención primaria y terciaria: un estudio de métodos mixtos

 

Letícia de Lima TrindadeIÍcone

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Grasiele Fatima BusnelloIÍcone

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Maiara Daís SchoeningerIIÍcone

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Kaciane Boff BauermannIIIÍcone

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Marina Klein HeinzIÍcone

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Clarissa Bohrer da SilvaIÍcone

Descrição gerada automaticamente  

 

I Universidade do Estado de Santa Catarina. Chapecó, Santa Catarina, Brasil

II Secretaria Municipal de Saúde do Munícipio de São Miguel do Oeste – SC. Ipora do Oeste, Santa Catarina, Brasil

III Gerência Regional de Saúde de Maravilha – SC. Maravilha, Santa Catarina, Brasil

 

 

 

Resumo

Objetivo: analisar a ocorrência da agressão verbal e fatores associados ao fenômeno contra trabalhadores de saúde. Método: estudo misto, explanatório sequencial, desenvolvido de 2016 a 2019, com 647 trabalhadores de serviços de saúde das regiões Oeste e Extremo Oeste de Santa Catarina. Utilizaram-se o Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector e entrevistas semiestruturadas. Realizaram-se as análises estatística inferencial e temática, respectivamente. Resultados: dos participantes, 307 (47,4%) relataram terem sofrido ao menos um episódio de agressão verbal. Esse evento foi associado à função do trabalhador, ao contato físico com paciente, ao reconhecimento no trabalho e à preocupação com a violência no trabalho. Os depoimentos apontam os impactos na saúde dos trabalhadores e a fragilidade das condutas após os episódios. Conclusão: a agressão verbal é uma violência típica dos serviços públicos de saúde, com vítimas que possuem um perfil comum e instituições com dificuldade de manejo deste problema.

Descritores: Violência no Trabalho; Agressão; Atenção Primária à Saúde; Atenção Terciária à Saúde; Trabalhadores da Saúde

             

Abstract

Objective: to analyze the occurrence of verbal aggression and factors associated with the phenomenon against health workers. Method: mixed study, sequential explanatory, developed from 2016 to 2019, with 647 health service workers from the West and Far West regions of Santa Catarina. The Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector and semi-structured interviews were used. Inferential and thematic statistical analyzes were carried out, respectively. Results: of the participants, 307 (47.4%) reported having suffered at least one episode of verbal aggression. This event was associated with the role of the worker, physical contact with the patient, recognition at work, and concern about violence at work. The testimonies point out the impacts on the health of workers and the fragility of the conducts after the episodes. Conclusion: verbal aggression is a typical violence of public health services, with victims who have a common profile and institutions with difficulty in managing this problem.

Descriptors: Violence at Work; Aggression; Primary Health Care; Tertiary Health Care; Health Workers

 

Resumen

Objetivo: analizar la ocurrencia de agresiones verbales y factores asociados al fenómeno contra trabajadores de la salud. Método: estudio explicativo mixto, secuencial, desarrollado entre 2016 y 2019, con 647 trabajadores de los servicios de salud de las regiones Oeste y Lejano Oeste de Santa Catarina. Se utilizó el Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector y entrevistas semiestructuradas. Se realizaron análisis estadísticos inferenciales y temáticos, respectivamente. Resultados: de los participantes, 307 (47,4%) relataron haber al menos un episodio de agresión verbal. Este evento se asoció con el rol del trabajador, el contacto físico con el paciente, el reconocimiento en el trabajo y la preocupación por la violencia en el trabajo. Los testimonios apuntan los impactos en la salud de los trabajadores y la fragilidad de los comportamientos tras los episodios. Conclusión: la agresión verbal es una violencia típica de los servicios públicos de salud, con víctimas que tienen un perfil común e instituciones con dificultad en el manejo de este problema.

Descriptores: Violencia en el Trabajo; Agresión; Primeros Auxilios; Atención Terciaria de Salud; Trabajadores de la Salud

 

Introdução 

O fenômeno da violência é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o uso intencional da força física ou autoritária, praticada contra uma pessoa ou grupo, que possa resultar em lesão física, dano psicológico, privação e morte. No ambiente de trabalho, a violência pode se expressar na forma física ou psíquica, a segunda subdividida em agressão verbal, assédio moral/intimidação, assédio sexual e discriminação racial.1

O trabalho em saúde, ainda que se caracterize como uma necessidade para o desenvolvimento humano, tendo em vista suas intervenções voltadas ao cuidado dos indivíduos, aponta um alto potencial de danos à saúde dos profissionais da área. A exposição destes trabalhadores aos mais diversos riscos ocupacionais e à violência é um problema de extensa dimensão,2-3 com uma estimativa global de prevalência de 42,5% de violência não física e 24,4% de violência física.3-4 Pesquisas indicam que a ocorrência de violência laboral, bem como outros riscos psicossociais vivenciados por estes profissionais, pode ser considerada como uma das principais causas de suicídio, depressão, estresse e ansiedade.5-6

As consequências da violência podem ser de difícil reconhecimento, principalmente, quando não deixam marcas físicas no trabalhador. Nessa direção, tem-se as agressões verbais, compreendidas como o rompimento das regras verbais, que humilham, degradam e desrespeitam a dignidade e o valor da pessoa.1 Pesquisas revelam que a violência psicológica tem sido a mais comum nos serviços públicos de saúde,4-8 tanto na Atenção Primária à Saúde (APS)6,8 como na Terciária.4,9-10 Algumas características destes serviços podem contribuir para o agravamento das situações violentas contra os profissionais, como a superlotação, sobrecarga de trabalho, carência de recursos humanos, materiais e físicos, ritmo acelerado de trabalho, demora no atendimento ao paciente, entre outras.3-7 Nestes locais, a agressão verbal é considerada como a mais prevalente, típica e banalizada,9,11-12 causando impactos que refletem diretamente no indivíduo, nos colegas de trabalho que testemunham o evento, no cuidado prestado ao usuário, na organização e na sociedade.3-8

Nesse sentido, sabendo-se que os profissionais que atuam em diferentes setores da saúde estão expostos à agressão verbal no trabalho, a pesquisa objetiva analisar a ocorrência da agressão verbal e fatores associados ao fenômeno contra trabalhadores de saúde.

 

Método

Estudo de métodos mistos, explanatório sequencial, sendo a etapa quantitativa transversal. Nesta combinação, a primeira fase do estudo é voltada à abordagem quantitativa QUAN, que é seguida pela etapa qualitativa QUAL, que é a fase secundária, as quais buscam a conexão de achados e maior entendimento sobre o fenômeno, o que contribui para a produção de resultados que se complementam mutuamente.13

A pesquisa foi desenvolvida em todas as unidades de APS de 23 municípios das regiões Oeste e Extremo Oeste do Estado de Santa Catarina e no hospital público de referência para os municípios participantes do estudo. 

A população disponível para o estudo era de 1.993 trabalhadores na APS, de 102 na ESF, e 553 trabalhadores do hospital. Considerando-se 95% de confiança e um erro amostral de 5%, a amostra probabilística foi de 449 e 198 participantes, respectivamente, totalizando amostragem de 647 profissionais atuantes nos serviços de saúde de interesse, sendo o método de amostragem não probabilístico e a amostra selecionada por conveniência.

Como critérios de inclusão adotaram-se: atuar como médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem, cirurgião-dentista, auxiliar em saúde bucal, técnico em saúde bucal ou agente comunitário de saúde nos serviços há no mínimo 12 meses. Foram excluídos do estudo os trabalhadores afastados do trabalho por qualquer motivo durante o período de coleta de dados.

Os participantes responderam ao Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector,14 versão em português, validado no Brasil,15 seguindo protocolo único e conduzido pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa, os quais conduziam os questionamentos ou deixavam o instrumento para ser preenchido pelo participante durante o turno de serviço, conforme escolha do respondente.

 O instrumento permite o levantamento da ocorrência de violência física (18 questionamentos) e violência psicológica. Esta última subdividida em agressão verbal (13 questões), intimidação/assédio moral (13 questões), assédio sexual (13 questões), e discriminação racial (13 questões), nos últimos 12 meses, contemplando características da vítima, da agressão e do perpetrador, consequências e medidas institucionais de controle da violência, com respostas tipo Likert de cinco pontos e abertas

Para este artigo foram analisadas as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, cor da pele, anos de escolaridade, estado civil, possuir filhos, consumo tabaco  e álcool, horas de sono,  uso de medicamento, tipo do medicamento, com ou sem prescrição e possuir doenças crônicas) e laborais (tipo de vínculo, tempo de atuação, setor de trabalho, função, cargo de chefia/supervisão, carga horária semanal, turno de trabalho, atividade complementar, experiência na área da saúde, contato direto com o paciente/usuário, número de profissionais, relações interpessoais, reconhecimento no trabalho, acidentes, preocupação com a  violência) junto ao domínio da agressão verbal  (frequência, agressor, reações e medidas adotadas pela vítima diante da agressão e com os agressores). Este instrumento demora em média 25 minutos para ser respondido pelos participantes.

Após a etapa quantitativa, realizaram-se entrevistas semiestruturadas com 20 profissionais, sendo dez da APS e dez do Hospital, intencionalmente convidados por terem sido identificados como tendo sofrido algum tipo de violência no trabalho na etapa quantitativa e por responderem afirmativamente acerca do interesse em participar da etapa seguinte de pesquisa. Nessa etapa, definiu-se o quantitativo de entrevista pelo critério de saturação dos dados,16 quando novas vivências para melhor compreender o fenômeno pararam de ser apresentadas pelos participantes. Essas entrevistas ocorreram mediante agendamento e em local reservado de escolha do participante, respeitando-se a demanda dos serviços e a disponibilidade dos profissionais, com duração média de 30 minutos. As coletas seguiram um roteiro com questionamento sobre a ocorrência da violência, consequências para vítima e perpetrador, condutas após os episódios e espaço para outras colocações sobre o fenômeno, previamente elaboradas, gravadas em áudio e transcritas.  O período de coleta foi de 2016 a 2019.

Os dados quantitativos foram analisados com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences, versão 21.0. As variáveis quantitativas foram descritas por número absoluto, frequência e média e desvio padrão (±) ou mediana e intervalo interquartil (de acordo com a normalidade das variáveis contínuas pelo teste Kolmorov-Smirnov). Os fatores independentemente associados com a agressão verbal foram ajustados a partir da Regressão de Poisson, observando-se os fatores relacionados à agressão verbal no local de trabalho, sendo consideradas variáveis com valor inferior a 0,20. O nível de significância adotado foi inferior a 0,05 e intervalos de confiança, de 95% (IC 95%).

Os achados qualitativos passaram por Análise Temática,17 composta por pré-análise, exploração e inferência dos dados. Nesse processo emergiram as categorias temáticas: Perpetrador da violência; Enfrentamento da violência: Consequências geradas para o agressor; e Consequências da violência para as vítimas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, via Plataforma Brasil, pelos Pareceres nº 713.728/30 de novembro de 2015, nº 2.835.706/4 de agosto de 2018 e nº 3.414.195/9 de agosto de 2019. Respeitou os aspectos éticos recomendados pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e todos, após exposição do estudo e aceite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Os participantes foram identificados de acordo com a sigla da sua função, sendo: médico (ME); enfermeiro (ENF), técnico de enfermagem (TE), auxiliar de enfermagem (AE), cirurgião-dentista (CD), auxiliar em saúde bucal (ASB), técnico em saúde bucal (TSB) ou agente comunitário de saúde (ACS), e ambiente de trabalho APS ou hospital (APS ou HOSP).

 

Resultados

         Na Tabela 1, apresenta-se o perfil sociodemográfico e laboral dos participantes do estudo, independente do relato de agressão verbal.

Tabela 1 – Características sociodemográficas e laborais dos participantes. Regiões Oeste e Extremo Oeste, SC, Brasil, 2020. (n=647)

Variáveis

n (%)

Idade (anos) – média ± DP

39,3 ± 9,0

Sexo (n=645)

 

  Masculino

62 (9,6)

  Feminino

583 (90,4)

Cor da pele (n=646)

 

  Negra

14 (2,2)

  Parda

70 (10,8)

  Branca

557 (86,2)

  Outra

5 (0,8)

Escolaridade (anos) – média ± DP

14,2 ± 2,7

Situação Conjugal (n=644)

 

  Solteiro/Viúvo/Sem companheiro

166 (25,8)

  Casado/Com companheiro

478 (74,2)

Número de filhos – mediana (P25 – P75)

1 (0 – 2)

Tem doença Crônica

205 (31,9)

Anos de experiência na área da saúde – mediana (P25 – P75)

10 (4 – 15)

Tempo na instituição (anos) – mediana (P25 – P75)

7 (4 – 13)

Função (n=647)

 

  Enfermeiro

135 (20,9)

  Técnico de Enfermagem

186 (28,7)

  Auxiliar de Enfermagem

123 (19,0)

  Médico

25 (3,9)

  Cirurgião-Dentista

20 (3,1)

  Técnico em Saúde Bucal

5 (0,8)

  Auxiliar em Saúde Bucal

16 (2,5)

  Agente Comunitário de Saúde

137 (21,2)

Carga horária semanal (horas) – média ± DP

40,4 ± 3,8

Carga horária total (horas) – média ± DP

42,6 ± 9,7

Em relação à ocorrência de agressão verbal no trabalho, evidenciou-se que 307 (47,4%) participantes relataram ter sofrido ao menos um episódio desta violência no último ano, com mediana de quatro agressões. A maioria relatou contato físico frequente com pacientes (65,9%).

O perfil das vítimas se caracteriza por idade média de 39,1 anos (±8,3), 280 (91,5%), do sexo feminino, 270 (87,9%) de cor branca, com escolaridade média de 14,8 anos de estudo (±2,6) e mediana de 10 anos (6-17) de experiência na área da saúde. Ainda, 219 (71,6%) dos profissionais afirmaram serem casados ou com companheiro e 204 (66,4%) declararam possuir um ou mais filhos. A Tabela 2 destaca as particularidades dos casos e as condutas adotadas após o episódio.

 

Tabela 2 - Características dos casos de agressão verbal no trabalho. Regiões Oeste e Extremo Oeste, SC, Brasil, 2020. (n=307)

Variáveis

n (%)

Considera a agressão uma situação típica no local de trabalho (n=306)

 

  Sim

209 (68,3)

  Não

97 (31,7)

Perpetrador do último episódio de agressão (n=299)

 

  Paciente

165 (55,2)

  Familiares/cuidadores do paciente

35 (11,7)

  Colegas de trabalho

  Chefia/Supervisor

43 (14,4)

28 (9,4)

  Outro

28 (9,4)

Colega agressor (n=41)

 

  Médico

37 (90,2)

  Equipe de enfermagem

2 (4,9)

  Outro

2 (4,9)

Local do incidente de agressão (n=296)

 

  Dentro da instituição

275 (92,9)

  Fora de instituição

21 (7,1)

Acredita que o incidente poderia ter sido evitado (n=303)

 

  Sim

203 (67,0)

  Não

100 (33,0)

Houve alguma providência tomada diante do evento (n=303)

 

  Sim

93 (30,7)

  Não

210 (69,3)

Consequências para o agressor (n=272)

 

  Nenhuma

246 (80,1)

  Advertência verbal

26 (8,5)

  Interrompeu o tratamento/foi transferido de setor

4 (1,3)

  Registro na polícia

7 (2,3)

  Processo ao agressor

0 (0,0)

  Não sabe

15 (4,9)

  Outro

9 (2,9)

Oferta de ajuda pelo empregador ou supervisor (n=305)

 

  Não ofereceu

110 (36,4)

  Ofereceu aconselhamento

46 (14,2)

  Ofereceu oportunidade de falar

126 (41,7)

  Outro suporte

23 (7,6)

Grau de satisfação em como o incidente foi tratado (n=298)

 

  Totalmente insatisfeito/insatisfeito

186 (62,4)

  Indiferente

50 (16,8)

  Satisfeito/Totalmente satisfeito

62 (20,8)

 

As entrevistas destacaram as características das agressões sofridas pelos profissionais, o que corrobora com os achados quantitativos (Tabela 2). Os depoimentos condizentes foram atribuídos à categoria temática “Perpetrador da violência”:

[...] ele [paciente] queria ser atendido de imediato e aí começou ofender, não só eu mas toda a equipe, invadiu o consultório da médica, agrediu verbalmente ela. (ENF APS5)

Olha, agressão verbal é tão comum aqui na unidade que eu já considero normal, a gente nem dá mais muita bola. (ENF APS6)

O episódio que mais me marcou foi briga com médico. (ENF HOSP2)

 

A Tabela 3 destaca as associações possíveis diante daqueles que sofreram ou não agressão verbal, utilizando o modelo de Regressão de Poisson sobre os fatores.

Tabela 3 - Fatores associados ao sofrimento de    agressão verbal. Regiões Oeste e Extremo Oeste, SC, Brasil, 2020

Variáveis

Sofreu agressão verbal

n (%)

Não sofreu agressão verbal

n (%)

RP

Intervalo de confiança (IC95%)

p-value

Função

 

 

 

 

<0,001

  Enfermeiro

89 (29,0)*

46 (13,5)

2,12

1,56 – 2,89

 

  Técnico de Enfermagem

77 (25,1)

109 (32,1)*

1,51

1,10 – 2,07

 

  Auxiliar de Enfermagem

86 (28,0)*

37 (10,9)

2,52

1,87 – 3,39

 

  Médico

6 (2,0)

19 (5,6)*

0,81

0,40 – 1,64

 

  Cirurgião-Dentista

9 (2,9)

11 (3,2)

1,44

0,82 – 2,51

 

  Técnico em Saúde Bucal

1 (0,3)

4 (1,2)

0,77

0,12 – 4,97

 

  Auxiliar em Saúde Bucal

5 (1,6)

11 (3,2)

1,24

0,57 – 2,69

 

  Agente Comunitário de Saúde

34 (11,1)

103 (30,3)*

1,00

-

 

Contato físico frequente com pacientes

238 (77,8)

188 (55,3)

 

 

<0,001

Pacientes de maior contato

 

 

 

 

0,772

Crianças/Adolescentes

5 (1,7)

8 (2,5)

1,45

1,18 – 1,77

 

Adultos/Idosos

71 (23,4)

75 (23,1)

1,45

1,21 – 1,74

 

Ambos

227 (74,9)

241 (74,4)

1,00

-

 

Satisfeito com o local onde trabalha

 

 

 

 

0,024

  Nem um pouco satisfeito/Pouco   satisfeito

14 (4,6)

7 (2,1)

0,022

1,06 – 2,02

 

  Indiferente

74 (24,3)

62 (18,2)

0,027

1,03 – 1,57

 

  Satisfeito/Muito satisfeito

217 (71,1)

271 (79,7)*

-

-

 

Se sente reconhecido no trabalho

 

 

 

 

<0,001

      Nem um pouco/Pouco

64 (20,8)*

34 (10,0)

1,49

1,21 – 1,83

 

      Indiferente

98 (31,9)

95 (28,0)

1,09

0,92 – 1,31

 

      Reconhecido/Muito reconhecido

145 (47,2)

210 (61,9)*

1,00

-

 

Avaliação da relação interpessoal no trabalho

 

 

 

 

0,001

      Nem um pouco satisfeito/Pouco satisfeito

16(5,2)*

3 (0,9)

1,20

-

 

      Indiferente

48 (15,6)

39 (11,5)

1,47

1,18 – 2,00

 

      Satisfeito/Muito satisfeito

243 (79,2)

298 (87,6)*

1,60

1,22 – 2,10

 

Preocupação com a violência no trabalho

 

 

 

 

<0,001

      Nem um pouco/Pouco preocupado

41 (13,4)

115 (33,8)*

1,00

-

 

      Indiferente

73 (23,9)

82 (24,1)

1,57

1,17 – 2,10

 

      Preocupado/Muito preocupado

192 (62,7)*

143 (42,1)

1,62

1,24 – 2,12

 

Existem procedimentos para relato da violência no local de trabalho

101 (32,9)

138 (40,9)

-

-

0,042

Existe estímulo para relato da violência no local de trabalho

103 (33,8)

108 (32,1)

-

-

0,723

*Associação estatisticamente significante pelo teste dos resíduos ajustados a 5% de significância.

RP - Razão de Prevalência. Não se aplica o cálculo de RP e IC nessas questões.

 

Evidenciou-se que as funções de enfermeiro e auxiliar de enfermagem têm aumento na probabilidade de sofrer agressão verbal em 112% e 152%, respectivamente, quando comparadas com os agentes comunitários de saúde. Funcionários que se sentiram pouco ou não reconhecidos no trabalho apresentaram uma prevalência de 49% maior do desfecho, e os que estavam nem um pouco satisfeitos ou pouco satisfeitos na relação interpessoal no trabalho apresentaram um aumento de chances de sofrer agressão verbal no trabalho em 46%.

Quando questionados sobre as reações que o profissional teve frente à ocorrência de agressão verbal no trabalho, identificou-se que 59,6% (n=183) contaram para um colega; 55,4% (n=170) relataram para um chefe; 30,3% (n= 93) contaram para amigos e familiares; 28% (n=86) pediram para a pessoa parar, e 24,4% (n=75) dos profissionais não tiveram reação diante do evento. Ainda, 24,8% (n=76) das vítimas realizaram o registro da agressão, mas o instrumento não permite identificar onde e em qual documento foi feito. Os dados obtidos são reforçados pelos relatos dispostos à categoria temática “Enfrentamento da violência”:

 A gente relata, meio que a gente se desabafa um com o outro em equipe. Que eu acho que é a única coisa que a gente faz, desabafar um com o outro. E, se é alguma coisa mais grave, a gente tem até um livro de ocorrência que a gente pode relatar [...]. (AE APS1)

Eu me calei, daí. Parei de responder o paciente, atendi ele e liberei. E, daí, depois fui e conversei com a enfermeira coordenadora, passei o nome do paciente, relatei para ela tudo o que estava acontecendo, acho que ela registrou também. (AE APS3)

[...] a gente senta e conversa em grupo, discute o caso [...]. (ENF HOSP1)

 

Nesse sentido, os dados ratificam que existe déficit quanto às condutas/providências que devem ser tomadas para evitar a recorrência desses eventos. O apoio às vítimas tem progredido, mas ainda se mostra inexpressivo na maioria dos casos, como relatado nos trechos abaixo:

[...] até procurei ajuda, sabe, mas aconselharam a tentar resolver. Não deu muito certo, até tentei me explicar, mas a colega não queria saber de nada. Então ficou desse jeito aí, uma situação insuportável, até eu pedir para sair. (ENF HOSP3)

[...] os órgãos de classe, eles não nos apoiam, que não adianta, que é perca de tempo, que eles não conduzem como deveriam. (ENF HOSP2)

 

Em relação à categoria “Consequências geradas para o agressor”, os depoimentos também reforçam os achados quantitativos referentes às consequências tímidas ao agressor:

Foi passado, mas não, acho que não seguiu adiante [...] demorou ainda anos para a pessoa [...] ela ainda continuou trabalhando no lugar um tempão e agora ela saiu, então, não foi passado para adiante, assim. (TE HOSP1)

Eu acredito que as violências no trabalho nem são tratadas [...] que na verdade é um tema de uso diário, mas sem importância. (ENF HOSP3)

 

Destaca-se que os principais problemas vivenciados pelos profissionais após a ocorrência da violência foram: 117 (38,6%) permaneceram bastante/extremamente “superalertas” (n=117; 38,6%); sentimentos extremos/frequentes de que as atividades ficaram mais penosas (n=115; 38,1%); evitar pensar e falar sobre o episódio (n= 98; 32,5%); e apresentar memórias, pensamentos, lembranças ou imagens do ocorrido (n= 92; 30,5%).

A partir da análise qualitativa, as consequências dos episódios de violência que mais apareceram nos depoimentos são as psicológicas, o sentimento de incompetência, impactos na saúde física, desmotivação, isolamento e medo, dificuldades no trabalho em equipe e o sentimento de “culpa”. Evidenciaram-se as “Consequências da violência para a vítima”, ilustrada nos relatos:

Tu sofre com aquilo, aquilo te marca pro resto da vida [...] não só no teu trabalho como em casa também, tem muitos casos que a pessoa chora, chora, só chora, depressiva [...]. (TE HOSP1)

Você acaba sendo tomado por um estresse muito grande [...] e realmente, esse estresse, ele se manifesta como na forma física, geralmente com dores musculares, aquela questão de tensão, dores de cabeça, mal-estar, indisposição [...], isso que mais implica. (ENF HOSP UTI 11)

 

As vítimas que afirmaram não terem relatado ou falado sobre o incidente com outras pessoas não o fizeram, segundo uma parcela significativa (37,8%), considerando que, de qualquer forma, não seriam tomadas providências; porque emergiu medo de consequências negativas (22,1%); ou consideraram que não foi importante (19,4%).

Depois do acorrido, até mais fria fiquei com os pacientes, a maneira de tratar eles, principalmente os homens, por medo que fizessem algo comigo, mas isso foi depois do fato ocorrido mesmo. (TE CC2)

[...] hoje, daí tu fica com medo, de atender essas pessoas, porque tu nunca sabe as atitudes que eles têm. (TE HOSP1)

Não tem como não se preocupar [com violência no cenário da saúde], porque são muitos os acontecimentos e cada vez mais casos, as pessoas mais estressadas, com menos tolerância. (ENF APS10)

Os depoimentos, no entanto, sinalizam que os episódios de violência no local de trabalho tiveram repercussões negativas, interferindo no processo de trabalho e nas relações interpessoais.

 

Discussão

Pesquisas4,8-9 destacam a prevalência da agressão verbal, corroborando com os dados apresentados neste estudo. Metanálise conduzida na China,18 com 47 estudos sobre violência no local de trabalho em saúde, destacou prevalência de 61,2% de abusos verbais. Em Hong Kong,19 pesquisa apontou 39,2% de agressões verbais com trabalhadores de enfermagem. No Irã,20 estudo realizado no cenário hospitalar identificou um elevado percentual (78,1%) de vítimas de agressão verbal.

A presente pesquisa mostrou que, majoritariamente, os participantes consideraram a situação típica no ambiente de trabalho. Órgão1 acompanha e sinaliza que as situações de violência se têm tornado cotidianas nos serviços públicos de saúde em vários países. Autores2-4,21 descrevem que os trabalhadores de enfermagem, cotidianamente, estão expostos a situações violentas e esse fenômeno ocorre tanto nos ambientes laborais da APS, quanto em cenários hospitalares. Salienta-se o aumento das discussões sobre o tema internacionalmente,19 apontando os trabalhadores de enfermagem, do sexo feminino, como as principais vítimas.

Evidenciou-se ainda que os profissionais de enfermagem têm um aumento na probabilidade de sofrer agressão verbal no trabalho entre 51% e 152%, quando comparados com os agentes comunitários de saúde. A literatura mostra que tal profissão é frequentemente violentada no seu cotidiano de trabalho.22 Alguns fatores intervenientes, como ritmo intenso de trabalho, prestação de cuidados à saúde, e primeiro contato com o indivíduo em situação fragilizada, podem estar relacionados com a ocorrência do evento.Apesar de o sexo não ser uma variável associada à agressão verbal, a ocorrência dessa violência entre enfermeiras, majoritariamente, mais uma vez tenciona refletir sobre o machismo estruturante da sociedade brasileira, que frequentemente perpassa o setor da saúde.

 Outro aspecto evidenciado nos achados foi o fato de que os trabalhadores que se sentiam nem um pouco ou pouco reconhecidos no trabalho apresentaram uma prevalência 49% maior do desfecho, e os que não estavam nem um pouco satisfeitos ou pouco satisfeitos na relação interpessoal no trabalho apresentaram um aumento na prevalência de sofrer agressão verbal no trabalho de 46%. Evidências mostram que profissionais expostos à violência, além de insatisfeitos e menos comprometidos, são mais suscetíveis aos erros durante a execução do trabalho, bem como ao abandono de emprego.12

No que tange aos perpetradores da violência, estudos ratificam os dados obtidos na presente pesquisa, nos quais os agressores mais frequentes foram os pacientes,4,8,23 seguidos de familiares e/ou acompanhantes4,8,24 e, em terceiro lugar, os colegas de trabalho.4,8,24 Entretanto, investigação14 diverge, apontando os colegas de trabalho em segundo lugar. Agressões entre colegas de trabalho, em diversas situações, caracterizam-se como forma de dar vazão à frustração ocasionada por situações violentas, configurando os trabalhadores como vítimas em massa da violência estrutural, a qual pode gerar outros tipos de violência, abalando a integridade moral do trabalhador.4

No que concerne às consequências para o agressor, estudo nacional25 revela a escassez de providências ou advertências frente ao fenômeno. Pesquisa26 aponta subnotificações dos episódios violentos, com ausência de medidas de contenção a episódios recorrentes. Pesquisadoras reforçam a importância do relato e das denúncias dos episódios para a gestão dos serviços de saúde.21

Como consequências do evento de violência para a vítima, estudos corroboram que as principais implicações advêm de expressões de sofrimento psíquico, que acarretam medo e insegurança. Ainda, a qualidade do atendimento prestado aos usuários passa a ser prejudicado em função do sentimento de desproteção, incompetência, desmotivação e dificuldades no trabalho em equipe, o que interfere negativamente no trabalho dos profissionais.27

No que se refere ao enfrentamento da violência, estudo evidenciou que a equipe de enfermagem tende a adotar o silêncio como uma forma de se proteger da violência oriunda dos agressores, e buscar apoio e ajuda com outras pessoas, principalmente, com a equipe de trabalho.28 Autores29 destacam que os mecanismos para enfrentamento da violência no local de trabalho podem ser de cunho individual ou coletivo. O enfrentamento individual é constatado em atitudes como o uso de estratégias de fuga focadas em recursos pessoais. Estudo menciona como estratégia de cunho coletivo que o enfermeiro, como líder da equipe de enfermagem, possui papel relevante na articulação de um diálogo entre os envolvidos nas situações de violência, colaborando na elaboração de estratégias institucionais que minimizem a perpetuação dos casos de violência no trabalho.30

Nesse contexto, destaca-se a importância de protocolos ou outros dispositivos para manejo da violência no trabalho. Políticas públicas específicas para os profissionais de saúde, que primem pela sua segurança e bem-estar no trabalho, mostram-se indispensáveis, no que diz respeito ao combate institucional à violência.7

Considera-se como limite do estudo não observar as condições de trabalho e as formas de lidar que potencialmente possam ampliar a compreensão dos contextos de violência. Ainda, a pesquisa transversal, em cenários específicos, com impossibilidade de comparar a ocorrência da violência nos dois níveis assistenciais, são outros limites da investigação. Dessa forma, evidencia-se a necessidade da realização de outras investigações para documentar a agressão sofrida contra os profissionais de saúde, a fim de monitorar tendências na incidência e o perfil da violência nos diferentes níveis de atendimento aos usuários.

Identifica-se como contribuições do estudo um conjunto de achados que podem conduzir estratégias de enfrentamento da violência, a exemplo de campanhas de sensibilização, bem como o desenvolvimento e implantação de instrumentos de manejo das ocorrências, incluindo a notificação e ações para enfrentar o problema na equipe interprofissional, assim, potencializando a cultura de paz nos serviços de saúde. Ainda, tem-se evidências que permitem identificar as variáveis associadas à ocorrência da agressão verbal, para sua desmistificação e desnaturalização.

 

Conclusão

 

Os achados confirmam que a agressão verbal é uma violência típica dos serviços públicos de saúde, com vítimas que possuem um perfil comum, sendo a maioria mulheres membros da equipe de enfermagem, em contato constante com os pacientes, que se mostram os perpetradores mais prevalentes. Os resultados podem contribuir com avanços nas formas de prevenção da violência, potencialmente primária, da agressão verbal, o que também impacta na maximização da qualidade da assistência prestada aos usuários, ao potencializar a cultura de paz nos serviços de saúde.

O sentimento de reconhecimento no trabalho é significativamente menor entre as vítimas e a preocupação com a ocorrência de violência é maior, demostrando que esses eventos possuem impacto nas expectativas do trabalhador para com o seu trabalho, e potencialmente na sua saúde. Os dados qualitativos indiciam a mudança de comportamento do trabalhador após os episódios e apontam as dificuldades das instituições no manejo da agressão verbal nos serviços da APS e hospitalar. Assim, sugere-se qualificar os procedimentos formais e a notificação desses eventos nesses locais, por meio de uma política de valorização dos episódios, com fomento de uma cultura de desnaturalização da agressão verbal nos serviços públicos de saúde.

 

Referências

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Fomento / Agradecimento: Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) (Financiamento de Pesquisa Edital PAP/FAPESC TR1153) e Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (Capes/taxa; bolsa de doutorado).

 

Contribuições de autoria

 

1 – Letícia de Lima Trindade

Autor Correspondente

Enfermeira. Pós-doutorado - E-mail: letrindade@hotmail.com

Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final.

 

2 – Grasiele Fatima Busnello

Enfermeira. Doutora em Ciências -E-mail: grasibusnello@gmail.com

Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final.

 

3 – Maiara Daís Schoeninger

Enfermeira. Mestre em Enfermagem -E-mail: maia_schoeninger@hotmail.com

Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final.

 

4 – Kaciane Boff Bauermann

Enfermeira. Mestre em Enfermagem -E-mail: kacianebb@hotmail.com

Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito; revisão e aprovação da versão final

 

5 – Marina Klein Heinz

Acadêmica de Enfermagem - E-mail: marinakleinheinz@gmail.com

Concepção e/ou desenvolvimento da pesquisa e/ou redação do manuscrito.

 

6 –Clarissa Bohrer da Silva

Enfermeira. Doutora em Enfermagem -E-mail: clabohrer@gmail.com

Revisão e aprovação da versão final.

 

 

Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

Editora Associada: Silviamar Camponogara

 

 

Como citar este artigo

Trindade LL, Busnello GF, Schoeninger MD, Bauermann KB, Heinz MK, Silva CB. Verbal aggression against health professionals in primary and tertiary care: a mixed methods study. Rev. Enferm. UFSM. 2022 [Access in: Year Month Day]; vol.12 e15: 1-17. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769267045